CAPÍTULO XVI
*** EDUARDO ***
− Uau! Olha só pra você!lindo lindo, e, finalmente parou de fugir de mim! São as primeiras palavras ditas por Joana.
− Eu não estava fugindo de você, só ando muito ocupado, minha rotina foi de, literalmente, zero a cem. – A abraço forte e minto, já que, durante a maior parte dos dias desde que ela voltou da viagem em que estava quando fui despejado, eu não fiz nada além de nada, ou de ocupar meu tempo com tarefas completamente desnecessárias, como organizar o depósito da casa de João Pedro, e, ainda assim, recusei todos os seus convites, ou sugestões de visita, além de inventar que João Pedro não permitia que eu recebesse visitas em sua casa.
Eu queria vê-lo. Deus sabe que sim! Que conversar com ela se tornou mais importante do que nunca, e que, agora, apenas olhar para ela, já me oferece uma felicidade incomparável. Mas eu não fazia ideia de como mentir, ou omitir, em sua cara. Por telefone é muito mais fácil, anos de prática com a minha mãe provaram isso. Decidi não pedir que a Jo assine um termo de confidencialidade, não me parece justo submetê-la a isso. Mas, como eu mesmo lembrei à João Pedro há algumas semanas atrás, toda escolha tem consequências. A das minhas, foi me afastar, ainda que apenas fisicamente, da minha melhor amiga.
Mas eu estava com tanta saudade de estar com ela, que quando me vi obrigado a um dia de compras, eu sabia que essa era a oportunidade perfeita. Não há nenhuma outra pessoa no mundo com quem eu queira fazer isso, e, com sorte, ela vai ficar tão distraída com roupas, sapatos e o que quer que encontremos pelas lojas, que não se concentrará em fazer perguntas. Pelo menos, foi o que pensei, mas, claramente, a subestimei. Joana olha para mim e curva o pescoço, me investigando com os olhos estreitados.
− Você sabe que não precisa mentir pra mim, não sabe? -Mordo o lábio, pego no flagra.
− E se eu também não puder te dizer a verdade? -Me rendo.
− Então simplesmente me diga que não pode... -pede.
− Eu não posso... -sussurro, e ela dobra os lábios para dentro da boca, depois, balança a cabeça lentamente, em um aceno de confirmação.
− Só me promete que, se você precisar, quando você precisar, vai saber que eu estou aqui? -Sorrio.
− Sempre! – Balança a cabeça novamente e me abraça com força. Aproveito o carinho, respirando fundo e me sentindo grato pela sua compreensão. Porque, não importa para onde a montanha russa chamada João Pedro me levar, sei que eu terei para onde correr, e isso, por si só, já é o suficiente. Quando nos afastamos, subitamente, o rosto de Joana assume uma expressão animada, como se ela tivesse apertado um botão capaz de expulsar todas as preocupações dos pensamentos. Deus! Quero um desses!
− Tudo bem, então vamos fazer compras! O quanto você pode gastar? Sorrio.
− O quanto eu quiser... -Ela levanta uma sobrancelha e um sorriso de canto de boca surge em seus lábios.
− Bom, fazia tempo que eu estava querendo alguns batons novos... - Gargalho.
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Minhas pernas tremem inteiras diante do avião à minha frente. Ele parece tão, mas tão pequeno! Parece de brinquedo! Eu nunca andei de avião na vida, e, na primeira vez, não podia ser um normal, poxa?!
− Você tem certeza que isso é de verdade? Olha, João Pedro! Eu acho que enganaram você! Isso não funciona não! É de brinquedo! -Alerto, apavorado com a ideia de entrar lá dentro e João gargalha.
− Isso é um jatinho, Edu... É menor que os aviões convencionais mesmo... Parado atrás de mim, diante da escada, ele envolve minha cintura com os braços e apoia o queixo em meu ombro: − Você precisa subir as escadas, meu bem... -O sorriso é evidente em sua voz.
− Eu... hum..., eu....
− Você está com medo...
− Não é medo... É que parece tão... pequeno... não parece de verdade! - repito, e seu riso baixinho soa em meus ouvidos. Ele enfia o nariz em meu pescoço, cheirando ali profundamente, antes de responder.
− Você vai adorar lá dentro! Prometo que é de verdade, já voei nele várias vezes.
− Várias vezes? E isso não é muito caro? Ficar alugando isso sempre? -me pego curioso, mas sinto o sorriso de João em minha pele.
− Eu não alugo, Edu... -Abro a boca, surpreso, isso faz mais sentido.
− É emprestado? -Ele gargalha.
− Não, Eduardo. É meu... – Me viro em seus braços com os olhos arregalados.
− Como assim é seu? Você tem um avião?
− Tenho um jatinho. É diferente de um avião. -Pisco meus olhos, tentando processar a informação.
− Deus! Você é muito rico, não é? - Novamente, o som da sua gargalhada preenche meus ouvidos.
− Um pouco... -Sorri, balançando a cabeça e me virando, outra vez, na direção da escada de acesso ao avião.
− Por que não podemos ir de carro?! -Pronto! Essa é a solução perfeita! Mas o riso frouxo de João Pedro deixa muito claro o quão ridícula ele acha minha ideia. E eu expiro, desanimada.
− Eu vou te ajudar!
− Como? -Viro meu rosto para olhar o dele e seu sorriso poderia iluminar o céu noturno acima de nós.
− Assim! -diz e enfia um dos braços embaixo dos meus joelhos, e o outro em minhas costas. Em segundos, estou em seu colo.
