CAPÍTULO DOIS
**NINGUÉM AGUENTA MAIS ATIVO CONTROLADOR**
Perfume de gente que tem dinheiro é pior que catinga de merda: não sai nunca. Mesmo depois que cheguei ao meu apê, tomei um banho e vesti um pijama bem confortável ainda pude sentir o cheiro dele. Simplesmente ficou impregnado na minha pele, ou provavelmente no cabelo, mas já era muito tarde e eu não teria todo o trabalho de lavar só por causa daquele imbecil.
Quando me deitei a primeira imagem que me veio à mente foi a do seu rosto bem desenhado. Mais uma coisa ruim de ter homem bonito por perto: a beleza toda fica na cabeça da pessoa, grudada feito chiclete, e é difícil demais esquecer porque, afinal de contas, é uma imagem muito interessante e agradável. A sua mente fica repetindo tudo alucinadamente, e como eu tinha muita memória guardada — gosto, cheiro, pegada, texturas — a coisa ficou realmente muito complicada.
Eu não queria pensar em padrão escroto por mais nenhum minuto da minha vida, por isso tratei de tomar vergonha na cara e, recapitulando a sua grosseria com precisão, a raiva acabou sendo maior do que todo o restante. Consegui dormir uma hora depois, mas pelo menos apaguei de vez e me vi livre daquele homem.
Na manhã seguinte acordei com dor de cabeça e me lembrei de que beber espumante nunca é uma boa ideia, mesmo que em pouca quantidade. Era domingo e eu não tinha absolutamente nada para fazer, portanto me bastou ficar na cama durante um tempão, para variar, pensando na noite anterior. Comecei a me perguntar se aquilo havia acontecido mesmo. Quero dizer, o dono da InterOrsini, um cara que representava tudo o que eu mais detestava na vida, realmente tinha me beijado do nada e demonstrando um interesse ferrenho de dormir comigo?
De longe ele era o cara mais bonito que eu já tinha pegado. E, com certeza, sem a menor dúvida, o mais endinheirado. Infelizmente, não era o mais babaca. Ou talvez fosse, já que eu não o conhecia a fundo e nem queria conhecer. Deus me livre. Homens como ele eram pior que espumante, já devia vir uma bula enumerando os efeitos colaterais e dor de cabeça era um deles.
Respondi uma mensagem da Elisa, perguntando se estava tudo bem, e ainda pensei em contar para ela o que tinha acontecido, porém desisti. Dei apenas uma resposta favorável, fugindo de qualquer questionamento. A minha amiga não acreditaria. Nem eu estava acreditando. Mas, enfim, vida que segue.
Fui para a cozinha e a minha mãe estava bebendo água, parecendo tão ressacada quanto eu.
— Saiu ontem também? — dei um beijo no topo de sua testa e ela sorriu.
— E eu fico em casa noite de sábado? Jamais! Fui pro forró.
— Eita! Foi bom?
— Uma maravilha! — ela se sentou em uma das cadeiras de perna alta, com o copo em mãos. — Dancei até me acabar.
— Errada não está.
Desde que se separou, há quase seis anos, dona Délia não perdia a oportunidade de curtir a vida e eu a apoiava muito. A minha mãe era uma guerreira; sempre foi trabalhadora e, casada com o meu pai, deixou de viver muita coisa que deveria. Ela mudou completamente depois do divórcio.
Estava mais bonita, bem-cuidada, com o astral e a autoestima elevados. Quando eu dizia que algumas pessoas era como parasita não estava brincando. Ainda bem que ela se livrou de um. Eu amava o meu pai, não me leve a mal, mas ele não passava de um traste.
— E como foi a festa da empresa? Trouxe alguma lembrancinha?
— Ih, mãe, não trouxe nada, foi mal — comentei, meio aéreo, pegando um copão de água para mim na geladeira. — Voltei cedo, mas deu tudo certo. Exceto pelo dono da empresa, que me beijou do nada.
— Como é que é?
Dei de ombros. A minha mãe era a minha melhor amiga e eu não escondia absolutamente nada dela. Foi por este motivo que contei tudo o que aconteceu, tim-tim por tim-tim, sem retirar e nem pôr nenhum detalhe.
— Esse homem é perigoso — ela comentou, por fim, visivelmente preocupada. — Onde já se viu, querer pagar pra transar com a pessoa?
— Ele deve estar acostumado com esse tipo de barganha. Imagina quantas pessoas já deve ter comido com essa historinha?
Dona Délia deixou o copo sobre a mesa e me encarou.
— Sei lá, ele é bonito e você bem que estava a fim, acho que se fosse eu tinha caído nessa ladainha. Pelo menos estaria com os boletos pagos.
— Mãe, a senhora não precisa de dinheiro, graças a Deus. — Ela era funcionária pública e ganhava o suficiente para ter certas regalias, sendo assim, não era justificável o fato de aceitar uma foda paga. — E eu não sou prostituto. E nem a senhora! O cara é dono da empresa em que trabalho. Imagina o rolo que isso poderia dar?
— É, você tem razão. Como sempre, sensato. — Sorri para ela e recebi o seu sorriso de volta. — Fez bem em botar esse mané no lugar dele.
— Pois é, também acho. Mas agora estou com medo de receber a minha demissão amanhã. Não paro de pensar que vai ser fácil pra ele me encontrar — soprei o ar dos pulmões, preocupado. — Num instante saberá quem eu sou e ele não vai descansar, tenho certeza. Homens assim são muito orgulhosos e eu feri o ego dele.
