CAPÍTULO XVIII
*** Eduardo ***
FRANZO O CENHO enquanto vejo o homem entrar no elevador. Depois de me olhar como se fosse capaz de me esfaquear com os olhos, ele, agora, caminha na direção do maquinário de aço, tendo suas costas voltadas para mim. Assim que as portas se abrem, ele entra e depois de se virar, volta a me olhar, parecendo querer explodir minha cabeça. Eu pisco, atordoado enquanto ele mantém os olhos abertos e focados em seu óbvio desejo pela minha morte até que as portas se fechem, e interrompam nosso contato visual.
Que raios foi isso? Quando chegou, me olhou de cima a baixo de um jeito tão lascivo, que me senti constrangido, e, agora, isso? Não que eu esteja sentindo falta daquele olhar! Não! Deus me livre! Mas, o que foi que mudou para que ele passasse do olhar de flerte escancarado para um de ódio mortal de vou arrancar sua cabeça e pregar numa estaca? Meus Deus!
− Eduardo? -Norma me chama e eu me assusto: − Tudo bem, meu filho?
− Tudo, Norma! É só que eu tive a impressão de que o advogado, o tal Marcos, me queimaria vivo, se pudesse.
− Ah não! Marquinhos é um amor! O conheço desde que era criança. Ele e o senhor Govêa são amigos de infância. Devem ter discutido sobre alguma coisa e ele só ficou irritado...
− Entendi. -concordo, ainda com o cenho franzido, porque essa explicação não explica nada, mas sacudo a cabeça, espantando os pensamentos e dedicando toda a minha atenção à mulher baixinha à minha frente.
−Aqui! -Entrega-me uma pilha de pastas: − A partir de hoje, as análises de marketing são de sua única e exclusiva responsabilidade.
− Jura? – Arregalo meus olhos e sinto o coração acelerar, Norma sorri.
− Juro! Percebi que você realmente gosta de fazer isso! E você faz muito bem! É dedicado, interpreta as propostas corretamente, e sempre tem excelentes sugestões. Já estava na hora de te dar uma responsabilidade só sua, acho que essa é perfeita. E, se me permite, talvez você devesse pensar estudar isso... Marketing...
A sugestão faz meus olhos brilharem e meu coração sorrir, porque tenho pensado muito nisso. Só faz três semanas que estou trabalhando na Govêa, mas tenho amado absolutamente tudo o que é relacionado ao marketing. Eu gosto do trabalho, de maneira geral, mas as reuniões de publicidade, os briefings, as apresentações, tudo sobre análise de mercado e produção editorial de venda me encanta. Ainda acho muito cedo para dizer que decidi, mas tenho pesquisado sempre que posso, já até dei uma olhada em algumas faculdades, em grades de cursos universitários, e saber que meu gosto pelo tema está me ajudando a produzir bons trabalhos, me deixa muito feliz.
− Tenho pensado nisso... Mas acho que ainda preciso pensar mais...
− Isso, converse com João Pedro! - Franzo minhas sobrancelhas.
− Por que eu deveria conversar com o senhor Govêa sobre isso, Norma?
Agora, é ela quem move as sobrancelhas, levantando apenas uma em uma expressão de “É sério que você está fazendo essa pergunta?!” Antes de estreitar os olhos para mim e minha boca se abre em choque. Pisco meus olhos, desesperado. Ai meu Deus! Se a Norma percebeu, será? Será que mais alguém notou?
− Não se preocupe, criança! Eu sou só uma velha muito detalhista... Mas quem não tem acesso aos detalhes que eu tenho... Jamais imaginaria...
− Detalhes? -questiono, alarmada.
− O fato de vocês sempre chegarem e saírem juntos, que você soube exatamente o que pedir para o almoço dele no primeiro dia sem me perguntar, as várias vezes em que você desapareceu dentro da sala dele por uma hora ou mais... E, eu tenho quase certeza de que já ouvi alguns barulhos.
Morro. Oficialmente, eu morro, e preciso sentar, para que meu corpo não caia estatelado no chão junto com a minha dignidade. O vermelho se apossa da minha pele constrangida, totalmente envergonhado, e Norma gargalha. Ela gargalha. Deixando-me além de muito embaraçado, perdido e atônito.
− Eu não escutei nada, Eduardo... comenta, entre risos: − Desconfiava do que acontecia, mas nunca ouvi, as paredes do escritório são a prova de som... -continua rindo, mas, saber que não dá para ouvir, não chega nem perto de diminuir meu constrangimento. Eu quero morrer. Sim, a morte me cairia bem agora. Não digo nada, não consigo. Deus, se ela desconfiava, agora tem certeza absoluta do que fazemos. Norma. Uma senhora. De quase sessenta anos. Ai. Meu. Deus!
