Capítulo 8 - Infortúnio e dor
Há poucos meses o Yago e eu havíamos completado três anos de namoro. Apesar dos protestos dele, seus pais resolveram promover um churrasco para comemorar a data, convidando amigos e alguns parentes, uma vez que nosso relacionamento já não era mais nenhum segredo em ambas famílias. O Yago sempre foi meio avesso a essas festas familiares, como me revelou seu pai, quando me pediu ajuda para convencê-lo a aceitar aquele churrasco em família. Ele ficou uns dias meio zangado comigo por ter conspirado contra sua vontade, mas acabou cedendo depois de eu lhe proporcionar algumas trepadas revestidas de muito carinho. Todos já tinham como certo que, ao final da faculdade e, tão logo a nossa condição financeira permitisse, passaríamos a viver como um casal sob o mesmo teto, uma vez que o amor que nos unia podia ser constatado por qualquer um.
Duas semanas depois desse churrasco, numa madrugada de sábado para domingo, após regressarmos de uma balada com amigos numa casa noturna voltada para o público gay, eu comecei a despi-lo assim que adentramos ao quarto dele, pois meu cuzinho convulsionava de tanto tesão que a proximidade de dançar agarrado a ele tinha me provocado. Enquanto dirigia o caminho de volta, ele não parava de me falar sacanagens, de como ia me enrabar, do que ia fazer comigo quando estivesse pelado nos braços dele, o que comprovava que também estava sendo atormentado pelo tesão.
Eu o empurrei para que se sentasse na cama, abri e tirei a camisa dele, sem perder tempo para cobrir seu torso viril com beijos e lambidas, enquanto ele começava a abrir o jeans. Tão logo vi aquela braguilha aberta, enfiei minha mão lá dentro e tirei o pauzão para fora, caindo de boca na suculência cheirosa que ele liberava. Puxei o jeans e a cueca até tirá-los pelos pés, deixando-o nu e me ajoelhei entre suas pernas, voltando a colocar o cacetão na boca e deslizando meus dedos por toda sua virilha. Com uma das mãos eu punhetava o caralhão, com a outra, fazia movimentos de ordenha com seu escroto taurino. Com as mãos apoiadas sobre a cama, ele mantinha o tronco e a cabeça inclinados para trás e grunhia envolto no deleite que minha boca chupando sua pica estava lhe proporcionando. Em dado momento, senti um caroço duro na dobra da virilha dele. Eu conhecia aquela virilha como a palma da minha mão e sabia que aquele nódulo não estava lá da última vez que tateei por aquela zona.
- Tem um caroço aqui! – exclamei, ao voltar a senti-lo na ponta dos dedos.
- Observe bem, na verdade tem dois, e estão bem cheios prontos para serem esvaziados na sua boca e nesse rabinho apertado. – provocou malicioso, deixando-se chupar.
- É sério Yago! Está sentindo, é bem aqui, consegue perceber? – perguntei, palpando o caroço.
- Não sinto nada além dessa mão macia me deixando maluco! – respondeu, não levando minha observação a sério.
- Você precisa ver um médico para descobrir o que é isso. Não estava aí das outras vezes. – afirmei.
- Chupa as minhas bolas, Theo! Eu adoro o jeito que você chupa as minhas bolas. – ordenou despreocupado, só pensando no momento de se despejar na minha boca.
Acabei engolindo um bocado de porra e levando outro tanto no cuzinho antes de pegarmos no sono. Após a ducha que tomamos juntos na manhã seguinte, voltei a vasculhar a virilha dele à procura do nódulo, ele continuava lá e, guiando a mão dele, levei-a até onde ele conseguiu sentir o caroço.
- Amanhã mesmo vamos procurar um médico, para descobrir o que é esse caroço. – afirmei quase impositivamente.
- Deve ser devido ao treino esforçado dessa semana, o jogo contra o time da federação paranaense de rugby é no próximo final de semana e temos que estar bem preparados, pois a galera de lá é bem competitiva.
- Com ou sem jogo, você vai ao médico! Nós vamos, pois você é cheio de artimanhas e vai querer me engambelar que eu sei. – retruquei
- Você é pior que uma mãe pentelha! Depois do jogo eu vou, prometo. Essa semana é impossível, tenho muitos treinos. – informou.
Eu sabia que não adiantava bater de frente com ele, especialmente quando seu esporte favorito estava envolvido; assim, agendei uma consulta para semana seguinte ao jogo.
O médico que atendeu o Yago era um sujeito charmoso na casa dos quarenta anos que achou engraçado, embora o disfarçasse, quando lhe apontei a exata localização do caroço na virilha dele. Ele não teve dúvida de que eu era um profundo conhecedor daquela região anatômica do meu namorado. Depois de um vasto questionário e do exame clínico, ele solicitou uma bateria de exames, o que fez o Yago sair da consulta reclamando mais que um velho ranheta. Eu não sei se foi uma ligeira mudança na expressão do médico enquanto examinava o Yago que me encheu de preocupação, ou se foi pura cisma, mas eu senti uma opressão no peito como se alguém estivesse pisando nele. Não comentei nada com o Yago para não deixá-lo preocupado; no entanto, assim que meu pai chegou em casa naquele final de tarde, me lancei nos braços dele revelando meus receios.
