CAPÍTULO VI
Ele queria se desfazer de todas as fotografias como protesto contra a atitude da mãe, e improvisou uma fogueira na porta da casa de dona Janete, uma boa ideia, se ela não o aguardasse com um balde de água pronto para atirá-lo ou coisa pior.
- Ian, isso é besteira cara, você é adulto pô - argumentei. - E de qualquer forma já está planejando sua vida longe daqui.
- Uma porra, ela vai vê - ele acendeu o fósforo.
O vento apagava, ele acendia, e o sopro do vento apagava. Felipe que devia estar ali ou Hilda, Luana, nada, todos cansados das frescuras do Ian.
Eu resgatei algumas das fotos onde aparecíamos não apenas eu, como o Felipe e mais alguns meninos da nossa antiga turma. Quem visse o Ian aos quatorze, quinze anos, não acreditaria.
- Estou avisando Ianderson Junior, - gritava dona Janete. - Vou chamar a polícia.
Ela era uma senhora alta com mais de um e setenta de altura, tronco forte, olhos curvos atrás dos óculos de armação, decidida.
Ele a peitou.
- Chama mesmo!
No tempo em que Ian, era Ianderson, não dava sinais de que fosse se tornar um homem de rosto e corpo tão belos quanto estava agora. Os cuidados e investimentos em academia, salão, estética, forjaram outro homem.
Ou foi a testosterona que para alguns de nós abre as portas do paraíso.
Eu avancei para a frente dele que me empurrou para o lado. Felipe desceu da moto, e ainda com o capacete no alto da cabeça me chamou de canto.
Ian ateou fogo no primeiro maço de fotos.
- Tenho uma bomba pra ti, - Felipe me mostrou a tela do celular. - A mãe dele tá puta assim por causa do Onlyfans.
Eu só conseguia olhar para o fogo que rápido espalhou-se em cima de um bolo enorme de papel. Janete jogou a água com balde junto e saiu empunhando um cabo de vassoura.
- O que é onlyfans? - perguntei sem olhá-lo. - Vem, me ajuda a tirar ele dali, tá fora de si coitado.
- Amigo, não tenho cara pra olhar por Ianzinho... Melhor dizendo, Ianzão...
- Não é hora para brincadeira Felipe, os dois se matam.
Janete quebrou o cabo da vassoura nas costas do filho que a segurou pelos braços, eu me meti entre os dois, Felipe enfim tomou uma atitude, e puxou dona Janete de volta a casa dela.
Vizinhos começavam a se aproximar.
- Você não é minha mãe! Isso não é atitude de uma mãe!
- Olha as pessoas... - eu dizia.
- Que se foda tudo! Gente baixa. Invejosos! Eu quero que morram.
Ele dizia segurando o choro, aos poucos consegui o empurrar de volta ao carro, ele resfolegava. Felipe fez um gesto para que saíssemos dali. Ainda o vi entrar na casa acompanhando dona Janete.
- Você não pode dirigir assim, - eu avisei. - Se acalma um pouco.
Ian ergueu o rosto de perfil, dava ainda mais ênfase a sisudez máscula no ângulo do rosto bem pronunciado, quadrado. Ele ligou o carro e o guiou sem pressa, olhava para frente, compenetrado.
- Vou embora daqui, para não voltar mais, que se fodam - repetia.
O silêncio recaiu sob nós, as fotografias no meu colo, mostravam um Ianderson inexistente, fora-se, aquele rosto, aquele corpo, pertenciam a uma pessoa nova, e apesar disso, ainda era o meu bom e velho amigo, a quem eu confiaria minha vida.
Mas a pulga que Felipe lançou mordeu-me, coloquei no google "onlyfans", as informações detalhavam um portal, similar às redes sociais, utilizado por vários seguimentos para divulgação de conteúdos com recompensas financeiras.
- Como sempre exagerado.
- O quê? - Ian perguntou. - Quem?
- Felipe, - respondi. - Não, nada. Aonde estamos indo?
Ele estacionou no acostamento da via de acesso a Ouro Preto mas o caminho para São Paulo rumava em outra direção. Ian inclinou-se sobre o volante, olhava para fora, o céu.
- Eu não te mostrei ainda né? - ele disse do nada. - Saca!
Acima de nossas cabeças o teto do carro começou a se encolher como persianas de tamanho grande. Eu reclinei mais o banco e ao me deitar como em uma cadeira de dentista, reclinável, vi, o céu e a lua em meio as estrelas.