— Bom, o jeito é esperar e não se estressar. Qualquer coisa a gente coloca na justiça. Ele não está nem doido de te demitir do nada. Esse povo odeia escândalo, imagina o medo que ele deve ter de você dar com a língua nos dentes...
— Tem razão, mãe! — quase berrei, surpreso com o rumo dos pensamentos de dona Délia. Ela estava certa. Por isso que Thomas Orsini disse com todas as letras que precisava da minha discrição. Claro que não queria um escândalo. — É uma carta que tenho na manga. Mas acaba sendo a minha palavra contra a dele e a gente sabe que a corda arrebenta para o lado mais fraco.
— Ele não precisa saber que você não quer fazer um escândalo de jeito nenhum — mamãe piscou um olho, cúmplice. — Se o pior acontecer é só ameaçar. Fique de olho nos próximos passos dele e registre tudo.
— Mãe, a senhora está muito afiada, viu?
Ela soltou uma gargalhada audível e me deu um beijo no topo da cabeça antes de seguir para o corredor e entrar no banheiro. Dois minutos depois soltou um grito lá de dentro:
— Que homem lindo, Bruno! Caramba, ele é perfeito! Como você resistiu a uma coisinha linda dessas?
— Mãe, a senhora está procurando no Google? — gritei de volta.
— Claro, eu tinha que ver as fuças do homem!
Revirei os olhos, sabendo que começaria a perder o apoio de mamãe quando ela conferisse todo o currículo gigantesco do CEO. Infelizmente, aquele era o mal da sociedade e dona Délia era um tantinho alienada também. Com certeza começaria a fantasiar a coisa toda, a romantizar a figura do macho escroto como se ele fosse um príncipe encantado. Como se o fato de ser rico e bonito lhe desse, automaticamente, o título de melhor partido, o direito sobre as pessoas ao seu redor. Era assim que começava o sofrimento de muitas pessoas.
A campainha tocou e, ao conferir no olho mágico, vi o rosto redondo do porteiro e abri a porta rapidamente. Ele me ofereceu uma caixa de tamanho médio, avisando que tinha acabado de chegar à portaria e que estava em meu nome. Estranhei, pois não tinha comprado nada online e não esperava receber encomenda alguma. Ainda assim, agradeci ao funcionário e peguei o pacote para mim.
Fui ao meu quarto e fechei a porta antes que dona Délia visse tudo e ficasse me sondando. Não sei por que, mas não tive uma boa intuição depois que percebi que não existia um remetente. Na caixa estava escrito apenas o meu nome e endereço, nada além. Respirei fundo, imaginando se aquele era o começo, criando coragem para finalmente abrir e descobrir o tamanho do meu problema.
Bom, se a caixa possuía uns 20 ou 30 centímetros, meu problema deveria ter mais de 300 quilômetros, porque, ao abrir, percebi que dentro dela havia um pequeno arranjo de flores coloridas e muito delicadas.
— Droga... — resmunguei, puxando o vaso diminuto, com a etiqueta de uma loja que eu sequer conhecia, mas que parecia cobrar os olhos da cara. — Merda... Merda, não faz isso comigo, Thomas Orsini.
Mas não adiantou fazer qualquer pedido para o além. Embaixo do vaso havia um pequeno bilhete, em papel branco e com letras pretas, cursivas:
Me desculpe, T.O.
P.S.: Te achei.
— Filho de um puto! — gritei, depois levei uma mão à boca e olhei para a porta. Ainda esperei um pouco para ver se minha mãe tinha ouvido, porém o apê continuou silencioso e eu suspirei de alívio. — Babaca imprestável — resmunguei. — Matou um monte de flor a troco de nada!
Fato: gente como Thomas Orsini não conseguia fazer nada sem barganhar. Percebe o padrão? Ele sabia muito bem a merda que tinha feito comigo, ou não, isso era indiferente, o que ele queria era o meu perdão e a minha guarda bem baixa para que fosse possível prosseguir até me fazer amolecer. O seu objetivo maior era me comer e fiz com que a conquista ficasse mais interessante, ainda que sem querer. Quanto mais eu o rejeitasse, mais doido ele ficaria por mim. Era assim que eles agiam. Eram movidos por esse tipo de joguinho imundo que eu simplesmente ODIAVA jogar. Para mim as coisas eram muito claras; se eu estava a fim dizia sim e pronto.
Mas eu não estava. Não por ele em si, podia transar de boa e ir embora, afinal, o cara era gostoso e eu o comeria todinho com colherinha, e apostava como ele iria gostar, porém tinha o fato de ele ser o dono da empresa e, mesmo que eu fosse embora depois da foda, no fundo não seria um adeus em definitivo. Ele tinha meus contatos, sabia onde eu morava e àquela altura deveria saber muito mais do que eu gostaria de expor. Então NÃO, não valia a pena correr aquele risco.
Peguei o meu celular e abri no site da empresa de flores. Queria saber exatamente quanto o sujeito havia gastado comigo. Uma pequena pesquisa foi o suficiente para saber que aquelas plantinhas na verdade eram importadas dos montes longínquos da Itália e muito raras. Resultado: quase dois mil reais por uma porcaria de vaso estúpido. E eu não podia me enganar, as flores não foram para mim, não havia orgulho ou vaidade nenhuma nisso. Tudo era uma massagem no ego frágil do idiota.
