CAPÍTULO XV
"Tirei o gesso! Vamos comemorar! Vem com o Felipe, eu e a Luana estamos na praça de alimentação, mesa cinco", eu li a mensagem no celular, enquanto Felipe colocava em prática o seu mais novo plano de "negócios" como vinha chamando.
Ele percebeu que o público no Onlyfans curtia personagens de HQs, então comprou uma máscara e alguns apetrechos do Bataman, e as escondia na casa de dona Janete, - a velha não o incomodava em nada desde que ele continuasse a ir a Igreja aos domingos e quintas.
- Ian tirou o gesso, - falei. - Eu ganhei mais cinco pagantes, acredita? E olhe que só postei foto do pé.
- Seus posts são fracos amigo, - Felipe disse. - Tem que ser mais apelativo.
O quarto em que estávamos era o mesmo onde Ian passara parte da sua infância e adolescência, eu e Felipe o conhecíamos bem, para mim ainda era estranho olhar para as mudanças que Felipe vinha imprimindo ao ambiente. Mais estranha ainda a relação dele com a amarga dona Janete. Há dois meses no aplicativo, Felipe começava a fazer planos para sua mudança.
- Você vai é sentir falta dela, - eu disse. - Na verdade vocês se dão bem, fala sério.
- Claro, sou um ator, olha isso - ele puxou um consolo. - Só mesmo um ator de grande talento para fazer isso.
Felipe abriu bem a boca e com o consolo com metade do tamanho do meu antebraço o fez desaparecer dentro da boca.
- Bizarro!
- Justifica meu log, - disse rindo.
@Boqueteiro23, porque segundo ele conseguia engolir centímetro a centímetro em sua garganta profunda "puro marketing".
Ele deixara o cabelo crescer e conseguia colocá-lo para trás das orelhas.
Felipe se ergueu balançando os quadris, e ligou uma música tash de Sidney Magal, batia as mãos em minha direção como se fosse castanholas de uma cigana como dizia a música.
Eu entrava na brincadeira, porque Felipe sabe como ser irresistível na maior parte do tempo.
Antes de dona Janete chegar, guardamos todos os recursos que ele utilizava para gravar os conteúdos.
Felipe e eu continuamos dançando pela casa enquanto o sopro de ar de fora sacodia as páginas de uma biblia a vida toda aberta no salmo 91 em cima da mesa na sala.
Ainda pegamos algumas gotas de chuvisco antes de o uber nós pegar na minha rua.
- Vou imprimir uns cartões, - Felipe disse. - Com um pauzão e minha boca assim aumentada claro que com efeito né! Só preciso de algum evento de divulgação.
- Agora pronto encarnou a Rita Cadilac - brinquei.
- Rita quem?
- Esquece... - eu disse de olho no uber.
Os olhos do uber se arregalaram e o homem não resistiu a uma risada que tentou transformar em tose.
- Não, cê tá me dando uma ideia, - ele sorriu. - Eu posso me montar de Rita Von Hunty... Vai ser hilário!
- Quem é essa? - eu não resisti. - Eu estava falando da Cadilac, aquela mulher do bundão que ficava dançando... Lembra ela passa naquele filme Carandiru dançando para os presos.
Felipe apertava os olhos olhando para mim como se eu fosse um ET. O homem parou o carro.
- Rita Von Hunty menino, é uma drag que fala de filosofia no Youtube - Felipe abriu a porta do carro. - Mas essa aí pode ser uma boa, só que não tenho o bundão.
O uber nem olhava para nossa cara quando efetuamos o pagamento. A entrada do shopping estava um formigueiro. A gente passava pelas pessoas com dificuldade. Saímos do outro lado como se fosse de dentro de uma mata cerrada.
Sempre que eu via Ian e Luana juntos conversando nesses últimos dias sabia do que falavam. Ele ergueu o braço para mim.
Felipe me puxou pelo cotovelo para trás.
- Veado, os pesteados dos meus irmãos e minha madrasta passaram pra lá... O perfume da vaca é inconfundível.
- E daí?
Eu acenei de volta para Ian.
- E daí? Você já viu cobra deixar o ninho de dia? Alguma tem. Vem comigo.
Ele foi me arrastando eu saquei o celular e mandei para Ian "calma aí! Felipe tá passando mal".