− Ai meu Deus! -choramingo e ele ri antes de beijar meus cabelos! Agarro seu pescoço com meus dois braços enquanto suas pernas longas sobem os degraus. Enfio o rosto em seu peito e aperto meus olhos. Diferente do que imaginei que faria, João não me senta em uma poltrona, ele se senta e me deixa ali, aninhado nele, e eu fico muito, muito grato por isso.
− Pode abrir os olhos agora... sussurra em meu ouvido e eu balanço a cabeça, dizendo que não. Ele desliza o polegar e o indicador em minha bochecha: − Vamos lá, meu bem... Você vai gostar do que vai ver! Eu prometo! - Expiro com força em seu peito, antes de tirar meu rosto da segurança dele. Ergo os olhos para encontrar João com um sorriso de orelha a orelha. Ele beija a ponta do meu nariz e continua suas carícias lentas em meu rosto.
Os últimos dois dias foram...diferentes. Sim! Diferentes. Desde o jantar as coisas mudaram outra vez. Nós dois, juntos, sempre fomos uma montanha russa. Estar com João Pedro me levou de zero a cem em segundos desde a primeira vez que nos vimos, mas, dessa vez, especificamente, eu gostaria que o momento que estamos vivendo durasse mais do que alguns instantes. É tolice, eu também sei disso, mas, nem por isso deixo de desejar.
Dormimos juntos ontem também, e Deus! Acordar esta manhã foi ainda mais gostoso do que na anterior, porque não foi sua boca que me arrancou dos braços de Morfeu, foi seu corpo, se enterrando no meu, e nossa!
Definitivamente, esse é um bom motivo para se casar, acordar com sexo é o plano perfeito contra o mau humor! Tenho certeza disso! Não dá para passar os primeiros minutos no mundo real com a mente entupida de endorfina, e, ainda assim, conseguir ficar bravo por qualquer coisa que seja.
Ontem mesmo, apesar de ter sido obrigado a ir às compras e gastar mais dinheiro do que eu gostaria e bem menos do que João Pedro achou que eu deveria, já que me recusei a comprar roupas em lojas que não julguei serem normais, o meu normal. Ainda assim, depois de ter sido despertado daquela maneira, nem mesmo isso foi capaz de roubar meu bom humor, na verdade, foi toda a endorfina circulando em minhas veias que me deu coragem para ligar para Joana e encarar meus próprios medos quanto a reencontrá-la, e eu não poderia ter feito uma escolha melhor. Suspiro, olhando-o, bobo com o carinho em seus olhos. É tanto... como eu jamais tive antes. É bom, muito bom.
Desde a nossa conversa eu não fui o único a quebrar a barreira de distância que havia imposto entre nós. Ele também fez isso, a postura de “é só sexo” foi engolida ainda com a água que bebemos antes mesmo das entradas naquela noite, provavelmente, no momento em que ele questionou quando repeti o que ele mesmo tinha dito no dia em que assinamos o contrato, que era só sexo. Não é, descobri isso ainda nos primeiros dias, mas não imaginei que ele também, por isso, ouvi-lo dizer que era o céu foi o momento que começou a mudar tudo.
E, agora, aqui estamos. Tão diferentes de dois dias atrás que chega a ser chocante. Mas estamos melhores, para o agora, estamos muito melhores. João Pedro prende meu queixo entre seu polegar e indicador e gira meu rosto, e, é só porque está sendo segurado entre seus dedos, que meu pobre queixo não despenca, alcançando o chão. Puta merda! Nós não estamos sentados em uma poltrona, mas sim em um sofá! Um sofá! Meu Deus do céu!
− Isso é um avião? -Meus olhos se arregalam, muito impressionados.
− Não, Eduardo... É um jatinho...-Sua risadinha baixa começa a se tornar familiar, de tanto que a ouvi na última meia hora.
− Mas parece uma sala de casa! Nós estamos sentados num sofá, João! Num sofá!
Ele gargalha, sua risada sonora preenche o espaço ao nosso redor e seu corpo se sacode sob mim. Eu apenas espero, sem ter nada mais a dizer, deixando que meus olhos descubram tudo o que alcançam: as poltronas creme que são imensas e parecem muito com aquelas massageadoras que encontramos nos shoppings; outro sofá, idêntico àquele em que estamos sentados, do outro lado do corredor e alguns metros à nossa frente; uma enorme mesa de jantar quadrada, paralela à nós, quer dizer, não é enorme, mas nós estamos dentro de um avião, então sim! Ela é enorme. O chão, que parece ser coberto por um tapete fofo e felpudo e que me deixa louca para tirar os sapatos e pisoteá-lo. É quase um convite. E há, ainda, quatro portas ao todo. Duas em cada ponta do corredor. Impressionante nem começa a descrever.
− Eu nunca vou cansar de achar divertido o quão deslumbrado você pode parecer com pequenas coisas... - comenta, finalmente recuperado de sua crise de risos e eu dou de ombros, porque não tenho argumentos, não há palavra melhor para me descrever neste momento do que deslumbrado: − Eu disse que você ia gostar do que veria.
− O que tem atrás das portas? pergunto, curioso.
− Ali, é a frente do avião. -indica com a cabeça: − Então tem a cabine de comando e uma cozinha. Do outro lado, é a cauda, lá tem um banheiro de uso comum e um quarto com uma pequena suíte. -Impossivelmente, meus olhos se arregalam mais.
− Um quarto? Ai meu Deus! Eu achei que isso era exagero dos romances melados que eu leio! Realmente tem um quarto aqui?
Ri outra vez.