- Não há de ser nada, filhote! O Yago é um touro de forte, é jovem, não deve ser nada para você ficar assim tão aflito. – consolou-me, sabendo que aquele garotão parrudo que me enrabava era a razão do meu viver.
- Estou com medo, paizão! – a voz saiu embargada. – Você precisava ter visto a cara do médico, foi muito sutil, mas tinha algo escondido por trás daquela aparente tranquilidade.
- Você é muito sensível, filhão! Acha pelo em casca de ovo, e começa a se amargurar antes do tempo, sempre foi assim. – ponderou.
- Mas no caso da mamãe eu estava certo, não estava? Não era uma bobagem qualquer, ela estava bastante doente e faleceu. – argumentei, recordando-me das minhas suspeitas quando surgiram os primeiros sintomas do câncer que a tirou de nós.
- Isso não significa que o Yago esteja com algo grave, Theo! Tire esses pensamentos da sua cabeça! – aconselhou. Eu nunca ia conseguir seguir esse conselho.
O resultado dos exames do Yago não agradou o médico, e ele o encaminhou a um oncologista. Assim que ele pronunciou a especialidade, eu olhei para o teto do consultório, meus olhos se encheram de lágrimas e precisei fazer um esforço hercúleo para não desabar no choro diante do Yago, que entrou num estado de perplexidade.
Ao especialista ele foi acompanhado dos pais, comigo a tiracolo, pois não conseguia me imaginar alheio aquela situação. Outra batelada de exames de todos os tipos levou o oncologista a dar o diagnóstico – um tipo agressivo de linfoma difuso de grandes células B – que o estadiamento revelou estar no estágio IV no qual havia severo comprometimento ganglionar. A mãe dele quase cai da cadeira quando ouviu as palavras do médico, o pai dele tinha um olhar vago, o Yago estava calado e absorvia a informação impassível, como se ela fosse apenas uma menção que não lhe dizia respeito. Eu senti como se um buraco tivesse se aberto sob meus pés, mas consegui amparar a mãe dele para que não caísse da cadeira e tirei forças nem sei de onde para encarar o Yago e lhe dirigir um sorriso doce, comovido e solidário, para que soubesse que não estava e nunca estaria sozinho na difícil jornada que o aguardava.
Chorei muito naquela noite, como há muito não chorava. Havia uma dor em meu peito como se houvesse uma espada cravada nele. Na manhã seguinte, acordei cedo vesti um sorriso no rosto vincado e fui buscar o Yago na casa dele para irmos para a faculdade. Ele não queria, estava tão impactado pela notícia da doença que não se sentia com forças para enfrentá-la. Eu agora precisava ser forte por nós dois, não podia permitir que ele esmorecesse, precisava lhe injetar ânimo e lhe dar todo o amor que sentia por ele.
- O Theo está certo, filho! Siga normalmente com a sua vida, vai ser bom ocupar a cabeça com outras coisas. – disse-lhe a mãe, que abraçava a nós dois.
- Que vida? Essa que está com os dias contados? Para que vou concluir o curso se jamais vou precisar dele? – respondeu desolado.
- Não seja derrotista, amor! Você nem começou o tratamento e já está desistindo. Onde está o meu Yago, o hooker forte e corajoso, o melhor capitão do time de rugby, onde está o cara que vai se casar comigo e aturar todas as minhas manias?
- Está a caminho da sepultura! – exclamou ele.
- Para Yago! Caralho, cara, nunca mais repita isso! – esbravejei. – Desculpa o palavreado, dona Claudia, escapou! Esse turrão me deixa revoltado. – emendei ligeiro, recebendo um afago no rosto da mãe dele, que se sentia grata pelo apoio que eu estava dando ao filho.
- Então não finja que está tudo bem, porque está tudo uma merda! – berrou ele.
- Não estou fingindo que está tudo bem, eu sei que está revoltado com tudo isso, mas da mesma maneira que você não entrega uma partida só porque seu time está com menos pontos, também não vai se entrar sem luta.
Quando as sessões de quimioterapia começaram o humor do Yago acabou de vez. Ele voltava delas mais arrasado do que das árduas partidas de rugby, eu passava horas com a cabeça dele no meu colo, acariciando o rosto taciturno e sem forças, reclusos no quarto dele, ouvindo suas músicas prediletas. Por dois ou três dias depois das sessões de quimio ele vomitava dezenas de vezes e, pouco mais de um mês depois do início delas, seu corpo dava sinais de estar definhando. Nunca chorei na frente dele, mas quando ficava sozinho no meu quarto à noite, eu chorava até perder as forças e o sono me derrubar.
