Capítulo 11 – Reencontro
Eu já havia previsto que isso ia acontecer, pois fazia dias que andava sentindo um misto de euforia e tristeza. Porém, quando as malas estavam junto à porta prontas para serem colocadas no porta-malas do carro do meu pai, e eu lançava um último olhar pelos ambientes daquela casa que tanto significado tinha para mim, comecei a chorar. Eu estava deixando 24 anos para trás, onde houve muita dor e tristeza quando perdi minha mãe, e muitos sonhos e alegrias que havia depositado num futuro com o Yago que jamais aconteceu; um amor incondicional do meu pai que sempre soube me compreender e ser o melhor dos conselheiros que um filho poderia querer, um pai que acompanhou o desabrochar da vida sexual de seu filho gay, sem nunca o criticar ou tolher, e tão somente se prontificando a apoiá-lo e protegê-lo. Naquele momento eu soube que sair do ninho era uma experiência dolorosa, apesar do futuro incerto se parecer um campo florido cheio de possibilidades.
Meu tio fez questão de nos acompanhar até o aeroporto, algo me dizia que ele também estava sofrendo com aquela separação, talvez mais até do que de seu casamento fracassado. Durante o trajeto eu até tinha conseguido me conter, respondendo a todos os últimos conselhos apressados e dicas que ambos me deram. Porém, quando anunciaram meu voo, e a hora da despedida chegou, eu não consegui dizer mais nada, a emoção explodiu e eu só conseguia chorar copiosamente. A sensação que imperava em meu peito era a de um elo daquela sólida corrente, que sempre me uniu ao meu pai, estar se rompendo. Eu conhecia cada expressão daquele rosto e, embora ele não estivesse chorando, eu sabia que dentro do peito vigoroso daquele homem se desenrolava um pranto sofrido e imenso, que ele sabia camuflar para me transmitir segurança.
- Te amo, paizão! – consegui proferir quando o beijei na boca, sem me importar com as pessoas que nos rodeavam e, ao qual ele retribuiu com toda intensidade e amor de sua alma.
- Te amo, filhote! Seja feliz! – retrucou, a voz grave e falha denunciou sua dor.
Comprei quase toda a mobília que o antigo ocupante do apartamento no quarto andar da Carrier Floridablanca, no bairro de Sant Antoni, que um professor solteirão de direito internacional público da faculdade de relações internacionais, havia deixado ao se mudar para Palma em Maiorca. À exceção do quarto, onde a mobília e a decoração extravagante e muito pessoal eram terríveis, o restante do apartamento tinha um ar despojado e leve com um mobiliário que combinava algumas peças antigas com outras atemporais. No espaço de 68 metros quadrados dava para se sentir acolhido sem aquele ar claustrofóbico de uma clausura. Boa parte dessa sensação de amplitude se devia às portas duplas de vidro com venezianas azuis que davam para uma pequena sacada cercada por um gradil de ferro forjado, tanto na sala quanto no quarto, permitindo que o sol dourado da tarde e a brisa mediterrânea entrassem por elas. A universidade distava cerca de quatro quilômetros do apartamento, e eu costumava percorrê-la a pé ou de bicicleta quando batia a preguiça ou me via atrasado para as aulas.
Os primeiros meses foram um tanto quanto solitários. O fato de não conhecer ninguém e aquela ruptura do cordão umbilical que me ligava tão fortemente ao meu pai tinham abalado meu espírito e me fechado numa bolha de apatia. Também imputei ao inverno, muito mais sombrio do que os que temos no Brasil, aquela melancolia que estava sentindo.
Por fim, e sabendo que teria que viver ali pelos próximos dois ou três anos, resolvi que tinha que sair de dentro da casca do ovo e encarar a realidade de frente. Até então, eu devia parecer antipático à vista dos outros ou, no mínimo, introvertido, pois assim que me dispus a colocar um sorriso na cara, as pessoas começaram a se aproximar de mim. A primeira foi a Pilar, uma colega de classe e seu namorado Nadal, um cara que era puro tesão e fazia uma pós-graduação na área do direito. Ela literalmente me cercou por todos os lados, estávamos sempre juntos nas aulas, ou fora delas, pelos charmosos cafés de Sant Antoni ou pelos barzinhos do El Raval, quando o namorado se juntava a nós. Fiquei com a sensação de estar segurando vela para os dois e comecei a recusar alguns convites para encontros fora do âmbito da universidade, quando fui surpreendido pelo convite mais inusitado que já tinha recebido, me juntar àquele romance atípico.