− Sim, Edu. Realmente tem um quarto aqui, e eu planejo mostrá-lo a você...
− Nem vem! -Protesto, imediatamente, ao entender o caminho dos seus pensamentos: − Não tem a menor chance! Eu não vou transar com você a sabe-se lá quantos metros do chão! Essas imagens, definitivamente, vão ficar restritas aos seus pensamentos pervertidos e às minhas leituras!
− Eduardo... -resmunga e me olha com as sobrancelhas unidas.
− Não! Não mesmo! Nem pensar! Sem chances! De jeito nenhum! -Sua expressão decepcionada testa a minha determinação, mas, para a tristeza dele, ela é muito forte, então João decide tentar outro caminho.
− Tem certeza? -Sussurra em meu ouvido e enfia os dedos pelas raízes dos meus cabelos. -Meu corpo responde imediatamente! Traidor!
Ouvimos um pigarreio e, imediatamente, procuro pela origem do som, grato, sentindo-me salva e quase com vontade de agradecer a quem quer que seja que me tirou de uma situação na qual eu estava prestes a me enfiar voluntariamente. Encontro um homem gatoparadao diante de nós e, mesmo sem uniforme, eu saberia exatamente quem ele é. O comissário. Aparentemente, não é apenas nos livros que eles são absurdamente bonitos. Sorrio para ele com gentileza, mas o olhar em seu rosto me faz franzir o cenho, esse cara não está feliz. Será que está se sentindo bem?
Ele nos encara, claramente, fazendo um esforço para controlar sua expressão de desagrado, me deixando prestes a perguntar se ele precisa de alguma coisa, um remédio, talvez. João Pedro desliza as mãos pelas minhas costas em um carinho tão natural que nem mesmo sei se ele se dá conta do que está fazendo. Ele dá um beijo em meu rosto, e a expressão do cara se contrai, revelando irritação. É muito rápido, mas como eu realmente estava prestando atenção, percebo. O que está acontecendo aqui?
Agora que percebi, me parece óbvio que: não, o homem não sente dor, ele sente raiva. Fico curioso, porque eu não sou muito bom em analisar pessoas, se estou percebendo, é porque ele realmente está sendo transparente demais. Será que não queria vir trabalhar hoje? Mas, será possível que ele seria tão antiprofissional assim? Quer dizer, sua irritação está meio na cara... Els poderia estar com fome... Pessoas com fome tendem a ficar irritadas... Mas não acho que seja isso, tenho quase certeza de que comida realmente não falta nesse avião. Seu olhar desvia para a mão de João Pedro em minha perna e uma ideia acende em minha cabeça como uma lâmpada.
Ele não poderia estar irritado com a minha presença, poderia? Isso não faz sentido, não deve fazer diferença trabalhar para uma ou duas pessoas, o tempo de voo é o mesmo. Ou será que ele está incomodado com o fato de estarmos agarrados? Por que isso o incomodaria? Não estamos fazendo nada demais...A menos que... a menos que... Observo seu rosto se contrair sutilmente quando João Pedro beija meu pescoço...Ah não! Mordo o lábio, sem conseguir disfarçar a nova análise que faço do cara bonito, agora, com outros olhos.
Seus cabelos são loiros, a pele, bronzeada, e suas pernas são cumpridas. Seu uniforme se ajusta perfeitamente ao corpo. E enquanto o observo em detalhes, apenas tento entender a origem de sua irritação, o motivo de seu olhar parecer tão desafiador, ao invés de solicito. Sua boca não me diz nada, mas seus olhos... eles me fuzilam.
− Estamos prontos para decolar, senhor Govêa. -Em um contraste completo aos sentimentos que emanavam dels, segundos atrás, quando o foco de sua atenção era eu, agora, sua voz é melosa, arrastada, e a compreensão finalmente me atinge, deixando-me chateado. Nunca vi sentido em pessoas que se diminuem ou discutem por causa de um homem, e saber que ele não me conhece, e, ainda assim, não teve dificuldade alguma em me hostilizar, apesar de silenciosamente, é o suficiente para me fazer franzir o cenho.
Quer dizer, não é como se a ideia de que João Pedro pode já ter transado com ele, na mesmíssima cama que me ofereceu minutos atrás, me fizesse saltar de alegria, mas me recuso a culpá-lo por isso. Afinal, todos temos um passado, certo? O meu lado irracional quer olhar para ele de cara feira? Com toda certeza do mundo! Mas não farei isso, tudo bem, talvez só um pouquinho, porque sou melhor que minhas vontades, mas não tanto quanto eu gostaria.
Sou, não sou? É Eduardo! Você é! E você pode até julgá-lo pelo seu comportamento de hoje, afinal, ninguém é de ferro, mas não por, possivelmente, a mesma boca que estava na sua momentos atrás, já ter estado na dele, uma, duas, dez vezes... Oh, céus! Não, Eduardo! Não vá por aí! Não vá! É mais difícil do que eu gostaria! Porque esse segundo pensamento me faz querer jogá-lo do avião quando ele já estiver voando, mesmo sabendo que eu não deveria... Mas na minha mente eu posso tudo, certo? Certo! Responde o diabinho em um dos meus ombros e o anjinho, sentado no outro, me olha de cara feia.
− Preciso que se sentem nas poltronas e apertem os cintos, por favor.