- Nossa...
- Legal né?
À passagem dos veículos atrás de nós escurecia o brilho do céu no interior do carro, mas quando os carros e caminhões estavam distantes, a claridade da noite era suficiente para iluminar todo o interior do veículo como uma lanterna neon.
- Isso é muito maneiro, - falei preso no céu.
Ian guardava silêncio, senti sua mão sobre a minha, virei-me para olhá-lo, Ian segurou as fotografias pendentes dos meus dedos. Os cantos dos seus lábios ergueram-se de ponta a outra e sorriu enquanto passava as imagens.
- Se lembra dessa? - ele perguntou e deitou ao meu lado. - Olha, olha, se lembra?
Eu despreguei meus olhos dele e voltei-me para a foto ainda de quando as máquinas fotográficas existiam, e precisávamos revelar fotos. Ele segurava a máquina que registrou aquele momento.
- Como eu ia esquecer? Foi nesse dia que meu pai...
Ficamos mais uma vez em silêncio. Ele olhava para mim, eu segurava a foto diante dos meus olhos, como se presenciasse mais uma vez a figura sisuda de meu pai, chegando em casa, e nos encontrando.
- Queria ver ele fazer isso hoje!
- Esquece. Passou, - conclui.
Na mesma hora senti os dedos de Ian passando por meu braço, o fôlego dele sobre mim, nós encaramos. Meu peito batia forte e um queimor desceu por meu rosto para o lugar onde a mão dele passava.
- Nós não éramos os errados, - ele disse. - Era um beijo...
- Entre homens né... - completei.
Ele balançou a cabeça e acariciou minha bochecha, com o peito mais próximo de mim, um arrepio correu por minhas costas e dedos.
- Éramos meninos, - Ian aproximou os lábios.
Eu tinha os meus umedecidos pela língua sem perceber toda minha atenção voltava-se para a boca dele, para o seu rosto, - às nossas memórias de uma época passada, quando os hormônios incontroláveis falam por si.
Nós roçamos, num esquimó.
Ele segurou meu rosto e roçou os lábios nos meus. A palma da mão quente sobre minha bochecha, segurei a mão dele sem querer afastá-la. O acariciei na parte de trás da cabeça. Ian sorriu, olhava para os meus lábios, e eu aos dele.
- Eu que tomei a atitude, - sussurrei. - Todo desajeitado.
- Podemos dar um jeito nisso, - ele respondeu sorrindo.
Ian segurou minha cintura com a mão esquerda e pressionou a boca contra a minha.
Mas nossas pálpebras relaxadas tão próximos, encaramo-nos e para mim foi como se anos tivessem retornado, e aquele dia, no quintal da minha casa, quando eu o beijei, no exato momento em que meu pai nos flagrava, tudo voltara.
Os nossos celulares vibraram. Ele me puxou e nossas línguas se encontraram, senti o corpo de Ian sobre o meu, e o volume entre suas pernas pressionando minha coxa.
Ian passou uma perna por cima das minhas, senti sua coxa colada as minhas, ele segurou meu rosto com as duas mãos, roçando cada vez mais o volume que eu já tinha visto, mas nunca naquele tamanho.
O senti por cima da roupa na extensão em que o meu também endurecia. Ian tirou a camisa pela cabeça, eu puxei a minha, ele abaixou-se ao meu peito esquerdo e brincou com a língua, em círculos, veio com a língua até meu queixo.
Os arrepios no meu corpo desceram quentes, eu segurei nos braços dele, voltando a beijá-lo, e ao segurar seu pênis na minha mão, me joguei para trás.
- Ah, caralho, desculpe - falei olhando para ele.
- Mentira João, você, você gozou? - ele sorria. - Cara você não existe, gozou só por segurar meu pau?
Eu não sabia nem onde enfiar minha cara com aquela situação.
A verdade é que o desejo contido, meses sem sexo, e o principal o sentimento que me ligava a ele, agiram contra mim, ou a favor? A mancha ridícula entre minhas pernas espalhou-se rápido.
- Que mico!
- Ah, tudo bem, foi fofo vai... - ele pousou a mão na minha nuca. - Estamos juntos?
- Depois disso, eu que pergunto... - sorri.
Ian segurou meu queixo e pressionou os lábios contra os meus.
Sorrimos, juntos.