Soltei uma gargalhada diante do montante. Thomas Orsini era um sem noção completo. Não tinha a menor consciência de classe. Será que pensava que gastar com baboseira era bonito? Será que não tinha nenhuma empatia por quem não chegava a ganhar aquilo em um mês inteiro de trabalho? Ele não fazia ideia do que era viver de verdade. Eu achava tudo uma baita falta de respeito e só fiquei com mais raiva dele.
Foi por isso que tive uma ideia meio chocante e resolvi colocar em prática só pelo sabor de fazer algo que ele provavelmente se ofenderia. Abri na minha conta do Mercado Livre, tirei algumas fotos do vaso, acrescentei todas as descrições do produto e coloquei para vender por mil reais. Ainda deixei uma mensagem avisando que as recebi de um tremendo babaca e que não as queria, mas que doaria o valor às crianças carentes.
Ri de mim mesmo por uns instantes. Talvez jogar com o CEO engomadinho fosse mais divertido do que pensei. Até quando ele suportaria? Porque se dependesse de mim o seu ego iria ao chão e eu ainda faria questão de pisoteá-lo.
Thomas Orsini teria que ser muito forte pra me ganhar no embate.
**************
No dia seguinte parecia que nada de mais havia acontecido, a tirar pela presença do vaso entre as minhas coisas. Nenhum sinal de possível comprador. Ainda bem que não precisei encarar as flores por muito tempo; tive que me arrumar e partir para o trabalho logo cedo. Já estava mais confiante com relação à demissão. Thomas Orsini não me demitiria, ao menos não antes de saber qual tinha sido a minha reação ao seu pedido de desculpas.
De qualquer forma tudo parecia normal na InterOrsini. O departamento de criação, onde eu trabalhava há dois anos, estava em polvorosa e logo me distrai com o serviço em minha cabine. Eu gostava de criar as artes para os projetos, era a melhor parte de todo o trabalho. De maneira geral, amava o que fazia. Recebia um salário razoavelmente bom e estava satisfeito, não tinha muito do que reclamar. Meus próximos planos era fazer mais alguns cursos e tentar subir de cargo. Adoraria ser chefe de projeto algum dia, seja na InterOrsini ou em qualquer outra boa empresa.
— Bruno Mendes? — uma mulher parou ao lado da minha cabine, segurando uma prancheta e vestindo trajes formais. — Sou Jussara, funcionária do R.H. — ela sorriu e eu só consegui devolver uma careta confusa.
Não era possível. O babaca ia mesmo me demitir? Puta merda!
— O que... foi? — murmurei a pergunta, atônito. Do outro lado da sala, Elisa me olhava com curiosidade, já que as divisões entre as cabines eram baixas e dava para ver o rosto de todo mundo. — Algum problema?
— Queira me acompanhar, por favor?
— C-Claro — soltei um gaguejo vergonhoso, já me levantando.
Segui aquela mulher, que eu nunca tinha visto na vida, até três andares acima do departamento de criação. Eu me sentia como um gado caminhando para o sacrifício. Fiz o possível e o impossível para controlar a ansiedade, e também para pensar no que diria caso a merda fosse jogada no ventilador.
Já não estava me aguentando mais de angústia quando Jussara apontou para uma sala e me fez entrar nela, fechando a porta logo em seguida. A mulher apontou para a poltrona à minha frente e me sentei de uma vez, completamente impaciente.
— Na verdade o motivo de nosso encontro é muito bom — ela disse com animação, sentando-se na cadeira atrás de uma mesa pequena, repleta de papeis e demais materiais de escritório. — Você será remanejado para o oitavo andar. Será o novo coordenador do setor de criação.
— Coordena... O quê? — um olho meu começou a piscar sozinho. Sério. O globo ocular saltitava como se estivesse em um pula-pula. — Como assim? Eu...
— Alguém lá em cima fez uma avaliação minuciosa dos seus projetos e o considerou apto para ocupar um cargo de coordenação.
— Mas... E-Eu...
— Meus parabéns! — Jussara estava completamente alheia ao meu choque. Quero dizer, com certeza pensava que aquela era minha reação diante de uma grande notícia, mas não era bem assim. A novidade na verdade era terrível. Pior do que pude imaginar. — Só temos que assinar umas papeladas e preciso que leia esse contrato com a descrição de todas as suas novas funções.
— Mas... Jussara, eu... O cargo de coordenador não estava vago.
— Bom, na verdade esse cargo foi criado de ontem para hoje. Se entendi bem, estamos precisando de uma demanda mais específica, que você pode ler nesse contrato. É referente ao pessoal de Los Angeles.
— Los Angeles? — quase berrei. A minha voz saiu tão esganiçada que Jussara parou de mexer na papelada e me encarou, um tanto assustada.
— Sim, parece que a empresa quer alguém para vincular os projetos de lá com o pessoal daqui. A mão de obra brasileira é mais barata, sabe? Eles querem ganhar em dólar e pagar gente para o serviço em real — ela falou baixo, com a mão ao redor da boca, como se me confessasse um segredo. Depois, aprumou-se e voltou a falar normalmente: — Ao menos é o que acho. Você ficará mais inteirado quando se reunir com a direção.
Ela finalmente me entregou os documentos. Quando comecei a ler precisei morder os meus lábios para não soltar um grito que seria capaz de botar aquele prédio no chão. Tudo porque o meu salário seria aumentado em quase 200%. Sem contar as regalias. Tinha vale para tudo, até para moradia e viagens de avião. Por um momento me senti um deputado corrupto.
