CAPÍTULO XXI
Ele se sentou no batente do passeio ao lado de um carro. Ian resfolegava e o peito, os ombros acompanhavam o ritmo de sua respiração, ele ergueu a cabeça, eu agachei ao seu lado.
- Desculpe, - falei.
Ian continuou com os olhos fitos no céu.
- Tudo isso porque nos descontrolamos com o onlyfans, - disse. - Estou cansado disso, na minha vida, nas nossas...
- A culpa foi minha Ian, eu deveria ter impedido o Felipe, - falei. - O only não tem sido o problema mas a solução...
- É engraçado isso de você, justo você.
Automaticamente contraí o rosto, "ele está me acusando?" pensei, porque aquelas palavras caíram como brincos de pedras nas minhas orelhas, eu segurei minha nuca. Ian penteou passou a mão pela cabeça como fazia com os cabelos, penteando-os.
- Hoje entendo o que te levou a buscar ajuda no only... E não vejo nada de mais.
- Eu começo a pensar que há sim. Nós temos uma criação castradora, ou não é? - virou-se para mim. - A gente não pode de repente resolver que vai mostrar o que quiser nas redes, ganhar dinheiro com isso, e nada vai acontecer aqui.
Ele bateu com o indicador ao lado da cabeça.
- Você exagera. São apenas uns nudes...
Ian me cortou entrando em um monologo consigo mesmo quase como um palestrante.
- Eu mesmo quando comecei foi com a ideia de conseguir uma grana e sair disso, você já viu ou leu algo sobre pornografia nas vidas das pessoas Joca? Com o tempo nos destrói, anestesia tudo.
- Quanta bobagem! - reclamei. - Você está parecendo ela...
Ian moveu a cabeça de um lado para o outro, voltou a fixar os olhos na rua.
- Depois de tanta exposição ao sexo, e um sexo com o único objetivo no prazer. No momento. A gente fica incapaz do que nascemos par fazer, amar, - filosofou ele.
- O que fizemos foi errado. Eu admito. Peço perdão, escuta, - respirei. - O acidente e tudo que está acontecendo mexeu contigo... mas...
- Não foi só isso, você não entendeu? - ele suspirou. - Eu te amo cara.
Ele olhava nos meus olhos, estremeci, meu lábios e garganta pediam água, meu coração saltou no peito, as palmas das minhas mãos eram o oposto a meus lábios e garganta, transpiravam.
- Eu também, já disse... - gaguejei.
Eu passeei com meus olhos da esquerda para a direita. Ian não hesitou, manteve-se olhando para mim. Não passava ninguém naquele local a não ser as vozes e ruídos da oficina.
- Isso pra mim quer dizer que não vou aguentar te ver com outra pessoa, fazendo um publi por exemplo... - ele pousou a mão no meu ombro. - Uma hora ou outra isso pode acontecer com o Only entre nos.
- Você está sendo radical.
- E o que vocês fizeram hoje não foi? - respondeu.
- Confesso que saiu do controle... mas... mas...
Ian ergueu-se e caminhou pela borda do passeio onde estávamos há minutos, olhava para o chão. Eu segurei em sua mão. Ian sentou-se mais uma vez o meu lado. Eu repousei a testa no seu ombro, ele passou os dedos na minha cabeça, e virou-se.
- Eu queria sentir raiva de você, - sussurrava. - Mas não consigo...
- Acho que você tem que ir lá, - fui sincero. - Não foi você que sugeriu que eu passasse por cima de tudo que meu pai fez.
- É diferente - ele defendeu-se. - Nossa que deja vú...
Sorrimos, livrei minhas costas de um peso que vinha carregando desde a casa de dona Janete, embora aquele papo todo puritano em relação ao Onlyfans me assustasse, fazia sentido. Eu levantei num salto e estendi a mão para o Ian.
- Vamos, eu vou contigo.
- Espera, - ele hesitou. - Deixa eu ver o que vocês fizeram.
Eu enfiei os dedos no bolso e saquei celular, abri o aplicativo na conta do Felipe, porque tinha acesso a todos os conteúdos dele, assim como ele aos meus, a live ficava salva, pelo menos até o Felipe editar e recortar as partes.