Quando começou a perder o cabelo, eu raspei o meu tão rente quanto possível, alegando que não ia deixar ele ficar lindo sozinho para que o roubassem de mim. Seu sorriso devolutivo era triste e, às vezes, vinha acompanhado de uma lágrima que descia pelo rosto dele, e que eu beijava para secar. Uma nova série de exames foi feita ao término das 20 sessões de quimioterapia prescritas pelo médico, a terapia não estava apresentando os resultados esperados. Uma nova série foi prescrita, adicionando-se outras drogas. O Yago havia perdido quase trinta quilos dos pouco mais de cem que tinha ao começar o tratamento. Eu evitava olhar para ele quando o banhava e ficava provocando sua libido brincando e acariciando o cacetão que parecia ainda maior diante do corpo menos estruturado.
- Não quero mais que venha aqui em casa, nem que me acompanhe na quimioterapia. Quero que procure outro namorado e me deixe em paz! – no dia em que ele me disse isso, com uma voz revoltada, eu não me segurei e comecei a chorar.
- Que porra é essa, Yago? Se você pensa que vai me dar ordens e que vou obedecer, pode esquecer! Você não manda em mim! Eu vou ficar ao seu lado e não quero porra de namorado nenhum que não seja o que eu já tenho! – devolvi enfático e furioso.
- Sou eu quem não te quer mais! Deixei de te amar, e não preciso de um enfermeiro me enchendo o saco o dia todo. – retrucou beligerante.
- Mentira! Você nunca vai deixar de me amar, e sabe disso! Não tente dar uma de durão para cima de mim que eu não vou desistir de você, não vou desistir de nós. – afirmei determinado.
- Vá cuidar da sua vida! Se quer mesmo fazer algo por mim, suma! Não é justo você ficar preso a mim, a um cara que vai morrer dentro em breve, perdendo um tempo precioso dando esse rabo para alguém que consiga dar conta dele. – sentenciou enraivecido, jogando tudo o que estava ao seu redor pelos ares, esmurrando os móveis e dando pontapés à esmo para extravasar a raiva que sentia.
- Para! Para! Não vou para lugar algum e você vai se acalmar. – proferi, contendo seus braços e o envolvendo protetoramente nos meus, até o surto passar.
- Por que eu, cacete? Por que essa merda tinha que acontecer comigo? O que foi que eu fiz de errado para merecer essa porra dessa doença? – questionou em voz alta, enquanto eu o acalentava.
Seus gritos e o barulho das coisas voando pelo quarto atraíram a atenção dos pais dele que vieram ver o que estava acontecendo e o encontraram chorando derrotado nos meus braços, enquanto o quarto mais se parecia com uma área pós terremoto.
- Não deixem mais o Theo entrar aqui em casa, não quero que ele passe os dias me vendo morrer. – disse, encarando o pai.
- Não faça isso com ele, filho! Ele está sofrendo tanto quanto você, talvez até mais por não poder te ajudar. Não o castigue mais do que a vida já está fazendo. – sentenciou o pai dele, sentando-se ao nosso lado na cama, enquanto as lágrimas desciam copiosas e mudas pelo meu rosto.
Após quinze meses de longas, intermináveis e penosas sessões de quimioterapia o oncologista, numa conversa reservada com os pais do Yago, disse que haviam tentado de tudo, mas a progressão da doença continuava e previu apenas alguns poucos meses de sobrevida. Eles vieram me trazer a notícia em casa, para que eu me preparasse para o desfecho. Eu me sentia tão unido a eles como se fossem também os meus pais, e eles nutriam o mesmo sentimento por mim; além de toda gratidão pelo que estava fazendo pelo Yago. Meu pai estava junto quando eles vieram conversar comigo.
- Não vou aguentar, paizão! De novo, não! Não vou aguentar perder também o Yago, pai! – desabei no colo dele.
- Escuta, filhão! Você é mais forte do que imagina. Vai precisar continuar forte para o Yago. Ele precisa de você, de todos nós, e é isso que vamos dar a ele, nossa força, nossa compaixão, nosso amor por tudo o que ele representa para nós. – meu pai estava sendo mais uma vez o meu esteio.
O Yago morreu sentado abraçado comigo numa espreguiçadeira olhando o pôr do sol de um final de tarde num resort à beira mar, conforme seu pedido proferido com palavras débeis durante a última internação hospitalar. Foi meu pai que providenciou as acomodações e a estadia no resort para os pais dele, ele, eu e meu pai. Estávamos todos à volta dele quando me encarou pela última vez e seus lábios esboçaram um sorriso mortiço, antes de suas pálpebras caírem diante dos olhos outrora tão vivos e expressivos. Ali me pareceu que eu quebrei em mil caquinhos, que não tinha mais esperança de se juntarem algum dia. O Yago levou consigo parte do meu ser, não só a nossa história e o futuro que planejávamos, mas algo que seria impossível repor. Eu teria que aprender a viver sem essa parte minha.
Faltavam poucos meses para a formatura, retomar o ritmo da faculdade com aquela solidão me corroendo foi mais difícil do que eu imaginava. No momento da entrega do canudo, eu só pensei no Yago, de como ele estaria pulando e me abraçando por aquela conquista, como costumava fazer com os companheiros do rugby quando venciam um campeonato. Só consegui chorar. E, todos à minha volta sabiam e compreendiam o porquê daquelas lágrimas, pois ambos tínhamos um grande círculo de amizades que tinha como certa a nossa união num futuro que nunca aconteceu.