− Obrigado, Paulo. -João diz seu nome e, contra as minhas próprias resoluções, vou de determinada a não julgar, para irritado. Não por ele saber como se chama seu funcionário, mas pela forma como ele sorri ao ouvi-lo pronunciar as duas sílabas, sua expressão derretida me causa um reboliço interior. Eu tenho o direito de me sentir desrespeitado? Não sei! Mas me sinto. E, apesar das expectativas que criei sobre como deveria me comportar, bufo. Dois pares de olhos se viram na minha direção, fazendo-me perceber que fiz isso sonoramente. Oh, merda! Merda, merda, merda! João Pedro levanta uma sobrancelha para mim e o rosto do cara é transformado por uma expressão azeda, fazendo-me pensar.
Por que é que eu estou me recriminando?! Foi ele quem começou tudo isso com seus olhares e sorrisos indiscretos! Não eu! Eu estava tentando me comportar como deveria, porque sei que deveria ser melhor do que isso, mas se não consegui, paciência. Tento amanhã e, hoje, ele que lute! Respondo à sobrancelha erguida de João com um beijo suave em seus lábios e ele sorri em minha boca e acaricia meus cabelos. Embora eu me sinta tentado, não volto a olhar na direção de Paulo. Não perderei o sono pela minha própria reação, mas também não estou exatamente orgulhoso dela, então é melhor deixar para lá. Ouço ele se afastando e me ponho de pé, saltando do colo de João e olhando ao nosso redor.
− Onde vamos nos sentar? -São poucas poltronas, mas, apenas para nós dois, há lugares para escolher.
− Onde você quiser... E, o que foi isso? -responde, buscando meus olhos, e eu os desvio por todo o espaço até decidir a dupla de poltronas que quero e dar passos até elas. Olho para o cinto de segurança antes de me sentar e João apoia uma das mãos em minha lombar, pedindo silenciosamente para que eu me sente. Eu o faço e ele fecha meu cinto, a poltrona não me massageia, mas, certamente, me abraça, é muito gostosa. Ele se senta ao meu lado e, depois de afivelar o próprio cinto, volta a me estudar.
− Não vai me dizer o que foi isso? - Estreito meus olhos para ele, porque sua pergunta me obriga a pensar sobre uma resposta, mesmo que eu me recuse a dizê-la em voz alta. Foi ciúme, eu fiquei com ciúmes. E perceber isso, é um copo de água gelada em meu coração quente, porque entendo que me embrenhei muito mais profundamente no caminho chamado João Pedro do que acreditava, até minutos atrás. Achei que era só o fato de estar me sentindo cuidado e protegido, porém, aparentemente, eu também estou me tornando possessivo, mas ele, definitivamente, não ouvirá isso dos meus lábios.
− Não me faça perguntas se você não estiver disposto a responder às minhas! -aviso, e suas sobrancelhas se erguem em uma expressão surpresa, antes de ele franzir o cenho.
− E se eu estiver?
− Tem certeza, João Pedro?! Porque eu tenho uma pergunta muito específica na minha cabeça, e tenho certeza absoluta de que não vou gostar da resposta, e de que você não vai gostar de mim não gostando da resposta! -A falsa calma em minha voz é enganosa, porque só de pensar que, se eu perguntar a esse infeliz, se ele já transou com esse homem, a resposta vai ser um sonoro sim, já fico muito, muito irritado. Mas ele sorri! O maldito sorri! Um sorriso enorme, como o do gato da Alice, antes de sussurrar no meu ouvido.
− Você já respondeu... -Estreito meus olhos, afastando o rosto de sua boca para poder encarar seu olhar. O sorriso ainda está lá, estampado em seu rosto, quando ele fala:
− E a resposta pra pergunta que você não fez, é que não importa! Nunca importou, e, agora, importa menos do que nunca...
Sua testa cola na minha e ele beija meus lábios. Seu toque em minha pele aquece muito mais que meu corpo, de alguma maneira feiticeira, está aquecendo o meu coração, e eu começo a me perguntar se eu não estava otimista demais acreditando que só precisaria me preocupar com possíveis sentimentos por João Pedro no futuro, talvez, só talvez, eu devesse começar a me preocupar agora.
Empurro esses pensamentos e preocupações para o canto mais escuro da minha mente, na verdade, dou alguns chutes e empurrões neles também, só para garantir que não me atormentarão de novo nem tão cedo, e beijo a boca gostosa que me é oferecida.
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− Você não me disse que tinha uma casa aqui! Achei que ficaríamos em um hotel... -Entro pela porta tão chique quanto a da casa que deixamos em São Paulo e não consigo me impedir de comentar. O voo rápido até o Rio não levou mais de quarenta minutos, aterrizamos no centro da cidade, que me lembrou muito o centro de São Paulo, com seus prédios altíssimos e ruas desertas a essa hora da noite.
O trajeto até o nosso destino final também foi rápido, quinze minutos, no máximo. Me surpreendi assim que descemos do carro diante de um prédio alto, espelhado, bonito, de, pelo menos, trinta andares, bem de frente para a praia que, segundo João Pedro, é a de Copacabana. Não consegui evitar dedicar alguns minutos observando a orla, Deus! Há quanto tempo eu não via o mar, tempo demais, realmente, tempo demais.
João me esperou pacientemente, quando finalmente me movi, entramos no prédio e a riqueza me sorriu e deu boa noite. Ela está por todos os lados, desde o caminho gramado e arborizado até o hall, passando pelos sofás, mesas e poltronas dispostas nas áreas comuns, até chegar em nossa estadia pelos próximos dias, a cobertura do prédio, onde só se chega ao colocar a digital em um painel discreto no elevador. Tive meus dedos pressionados contra ele e meu cadastro efetivado. Agora sou, oficialmente, uma visitante, e posso sair sem me preocupar em ficar trancada do lado de fora.