Ian diminuiu o volume, correu o vídeo até o momento em que a mãe entra. O rosto dela não aparecia havia uma sobreposição desfocando-a.
- Desculpe...
- Para de dizer isso, - me cortou. - O que vocês pensavam que estavam fazendo, porra? Se a velha enfarta? É minha mãe ainda!
Meu coração apertou no peito, a pressão de algo fora do lugar, os dedos de Ian cerraram mais o aparelho, ele fechou os olhos e me empurrou o celular. Ergueu-se, eu também fiquei em pé.
Ian afastou-se em direção a oficina, e retornou num passo largo.
Ele não dizia nada e eu guardava o silêncio. O caminho até a casa de dona Janete ficou mais longo por causa disso entre nós, em outros tempos teríamos chegado em um minuto, conversando, brincando, agora, não.
- Eu fico aqui, - falei do portão. - Ela pode se injuriar mais caso me veja.
Ian parou em frente ao portão, respirou fundo e o empurrou, "se a velha me xingar vai ter razão", pensei, fui passando o polegar na tela do aplicativo no celular, e acompanhando as reações dos assinantes do Felipe, elogiando a performance.
Em cinco minutos com Ian lá dentro tudo continuava em silêncio, resisti a curiosidade o quanto pude, em determinado momento ouvi um barulho de choro. Eu levantei e me aproximei mais da porta entreaberta. Eles ainda estavam na salaeu tenho vergonha, nojo disso, - ela dizia - nojo do que você se transformou...
- Não quer ajuda então? - ele perguntou. - Me enganei ao vir aqui...
A mulher respirava pesado, as pálpebras tremulas, Ian correu até ela, voltei para a porta da casa e acionei o Samu, antes que Ian saísse com a mesma intenção, a ambulância com os socorristas já estavam a caminho.
Eu aguardei no passeio em todo o período. Ela tivera um aumento de pressão e a diabetes alta potencializou o golpe dado pelo susto. Amarguei aquela informação com o olhar de Ian sobre mim, queimava.
Eu levei o celular ao ouvido com o número de Felipe, e como num passe de mágica, ainda com a ambulância dos socorristas a minha frente, o encosto do Kevin veio ladeando pela calçada. Eu abaixei o celular do ouvido.
- Cadê aquele veado hein? - bradou me empurrando. - Ele tá me devendo dinheiro.
- Eu não sei, maluco, olha o que fizemos aí, ô! - apontei a ambulância. - Aliás, você não saiu daqui há poucas horas com ele?
Kevin quis vir para cima de mim consegui desviar e acertar-lhe um soco na nuca, ele me deu um chute que pegou na minha coxa e um murro na minha testa, veio para cima de mim com os punhos fechados. Contorcia-me debaixo de suas coxas.
- Quando eu encontrar aquele magrelo! - ele gritou.
Kevin saltou de cima de mim com um chute de Ian no braço, eu me arrastei para o lado. Ian seguiu chutando o Kevin como se fosse uma bola, quando Kevin veio reagir, os socorristas entraram na confusão e eu também consegui segurar o Ian e a mim mesmo.
- Nesse clima essa senhora enfarta, acho melhor chamar a polícia, - disse um dos paramédicos.
- Não vai ser preciso, - eu disse. - Não é Ian? Kevin? Isso é briga de família moço.
- É, família, - Kevin sorriu. - Tira a mão... Tá avisado!
- Quando eu encontrar o Felipe, - Ian sussurrou.
A socorrista explicou que alguém teria que ficar com dona Janete por conta dos remédios no horário e para o caso de ela precisar de ajuda. Eu e Ian entramos na casa, enquanto dona Janete dormia no quarto.
Ian melou os olhos ao reencontrar-se no seu antigo quarto. Ele tocou a cama, se sentou, olhou em volta.
- Eu vou indo, - disse a Ian. - Se dona Janete...
Ian balançou a cabeça ergueu a mão para mim, movia os dedos. Ele segurou minha mão entre as suas, Ian apertava os lábios entre os dentes. Eu passei o trinco na porta, e deitei com ele na cama, no canto inferior da parede estava escrito "Ianderson", eu contornei as letras com o polegar, enquanto era envolvido pelos braços dele.