Eu estava tão envergonhado… Eu sempre fui um homem da paz. Nunca machuquei um homem, quanto mais uma mulher e ainda mais a minha própria esposa. O que está acontecendo comigo? Eu quase matei a minha própria esposa. Como eu fui capaz disso?
Minha filha queria fazer um B.O. contra mim. Meu filho estava desapontado comigo. Seu olhar de decepção foi um punhal cravado no meu peito e minha esposa estava com medo de mim. Medo, não… pânico. A única pessoa que ficou ao meu lado foi Regina. Ela me deu apoio e me acolheu.
Se ao menos me lembrasse do sonho, talvez eu pudesse entender alguma coisa. Está muito tarde, mas eu não posso esperar até o dia clarear. Vou ligar agora mesmo para a psicóloga. Ela me deu seu número pessoal e se ela fez isso, era porque provavelmente algo poderia acontecer.
Peguei meu celular e o cartão dela e fiz a chamada. Tocou até cair. Não me dei por satisfeito e tentei novamente, mas não fui atendido. Depois de tentar inúmeras vezes, acabei desistindo e fiquei andando no quarto de um lado para outro até que decidi sair um pouco pra arejar a mente. Peguei a chave do carro e saí de casa.
Olhei pra trás e quase tive a certeza de que alguém me observava. Eu precisava beber um pouco e fazer alguma coisa que me acalmasse. Peguei o carro e fui dirigindo pelas ruas da Barra da Tijuca, mas tudo estava vazio. Passei pela famosa Olegário Maciel, onde existe um polo gastronômico com muitos restaurantes e bares, mas até ali estava vazio.
Só me restou ir até o meu restaurante. Eu não tinha levado a chave, mas a minha sorte é que há seis meses eu tinha contratado um segurança, afinal eu moro no Rio de Janeiro e alguns comércios nas proximidades já tinham sido assaltados. Bati na porta, e assim que o segurança me viu, veio correndo abrir a porta.
Segurança - Boa noite, Sr. Pedro. Algum problema?
Pedro - De forma alguma…
Segurança - É que o senhor não me parece bem…
Pedro - Eu estava meio sem sono. Muita preocupação na cabeça…
Segurança - Não precisa dizer mais nada. Já sei! Brigou com a esposa, não foi?
Pedro - É tão óbvio assim?
Segurança - Se me permite, Sr. Pedro, um pouco. Além disso, com a minha profissão, eu aprendi a fazer uma leitura das pessoas através de comportamentos e expressões corporais. Isso ajuda muito, quando tenho que antecipar situações e me preparar melhor pra possíveis respostas e enfrentamentos.
Pedro - Eu vou beber um vinho. Me acompanha?
Segurança - Estou de serviço. Melhor ficar pra uma próxima…
Pedro - Não vai ter problema. Relaxa um pouco e bebe comigo.
Segurança - Bebo, mas com uma condição.
Pedro - Qual?
Segurança - Eu vou lhe fazer uma pergunta e o senhor tem que ser sincero comigo. Isso é muito importante.
Pedro - Manda…
Segurança - Quando o Senhor brigou com a sua esposa, o senhor teve vontade de fazer algo mais grave? Por exemplo, bater nela ou estrangular?
Eu olhei praquele segurança e pensei muito antes de dar a resposta. Por que será que ele me fez essa pergunta? Falaria a verdade pra esse cara? Talvez mentir fosse melhor, mas ele já disse que sabe ler o corpo humano. Nunca fui bom no poker, justamente por não saber blefar.
Pedro - Que tipo de pergunta é essa?
Segurança - É muito inteligente da sua parte responder uma pergunta, com outra pergunta. Acalme-se doutor! Não precisa me responder. Está tudo certo. Eu vou beber com o Senhor, mas eu irei preparar as bebidas. Conheço uma que é espetacular. Posso?
Pedro - Tudo bem, mas se eu não gostar, vou tomar o meu vinho.
Segurança - Garanto que o Senhor irá gostar.
Ele foi até o bar e começou a preparar as bebidas. De longe, eu vi que era uma mistureba que ele tava fazendo, que seria impossível aquilo ficar bom. Deve ter usado umas 10 bebidas diferentes e quando ele voltou trazia na mão dois copos grandes com aquela coisa esquisita. A cor por si só já chamava a atenção por ser um lilás brilhante, mas que também ficava meio azulado da metade prq cima.
Segurança - Aqui está, Chef!
Pedro - Eu já bebi muitas coisas, mas confesso que nunca bebi algo assim. É diferente de tudo que eu já vi. Qual o nome?
Segurança - Ainda não batizei, mas acho que poderia ser Tudo em todo lugar ao mesmo tempo. O que acha?
Pedro - Hahahaha, Acho que combina.
Segurança - Vamos brindar então por dias melhores que virão.
Batemos os copos e brindamos. Ele bebeu, mas eu estava meio reticente em fazer, no entanto o cheiro da bebida era convidativo. Como era meio adocicado, despertou o meu paladar infantil que aprecia tanto as coisas doces. Fechei os olhos e bebi, torcendo pra não ser tão ruim.
Tive uma grata surpresa, porque desceu muito bem e ainda bem que era um copo bem grande, porque uma dose pequena não iria me satisfazer.
Pedro - Você tem que me passar a receita desse drink. É uma das coisas mais gostosas que eu já bebi. Tenho certeza que será um sucesso e venderia muito aqui no meu restaurante.
Segurança - Infelizmente isso seria muito imprudente da minha parte. Essa bebida tem um propósito e mais tarde o Senhor vai descobrir.
Fiquei olhando em seus olhos, mas o segurança devia ser um bom jogador de poker, porque ele estava totalmente sereno e calmo. Conversamos sobre vários assuntos, até que ele me faz outra pergunta.