− Não é uma casa. É um apartamento... E eu tenho muitos, em muitos lugares... Não gosto de me hospedar em hotéis, a menos que seja necessário.
− Isso com certeza parece uma casa pra mim! É enorme! -comento enquanto faço o que tem se tornado uma verdadeira rotina nos últimos tempos, analisar lugares novos e luxuosos. Caminho em passos curtos e lentos, absorvendo tudo o que posso: os móveis que tem luxo assinado neles; a decoração limpa e sem muitos toques pessoais, nesse sentido, muito diferente da de São Paulo; a iluminação amarelada que escorre pelo teto; e o vento frio que vem de algum lugar, porque não vejo nenhum ar condicionado exposto. Mas tudo isso não é o que faz minha boca abrir.
São as enormes portas de vidro nos fundos do cômodo que abriga sala e cozinha, também sem divisão de paredes, aparentemente, João Pedro tem algo contra elas. Ainda assim, as portas, quase completamente escondidas por grossas cortinas brancas, por pouco não me passaram despercebidas. Vou até elas e o que vejo ao afastar as cortinas, me rouba o fôlego, como seu não o tivesse visto há minutos atrás. O mar, e basta revê-lo para entender que o motivo da minha surpresa é muito simples, eu não o olhei por tempo suficiente.
Olhar o mar, por muito tempo, foi um sonho a ser alcançado. Em São Roque não temos praias e a mais próxima da cidade fica a mais de noventa quilômetros. Foi só quando me mudei para a Cidade de São Paulo que pude visitar o litoral. Minha primeira vez no mar foi igualmente divertida e apavorante, mas as vezes que se seguiram a ela foram muito poucas, acho que posso contá-las nos dedos de uma única mão.
As portas diante de mim dão acesso à uma varanda enorme. Através delas, vejo uma piscina, sofás sofisticados, espreguiçadeiras e a área de churrasqueira mais chique em que já pus meus olhos. Aparentemente, até churrasco pode ter cara de rico.
− É espaçoso... -responde, se jogando no sofá: − Quer comer alguma coisa?
− Não... estou satisfeito com o que comemos no avião. -murmuro, com os olhos totalmente perdidos na imensidão azul. Mas o som que ouço João emitir chama minha atenção, fazendo-me olhar para ele.
Seu corpo está meio sentado, meio abandonado no imenso sofá cinza. Seus braços estão completamente soltos ao lado do corpo e sua cabeça pende para trás, apoiada no encosto. Seus olhos estão fechados e ele inspira profundamente uma vez após a outra. Me aproximo dele e sento-me em seu colo, com as pernas prendendo as suas. Ele mantém exatamente a mesma posição, o que me faz sorrir. Acaricio seu rosto algumas vezes antes de juntar meus lábios nos seus.
− Você está bem?
− Cansado... Foi um dia cheio... Só preciso de uns minutos... -murmura, e eu sorrio.
− De uns minutos antes de que, João? -Seus olhos se abrem em uma resposta muito mais explícita do que qualquer palavra seria. Famintos. Eles estão famintos e eu estremeço ao pensar de quê.
− Como isso é possível? Você estava normal há cinco minutos...
Ele ri.
− Não... Eu nunca estou normal quando se trata de você. Seu cuzinho é porra de um vício que só cresce! Eu me controlo, estive me controlando o dia inteiro, mas, principalmente, nas últimas horas, tendo você do meu lado e sem poder ter o que eu quero, eu estou louco de vontade estar dentro de você desde a hora em que saí, hoje de manhã. Mas você se recusou a me dar isso no avião, então, eu só podia esperar...
− Ei! Eu te enchi de beijos no avião, e te fiz gozar! -acuso, e ele sorri mais, voltando a fechar os olhos e encostando os lábios nos meus.
− Gozar é gostoso, meu bem. Mas estar dentro de você, ah, Eduardo! Isso é incomparável! -Retorço-me, reagindo às suas palavras e começando a me sentir tão necessitada quanto ele: − Isso te excita, né, neu putinho? Saber que eu adoro foder seu cu gostoso? sussurra, e Deus! Como é possível? Ele parece ser capaz de apertar um botão em mim que só ele enxerga, por que, de repente, já estou em chamas!
Eu adoro, simplesmente adoro, quando ele me chama de puto, quando diz que sou seu putinho... Isso é tão errado, eu sei que é, mas agarro essa certeza e a jogo no sótão de minha cabeça, junto com todos os outros pensamentos e saberes que julgo desagradáveis e venho escondendo de mim mesma nos últimos tempos.
Lambo os lábios e inspiro profundamente, precisando pensar em outra coisa, ou vou atacá-lo e ele disse que precisa de uns minutos...
− O que você vai fazer amanhã? questiono, desesperado por uma fuga.
− Reuniões o dia inteiro. Mas, à noite, quero te levar ao teatro. -A névoa de desejo se desfaz imediatamente.
− Teatro? -Não consigo conter minha surpresa e João abre os olhos, franzindo o cenho.
− Sim, você não gosta? Achei que você gostaria de conhecer o teatro municipal daqui, é muito bonito, um dos mais bonitos do Brasil...
− Eu nunca fui...
− Eu sei, Eduardo, você nunca esteve no Rio antes, por... -Para de falar e pisca os olhos, antes de menear a cabeça enquanto a vermelhidão toma conta do meu rosto.
− Ao teatro? Você nunca foi ao teatro? Nenhum teatro? -questiona e parece horrorizado, deixando-me ainda mais envergonhada.