- Meu lance com o Nadal é bem aberto, e ele ficou encantado por você. Gostaríamos que você se tornasse mais que um simples amigo para os momentos de diversão. Ambos te achamos lindo, divertido, companheiro e queríamos estender esse relacionamento para algo mais íntimo. – discursou ela, no dia em que me abordou sozinha na biblioteca da universidade. Não sei o que me levou a sentir um frio na barriga quando ela mencionou a palavra – íntimo – pois logo me vi com o corpo entrelaçado aos dos deles dois, e isso me deixou em pânico.
- Aonde você quer chegar com essa conversa? – perguntei, um tanto rude.
- Por favor, Theo, não se sinta ofendido! Não queremos te forçar a nada! Só pensamos que você podia ser aquela pessoa a dar um gás no nosso relacionamento. Como eu disse, o Nadal te adora e te acha lindo, assim como eu também. – após a minha reação ela hesitou em continuar a conversa, uma vez que notou meu desconforto.
- Então vocês estão me propondo sexo a três, resumindo tudo o que você falou? – indaguei, com um sentimento indefinido a me dominar que misturava perplexidade, afronta, uma pontada de raiva e outra de curiosidade.
- Também! Mas, não apenas sexo, queremos que se envolva no relacionamento. – esclareceu.
- Não sei o que te responder, Pilar! Sendo muito sincero, não me vejo num trisal. Acho que não sou tão moderninho a esse ponto, e temo que algum de nós possa sair ferido dessa relação. – retruquei.
- O Nadal vai ficar triste com a sua resposta, assim como eu estou agora, mas respeitamos a sua decisão e eu espero que isso não acabe com a nossa amizade. – sentenciou decepcionada.
Alguns dias depois, foi o Nadal quem me procurou querendo dar ao encontro um ar de coincidência, para abordar novamente o assunto. Por mais sedutor que ele fosse e, por maior que fosse a minha vontade de dar uns amassos com aquele tesão de macho, mantive a mesma resposta. Continuei mantendo a amizade, principalmente com a Pilar, pois a encontrava todos os dias na universidade; porém, rareei nossos encontros fora dali quando ela estava acompanhada do Nadal.
Serni, um pós-graduando da faculdade de comunicação que estava fazendo seu mestrado em comunicações cinematográficas e audiovisuais, era um carinha que eu encontrava com frequência nas minhas caminhadas matinais até a universidade. Ele morava com um tio aposentado num edifício na Carrier del Parlament, e nossos caminhos se cruzavam quase sempre no mesmo horário, quando ele dobrava a esquina da Carrier Viladomat percorrendo o mesmo percurso que eu até a universidade. Acabamos virando colegas dada a expansividade dele e a algumas saídas noturnas pelos pontos de encontro da juventude que ele foi me apresentando e, também, por outro convite inusitado. Ele fazia bicos como modelo fotográfico numa agência da qual um de seus professores era sócio. O convite surgiu poucas semanas depois de nos conhecermos, daí meu estranhamento inicial.
- Cara, a agência está desesperada para encontrar rapazes fotogênicos para uma grande campanha publicitária que surgiu de repente, e eles não encontram pessoal suficiente no staff deles. Você não gostaria de tentar? – propôs ele, numa manhã de chuva fina quando caminhávamos apressados por ambos estarem atrasados.
- Eu? Nem pensar! Não levo jeito para isso. Ademais, estou atolado de afazeres com meu curso, não teria tempo para perder com isso. – respondi.
- Não há horários fixos, e eu te garanto que a grana é boa, muito boa. Faço isso desde que me mudei para Barcelona e vim morar com meu tio, é ela quem me sustenta por aqui. Você é bonito de rosto e tem um corpão de fazer inveja, o meu está longe disso e já fiz muitas campanhas publicitárias com ele. O pessoal da agência vai pirar quando eu te apresentar a eles. Tenta, não custa nada! – instigou.