− Eduardo... está tudo bem! Eu entendo, vocês são jovens e...
− Norma, nós podemos, por favor, não falar sobre isso? Meu Deus, como é que nós começamos a falar sobre isso? A interrompo com o pedido, mas, logo depois, o pensamento em voz alta escapa pelos meus lábios e eu não faço ideia do porquê. Ela ri mais.
− Tudo bem! Perdoa essa fofoqueira que não conseguiu se conter...
− Ai, meu Deus, Norma! - Choramingo e coloco as mãos no rosto. Escondendo minha vergonha do mundo. Norma dá a volta na mesa e senta-se na cadeira ao meu lado, depois, começa a verificar suas pastas e papeis, dando-me um tempo para me recuperar da situação constrangedora em que me encontro. Nas últimas semanas, tenho conhecido outros lados de Norma além do carinho de vó com que me tratou no dia que nos conhecemos. A verdade é que ela não é tão idosa quanto eu me lembrava, em alguns meses fará sessenta anos e, apesar disso, sua personalidade é viva, alegre e, como ela mesma acabou de dizer, fofoqueira. Na maior parte do tempo, eu gosto disso, porque fico sabendo de tudo o que acontece na empresa.
E, por tudo, eu quero dizer tudo mesmo. Desde quem foi demitido por ter feito uma burrada muito grande, até o caso que a Marcinha do RH está tendo com o Jhonathan, um dos seguranças do prédio. Mas nunca, em nenhum momento, sequer passou pela minha cabeça que essa veia bem informada de Norma atravessaria meu caminho. Eu tenho certeza de que ela não vai contar para ninguém o que sabe, na verdade, ela não é do tipo que espalha as fofocas, a única pessoa para quem conta as coisas que sabe sou eu. Por alguma razão, desenvolvemos uma ligação incrível, Norma é uma enorme mistura de chefe, amiga, mãe e vó, por isso, nossas conversas são naturais, mesmo que o tema seja a vida alheia.
Ela é exigente quando precisa, carinhosa sempre que pode, e divertida o tempo todo. Ainda assim, saber que ela não vai contar o que sabe a ninguém, não diminui minha vergonha, por isso, fico grato por ela me dar alguns momentos para colocar a cabeça no lugar, mas o universo tem outros planos.
− Boa tarde, Norma!... E..., senhor! -A segunda parte da fala demora, deixando clara a surpresa do seu falante com a minha existência. Levanto meus olhos para encontrar o pai de João Pedro. Eu nunca o tinha visto pessoalmente, nunca fomos apresentados. O conheço apenas por fotos, mas, vendo-o aqui, na minha frente, eu sei que poderia jamais ter visto seu rosto antes e, ainda assim, saberia quem ele é, simplesmente porque João é sua cópia perfeita e trinta anos mais jovem. É o dia de ter minha capacidade de fala desligada, porque, novamente, as palavras se recusam a encontrar o caminho para fora da minha boca.
− Maurício! Há quanto tempo você não aparece por aqui! Se aposentou de verdade! -Sorridente, Norma cumprimenta o homem, saindo de trás da mesa e abraçando-o, o que me deixa surpreso, mesmo sabendo que Norma trabalhou durante toda a sua vida adulta para Maurício Govêa.
Sei que ele é um senhor, se eu não estiver enganado, tem cinquenta e seis, cinquenta e sete anos, e me pego pensando que, em comparação aos muitos empresários que João Pedro recebe para reuniões, seu pai se aposentou cedo. Mas sua aparência não é a de um velho. A óbvia fonte de beleza de João Pedro é um monumento de homem. Deus do céu! Os cabelos grisalhos são curtos nas laterais e longos no topo, o rosto é quadrado e coberto por uma barba também grisalha, seu corpo é atlético e alto e está vestido por um terno cinza de corte perfeito, mas a cereja do bolo é a cor de sua pele. É a única coisa que realmente se difere entre a sua aparência e a de João, isso e a cor dos olhos.
Maurício Govêa tem os olhos verdes e a pele morena, parecendo bronzeada, contra os olhos obscenamente azuis de João Pedro e sua pele absurdamente clara. Assim como o filho, ele é injustamente lindo.
− Sim, Norma! E você deveria fazer o mesmo! Chegou antes de mim, mas vai sair depois... a vida é mais do que trabalho, mulher!
