Amor em atos - Apaga a luz

Um conto erótico de João Fayol
Categoria: Homossexual
Contém 2748 palavras
Data: 11/03/2023 01:35:27

Rua Voluntários da Pátria, Botafogo, Rio de Janeiro, fevereiro de um ano não tão distante de nós. O calor era descomunal, o verão castigava, nem a cerveja gelada que o garçom do bar nos servia, nem o figurino à carioca, composto de short, chinelo e regata, eram capazes de atenuar o calor. Na rua, os carros ora passavam correndo, ora mais devagar, rumo a um total desconhecido para mim. Por um momento, me imaginei correndo para o desconhecido, para uma realidade que, independentemente de como fosse… que fosse melhor do que aquela em que eu estava vivendo. Um lugar além do arco-íris, como cantou Judy Garland.

Tudo traz a ideia de que fiquei nessa divagação por longos minutos ou horas, mas foram apenas segundos, à realidade me chamou no exato momento em que o noivo chamou a minha atenção:

- Calma aí! Calma aí! - ele falava alto e gesticulando. - Vai, João, você na qualidade de padrinho e de meu melhor amigo, tem que concordar comigo.

- Do quê que cê tá falando? - todos da mesa me encararam e começaram a rir da minha breve desconexão com o tema.

- Para de moscar, Joãozinho, eu tô falando se tu não acha que foi uma sacada genial marcar o casamento pra perto do dia dos namorados. Em todos os aniversários eu vou economizar com só 1 presente. - o sorriso dele mostrava que aquele era definitivamente um dos dias mais felizes da vida dele; contrastando com o completo oposto do meu dia.

- Acho que isso prova que você é um pão duro do caralho, né. Minha amiga claramente merecia um marido mais mão aberta. - e então, ELA me abraçou e também riu da resposta, junto com ele.

Aquele não era somente o terror de qualquer indivíduo, era o terror de qualquer indivíduo gay. Sim, eu estava completamente apaixonado pelo meu melhor amigo, que até não era hétero, mas não deixava de estar se relacionando com uma mulher. Mas, antes disso, vamos rebobinar a fita?

Meu nome é João Fayol, os mais íntimos me chamam só de Jão, tenho 23 anos, carioca da gema, negro, cabelo cacheado (e volumoso, há de se pontuar), 1.67 e professor de História. Cresci na Tijuca, região de classe média do Rio de Janeiro, e foi lá que conheci o Benjamin, o noivo, lá do começo da história, que me chama de Joãozinho. Nos conhecemos na escola, ainda no fundamental 1. Sendo negro em um colégio de classe média da Tijuca, quase 20 anos atrás, eu não era uma das poucas pessoas negras da escola, eu era A única pessoa negra da escola. Sofrer bullying era infelizmente uma constante, e tendo desde cedo tomado ciência da minha sexualidade, eu estava ainda mais vulnerável.

O Ben, em contrapartida, era o garoto mais legal da escola, é claro que ele fazia o padrão da escola: menino branco de família riquinha. Num contexto normal, jamais seríamos amigos, mas lembra que eu disse que ele era o menino mais legal da escola? Estudávamos na mesma sala e, em uma dinâmica de trabalho de casa, acabamos fazendo dupla. Daquele trabalho em diante, nunca mais nos largamos. Nunca deixamos de ser amigos.

Permanecemos sendo amigos quando eu me entendi enquanto gay e contei para ele, que prontamente me acolheu e me apoiou. Permanecemos amigos quando, aos 15 anos, na casa dele, depois de uma festa de debutante, bêbado, ele me beijou. Permanecemos amigos no dia seguinte, quando ele me pediu desculpas e disse que estava muito bêbado. Permanecemos amigos quando ele começou a namorar a Carol, aos 16. Permanecemos amigos quando, aos 17, no meu aniversário, ele pegou metade da festa, incluindo meus amigos homens, mas sequer me olhou com outros olhos que não fosse de amigo. Permanecemos amigos quando ele se entendeu como bissexual e começou a namorar outros caras, mas nunca me olhou. Permanecemos amigos quando ele voltou a namorar a Carol e a pediu em casamento. Permanecemos amigos quando ele me convidou pra ser seu padrinho de casamento. Permanecemos amigos mesmo quando eu permaneci apaixonado por ele durante todos esses anos após o beijo na casa dele. Permanecemos. Só que agora, eu não tava mais aguentando a barra.