− Não tinha nenhum em São Roque, e, quando me mudei pra São Paulo, primeiro achei melhor não gastar o pouco dinheiro que tinha, depois, eu não tive mais tempo, quando comecei a trabalhar. E, depois, não tive mais dinheiro, mesmo trabalhando... Não sobrava pra esse tipo de coisa. -Sua cabeça balança, concordando, mas seu rosto tem uma expressão que não consigo decifrar.
− Eu quero uma lista. -afirma com determinação.
− Hã? -Não entendo o que ele quer dizer e nem mesmo consigo formular a frase antes que a interjeição escape dos meus lábios.
− De todas as coisas que você nunca fez, mas quer fazer, eu quero uma lista. - explica, e eu gargalho, porque são muitas, muitas coisas, fazer uma lista seria absurdo. João diz cada coisa...: − Eu estou falando sério, Eduardo! - resmunga, atraindo minha atenção para seu olhar e eu paro de rir subitamente ao me dar conta de que sim, ele está. Pisco meus olhos algumas vezes e procuro as palavras nos bolsos de minha mente, mas encontro-os vazios, não há nenhuma sequer, nada. E, assim, eu permaneço em silêncio, apenas devolvendo a seriedade com que ele me observa.
Involuntariamente, minhas sobrancelhas se franzem, eu gostaria de dizer algo, gostaria de ser capaz de dizer qualquer coisa, mas, ao contrário do meu peito que, de repente, foi inundado e ficou cheio de um milhão de sentimentos, meus lábios permanecem vazios. Grudo minha testa na sua e fecho meus olhos. Eu apenas fico ali, quieto, absorvendo tudo o que esse simples desejo expressado por ele faz comigo. Tentando lidar com a avalanche de emoções que tenta me dominar pela simples compreensão de que ele quer fazer isso por mim, de que alguém, alguém se importa de verdade com o que eu quero.
− Nós vamos fazer todas elas, Edu... Cada uma! Das mais simples as mais absurdas, eu quero te dar tudo! -Declara com os olhos nos meus e não sou capaz de impedir que uma lágrima role. Ele a segura com a ponta dos dedos e, depois, beija o local exato onde a secou: − Eu quero dar o mundo pra você... -Sela meu coração com essas palavras, antes de se apossar dos meus lábios com os seus, e os pensamentos que guardei no canto mais escuro da minha cabeça, começam a se rebelar, agitando-a, acelerando meu coração e revirando meu estômago, criando uma urgência cada vez maior em serem libertados.
***********
O calor faz minha pele suar, porque embora eu esteja protegido do sol por camadas e mais camadas de protetor solar fator 80 e por um imenso ombrelone, na beira da piscina, é impossível parar o vapor quente que se espalha pelo ar carioca. Não estavam brincando quando disseram que o Rio era quarenta graus. Eu estou ficando mal acostumado, porque quando coloquei os pés na varanda esta tarde, ao acordar, meu primeiro pensamento foi dar graças a Deus pelo ar condicionado e pela piscina diante de mim.
Esta manhã João não me acordou. Noite passada foi, com certeza, a segunda mais mágica de toda a minha vida. O teatro municipal é algo de outro mundo e, ao invés de lamentar nunca ter podido assistir qualquer coisa em um teatro antes, fiquei feliz, porque minha primeira experiência, foi, sem sombra de dúvidas, imbatível. João garantiu os melhores assentos do lugar. Ficamos no alto, em um ângulo que nos deixava ver o palco com perfeição, e a orquestra que tocou não parecia tocar música, e sim produzir mágica sonora. Era bonito, emocionante, era perfeito.
Mas a experiência da noite não terminou ali. Jantamos em um
restaurante no terraço de um hotel. A vista era, simplesmente de tirar o fôlego, igual e, ao mesmo tempo, muito diferente daquela que apreciamos em São Paulo no início da semana. E quando chegamos em casa... Fecho os olhos e relaxo o corpo sobre a espreguiçadeira, lembrando das sensações, dos lábios de João Pedro passeando pelo meu corpo, de seus toques, ora gentis, ora firmes, me acariciando, apertando, provocando, sinto um pulsar entre as pernas, excitado com a simples lembrança de seu gosto, corpo, dele inteiro, e sorrio.
Sinto saudades dele nesse minuto, porque gostaria que ele estivesse aqui agora. Saudades. Sinto saudades. Mesmo tendo estado com ele há poucas horas e sabendo que muito em breve estarei novamente. Eu devo estar enlouquecendo... Ou se apaixonando...
Meus pensamentos escondidos sussurram do fundo de minha mente e eu me assusto com a palavra que, pela primeira vez, atravessa minha consciência!
Deus do céu! Não! Definitivamente não! É só... Carinho! É só... Essa coisa sem nome que sempre tivemos e que, ao invés de diminuir, parece aumentar a cada dia! É só isso! Não é paixão! Não poderia ser paixão! Não é! Abro os olhos, assustado comigo mesmo e expiro com força. Minha pele suada e quase toda descoberta, vestida apenas pela sunga preta ganhada semanas atrás, se arrepiou ainda mais com os últimos pensamentos do que com os primeiros, mas é para eles que eu volto, porque são muito mais seguros, com tesão, desejo, com isso eu sei lidar. Com o que minha mente sugeriu, não.
Pego o celular na mesinha ao meu lado e faço algo que nunca fiz, digito uma mensagem para João Pedro.
“O calor me faz pensar em você…”
“Mentiroso! Você pensa em mim o tempo inteiro.”
“CONVENCIDO!” “Falta muito pra você voltar”
“Um pouco… tá fazendo o quê?”