− Sim, é! E estou providenciando isso! Diferente de você, não passei a vida preparando àquele que assumiria meu legado, então, estou correndo atrás do prejuízo. Esse é Eduardo, meu futuro substituto. -Me apresenta, fazendo aqueles olhos verdes se focarem em mim e eu me sinto subitamente nervoso. Eu soube que ele era o pai de João no instante em que o olhei, mas, é só agora, que aquelas duas pedras de jade estão cravadas em meu rosto, que me dou conta do que isso significa! Santo Deus! Ele é o pai de João! Prendo a respiração sem que ninguém perceba, preparando-me para o momento em que serei obrigado a falar.
− Olá, Eduardo! Seja bem-vindo à família Govêa! -Seu sorriso é gentil, e eu tento retribuir, mas receio que tenha ficado mais como uma careta do que como um sorriso.
− Obrigado! Tem sido um imenso prazer! -Agradeço aos céus por ter sido capaz de falar sem gaguejar. Graças ao bom Deus!
− Que bom! Nós valorizamos a felicidade dos nossos colaboradores! - replica, e eu mantenho a careta congelada no rosto, sem saber o que dizer depois disso... Quer dizer, eu estou feliz, muito feliz, mas não acho que deva ficar falando sobre isso para esse homem, meu... meu o quê?! Sogro? Oh, Deus! Alguém me salva!
− Vou avisar que você está aqui! - Norma diz, fazendo com que Maurício desvie sua atenção de mim, quase como se ela pudesse ter ouvido meu clamor silencioso por socorro.
− Obrigado, Norma! -Agradece, e ela faz a chamada para a sala de João. Em instantes o homem se foi, e eu fico olhando para a porta por onde passou, até sentir o ombro de Norma esbarrando no meu.
− Conheceu o sogrão, em?!
− Norma! -Protesto, com os olhos arregalados e ela gargalha.
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− Não quero ir! -Declaro, logo depois de João Pedro me contar a novidade. Ele escolheu um momento em que eu estou vulnerável, depois da milésima rodada de sexo da noite, quando sabe que eu estou com sono, e que meu cérebro já não raciocina direito, em deixando muito mais suscetível a aceitar sem lutar. Ele gargalha. Deitados na nossa cama, seu corpo sobre o meu são um peso e calor bem-vindos. Suas mãos deslizam pela lateral do meu corpo, acariciando minha pele e tendo um efeito muito mais poderoso do que qualquer canção de ninar teria.
− Não estou achando graça, João! Eu não saberia como me comportar no meio da sua família e dos seus amigos, e, além disso, aquele Marcos vai estar lá, não vai? Ele não gosta de mim! Não sei porque! Nunca nem falou comigo, mas depois do olhar que ele me deu hoje, eu tenho certeza! Ele me odeia! -No caminho do trabalho para casa, contei à João tudo o que aconteceu com Marcos desde que ele chegou, até o momento em que as portas do elevador se fecharam. Ele não estendeu o assunto, e, rapidamente, passou para outro, o que eu achei muito estranho, e, agora, isso?
− Você se comporta como você sempre se comporta, ué! Perfeito! - Cobre minhas bochechas com as palmas das suas mãos e cola o nariz em minha pele: − E o Marcos não te odeia, ele só estava... irritado... -demora a concluir a frase, como se precisasse de tempo para descobrir o que dizer, e eu estreito meus olhos.
− Isso não é justo! Você escolheu meu momento mais vulnerável pra falar disso de propósito! -acuso, e ele sorri de canto: − Cretino! Foi por isso que você me deu tantos orgasmos hoje, não foi? Você queria me esgotar! -Ele gargalha.
− Meu bem, eu te dou orgasmos porque é uma delícia te dar prazer e ver você gozar! Não porque quero te deixar exausto! Se, e esse é um grande se, houve alguma razão pra eu estar tão faminto de você hoje, é o fato de que eu mal te vi o dia inteiro...
As palavras fazem meu coração pular no peito.
− Eu senti sua falta... -murmura em minha boca: − Estou mal acostumado a ter você como meu almoço... -Acaba com a doçura do momento com as palavras rudes, me fazendo rir alto.
− Você é terrível!...
− O quê? É a hora mais gostosa do meu dia! E hoje isso me foi negado, e, depois, parecia até que você estava fugindo de mim! Acho que vou
oficializar nossos encontros diários na minha agenda, assim, mesmo quando eu precisar sair na hora do almoço, como hoje, ainda terei meu tempo com você garantido!
− Isso seria fofo, se não tivesse motivos tão depravados!