— Isso... Isso está correto, Jussara? — questionei, meio aérea, sem saber nem o que pensar.
Thomas Orsini era um... Eu nem tinha mais nome para ele.
— Sim, é isso mesmo. É um cargo bastante promissor, não? Meus parabéns mesmo, Bruno.
A coitada era tão legal e prestativa. Parecia genuinamente feliz pela minha suposta vitória. Era uma pena que eu tivesse conquistado aquilo tudo porque, de repente, o meu cu se tornou atraente demais para um ativo controlador. Passei a me sentir extremamente ofendido e até enojado só de pensar a respeito.
Como ele queria que eu retribuísse a tudo aquilo? Que passasse o famoso Cucard? Infeliz. Ordinário. Criatura das trevas.
— Jussara, eu... — puxei o ar para os meus pulmões. — Tenho que assinar agora?
Ela deu de ombros.
— Está tudo correto, não se preocupe, já reli cada termo pelo menos umas três vezes... Mas se quiser pode me entregar no fim do expediente.
— Pode ser outro dia? — Eu precisava conversar com a minha mãe. Só ela poderia me ajudar a resolver a situação com inteligência e cuidado. Porque, sinceramente, a minha vontade era só de procurar Thomas Orsini no inferno e fazê-lo engolir aqueles documentos sem nem um copo d’água pra ajudar.
Mas eu não podia ser burro, né? Era todo o meu futuro em mãos. Eu odiava que aquele homem me controlasse, mas o emprego era bom, bem remunerado pra caralho e talvez eu jamais tivesse uma oportunidade parecida na vida. Claro que o meu cuzinho valia mais que aquilo, porém... Enfim. Por favor, não me julgue. A situação era difícil e eu não tinha um manual pra me dizer o que era certo a ser feito.
— Olha, Bruno, posso segurar até no máximo amanhã de manhã. A direção está ansiosa pra começar a etapa de internacionalização.
— Obrigado, Jussara. Qualquer problema me avise e eu... Vejo uma forma de... Enfim — expirei ruidosamente.
— Sem problemas!
Ela se levantou e achei que aquela era a minha deixa para retornar ao trabalho. Segurando aqueles papeis em mãos, entrei no elevador. Ergui a mão para clicar no andar do departamento de criação e percebi que estava completamente trêmulo.
Não. Não dava.
Eu não podia fazer aquilo e o infeliz ainda me obrigaria a rejeitar a oportunidade que esperei a vida toda.
— Babaca — resmunguei e, no impulso, cliquei no andar da cobertura.
Eu nem sabia se o sujeitinho estaria lá, no topo da sua própria cadeia alimentar, vendo de cima o gafanhoto morder a folha para descobrir que, na verdade, era um pau que deveria ter o tamanho do meu dedo mindinho.
— Você me paga — falei para mim mesmo, sem perceber que uma raiva crescia dentro de mim e tomava forma. Ela comandava naquele momento. Não havia raciocínio ou ponderação, apenas ela, absoluta, vibrante em minhas veias.
O elevador subiu diretamente para a cobertura, sem nenhuma pausa, e
quando as portas abriram simplesmente surgi no meio de uma recepção cheirosa e refinada, toda decorada como se ali vivesse um rei. A raiva só aumentou e prendi os meus pulsos com força. Inclusive, ouvi quando a papelada amassou entre as minhas mãos.
Pisei fundo até a recepcionista, que trabalhava toda sorridente atrás de um balcão que parecia ter custado o valor de um carro 0 km.
— Senhor Thomas Orsini se encontra? — resmunguei a pergunta, sem sequer me dignar a saudá-la.
— Opa! — a mulher se assustou um pouquinho, mas depois fez uma expressão confusa. — Quem deseja falar com ele?
— Bruno Mendes — falei entre dentes. O meu próprio nome nunca me pareceu tão odioso. Do nada ele havia se tornado uma chave de acesso a um sujeito inalcançável.
Como a minha vida tinha chegado àquele ponto? De que maneira me meti dentro de um clichê de muito mau gosto? Pelo amor de Deus. Eu não queria um macho controlador na minha cola. Quem quisesse o seu que procurasse.
A mulher pegou um telefone e falou tão baixo, escondendo a boca, que não ouvi nada. Ela com certeza já estava acostumada a ter que dar as mais variadas desculpas. No entanto, pareceu surpresa com o que ouviu. Olhou-me de cima a baixo, estranhando a minha presença, depois desligou e falou:
— O Senhor Thomas Orsini o aguarda na segunda porta à esquerda.
Acenei com a cabeça. Não me dignei a falar absolutamente nada, nem mesmo um obrigado. Continuei pisando duro no chão, com sangue nos olhos e fumaça saindo pelas ventas. Sim, o meu nome se tornou mesmo uma chave.
Eu era uma merda de chave que abriria a porta do escritório do CEO.
Se foder!
Assim que abri a porta e o vi de pé, escorado numa mesa, fechei-a atrás de mim e ergui a mão com os documentos. Encarando-o com severidade, comecei a movimentar a palma até tudo se transformar numa bola grande de papel disforme. Thomas Orsini ficou me olhando com as sobrancelhas levemente erguidas, demonstrando profunda surpresa.
Joguei a bola de papel no chão, por fim.
— E agradeça por isso aqui não estar na sua goela — resmunguei. — Vá controlar a puta que te pariu. A minha vida não é o seu brinquedo. Está me entendendo, Thomas Orsini? — resolvi me aproximar, ainda que considerasse perigoso. Só que a raiva estava me enchendo de uma coragem absurda. Para mim, não existia nada ao redor de nós, apenas aquele par de olhos claros e assustados. — Eu. Não. Sou. Seu. Brinquedo.