Segurança - Sr. Pedro, o senhor costuma ter pesadelos?
Pedro - Não. Nunca tive.
Segurança - Vamos lá, não precisa mentir. Todos nós temos pesadelos.
Pedro - Eu acho que tive um hoje.
Segurança - E foi por causa disso que o Senhor tentou matar a sua esposa?
Pedro - Quem é você? Algum espião? Eu vou embora e você está despedido.
Segurança - Acalme-se Chef! Foi o Senhor que me disse ainda pouco que tentou matar a sua esposa. Se esqueceu?
Pedro - Eu não disse isso!
Será que eu disse? Eu não lembro.
Segurança - Sr. Pedro, beba mais um pouco. Essa bebida vai te fazer sentir bem. Confia em mim! Ela faz bem mesmo.
Acabei dando mais um gole, e quando olhei pro meu copo, a bebida agora tinha uma coloração meio avermelhada. Que raio de bebida era essa? Só sei que é muito boa.
Pedro - Quem é você? Qual o seu nome? O que tem nessa bebida?
Segurança - Mais tarde eu respondo. Você acredita em outras vidas?
Pedro - Reencarnação? Digamos que eu não acredito, mas respeito muito essa filosofia. E você?
Segurança - Lógico que acredito.
Pedro - Se você diz…
Segurança - Imagina o seguinte. Deus fez um mundo cheio de coisas pra gente desfrutar. Impossível fazer tudo em 80 anos, levando em consideração essa idade como média de morte. E tem tantas coisas que temos vontade de aprender e fazer. Impossível conciliar o tempo para realizar tudo.
Pedro - Nunca parei pra pensar nisso.
Segurança - E àquelas pessoas que a gente conhece e sente muita afinidade de cara? Também tem aquelas que sentimos antipatia.
Pedro - E daí?
Segurança - Podem ser laços de outras vidas. Amizades, inimizades…
Pedro - Pode ser energia, admiração, inveja…
Segurança - Pode ser também. Conhece o efeito espelho?
Pedro - O que é isso?
Segurança - Nós só enxergamos no outro, aquilo que temos em nós.
Pedro - Não sei se posso concordar, mas tem algum sentido.
Segurança - Vou dar um exemplo. Com todo o respeito, mas a esposa do senhor é um avião.
Pedro - Ela é sim. Amo a minha esposa.
Segurança - Ama mesmo? Não precisa responder. Quando ela anda na praia com aquele biquini enfiado na bunda, e todos os homens olham o que você sente?
Pedro - O cara mais sortudo do mundo, por ela ser só minha.
Segurança - E se ela tiver te dando galha?
Pedro - Duvido. Ela me ama. Eu consigo suprir todas as necessidades dela, e por isso ela não tem motivos pra fazer isso comigo.
Segurança - Perdão pela sinceridade, mas você está meio fora de forma. Não é tão alto, e tem cara de que tem um pau de tamanho normal.
Pedro - O amor vai além das aparências.
Segurança - Sim, mas amor e sexo são coisas diferentes. A sua sorte, pelo que pude observar, é que ela realmente parece respeitá-lo, só que algumas mulheres conseguem esconder segredos muito bem.
Pedro - Aonde você quer chegar com essa conversa?
Segurança - Estou só tentando abrir sua cabeça pra novas possibilidades. Estou aqui como um amigo agora. Quero lhe ver bem.
Pedro - Minha esposa gosta de se exibir, porque foi criada numa cultura diferente.
Segurança - Pedro, se lembra do espelho? Você é um cara muito ingênuo! Um cara muito bom e com ótimos valores. Por isso seus olhos só conseguem enxergar as coisas boas das pessoas, a não ser que sejam coisas muito discrepantes, mas a malícia, aquele olhar meio safado, e coisas assim você não vê na maioria das pessoas, porque você não é assim.
Pedro - Isso não tem nada a ver.
Segurança - A gente nunca se encontrou antes e você aceitou uma bebida maluca de um completo estranho. E se eu fosse um ladrão?
Pedro - Eu sabia que você não seria burro de fazer isso. Estou sem dinheiro aqui e o caixa do restaurante também.
Segurança - Eu poderia ser um sequestrador, e te levar pra um cativeiro. E se eu tivesse te drogado pra comer seu cu?
Pedro - Hahahahaha, você não tem cara que gosta de homem.
Segurança - Se eu não ver a sua cara, buraco é tudo igual. É tudo apertadinho.
Pedro - Acho que a gente já bebeu demais desse drink.
Segurança - E se eu tivesse colocado um veneno?
Pedro - Você tá viajando…
Segurança - Já pensou que pode ter gente que te quer morto? Seu pai por exemplo, é doido pra comer a sua esposa. De repente, a única forma dela ceder é se você morrer.
Pedro - Agora chega! Quem é você, afinal?
Segurança - E se eu te disser que você poderia ter uma vida muito melhor, se pudesse rever alguns fatos do seu passado e mudá-los?
Pedro - Eu ligaria agora mesmo pra um hospício.
Segurança - Termine a sua bebida. Não temos tempo a perder.
Fiquei me questionando sobre toda essa maluquice e vi quando ele retirou do bolso uma espécie de cubo do bolso, que parecia um cubo mágico. Ele apertou um botão e o cubo começou a brilhar e aumentar de tamanho até que não restava mais nada do cubo. Só luz.
Segurança - Termine logo de beber, Pedro. Nós temos muito o que fazer.
Eu estava confuso e meus olhos não acreditavam no que eu via, mas bebi tudo num grande gole.
Pedro - Afinal, quem é você?
Segurança - Eu sou um viajante do tempo. Pode me chamar de Uris.
Fim
Feliz 1° de Abril