− Depravado? -questiona, fingindo-se de ofendido: − Eu tenho razões legítimas! Recomendações médicas! afirma com a maior cara de pau do mundo, e eu gargalho.
− Recomendações médicas?
− Sim! Ele disse que eu deveria usar recursos para alívio do stress durante o trabalho...
− Eu acho que ele estava pensando naquelas bolinhas de massagem antiestresse quando disse isso... Comento, divertido...
− Mas eu uso minhas bolas! Adoro quando você as lambe e chupa, nada pode ser mais desestressante do que isso! -sussurra em meu ouvido.
− Impossível! Você é impossível! E não conte mais com isso! Pode tirar essa ideia de hora do Eduardo na agenda da cabeça! A Norma sabe sobre nós! Descobri hoje que ela sabe exatamente o que fazemos quando eu sumo dentro da sua sala no horário do almoço! -Conto, me sentindo envergonhado só de me lembrar da conversa de hoje à tarde, mas João Pedro ergue uma sobrancelha para mim, como se eu estivesse falando um grande absurdo: − É sério! Ela sabe! Ela me disse isso hoje!
− Eu sei que ela sabe, Eduardo... É a Norma, não há nada que aquela mulher não saiba! Aliás, eu acho que deveria estar mais preocupado por você passar tanto tempo com ela... Se ela realmente te ensinar tudo o que sabe, isso pode significar problemas pra mim, porque eu tenho quase certeza de que ela é uma bruxa, e você já é muito bom em feitiços sem ter uma velha especialista te ensinando nada!
− Eu não acredito que você sabia que ela sabia! -É tudo o que digo, ignorando completamente qualquer besteira que ele tenha dito sobre feitiçaria.
− Me admira que você não soubesse, na verdade! Me admira ainda mais que você ache que isso vai me manter longe de você no trabalho, achei que tivéssemos resolvido isso no seu primeiro dia... -Lambe minha orelha antes de sussurrar nela: -O que foi? Você está com saudades de ser fodido em cima da minha mesa? A janela, os sofás, a cadeira de presidente e qualquer outro lugar em que eu tenha te comido naquela sala ultimamente estão te deixando entediado? Te fazendo esquecer que você é meu e que eu fodo esse seu cuzinho cuzinho onde eu quiser?
Gemo. Sem conseguir me impedir, um gemido arrastado escapa da minha garganta, e eu sinto-me subitamente quente pelas palavras ditas por João.
− Porra, Edu! Eu adoro como você fica excitado fácil! -Lambe minha boca e rebola, esfregando o pau já meia-bomba em minha barriga. Eu choramingo, porque me sinto exausto, mas meu cuzinho não se importa com isso e pisca dolorosamente, implorando para que João prove as palavras que acabou de dizer, que sou seu e que me fode onde quiser, fazendo exatamente isso agora.
− Eu tô cansado! -resmungo, e ele ri.
− Você já tá pedindo arrego? Ah, que isso? E esse relacionamento ainda nem tem três meses...
− Eu não sou uma máquina, droga! - João beija meus lábios suavemente e roça o nariz no meu, meus olhos pesam e eu quase os deixo se fecharem. Quase.
− Ai, meu Deus! Você está me enrolando! -acuso, subitamente consciente do que ele estava fazendo e bem acordado.
− Eu não faço ideia do que você está falando. -desconversa.
− Uma ova, João Pedro! Você está me enrolando pra não falar sobre o Marcos!
− Eu já falei dele... Disse que ele só estava irritado...
− Você está mentindo!
− Como você sabe? -protesta, surpreso.
− Eu não sabia! Agora, eu sei! -João estreita os olhos para mim e eu sorrio, orgulhoso de mim mesmo.
− Coisinha traiçoeira! -acusa antes de descer as mãos do meu rosto, deslizar pelo meu corpo até alcançar minha cintura e pará-las bem ali, em uma ameaça silenciosa. Arregalo os olhos e balanço a cabeça em uma negativa muda, quase implorando só com o olhar para que ele não faça isso, mas percebo que só isso não seria suficiente, então apelo para as palavras.
− Não, João! Por favor, por favor! Por favor, não!
− Não o quê? -questiona, com um sorriso de canto de boca, enquanto seus dedos passeiam na área sensível, apavorando-me pela expectativa de que os toques gentis e suaves se transformem em algo cruel e desesperador. Tento segurar suas mãos, mas, com o peso de seu corpo sobre mim, ele rapidamente me domina, prendendo minhas mãos acima da cabeça, deixando-me completamente a sua mercê, indefeso. Seu sorriso, agora, já não tem mais absolutamente nada de sutil. Ele é grande, escancarado... Já no meu rosto, há apenas desespero. Lambo meus lábios, e meu peito, arfante, pelos movimentos rápidos em nossa curta e injusta luta, se movimenta, exigindo uma quantidade cada vez maior de ar.