- Prefiro focar nos meus estudos, apesar de uma grana extra sempre ser benvinda, pois a minha bolsa cobre parcamente minhas despesas básicas, me obrigando a pedir ajuda ao meu pai alguns meses em que a coisa fica mais apertada, e eu não queria mais ter que pedir dinheiro para ele. Até tenho feito uns bicos como auxiliar de cozinha no restaurante Alkimia quando o movimento por lá aumenta e eles me contatam, é esporádico, mas dá para salvar uns Euros a mais. – revelei
- Então, na agência a grana com certeza é melhor e o trabalho mais regular, o que te permite contar com um valor mais substancial, pois trabalho para eles não falta. Vem comigo esta tarde, tenho uma sessão de fotos agendada, você conversa com o pessoal sem compromisso e vê o que eles têm a te oferecer, se não quiser, não aceita e pronto! – sugeriu.
- Só me libero das aulas às quatro da tarde, pode ser? – indaguei
- Minha sessão está agendada para esse horário, mas eu te passo o endereço e a gente se encontra lá, combinado?
Eu mal havia pisado na recepção e estava a perguntar pelo Serni para a garota de rosto opulento e maquiado que me atendeu, quando um sujeito com uns trajes espalhafatosos praticamente me agarrou e começou a me palpar como se eu fosse um dos seus brinquedos.
- Que bonic, és um noi així que necessito. Imagineu-vos aquell cos embolicat amb roba escassa, la gent es tornará boja! – berrava o sujeito atraindo os olhares sobre nós. Minhas aulas de catalão ainda me deixavam inseguro quanto entendimento do idioma, mas, salvo engano, ele tinha acabado de dizer – Ai que lindo, é de um rapaz assim que eu preciso. Imagine esse corpo metido em trajes sumários, as pessoas vão delirar! – o que me fez corar.
A recepcionista me vendo assustado com a abordagem logo tratou de explicar que esse era o Andreu, um dos fotógrafos da agência, enquanto o sujeito continuava agarrado às minhas roupas e já me arrastava por um corredor ladeado de salas. Ele me apresentou ao Pablo, um senhor de meia idade e um dos sócios da agência, suplicando para me contratar para a campanha de verão de uma das mais famosas grifes de Barcelona. Quando o Serni veio ter comigo, avisado pela recepcionista, eu já estava com as páginas de um contrato diante de mim, esperando ser assinado para aquela campanha.
- Assina, cara! Não tenha receio, você consegue! – incentivou.
- Eu nunca fiz isso! Não sei posar, não sei o que fazer diante de uma câmera, vai ser um fiasco! – argumentei, com as mãos suadas de tão tenso.
- Temos uma pessoa para te ajudar, ela vai te dar todas as dicas necessárias. – argumentou o Pablo. – Tente! Vamos ver como se sai.
Meia hora depois, eu estava de cueca com uma das nádegas apoiada numa banqueta sendo bombardeado de flashes e tremendo feito uma vara verde, enquanto o Andreu me instruía a mudar a posição de um braço, fletir um pouco uma das pernas, virar o rosto um pouco para cima, pousar uma das mãos sobre o ombro, fazendo pipocar o diafragma de sua câmera apontada para a minha nudez.
- E aí? Não foi tão difícil, não é? – perguntou o Serni que acompanhou as últimas tomadas, enquanto seu olhar não se desviava do meu corpo seminu.
- Foi assustador! Nunca me senti tão exposto! Estou tremendo até agora! – devolvi, mostrando-lhe as mãos que pareciam tomadas por uma febre terçã. Ele riu, e me abraçou, o que foi ainda mais constrangedor, pois aquele abraço tinha algo de libidinoso.
Deixei a agência com o Serni em direção a um barzinho na Carrer des Carretes onde um amigo dele tocava saxofone, com a promessa de dar uma resposta ao contrato no dia seguinte. Durante todo o caminho ele não fez outra coisa que não me enumerar todas as vantagens de assinar o contrato, até eu acenar com uma resposta positiva, quando passou a tentar me embebedar para comemorar. O lugar era frequentado por gente jovem e bonita, distingui alguns gays entre os frequentadores, que pareceram ter me identificado logo nas primeiras trocas de olhares. Será que eu estava dando tanta bandeira, ou será que meu cuzinho estava carente de uma boa caceta? Com dois vermutes na cabeça o solo de saxofone Just the way you are do Billy Joel tocado pelo amigo dele me trouxe uma lembrança do Yago e, subitamente, eu tinha lágrimas rolando pelo rosto.