— B-Bruno... — ele gaguejou um pouco e isso me fez parar por um momento. De alguma forma a sua hesitação foi capaz de remover uma parcela de minha coragem. Também contava o fato de que era a primeira vez que meu nome saía de seus lábios. Foi uma cena doida, no mínimo. — Escute, por favor.
— Não me mande presentes. Não me... — parei, mordendo os lábios.
— Não brinque comigo.
— Por que você me leva tão a mal? Não é nada disso, eu...
— Porque você quer me comprar, cara! — falei alto demais, chegando perigosamente perto. Tanto que ele se aprumou, desencostando-se da mesa. — Você quer comprar a porra de uma foda! Já falei que não sou prostituto e não vou me deitar com o chefe!
— Não vejo isso como uma compra. Só quero agradá-lo porque não paro de pensar na sua boca, caralho! — ele falou de uma maneira controlada, sem elevar muito a voz, apesar do palavrão. No mesmo instante encarou os meus lábios, e o meu corpo, involuntariamente, achou que era um bom momento para encarar os dele de volta. Merda. Passamos um tempo em silêncio, até que ele prosseguiu: — Quero que se sinta bem e esteja bem, não tem nada a ver com prostituição.
Soltei um riso desdenhoso.
— Conta outra, meu chapa! Não nasci ontem.
— Não posso dizer que não o quero, pois seria uma mentira. Mas não vou comprar o seu desejo, até porque, sinceramente, não há nada para comprar, você já me deseja que eu sei — ele sorriu com certa malícia em seu semblante.
O cara se achava. E eu estava começando a me cansar daquela história.
— Olha, arranje outra boca pra pensar — falei baixo e seriamente. — Sério, Senhor Orsini, não vai rolar.
Ele não pareceu contente com a notícia.
— Aceite o cargo, Bruno — disse, enfim, após refletir enquanto me oferecia um olhar hipnotizante. — Precisamos de fato de um novo coordenador e seus projetos são muito inteligentes.
Ri ironicamente de novo.
— Engraçado que ninguém nunca se importou com eles até então. A maioria foi rejeitado sem sequer uma avaliação decente. O que um cu não faz, né? Eu deveria ter investido em ginástica anal em vez de uma faculdade.
Thomas continuou muito sério.
— É um erro interno. Pode ter certeza de que irei me certificar de que todos nesta empresa estão sendo ouvidos.
Ergui uma mão e fiz vários gestos abrindo e fechando os dedos.
— Blá-blá-blá. Falácia. Me poupe. — Pela cara dele concluí que estava prestes a avançar em meu pescoço, então descobri que finalmente cheguei ao ponto de remover o seu juízo e de tirá-lo do sério: exatamente onde eu queria. — Vou pensar nessa merda toda. Mas não ache que uma possível aceitação seja um convite.
Ele ergueu as mãos, como se estivesse se rendendo.
— Certo. Mais alguma coisa?
— Não. Nada.
— Eu tenho uma questão — ele murmurou, abaixando as mãos. — Quero deixar claro que você foi injusta ao chamar o meu dinheiro de sujo. Não participo de nada ilicitamente. Pago todos os impostos e até fomos premiados ano passado por termos todas as contas transparentes. Todo o Grupo Orsini é limpo.
— Que seja. Eu não me importo.
— Você não parece se importar muito com as coisas. Por que fica na defensiva desse jeito?
— Correção: eu me importo com o que é relevante — ergui a cabeça em sua direção, em clara posição de ataque. — Com certeza não me importo com vasos de flores de dois mil reais.
Ele riu, desdenhoso. Depois de um tempo em completo silêncio, voltou a me olhar daquele jeito maluco que me arrancava o fôlego. Droga.
— Deixa essas merdas de lado e me beije de novo, Bruno — murmurou, diminuindo o espaço entre nós. Parou quando nossos rostos se mantiveram muito próximos. Ele chegou a erguer uma mão, mas a abaixou, como se buscasse autocontrole. — Eu sei que você também quer. Pra que se enganar?
Fechei os olhos, porque aquela porra de olho azul, verde, sei lá, estava invadindo o meu consciente e me fazendo amolecer aos poucos. Não podia acontecer sob nenhuma hipótese.
— Não vale a pena — sussurrei, praticamente entre os seus lábios.
— Por que acha isso?
— Você deve ter um pintinho bem pequeno — soltei sem pensar, na intenção de ofender mesmo, e ri sozinho. Estava pouco me fodendo pra ele. Porém, não me preparei para a mão que puxou a minha e, devagar, colocou-a sobre a protuberância maciça entre suas pernas, prestes a rasgar a calça, querendo liberdade. CARALHO.
Literalmente caralho.
— Está bom pra você?
— Preciso de mais uns dez centímetros... — resmunguei, quase caindo no chão. O cara era pintudo. Muito, muito pintudo. Não era possível, minha gente. Não tinha como ser. Por isso que o mundo estava um caos. Não havia equilíbrio na natureza.
— É minha vez de dizer: não brinque comigo, Bruno.
Ele avançou na minha direção, a fim de me beijar, porém reuni forças para dar dois passos para trás. Foram suficientes para largá-lo de vez e recuperar o meu juízo.
— Me deixe em paz — apontei para ele, chacoalhando o dedo de forma relaxada. E achei por bem repetir: — Me deixe em paz.