Leio a mensagem e decido que dizer que estou tomando sol apenas, não basta. Me levanto da espreguiçadeira e entro na piscina. Dou um mergulho rápido e arrumo os cabelos molhados para trás. Posiciono o telefone apoiado no pé de uma das espreguiçadeiras, aciono o timing e faço uma pose, mas não gosto, repito o processo mais duas vezes antes de amar o resultado.
“Porra, Eduard! Quem tirou essa foto?”
“O timing da câmera… uê?!”
“Fiquei DURO, porra! Valeu, Eduardo! Agora eu tenho uma ereção BEM NO MEIO da reunião”
“Oxi! E como isso é minha culpa?! Até parece que mandei uma foto pelado!”
“Você, na porra da piscina, com essa sunga… lembra do dia que nós estreamos ele lá em casa? E agora você está ai, SO-ZI-NHO…” “lembrar de você derretendo na minha boca, peladinho, Edu! Porra! Isso já é mais do que suficiente pra me deixar duro, caralho!”
“Ai, João! Eu tô ficando com mais calor…”
“Calor? Ah, meu bem… Você está ficando quente pra mim, é? Estou indo pra casa”
“Mas você disse que ainda ia demorar um pouco!?”
“ O quê? E ficar de pau duro numa mesa rodeada de homens enquanto minha cabeça tá em você? Ou melhor, no que eu vou fazer com esse seu corpinho molhado? Enquanto imagino tirar essa sunga e seco seu corpo todinho com a língua? Não, Eduardo! Obrigado. Acabei a reunião. Tô chegando, não saia de onde está!”
“ Pelo amor de Deus, homem! Eu não vou a lugar algum! A sua reunião não era importante!?”
“ Era… mas, agora, não tem mais nada importante na minha cabeça do que foder esse seu cuzinho gostoso que já deve tá piscando só de saber que eu tô indo fazer exatamente isso! Você já tá duro pra mim, Eduardo!? Tá meladinho? Tá piscando, meu bem?”
“ Ai meu Deus, João… Eu tô! Agora preciso de você…”
“ PUTA QUE PARIU”
Releio a última mensagem mordendo o lábio e agradecendo pela água ao meu redor, porque Deus! Eu estou em chamas! Sinto minha pele quente e o pulsar constante entre as minhas pernas, me tirando do sério e enlouquecendo de tesão. Sim, eu estou explodindo de tesão. E pensar que até pouco tempo atrás o mais próximo que eu chegava disso era me sentir excitado com alguns dos livros que lia. Olho para a tela do celular e decido não continuar essa conversa, com medo do tipo de coisa que vou me tornar capaz de escrever se João continuar a me provocar desse jeito.
Inspiro e expiro profundamente, tentando acalmar as batidas frenéticas do meu coração, precisando melhorar, me acalmar. A reunião era no centro do Rio, a menos que se teletransporte, João vai precisar de algum tempo para chegar aqui, e eu preciso lidar com meu próprio desespero até lá. Inspira, expira. Inspira, expira. Inspira, e a campainha toca, me tirando do meu estado de concentração e fazendo meu cenho franzir. Quem seria? Quer dizer... João não me disse para esperar por ninguém.
Ainda lerdo, saio da piscina e, depois de me secar, visto a bermuda que, por alguma razão trouxe comigo do quarto. Não tenho a ideia genial de olhar pelo olho mágico antes de abrir a porta, e pago por essa estupidez. A imagem que me recebe me atinge como um soco no estômago. Bruno. Bruno está parado na porta, vestindo roupas casuais. Uma calça jeans escura e uma camiseta clara que se agarra ao seu tórax, contornando seu peitoral musculoso, e fazendo miséria com a minha libido já descontrolada pela troca de mensagens com João Pedro.
Preciso me controlar para manter os olhos nos seus ao invés de percorrer seu corpo. Misericórdia, se João Pedro apenas sonhar com esses meus pensamentos, ele tem um ataque de pelanca. Mas o que eu posso fazer?! Não sou cego! Não dá para me impedir de notar que o homem é absurdamente bonito, e, agora, faz exatamente o que me impedi de fazer com ele. Seus olhos deslizam pelo meu corpo. Sinto meu rosto, pescoço, tudo esquentar. Oh céus!
Quando seus olhos terminam o escrutínio e finalmente encontram os meus, há um sorriso imenso em seu rosto.
− Eduardo... Bom, essa é uma recepção muito melhor do que eu esperava...
Pisco os olhos e franzo o cenho, sem ter certeza se entendi direito seu comentário.
− Desculpe?
− Eu esperava um João Pedro bem mal humorado por ter que lidar comigo, atendendo à porta, ver você é um presente... -explica, e eu não sei o que dizer. Engulo minha saliva e inclino a cabeça para o lado.
− E como você chegou até aqui? Eu não recebi nenhum aviso...
− Ah, sim! Eu sou cadastrado como visitante, uma vez ou outra meu pai usa esse apartamento quando está no Rio. Ele é muito amigo do pai do João Pedro. Então eles trocam estadias de vez em quando.
− Entendi... -Aceno com a cabeça: − Bem, eu sinto muito, mas o João não está... Você vai precisar voltar outra hora.