Felipe avançava com a mão acima do meu cotovelo com os óculos um pouco no meio do nariz fino, radiografava as lojas pelas quais a gente passava.
Ele conseguiu enxergar um dos irmãos e me apontou. Eu os conhecia mas há anos não colocava os olhos nos garotos. Garotões! Deviam estar com quinze mas tinham corpos de vinte.
- O que eles tomam? - falei.
- O Ian está me perguntando se estou bem?
Felipe disse com o celular na mão.
- Ah é eu disse que tu estava passando mal.
- Veado! - ele gritou. - Que agouro! Isso dá azar João Carlos, estou até sentindo uma dorzinha no baço.
- Larga de desespero, você nem sabe onde fica o baço.
A mulher saia de uma das lojas e os meninos cheios de sacolas pelos braços.
Felipe os olhou de longe, pegou o meu celular e começou a digitar um número de cabeça. Ele colocou no viva voz e comigo ao seu lado, sem explicar nada, começou a caminhar de volta a praça de alimentação.
"- Oi Joca!" era a voz de Jackson.
"- Sou Eu Jack, estou usando o celular do Carlinhos para o caso de papai estar aí perto de você. Escuta, o que tá rolando lá em casa? Vi a Medea e os monstrinhos aqui no shopping"
"- Ahhh eu não sei se deveria contar Lipe", Jackson parecia seriamente preocupado em não piorar ainda mais a situação.
"- Fala logo, por favor, é alguma festa não é?", ele insistia mas por algum motivo Jackson escondeu de todo jeito. Eu segui para a mesa número cinco. Sentei ao lado de Ian.
Apontei para o braço e a perna já sem o gesso. Ele me puxou pela nuca e ali mesmo nós grudamos nossos lábios.
- Amo um casal, - disse Luana. - Tua mãe tá aqui também Joca, encontrou uma amiga e disse que depois encontrava a gente.
Felipe soltou um grito no meio da praça de alimentação atraindo para si as atenções de todos. Ele correu serelepe até a nossa mesa e devolveu meu celular. Virou-se para todos nós e sentenciou:
- Temos uma festa para ir, - sorriu. - Vai ser o evento de divulgação mais badalado que essa cidade já viu!
Ian escondeu a impaciência com Felipe, há dias ele vinha camuflando essa sensação, eu evitava falar no Lipe em casa. Ele em alguns momentos deixava escapar seu desdém.
Mas a verdade era que o sucesso inesperado de Felipe nas redes o estava ofendendo porque mesmo demonstrando ser quase cem por cento passivo, pelo menos nas publicações que vinha realizando, Felipe conseguira um público cativo e de pagantes com altas gorjetas.
"- Não é querendo jogar água fria não, mas passivo não se cria no only", ele havia sentenciado dias antes para mim, quando confessei ter insegurança em me exibir nas redes. E citei o caso de Felipe assumidamente passivo estar lucrando.
A imaginação dele era valorizada pelos usuários, sobretudo, os estrangeiros.
E então um momento que deveria ser sobre a comemoração da total reabilitação de Ian, tornou-se sobre, os planos de divulgação da "estratégia de negócios" do Felipe, eu e Luana driblamos a tensão que por pouco não desandou o lanche que pedimos.
Felipe e Luana combinaram de continuar no shopping enquanto eu, Ian e minha mãe retornamos para casa. No fundo eu ainda esperava que Ian compartilhasse comigo as preocupações que o estavam afligindo, parte de sua agonia em relação a Felipe tinha raiz nos problemas envolvendo o acidente.
- Ele fez de novo, - Ian justificou. - Não percebeu? Agora tudo é sobre ele.
Eu sorri deitando na nossa cama. Há dias era isso a mesma ladainha de sempre. E eu com as mesmas respostas também.
- Ele está empolgado, - falei. - O saldo dele nas postagens do Only são bem significativos.
- É eu sei, o safado tem tino - Ian admitiu. - Nossa é tão bom estar livre daquilo.
Ele começou a balançar o braço na frente do espelho, eu o observava, e quando Ian se virou, sabia exatamente o que havia passado por minha cabeça. Ele abaixou a cueca. Eu sorri para aquela coisa de outro mundo tão deliciosa.