Abri a porta e voltei correndo para o elevador, sem me importar de parecer um doido. Precisava tomar distância daquele homem. Ninguém aguenta mais protagonistas que vacila no primeiro ataque preciso do mocinho babaca.
***************
**NINGUÉM AGUENTA MAIS INDECISÕES**
Definitivamente, correr não foi uma ideia muito boa. Sequer consegui chegar ao elevador, pois, do nada, um homem com o triplo do meu tamanho e largura me pegou por trás, segurando os meus braços como se eu fosse um bandido prestes a cometer um crime. Por mais vontade que eu tivesse de juntar as mãos ao redor do pescoço do Thomas Orsini, não poderia ser considerado um assassino e a minha saúde mental ia bem, quer dizer, na medida do possível.
O fato foi que tudo aconteceu muito rápido; enquanto a montanha me segurava, outra entrava na sala do todo-poderoso, provavelmente para conferir se estava tudo bem. A minha ficha demorou demais a cair. Eu não sabia o que tinha feito de errado e nem o que estava acontecendo, só sei que o Thomas saiu de seu escritório, parecendo muito irritado, e disse em um tom duro:
— Pelo amor de Deus, Roberto, solte-o. Não houve nada.
O homem me soltou no mesmo instante e só então pude olhá-lo. Sabe aqueles seguranças de filmes, enormes, com cara de mau, vestidos formalmente e com um vestígio de tatuagem tribal saindo pelo pescoço? Roberto era igualzinho.
Depois de encará-lo, olhei para o outro segurança, que mantinha o mesmo padrão do primeiro. Em seguida meus olhos se voltaram para os do CEO, que me olhavam como se pedisse milhões de desculpas. Por um segundo se fez um silêncio ensurdecedor, até que finalmente o quebrei:
— Sério? Dois guarda-roupas? — ri com ar de desdém.
Thomas Orsini suavizou o semblante outrora sério demais, porém se manteve calado.
Senti uma movimentação ao meu lado e vi quando o Roberto entrou no elevador como se nele tivesse alguma bomba prestes a explodir. Aquilo devia fazer de mim um terroristo, pois o modo como me olhava também não era nada agradável. Ele verificou tudo antes de questionar:
— O acesso do elevador deu defeito de novo? — bufou, um tanto chateado.
Eu só queria saber de onde surgiram aqueles caras. Claro que havia uma grande chance de eles estarem por perto o tempo todo, eu que não percebi devido à raiva que me deixou cego. Para ser sincero não tinha visto muitos detalhes que naquele momento reparei com exatidão, como, por exemplo, as imensas janelas do andar da cobertura, que dava visão direta para uma parte interessante da cidade.
— Não — Thomas Orsini falou e novamente me pus a olhá-lo. — Não está com defeito. O senhor Bruno Mendes tem acesso à cobertura — apontou para o crachá pendurado no meu pescoço. Toquei-o, chocado.
Agi em um impulso tão louco que não parei para fazer questionamentos importantes. O primeiro deles era: como raios cheguei à cobertura com tanta facilidade e sem que o elevador fizesse nenhuma pausa? Estávamos num prédio de vinte andares, repleto de funcionários que iam e viam sem parar e, obviamente, a cobertura era protegida, assim como cada um dos andares. Sempre que usávamos o elevador tínhamos que registrar o crachá antes, só assim o acesso era liberado e podíamos escolher um número no painel.
Era isso. Não apenas o meu nome se tornou uma chave, como também o meu crachá me dava acesso direto ao imbecil. Soltei todo o ar dos pulmões, ainda chocado, tentando processar a nova informação como podia. — Está de brincadeira comigo... — murmurei para mim mesmo.
— Senhor... — um terceiro homem se aproximou de nós, mas aquele estava vestido de forma diferente, ainda que também estivesse formal. Mas o seu uniforme era azul e me lembrava de algo a ver com a aeronáutica. Percebi que não pensei errado quando ele completou: — O helicóptero que solicitou já está pronto.
— Ok, estou a caminho — Thomas respondeu, sem emoção, já que para ele a coisa mais natural do mundo era pegar um helicóptero para ir sei lá aonde. Endireitou a gravata, como se ela estivesse lhe sufocando, e voltou a me olhar.
Eu continuei com as sobrancelhas erguidas, surpreso, mais passado que uva-passa. Soltei uma espécie de riso que me soou patético, porém me controlei em seguida para não gargalhar na cara dele. Comecei a balançar a cabeça em negativa e, por fim, percebi que estava sobrando naquele lugar. Caminhei de volta para o elevador e daquela vez ninguém me segurou.
Usei o cartão de acesso para digitar o andar do departamento de criação e, antes de as portas se fecharem, ainda pude ter mais um vislumbre dos olhos de Thomas Orsini. No entanto, não percebi indiferença, desejo ou qualquer outra coisa que já havia notado em seu olhar antes. Na verdade acreditei ter percebido certa tristeza, como se o homem estivesse muito cansado ou desanimado.
Não sei por que, mas fiquei pensando em seu rosto durante todo o percurso, até retornar à minha cabine e prometer a mim mesmo que não gastaria mais nenhum segundo do meu tempo pensando nele. Não valia a pena.
Enrolei a Elisa o dia inteiro para não ter que dizer a verdade. Até poderia ser sincero com ela, mas se eu descobrisse que uma pessoa com menos tempo de trabalho na empresa conseguiu um cargo mais alto, que sempre foi o meu sonho, porque o dono do nada sentiu vontade de comê-la, eu ficaria muito puto. Por isso achei melhor não contar nada, ao menos não até descobrir o que fazer com tudo aquilo.