− Merda! -responde, imediatamente, e tenho a impressão de que é mais para si mesmo do que para mim, mas, ainda assim, me assusto com a mudança repentina de vocabulário: − Desculpe! Me desculpe! É que eu realmente precisava falar com ele, me disseram que ele já saiu da empresa e a agenda dele aqui no Rio está um caos, marcar uma reunião vai ser impossível e eu realmente tenho urgência. Não esperava não o encontrar. -Se explica, parecendo aflito e eu mordo o lábio. Uma ideia se forma em minha mente e, me preocupa, que não seja uma das boas, mas o homem parece tão desesperado, que decido não pensar muito sobre isso.
− Na verdade, ele está vindo pra cá. Você gostaria de entrar e esperar?
Sua expressão vai da preocupação ao alívio imediatamente, e eu sei que fiz a coisa certa.
− Não vou te incomodar?
− Não... É... Está tudo bem! O João Pedro já está chegando. Entra, por favor... -digo, abrindo espaço entre mim e o interior do apartamento. Ele passa pela porta e olha ao redor rapidamente, como se estivesse apenas confirmando algo que já soubesse.
− Você quer beber alguma coisa?
− Se você não se importar, eu realmente gostaria de uma água! Essa cidade é quente feito o inferno! -O comentário me faz rir, porque é exatamente o que eu passei as últimas horas pensando.
− Sim! Beira o insuportável! São Paulo é quente, mas não como aqui!
Passei o dia pensando exatamente isso...-Caminho até a cozinha em busca do que ele me pediu.
− É a sua primeira vez?
− É sim! -Entrego a ele o copo de água, mas ele faz um movimento brusco demais para pegá-lo e o copo acaba virando em sua blusa, antes de cair no chão e se espatifar em mil pedacinhos.
− Ai meu Deus! -exclamo, assustado com o barulho.
− Porra, Eduardo! Me desculpa! Puta que pariu! -Solta palavrões como se fossem vogais e eu me pego pensando que é mais uma coisa que ele e João Pedro tem em comum, além da beleza...
− Está tudo bem... Eu vou... Vou pegar uma vassoura pra limpar isso...
− Não, que isso?! Fui eu quem fez a merda, me deixe, pelo menos, consertá-la.
− Não precisa! Por que você não espera lá na varanda enquanto eu resolvo isso aqui, apesar de quente, o sol deve ajudar sua blusa a secar mais rápido. -Ele parece contrariado, mas faz o que eu sugeri, me deixando sozinho para pensar onde diabos vou encontrar uma vassoura nesse lugar.
Levo mais tempo do que teria levado se conhecesse a casa, mas consigo encontrar o que preciso, varro os cacos de vidro e seco o chão da pouca água que respingou sobre ele. Com um novo copo de água em mãos, vou até a varanda, mas estaco na entrada assim que me deparo com uma imagem realmente surpreendente. Bruno está sem camisa, apoiado contra o guarda-corpo.
Seus ombros largos estão completamente nus, as costas musculosas, contraídas pela posição, a pele morena está inteira exposta e eu não sei como me fazer voltar a andar, falar ou respirar.
Puta merda! O que está acontecendo comigo? Quer dizer, eu não conheço esse homem! Não sei nada sobre ele! Por que estou sendo tão impactado pela sua beleza? Respiro fundo duas, três vezes. É só beleza, Eduardo! Só beleza! Não é como se você estivesse excitado por ela... E não estou mesmo, tenho certeza disso, e a percepção me acalma. Estou admirado com ele da mesma maneira que fico admirado com modelos em revistas ou atores em filmes, porque excitado mesmo, como eu estava há alguns minutos atrás só de pensar em seu toque, é só João Pedro quem me deixa.
Me aproximo de Bruno, e ele se dá conta da minha presença, estendo o copo de água para ele, com um sorriso gentil, querendo perguntar por que raios ele decidiu que tirar a blusa era uma boa ideia, mas sem coragem para isso. Ainda assim, a pergunta deve estar estampada no meu rosto, é a única coisa que justificaria o que ele diz.
− A reação dos caras costuma ser diferente, sabe?
− O quê? -Franzo as sobrancelhas.
− Ao me verem sem camisa... O olhar que recebo, geralmente, é bem diferente desse que está no seu rosto.
Abro a boca, sem palavras com a audácia desse homem, e ele leva o copo de água aos lábios, sorrindo de canto, muito consciente de que me deixou ainda mais constrangido com o seu comentário.
− É brincadeira, Eduardo... Eu tirei porque, apesar desse sol infernal ser ótimo pra secar, ficar aqui, exposto, estava me fazendo derreter. -Balanço a cabeça positivamente.
− Entendo... hum... Mas, talvez, seja melhor você vestir a blusa... Só para o caso do João Pedro chegar... Você consegue imaginar a reação dele se te encontrar assim? Na casa dele?
− Você quer dizer assim, com o homem dele...
Pisco os olhos, horrorizado com o que ele acabou de dizer, Deus! Eu não sou o homem de João Pedro, eu sou... eu sou... Deus, eu sou... Busco, com desespero, uma palavra que sirva. Vasculho meu vocabulário mental, abro cada gaveta, de cada vogal, ou consoante, mas não encontro nada. Nem substantivos, nem adjetivos, nem advérbios, tudo é vazio de significado para o que quer que eu seja. Eu não sei o que eu sou! Mas, com certeza, não seu homem! Não é?
Quando começamos, eu facilmente diria ser apenas seu funcionário, mas, dizer isso agora, tendo Bruno me encontrado nesse estado na casa de João, seria o mesmo que me declarar prostituto, e isso, eu tenho certeza de que não sou. Abro a boca para rebater, pronto para dizer uma palavra qualquer e deixar que as outras a sigam, mas antes que qualquer sílaba possa sair dela, ouço o som da porta sendo aberta. É tarde demais.