− Tá com medo, Edu?
− Isso não é justo! -choramingo.
− Ah, e me enganar é justo?
− Mas eu só queria descobrir a verdade! Foi você quem mentiu, se alguém deveria ser castigado, é você! Não eu!
− Você tem razão... -pondera... Fazendo-me lançar a ele um olhar de cansaço, porque sei que essa concordância é mentirosa. Ele nunca cederia tão facilmente assim.
− Se eu fosse um cara legal, Eduardo... diz, apesar da minha careta: − Se eu fosse um cara legal, me preocuparia em ser justo... Mas eu não sou! – A tortura começa. Sua mão livre começa a tocar a lateral do meu corpo em movimentos rápidos que me fazem gargalhar. Cócegas! O maldito está me fazendo sufocar em cócegas, rio. Rio até perder o ar, até muito depois que a barriga dói e que as lágrimas escorrem pelas laterais dos meus olhos e alcançam o colchão.
Gargalho, alto e escandalosamente enquanto me remexo sob seu corpo, e ele ri junto, se divertindo com meu desespero. Sua mão é implacável, ela me provoca sem trégua, enquanto a outra continua mantendo minhas duas mãos presas acima da minha cabeça.
− Por... Por... favor! -Imploro, entre gargalhadas, mas ele não me ouve. Só quando se dá por satisfeito, para, deixando minhas bochechas doloridas e minha garganta arranhando, de tanto rir!
− Eu te odeio! -declaro, no calor do momento, mas a resposta de João a minha declaração é um olhar, um olhar tão intenso e profundo que parece descobrir e desvendar minha alma. Sinto-me, verdadeiramente, nu. Seus olhos me invadem, vasculhando os cantos mais escuros de mim e libertando todos os sentimentos guardados, escondidos e, até mesmo, um que, até aquele momento, me era desconhecido.
− Mentiroso. -Sussurra em minha boca com o rosto sério e mesmo sabendo que não falei honestamente, a intensidade do seu olhar me diz que sim, eu sou um mentiroso. A sensação atravessa meu corpo como uma flexa carregando uma rede, e me envolve por completo, dos dedos mínimos dos pés, até minha última raiz de cabelo, e invadindo-me com as certezas recém escavadas por seu olhar. Embora estranha, e nunca antes sentida, no momento em que fui atingido por ela, imediatamente a reconheci, era impossível não saber seu significado. Como em tantos outros momentos marcantes quando o assunto é João Pedro, eu soube num segundo. Eu o amo.
Puxo o ar com força para meus pulmões desesperados por oxigênio, porque a constatação roubou todo o meu ar. Santo Deus, eu amo esse homem! Porque eu sei, eu simplesmente sei e, apenas sei, é assim que é o amor. É essa sensação de acolhimento e felicidade, é a certeza de não estar sozinho e de jamais querer abandonar. É querer cuidar tanto ou mais do que ser cuidado, é dar, porque é prazeroso ver alguém receber, e não porque se espera algo em troca. É silêncio e caos, é quente e frio, é movimento e estaticidade, é tudo, é nada. É a alegria de olhar nesse par de olhos que despe cada um dos meus segredos, e saber que está tudo bem, que é seguro, e que ele pode saber tudo sobre mim, porque eu quero saber tudo sobre ele.
Mas é tão, tão cedo. Há tantas perguntas, tantas. E eu não quero as respostas para nenhuma delas agora, então interrompo a exploração silenciosa que João faz e me obriga a fazer em mim mesmo da única maneira possível. Eu o beijo. Com os lábios, com a língua e com os dentes. Me aposso de sua boca, me permitindo, na ausência de palavras, dizer tudo aquilo que não estou pronta para dizer em voz alta. Eu te amo, é cedo demais, eu estou apavorado, por favor, tome cuidado com o meu coração, eu te amo, eu te amo, eu te amo...
O beijo é longo, gostoso, e retribuído com tanto cuidado, que quase me permito acreditar que João desvendou cada um dos meus pedidos mudos, os acatou, e me disse que sim, sim, sim, sim, tudo bem e eu também. Quase, mas, quando eu estou prestes a selar essa crença no meu coração, um pedacinho sensato de mim mesmo me impede, dizendo que, se palavras ditas podem ser levadas pelo vento, as não ditas podem, perfeitamente, nunca sequer terem sido pensadas. E João nunca as disse. Nem mesmo que está apaixonado por mim, o mais perto que chegou foi na nossa última noite no Rio, quando disse que, se eu não tomasse cuidado, ele poderia me amar.