No fim do expediente um dos entregadores internos deixou na minha cesta individual um envelope recheado, com a tarja CONFIDENCIAL bem na frente, destacada como se fosse uma sentença de morte. Ao menos foi assim que me senti. Para não ter que me explicar, e nem chamar a atenção dos outros, enfiei-o dentro da minha bolsa com tudo, mesmo sem caber direito. Eu não sabia o que tinha ali, mas com certeza boa coisa não era.
Foi um martírio esperar chegar a minha casa para finalmente descobrir o conteúdo do envelope. Agradeci por dona Délia não ter chegado ainda do trabalho e não ter que responder às suas perguntas. Tranquei-me no quarto, joguei-me na cama, com bolsa e tudo, e peguei o embrulho misterioso. Havia o meu nome completo e os números do andar e da minha cabine atrás, escritos com uma letra bem pequena.
— Seja o que Deus quiser... — murmurei e o abri.
Retirei de dentro novas cópias do contrato e do documento que
Jussara tinha me dado mais cedo, e que eu havia amassado na frente do CEO. Soltei um suspiro, revirando aqueles papeis com certo desespero, até que encontrei um que não estava lá antes. Chamava-se CONTRATO DE DISCRIÇÃO. O nome me fez estranhar e comecei a lê-lo para saber do que se tratava. Antes eu não tivesse lido. Aliás, antes eu nem tivesse sido alfabetizado, porque minha vontade era desler toda aquela merda.
Tratava-se de uma espécie de tratado de silêncio entre mim e o Thomas Orsini, algo que garantiria discrição de ambas as partes diante de um relacionamento mais íntimo. O contrato possuía apenas uma folha e era claro, objetivo, além de deixar evidente que um possível rompimento seria justo caso surgisse uma situação que se configurasse abuso ou assédio. Ainda assim eu me senti uma merda lendo aquilo. Que tipo de mundo maluco era aquele onde Thomas Orsini vivia? Com certeza o meu era diferente, mesmo que não deixasse de ser doido. Só era outro nível de insanidade, um que eu tinha aprendido a lidar ao longo dos anos.
Com o dele eu não fazia a menor ideia de como lidar.
— Só pode estar tirando uma com a minha cara! — resmunguei, largando a papelada de lado. Sentia-me cansado. Não somente pelo serviço do dia ou pelas emoções controversas causadas, mas pelo processo de pegar condução pra ir e voltar, além de todo o peso da vida adulta. Eu ainda precisava arranjar o jantar. — Não tenho psicológico pra isso — defini, jogando-me na cama e pegando o meu celular com o único objetivo de me distrair com memes.
Aquele foi o meu maior erro. Se pudesse voltar no tempo eu teria escolhido ir tomar banho e preparar algo pra comer. Não deveria abrir rede social nenhuma, pois qualquer coisa seria melhor do que começar a stalkear certo alguém. Depois de ler um bocado de colunas sociais em que o dito-cujo estava presente, verificando minuciosamente todos os eventos, prêmios e fotos dos Orsini, achei o seu Instagram oficial. Para a minha surpresa, ele era do tipo discreto. Perfil trancado, com poucos seguidos e um número menor ainda de seguidores.
Por aquela nem a internet esperava. Achava que o Senhor Orsini era do tipo exibicionista, blogueirinho fitness, que expunha o seu corpo e a sua maneira de viver a todos, dando uma de coach, como se soubesse tudo sobre a vida antes mesmo dos trinta. Eu o via perfeitamente como um padrão crossfiteiro, vegano, que ama os animais e é adepto aos esportes radicais. Podia vê-lo como alguém que se descreve com um “em busca do próprio eu” enquanto consome um monte de tranqueira cara e inútil, como aquele vaso de flor. Será que postava fotos com frases motivacionais? Eu não duvidava.
Foi enquanto criava milhares de hipóteses que uma nova mensagem chegou ao meu Whatsapp, vinda de um número desconhecido:
Ei...
O meu coração pareceu ter sofrido um processo de congelamento repentino. Não havia foto alguma naquele perfil, mas desconfiei de quem era e não sabia o que dizer em resposta. Sendo assim, preferi fingir demência e não responder absolutamente nada. Foi então que uma foto do sujeito apareceu, sorrindo de uma maneira que nem achava que ele fosse capaz, e o meu coração descongelou. Passou a bater tão forte que pensei estar em pleno ataque cardíaco.
— Misericórdia divina... — implorei aos sussurros, enquanto avaliava a foto com cuidado. Nela, Thomas Orsini estava despreocupado, sentado sobre um sofá confortável e parecendo bem à vontade. — Vai ser lindo assim lá no raio que o parta.
Número Desconhecido:
Bruno?
Sei que está aí...
Como foi o seu dia?
Aquelas novas mensagens me fizeram paralisar. Meu Deus do céu. Eu não sabia o que fazer. Responder àquelas mensagens mais me pareceu uma passagem direta para o inferno. O que poderia acontecer depois? Claro que seria a minha ruína. Ele começaria a pegar firme, usaria artilharias pesadas e nem precisaria de muito para me convencer a ir direto para a sua cama. Só aquela porra de foto estava dando vontade de lamber a tela do celular.
Imagina o que podia fazer com a minha cabeça?
Bruno: Oi. Tchau.