- Está tudo bem com você? – perguntou o Serni quando me viu amparando as lágrimas disfarçadamente.
- Está! – respondi. – Bobeira minha! – ele cobriu minha mão que estava apoiada sobre a mesa com a dele.
- Estou aqui se precisar – não sei por que fiquei tão comovido com essa frase dele. Será que eu ainda não tinha superado o Yago como pensava ter conseguido?
Já era tarde quando caminhamos por um quarto de hora do barzinho até meu apartamento. O Serni esperava por um convite para subir, ao ficar me encarando e ensaiando uma maneira de se despedir, o que acabou fazendo com um abraço e um beijo na borda da minha mandíbula. Eu o agradeci pelo dia, pela indicação da agência, pela companhia no barzinho e lhe desejei “boa noite” na entrada do edifício, pois sabia que se o deixasse subir, acabaria com o cacete dele enfiado no meu cuzinho. De alguma maneira, eu não estava preparado para isso. Não por ele, que era um cara legal e gostoso, mas pelas consequências envolvidas.
Na semana seguinte eu fazia uma série de poses sozinho ou acompanhado, enquanto me clicavam em trajes de praia nas modernas dependências do Museu del Disseny vizinho à icônica Torre Glòries, um edifício que mais se parece com um enorme pinto duro brotando do chão. Três garotas e mais um rapaz também serviam de modelos e, ora duas delas estavam penduradas nos meus ombros, ora apenas uma mantinha sua perna entre as minhas, ora apenas o rapaz e eu mirávamos para o infinito através dos óculos de sol, enquanto nossos corpos eram constantemente secados devido ao calor infernal dos holofotes, ou maquiados para camuflar alguma marca natural sobre a pele. Uma pequena plateia formada pelo público que visitava o museu havia se formado à nossa volta, sempre mantida a certa distância pelos seguranças, para não interferirem no trabalho do Andreu, que naquele dia estava uma pilha de nervos e descontava sua fúria sobre nós, colocando defeitos até na maneira como respirávamos.
Foi no meio dessa pequena plateia que achei ter reconhecido um rosto, embora a luz potente dos holofotes estivesse quase me cegando e dificultando a identificação de quem nos assistia. Foram os olhos verdes que despertaram a minha atenção, eles me pareceram familiares, tive a impressão de já os ter visto muito de perto, cheios de expressão, porém não me lembrava de onde.
- Pots enfocar la meva càmera, Theo! (= Dá para você focar na minha câmera, Theo!) – berrou comigo o Andreu quando me distraí tentando identificar o dono daqueles olhos.
- Ho sento, Andreu! (= Lamento, Andreu!) – respondi, esbajando meu parco catalão, para ver se melhorava o humor dele.
A sessão de fotos estava quase no fim, o sujeito parrudão com um cavanhaque curto e bem modelado continuava nos observando cercado por três asiáticos que pareciam estar na companhia dele.
- Alliberat! Tot alliberat! (= Dispensados! Todos dispensados!) – bradou o Andreu, dando por encerrada a sessão de fotos, o que foi um alívio para todo staff envolvido.
Assim que os holofotes foram desligados, eu procurei pelo rosto entre as pessoas que começavam a se dispersar. Quando uma pequena brecha se abriu, lá estava ele, me encarando, sem prestar atenção no que um dos asiáticos lhe dizia e, quando vi surgir lentamente um sorriso no meio daquele cavanhaque sensual, meus lábios deixaram escapar – Thiago – quase como um suspiro, e ele veio ao meu encontro.
- Theo? Não acredito, moleque! É você mesmo, Theo! – exclamou ele, me abraçando forte e rodopiando comigo em seus braços, enfiado numa sunga escandalosamente pequena que deixava minhas nádegas polpudas praticamente expostas. Um beijo estalou nas minhas bochechas para tornar a cena ainda mais constrangedora.
- Thiago! – repeti, como se precisasse de uma certeza. – O que faz aqui? – perguntei, quando ele voltou a me colocar no chão, e dezenas de olhares curiosos estavam focados sobre nós.
- Trabalho num grande banco espanhol. Fui recentemente promovido a diretor da área de fusões e estou apresentando os atrativos da cidade a um grupo de gestores de um banco asiático. Vem comigo, quero te apresentar para eles. – revelou, sem me dar tempo de responder, ao me arrastar para junto dos três homens que me encaravam estupefatos diante daquela nudez comprometedora.