Eu também não falei, mas eu tenho medo, tanto medo. E se ele não sentir o mesmo? E se ele não quiser o mesmo? E se for demais? E se, por isso, meus sentimentos forem reduzidos a nada? E se ele me disser que não importa? Não, não posso! Não quero essas palavras em minha mente, ou em meu coração. Não quero o não, então prefiro a impossibilidade do sim, prefiro a ausência da certeza, seja ela qual for. Entre todas as formas de saber de seus sentimentos, eu escolho ficar com os meus intactos, mesmo que em segredo, mesmo que no desconhecido, no escuro.
Venho escolhendo me resguardar desde o momento em que descobri que o que me movia em sua direção tinha deixado de ser puramente atração física e passado a paixão, e continuarei assim. Fico parado, sob ele, sentindo-o mais profundamente dentro de mim agora, do que ele esteve quando seu pau estava enterrado em minha bunda.
− Ele não te odeia... Só precisa de um tempo pra entender que as coisas mudaram... -Sua testa e boca estão coladas nas minhas, e suas palavras arrancam-me dos pensamentos e conclusões que me afogavam tanto quanto, ou mais que o sentimento recémdescoberto.
− Por quê?
− Por que o quê?
− Por que ele precisa de tempo?
− Porque o Marcos não faz ideia do que é a... -se interrompe, fazendo-me abrir meus olhos, os arregalar, e deixando minha respiração suspensa, na expectativa do que ele ia dizer. Ele não ia dizer amar, ia? Não... ele não iria. Seu olhar continua sendo escondido de mim por suas pálpebras fechadas e eu espero, completamente vazio de voz, ansiosa, quase desesperado para ouvir a conclusão. Ele leva segundos, quieto, como se decidindo o que diria.
− Acordar e dormir com você todos os dias, meu bem. -conclui, por fim.
Meu coração erra muitas batidas, decepcionado, porque não era o que eu queria ouvir, e, ao mesmo tempo, aliviado, por não ter permitido que eu dissesse as palavras, afinal, claramente, não é como ele se sente.
− Entendi... -murmuro, e seus olhos se abrem.
− Eduardo... -começa, mas eu o interrompo, porque não quero mais conversar. Não estou com raiva, só com
medo de onde meus próprios sentimentos vão me levar. Porque comecei essa noite como mais uma entre tantas outras maravilhosas e, de repente, me vejo apavorado pela possibilidade de perder o que temos por querer mais.
− É melhor nós irmos dormir, já é muito tarde, e amanhã acordamos cedo... A gente conversa sobre a festa amanhã...
− Meu bem...
− Eu to cansado, João... Só... Vamos dormir, tudo bem? -Volta a recostar a testa na minha, e, depois de um silêncio breve, sussurra em meus lábios.
− Tudo bem, mas essa conversa ainda não acabou... E eu não estou falando da festa... Nem do Marcos...
Não digo nada, porque não quero ter essa conversa. Definitivamente, não quero.
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*** JOÃO PEDRO ***
O ROSTO CALMO, pacífico durante o sono, não foge de perguntas, nem me nega uma resposta sequer.
− Do que você tem tanto medo, Eduardo? -Enquanto ele dorme, silêncio é tudo o que recebo como resposta. Acaricio seus cabelos, esparramados sobre meus dedos, beijo a ponta de seu nariz, aperto seu corpo nu contra o meu e ele se aninha, se afundando ainda mais no meu abraço. Sorrio.
Eu amo o quanto ele se entrega para mim. Amor... Essa palavra. Cheguei tão perto de dizê-la hoje... Hoje, definitivamente, foi um dia estranho. A conversa com Marcos fez sua parte, a conversa com meu pai e o lembrete de que a festa de aniversário de casamento dele e de minha mãe está se aproximando, fez outra, e estar afastado de Edu pelos compromissos, fez o restante. Senti sua falta. Senti saudades do seu sorriso, da sua presença e da sua voz como se não a visse há dias, quando, na verdade, acordamos na mesma cama, nos fartamos um do corpo do outro antes mesmo de tomarmos café da manhã juntos, e fomos trabalhar no mesmo carro.
Marcos me disse coisas sensatas e compreensíveis, mas, que, conhecendo Eduardo, soaram absurdas a ponto de me fazer rir. Em condições normais de temperatura e pressão, eu desconfiaria, desconfiaria de qualquer pessoa, como cheguei, até mesmo, a desconfiar dele antes de conhecê-lo. Só que, agora, tudo isso é apenas inadmissível. Mas desconfiar não era a única coisa em que Marcos estava certo.