Enviei a resposta grosseira e tratei de bloquear o ser humano. Seria melhor assim. Manter contato não me levaria a nenhum outro caminho além daquele que prometi não seguir. E, sinceramente, a sua insistência só me fazia brochar. Até onde ele iria para me comer? Seria mais rápido me livrar dele se eu desse de uma vez? Tudo me parecia um absurdo tremendo. Eu não queria, e nem ia, transar com alguém só para me ver livre da pessoa. Thomas Orsini poderia me vencer pelo tesão, mas não pelo cansaço.
Eu estava prestes a largar o celular e ir viver a minha vida quando uma nova mensagem chegou:
Número Desconhecido:
Devo ter alguns chips com números distintos à minha disposição.
Quer entrar mesmo nesse jogo?
Soltei um suspiro de irritação. Quem aquele mané achava que era pra me torrar a paciência daquele jeito? Era assim que pretendia me conquistar?
Bruno: O que você quer?
Número Desconhecido:
A sua boca.
Maldito coração que acelerou mais ao ler aquelas três palavras. Tantos anos de orgulho e eu estava me balançando por causa de cantada barata de macho sem noção.
Bruno: Qual parte do “me deixe em paz” você não entendeu?
Número Desconhecido:
Sua boca perfeita realmente falou isso, mas os seus olhos foram completamente contra essa sentença. Estou mentindo? Apenas diga que estou e então paro de te importunar.
Filho de um puto. Soltei um rosnado indignado e joguei o celular sobre a cama. Eu não entraria na conversa fiada de Thomas Orsini. Tampouco me via mentindo, negando os meus sentimentos feito um otário. Queria mesmo beijá-lo, queria foder com ele e pronto, era fato. Eu não seria mais um daqueles que ficam dizendo não quando na verdade querem dizer sim. Foram esses comportamentos que fizeram os homens, ao longo das eras, se acharem no direito de insistir, acreditando que um não jamais seria uma negativa de verdade.
Não que eu culpasse as mulheres, já que elas negavam por puro medo do que a sociedade acharia se parasse de negar seus próprios desejos. Mas estávamos no século 21 e a gente precisava evoluir. Ao menos eu me considerava mais evoluído do que isso.
Corri para o banheiro a fim de tomar um banho completo, e fiz isso com bastante apreensão e angústia, além de pensamentos loucos tomando a minha mente. Quando voltei, alguns minutos depois, enrolado em uma toalha, percebi que havia mais mensagens de Thomas Orsini:
Número Desconhecido:
Eu sabia.
Por que não deixa as convenções de lado?
Ficar na defensiva não vai ajudar.
Penso muito em nossa segurança, por isso enviei um documento para garantir o sigilo de ambas as partes.
Assine-o e me dê permissão para ir te buscar.
Com muita sorte estarei dentro de você ainda nesta noite.
Não vejo a hora de beijar essa sua boca de novo.
Não paro de pensar nela desde que a provei.
Bruno?
Ele estava digitando mais uma mensagem enquanto eu me via paralisado diante da pequena tela. Prendi os lábios com força, tentando controlar a vontade de dizer foda-se para tudo e todos, inclusive para os meus próprios princípios.
Que indecisão infernal!
Chegou um momento em que eu não soube mais por que estava fazendo jogo duro, portanto precisei parar para enumerar os motivos. Um: porque ele era muito controlador e esse tipo de macho é perigoso. Dois: porque me comeria até se cansar e me descartaria quando bem entendesse. Três: porque poderia invadir a minha vida ainda mais, sem nem pedir licença. Quatro: porque poderia me demitir, me queimar no mercado ou fazer qualquer coisa que me prejudicasse em longo prazo.
Número Desconhecido:
Estou na portaria do seu prédio, só esperando pela sua decisão.
Puta merda! Arregalei os olhos em pleno choque, inconformado com a cara de pau daquele homem. A vontade de foder com ele foi embora instantaneamente, então comecei a me julgar um louco por ter pensado em concordar com aquela merda.
Como Thomas Orsini podia ser assim? Que cara invasivo da porra!
Bruno:
Entenda uma coisa: eu te desejo pra cacete.
Quero você, sua boca, seu pau e foder a noite inteira.
Mas eu não quero ter que lidar contigo porque você é exatamente o tipo de homem que abomino.
Não quero entrar em nenhum jogo e nem assinar porra de contrato algum. Sendo bem sincero com você. Não dá pra conceber um cara com seu nível de controle e invasão.
Eu me senti aliviado assim que enviei aquelas palavras realmente sinceras. Parecia que tinha tirado um peso de dentro de mim. Senti-me orgulhoso por ser forte o suficiente para lutar pelo que acreditava e para ser condizente com minha moral. Ele me incomodava muito e sexo nenhum mudaria isso.
Número Desconhecido:
Um jantar.
Uma única oportunidade para eu te mostrar que não sou quem você pensa.
É só o que te peço.
Soltei um suspiro enorme e ruidoso. Sentei-me na cama e passei os dedos pelas têmporas. Nem começamos nada e o cara já estava me dando dor de cabeça.
Por fim, após refletir um pouco, digitei a seguinte mensagem:
Bruno: Um jantar apenas. Não hoje, outro dia.
E então você me deixa em paz.
Thomas Orsini demorou alguns minutos para responder:
Número Desconhecido:
E então você muda de ideia e a gente conclui o que começamos na festa.
A gente nem tinha fodido ainda, mas eu já me sentia fodido em vários sentidos.