Não é como se eu não tivesse me relacionado com outros caras ao longo dos anos, pelo contrário. Se tem algo que eu fiz, foi namorar. Em certa medida, acho que namorei tanto pra ver se conseguia esquecer ele, ou se conseguia causar algum sentimento de ciúmes, mas nunca rolou. Ele nunca pareceu se incomodar. Já eu, sempre vivi o calvário de vê-lo feliz com outras pessoas.

Aos 18 anos, passamos juntos para a faculdade, eu para História na UNIRIO e ele para Jornalismo na UFRJ, ambas as instituições na Urca. Nessa época, minha família havia passado por uma mobilidade social e estávamos vivendo no Flamengo. Meus pais haviam entrado como sócios de uma cadeia de redes de restaurante e estavam se mudando para São Paulo para se manterem mais próximos das operações, então, como presente de faculdade, aos 18 anos, eles me deixaram uma casa mobiliada no Rio de Janeiro. Não me adaptei a morar sozinho e poucos meses depois fui dividir um apartamento com o Ben, na Urca, bairro em que estudávamos.

Achei que a convivência fosse me mostrar que não havia cabimento aquela paixão, mas ela só piorou tudo. Ben, além de extremamente fofo e acolhedor, havia se tornado um grande gostoso, não musculoso em excesso, mas com um corpo que chamava atenção… que chamava a minha atenção. Nunca houve nada, o fato dele nunca ter tentado nada comigo, fez com que eu também nunca tentasse algo com ele.

Nos últimos tempos, entretanto, as coisas estavam diferentes, a marcação da data de casamento com a Carol me pegou demais. Finalmente, com anos de atraso, caí em mim e entendi que jamais poderia haver algo entre nós dois. Eu sempre soube, mas agora eu estava processando aquela informação da maneira mais dolorosa possível. Além de ser amigo dele, eu havia me tornado amigo da Carol, que era uma pessoa espetacular e fabulosa. Eu não poderia estar ali, me fazendo de terceiro elemento de uma vida que não era minha. O sofrimento daquela tarde não era em vão, eu havia decidido conversar com ele sobre deixar o apartamento da Urca e voltar ao Flamengo. Ainda não sabia como iria fazer isso, mas iria.

-

O calor não arredava, e a troca de carinhos entre Carol e Ben não contribuía para me deixar menos tenso. Mentalmente, pedi por um socorro dos céus, e acredito que Zeus, em sua rara misericórdia aos humanos, atendeu ao meu pedido: um relâmpago riscou o céu de Botafogo, e em seguida uma trovoada se fez ouvir. Aquela era a minha deixa para sair daquele bar. Inventei uma desculpa qualquer e disse que precisava voltar para terminar de escrever o meu TCC e montar algumas aulas, já que eu já estava exercendo a profissão, trabalhando em algumas escolas da região.

Normalmente, a chuva é um empecilho à vida dos cariocas, mas não de um carioca que estava bebendo, como estávamos todos naquela mesa de bar; contudo, acredito que todos tiveram medo de que ocorresse alguma enchente, ou algo do gênero, e todos optaram por fechar a conta e correr para casa. Mais para frente, eu conto melhor sobre esse grupo de amigos que formamos ao longo dos anos.

Carol, naquele dia, optou por dormir na casa dela e não com o Ben, disse que havia algumas coisas do trabalho para adiantar. Sendo assim, pedimos um uber, eu e ele, e voltamos em silêncio para casa, apesar do ânimo anterior dele no bar. Ainda que eu não tivesse verbalizado nada, as coisas estavam estranhas já há algum tempo. Ele estava estranho. Eu estava estranho, tudo estava estranho.

O uber nos deixou na entrada do nosso prédio e entramos. O prédio era moderno em comparação às construções que existem na Urca, mas não deixava de ser aconchegante e grande, com 3 quartos, uma raridade para o Rio de Janeiro. O aluguel era caro, mas a vista dele para a Baía de Guanabara, com Botafogo, Flamengo, Catete, Glória e Centro, ao fundo, valia super a pena.

Chegamos em casa e, junto conosco, chegou a chuva.