O fato de, ao ser lembrado da festa, a única coisa em que consegui pensar foi em como Eduardo se sentiria nela, aliado à saudade absurda que senti dessa coisinha pequena, agora em meus braços, que é onde ele pertence, deixou mais do que claro que, independentemente de por quanto tempo me neguei a pensar sobre isso, eu estou apaixonado por Eduardo. Completa e fodidamente apaixonado por ele, o homem, que só conheci por um grande joguete do destino, me colocou de quatro por ele em pouco mais de um mês, puta que pariu.
Suspiro pesadamente, com a cabeça cheia de pensamentos, o coração cheio de sentimentos e os olhos vazios de sono. Há alguma coisa que faz Eduardo se segurar e eu só queria saber o que é. Insegurança? Talvez... Ele nunca teve alguém para se importar e já deixou claro inúmeras vezes que não está acostumado a ser visto como prioridade, a ter seus desejos considerados ou suas necessidades colocadas como o que são, necessidades.
Seria tão mais fácil se ele simplesmente me dissesse qual é o problema, porra! Mas o homem é teimoso feito uma porta, e prefere dar um passo à frente e dois para trás quando o assunto é como se sente. Sua pergunta sobre qual era o problema com Marcos, me fez querer ser honesto, dizer que ele não entendia, porque não sabe o que é estar apaixonado por alguém, não de verdade, não na vida adulta.
Mas, ao começar a palavra, senti seu coração arrebentar seu peito em batidas rápidas e fortes, vi seus olhos arregalarem e suas pupilas dilatarem. Medo, ele sentiu medo. Ficou apavorado com a simples ideia de eu dizer que estou apaixonado por ele. Por quê?
− Por que, Edu? -Pergunto e, mais uma vez, seu corpo entregue ao sono me responde com o silêncio. Beijo sua testa e cheiro seus cabelos.
Uma vez ouvi alguém falando sobre pessoas que se sentem inseguras com palavras declaradas, porque já as ouviram muitas vezes sem que de fato significassem alguma coisa. Pessoas que odiavam a expressão “Eu te amo”, por exemplo, porque, para elas, ela se tornou vazia de significado, por isso, quando alguém diz que as ama, ao invés de sentirem-se preferidas, o efeito é exatamente o oposto, elas se sentem enganadas, iludidas, porque essas simples sílabas, quando colocadas na mesma frase, traduzem apenas decepção.
Seria esse o problema de Edu? Ter sido deixado de lado ou, ter recebido uma quantidade tão insuficiente de cuidado de pessoas que diziam se importar, que, agora, ele acha que ouvir essas palavras pode estragar algo com o qual ele está satisfeito? Porque disso eu tenho certeza, Eduardo está feliz. Vejo isso em seus olhos, em seu sorriso, em suas atitudes. Talvez, só, talvez, ele precise sentir mais do que ouvir... Me pego concluindo, e esse parece um bom plano.
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Ele amou conhecer um aquário, quis tirar fotos com todos os peixes que achou fofos, e foram muitos, e precisei quase arrastá-lo para que passasse pelo túnel submerso no tanque de tubarões. Ele disse que lagosta é uma delícia, porque é como comer um camarão infinito, mas não chegou nem mesmo a provar o escargot, falou que era nojento só de olhar, e, de alguma maneira que só o paladar de Eduardo é capaz de justificar, ele conseguiu achar que caviar é amargo.
Ele dormiu na sala vip do cinema, e, depois, disse que não foi sua culpa, que aquilo era confortável demais para conseguir se manter acordado, e acrescentou uma sala exatamente igual àquela à sua lista. A lista. A lista de coisas que ele sempre quis fazer, mas nunca pôde. É dela que estamos falando. Nas últimas três semanas, tenho me dedicado a zerá-la, ainda estamos longe disso, porque fiz Eduardo escrever cada coisa que já desejou fazer um dia e, por algum motivo, não pôde. Desde comprar uma orquídea, até fazer um passeio de barco ou um cruzeiro. Com muita insistência da minha parte, chegamos à trezentos e oitenta e seis itens.