- Porra, esse aí foi de matar! - exclamou ele ao ver um raio ser atraído por um pára-raios, do outro lado da Baía, na altura do Flamengo.

- Eu não gosto nem de ver, cara, tenho pavor de raio, tu sabe. - disse enquanto me sentava no sofá.

- Tu é um medroso, isso sim, Joãozinho. - ele pegou uma almofada e jogou em mim, me fazendo rir.

- Eu sou consciente, isso sim. Já viu o que uma descarga elétrica dessa faz com uma árvore? Podendo evitar o mesmo role comigo, eu vou evitar.

- Tudo bem, você tem um ponto. - ele se sentou ao meu lado.

Caímos em um silêncio que era constrangedor. O silêncio nunca foi um problema para nós, tampouco era constrangedor, mas agora era. E para quebrar aquele silêncio eu deveria entrar num tema que era ainda mais constrangedor.

- Ben - eu disse quebrando o silêncio e chamando a sua atenção - a gente tem que conversar.

- Fala aí. - ele, que estava mais largado no sofá, se ajeitou para me ouvir.

- Eu vou direto ao ponto, eu vou me mudar daqui no próximo mês.

- O quê? Por que? Pra onde? Cê tá doido?! - ele ficou ereto no sofá, visivelmente irritado. Suas mãos foram imediatamente para seus cabelos, era um cacoete nervoso dele: mexer no cabelo quando irritado.

- Você vai se casar, Benjamin

- Daqui a um ano! - ele exclamou

- Independentemente disso. Eu quero dar mais liberdade pra você e pra Carol. Não é como se vocês já não convivessem juntos, e à medida em que o casamento for se aproximando, vocês vão precisar de um ambiente mais intimista antes de irem pra casa de vocês.

- Conforme o casamento for chegando eu vou precisar ainda mais de você por perto.

- Você vai precisar mais da sua noiva.

- Isso não anula o tanto que eu preciso de você por perto. - respirei fundo depois que ele falou.

- Você tá fazendo uma tempestade maior do que a que está caindo lá fora, Benjamin. Nós não vamos deixar de ser amigos e eu só vou me mudar pra o outro lado da Baía. De carro você demora 10 minutos pra chegar lá. Eu só vou voltar pra minha casa.

- Eu achei que aqui fosse a sua casa. Achei que eu fizesse parte da sua casa. Mas pelo visto, não mais, né. - ele se levantou e saiu da sala.

- Ben! Eu não acredito que você tá surtando por isso.

Quando quer, o Benjamin sabe perfeitamente como me irritar, e me dar as costas está no meu top 1 de coisas que me irritam completamente. Eu jamais iria brigar com ele, mas eu precisava resolver aquela situação, então fiz o que qualquer pessoa racional faria: me levantei e fui atrás dele, mas sem a paciência de 3 minutos antes.

- Benjamin! Benjamin, caralho! Você pode me ouvir - eu o interpelei na porta do seu quarto.

Eu não quero falar com você agora. - ele me olhou com o mesmo olhar de raiva de quando perdia algum jogo para mim, quando éramos menores. Sempre foi algo que me irritou.

- Mas eu não terminei de falar com você. - ele me deu as costas e entrou no quarto, e eu entrei junto, o deixando ainda mais irritado.

- Será que você pode me deixar em paz no meu quarto? - ele foi até a porta e a abriu para mim.

- Pode ficar tranquilo que eu já vou sair, antes, eu só queria dizer que você é um mimadinho do caralho. Olha o show que você tá dando por uma coisa tão ridícula. Parece que eu tô te expulsando da minha vida.

- E não tá, João? - ele elevou o tom de voz e bateu a porta, somente por estar com raiva.

- Claro que não!

- Tá, sim, porra! Têm meses que você não para nessa casa. Quando para, você mal conversa comigo, não me conta nada além do básico da sua vida, isso quando conta algo. Porra, você é o meu melhor amigo, João, você é parte da minha família, e agora tu me diz que tá metendo pé… tu quer que eu pense o quê? Que morando longe tu não vai me esquecer?

Ele me quebrou. O Benjamin sempre me quebra quando faz esse tipo de coisa. Ter me feito perder os argumentos não significava que eu havia mudado minha opinião sobre sair de casa, mas significa que eu conseguia reconhecer que estava sim fugindo dele… pelo medo de me magoar, mas fazendo isso, eu só acabei magoando nós dois.

Eu precisava contar para ele tudo que eu sentia, tudo que se passava aqui dentro de mim, mas ao mesmo tempo, que egoísmo da minha parte fazer isso no momento em que ele estava em vias de se casar. Que ying e yang difícil de conciliar, de entender e de falar.

- Ben - ele se sentou na cama e eu me aproximei. - Você é o meu melhor amigo, você sabe que eu te amo pra caralho, e nada nem ninguém pode mudar isso. As coisas estão meio confusas agora, mas isso não diminui o tamanho do meu amor por você. Sair daqui e ir morar longe não vai nos fazer menos amigos, eu prometo - ele me olhou fixamente e segurou a minha mão.

- João, o que tu sente por mim?

- Ué? Que pergunta é essa, Ben? - meu coração disparou e minha reação mais instintiva foi puxar a minha mão de volta.

- Eu perguntei o que você sente por mim.

- E eu já te disse, Benjamin. Tem quase 20 anos que eu te digo isso, Você é meu amigo.

Eu, que estava agachado, me levantei disposto a sair daquela sinuca de bico. Comecei a caminhar em direção a porta, mas ele se levantou e segurou o meu braço, me puxando de volta.

- Eu perguntei o que você sente, João. - as luzes da casa e o ar-condicionado do quarto dele apagaram. Tudo lá fora também estava escuro, provavelmente um apagão geral no bairro, mas não importava, o que estava acontecendo naquele quarto era mais importante

- Você sabe, Benjamin. - tentei me soltar, mas ele me segurou ainda mais firme e se aproximou.

- Não sei, João. E mesmo que eu saiba, eu quero que você diga, porque aí eu vou entender por que você tá fugindo de mim. - consegui fazer força o suficiente para soltar o meu braço e me afastar, andando de costas, mas o suficiente para encostar na parede do quarto.

- Você tá fugindo de mim, sim, João. A gente tá dentro de um quarto e você tá fugindo de mim. Por que você tem medo de mim? - ele se aproximou, me prendendo contra a parede.

- Porque eu te amo, Benjamin. Eu não posso ficar mais perto de você, eu não posso mais ficar aqui dentro dessa casa amando você. Eu preciso sair daqui. Eu preciso que você me deixe sair desse quarto… por favor.

- Por que? - ele estava com o corpo colado ao meu, era possível sentir a sua respiração.

- Eu tenho medo do que eu posso fazer. Medo do que eu quero fazer com você. - eu não conseguia mais encará-lo. Fechei os meus olhos.

- Eu também tenho. - ele disse

- Medo do quê?

- Do que eu quero fazer com você.

Não sei se fui eu, não sei se foi ele, mas essa foi a última coisa dita e então nos beijamos. Foi um beijo forte, intenso, ele pressionava o meu corpo contra o dele e eu, em contrapartida, o apertava ainda mais, como se fosse possível um contato físico ainda mais intenso. Eu poderia descrever mais, mas uma característica desse beijo, é que ele foi rápido, porque as luzes do apartamento reacenderam e o motor do ar-condicionado religando, nos chamou novamente à realidade. Nos afastamos rapidamente, seus lábios estavam vermelhos, e seu rosto, também. Ele me olhou de cima a baixo e mordeu os lábios.

- Apaga a luz.

Eu atendi. Apertei o interruptor ao meu lado, e antes do som de “click”, estávamos nos beijando novamente. Em um movimento rápido, ele me jogou em cima da cama e se deitou em cima de mim. Entre um beijo e outro, um toque e outro, uma peça de roupa e outra que era retirada, eu consegui sussurrar.

- Eu te amo, Benjamin. - e o encarei

- Eu também te amo, João. - então sorrimos e voltamos a nos beijar.

Era no escuro que ele me acendia.

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Comentários

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É uma sacanagem terminar a história neste ponto, a ansiedade da picos altíssimos e, agora temos que esperar a continuação, merda!!!!!

😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂

Só espero que não demore muito!!!!!

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pelo amor da beata virgem, volta aqui e termina essa história, tem gente chorando!!!

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Muito bom mas ficou um gostinho de quero mais. E aí vc vai nos satisfazer ou vai deixar tudo pela nossa imaginação?

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