Algumas coisas, como a orquídea ou experimentar lagosta, caviar e escargot, são realmente simples, essas quatro, por exemplo, fizemos na mesma noite. Outras, como levar a mãe para um dia de princesa, fazer uma viagem de carro, ou ter um cachorro, são um pouco mais complicadas, porque vão requerer planejamento, principalmente o cachorro, Deus sabe que ele será o último item da lista a ser cumprido, porque eu torcerei muito para que ele mude de ideia até lá. Para os próximos dias há algumas coisas planejadas: fazer um piquenique no jardim botânico, nos hospedar em um hotel, comprar e levar presentes para um abrigo infantil e fazer um passeio de helicóptero.
Mas de tudo o que já fizemos, e do que ainda faremos, bastou ver seu olhar assim que entramos, para ter certeza de que a de hoje será a minha coisa favorita de toda a lista: ir até a confeitaria mais antiga de São Paulo. Eduardo parece uma criança com crédito ilimitado solta em uma loja de doces, seus olhos brilham como estrelas em uma noite de inverno e seu sorriso, puta que pariu! Seu sorriso é a coisa mais doce na porra de uma doceria! Acontece que, por dois anos, Eduardo passou aqui na frente todos os dias em seu caminho para o trabalho, mas nunca pôde entrar, porque cada centavo importava.
Só lembrar da situação em que meu menino vivia me faz trincar os dentes. Nunca mais. Ele nunca mais vai saber o que é isso. Ele nunca mais vai saber o que é querer alguma coisa e não poder ter, porque eu vou lhe dar o mundo, se for isso o que ele quer. Sentado em uma mesa para duas pessoas, observo enquanto ele caminha pelas vitrines, olhando tudo o que tem à sua disposição e o sorriso volta ao meu rosto. A confeitaria é um lugar simples, porém bonito, no qual, normalmente eu não viria, mas não posso dizer que não seja um ambiente agradável.
Com dois andares e um mezanino, onde está nossa mesa, bem ao lado de imensas janelas que nos deixam ver a praça em frente à doceria, apesar de antigo, o estabelecimento tem uma decoração moderna. os móveis são novos e bem cuidados e o prédio, em si, é belíssimo. A fachada é original de 1850, Eduardo adorou, tirou fotos para enviar para a mãe, como tem feito na maioria dos nossos passeios e, essa foi mais uma coisa que eu tive certeza que é a primeira vez que ele pôde fazer, dividir com sua mãe momentos que sempre quis viver, momentos que estão realmente sendo vividos, não inventados como tantas vezes ele fez.
Do alto, continuo observando a criaturinha pequena que virou minha vida de ponta cabeça. Há três meses atrás, em uma tarde de domingo, como essa, eu estaria trancafiado no escritório, afundado em trabalho e, agora, aqui estou, e o mundo não deixou de girar porque eu estou trabalhando um pouco menos, tampouco a empresa passou a funcionar com menos eficiência. Assim que nos conhecemos, Eduardo disse que eu não tinha amigos, porque se eu os tivesse, eles não me deixariam trabalhar tanto. Na época, eu
disse a ele que amigos não atrapalhariam meu trabalho, e sua resposta foi que amigos me fariam entender que isso não é atrapalhar. Ele estava certo, e isso só mostra mais uma coisa em que ele me enrolou e conseguiu exatamente o que queria, apesar da minha negativa. Eduardo se tornou meu amigo. Um valioso, preocupado e carinhoso. E, contra o que eu acreditava, ele não se resumiu a isso, devagarinho, se tornou muito mais.
Ele morde o lábio e se inclina diante de uma vitrine gelada de tortas, lambe os lábios e vira o rosto na minha direção. É como ser atingido por uma marreta, chego a apertar os pés contra o chão para ter certeza de que não saí do lugar, mas meu corpo continua exatamente onde estava segundos atrás, antes de ser o alvo daqueles olhos transparentes e lindos. “Eu te amo...” As palavras surgem em minha mente tão naturalmente que me assustam, porque bastou ver seu rosto feliz, verdadeiramente feliz, para que eu quisesse dizê-las. Mas que porra!
Sempre achei que essas coisas precisassem de um grande momento... Um beijo na chuva, ou o caralho que fosse, e esse bruxo vem, e arranca a vontade de dizer as palavras de mim ao simplesmente me olhar sorridente em uma loja de doces.
Ele não veste uma roupa glamurosa, nem nada do que dizem que importa, ele é simplesmente ele, e não há nada que me dê mais certeza da veracidade dos meus sentimentos do que isso. E, se antes eu tinha certeza de que esse seria o meu passeio preferido de todos os que fizemos e faremos, agora, essa certeza foi elevada à decima potência, porque foi aqui, no caralho da confeitaria mais antiga de São Paulo que eu soube que o amava, talvez, esse lugar só perca em importância para aquele em que, algum dia, eu poderei dizer isso a ele.