Eu os cumprimentei com uma ligeira inclinação do corpo, numa distância respeitosa, mas um deles cujo olhar não saía da minha bunda, repetiu o gesto intempestivo do Thiago, me abraçando e rodopiando comigo em suas mãos que se fecharam sobre os meus glúteos. O safado tinha um sorriso tarado quando me soltou, e uma discreta ereção dentro da calça do terno. Eu estava vermelho feito um pimentão quando a secretária da agência veio me avisar que a van que nos levaria de volta já estava estacionada na porta, e que eu precisava me apressar para trocar de roupa.
- Não sabia que você tinha se mudado para Barcelona? Quando foi isso? Você está trabalhando como modelo fotográfico? – perguntou o Thiago.
- Faz alguns meses, estou fazendo pós-graduação na Pompeo Fabra. As fotografias são apenas um bico para complementar a bolsa de estudos. – esclareci. – Tenho que ir, estão a minha espera.
- Como faço para te encontrar? Onde está morando? Toma aqui o meu cartão! Me ligue! – despejava na pressa. – Não, me dá seu telefone! – exclamou, praticamente arrancando o celular das minhas mãos, e digitando o número dele na agenda.
- Theo! A van, anda depressa! – repetiu estabanada a secretária impaciente.
- Já estou indo! Um minuto!
- Qual é o nome da agência onde está trabalhando? – perguntou o Thiago. O que me pareceu uma forma de conseguir me encontrar caso eu não ligasse para ele. Dei-lhe o nome e um até breve.
- Tchau! Estou tão feliz de te encontrar! Não deixe de me ligar, logo! Vou ficar esperando. – sentenciou, voltando a me enlaçar e agora colocando um beijo úmido e descarado sobre a minha boca.
Entrei na van com o corpo todo ainda tremendo, dentro do meu peito parecia haver uma escola de samba batucando, e eu certamente estava com um olhar aparvalhado na minha cara, pois o outro rapaz modelo me perguntou se aquele cara tesudo era meu namorado. Eu não respondi; aliás, nem tinha ouvido a pergunta dele, só conseguia pensar naqueles olhos e no frenesi que tomava conta do meu cuzinho.
À noite, pensei em ligar para o Thiago, estava tão feliz com aquele reencontro que não via a hora de podermos conversar, eu tinha tantas perguntas a fazer, queria saber de tantas coisas, porém somente uma delas seria capaz de encher meu coração de esperanças, saber se ele ainda continuava solteiro e livre. Parecia ridículo eu alimentar essa esperança, afinal, nunca tivemos um relacionamento que minimamente se podia chamar de coleguismo, pois mal nos víamos quando eu era amigo do Túlio. O que tivemos foram dois encontros nos quais ele me fodeu; no primeiro me desvirginou e, o segundo só deve ter acontecido por ele talvez estar sem outra opção. Mas eu ainda me lembrava perfeitamente de cada um deles. A sensação do caralhão dele entrando no meu cuzinho virgem era algo que eu jamais esqueceria, mesmo que vivesse cem anos. A maneira gentil e cuidadosa com que ele ia me preenchendo à medida que seu falo entrava em mim abrindo e dilacerando minha carne, enquanto seu olhar afetuoso e seus beijos procuravam atenuar a minha dor, tinha sido algo único que viveria para sempre nas minhas lembranças. Fiquei horas meditando com essas reminiscências voltando à minha mente e cheguei à conclusão que eu ia parecer infantil e ansioso se ligasse naquele mesmo dia, e desisti. Eu esperaria dois dias, nesse tempo minha euforia estaria sob controle, eu pareceria menos desesperado e ele certamente valorizaria minha maturidade.
Se há algo que possa dar mais errado quando não se dá ouvidos ao que nosso coração manda em questões que envolvam sentimentos, essa coisa é se deixar guiar pela razão. Nesses casos específicos ela é péssima conselheira, a pior de todas. Não ter ligado para o Thiago naquele mesmo dia foi uma atitude ditada pela razão.
No dia seguinte ao meu encontro com o Thiago, combinei com o Serin de acompanhá-lo até a casa de um colega de turma dele, que morava para os lados de Les Roquetes, para pegar um material que ele precisava para um trabalho da pós-graduação. Pegamos o metrô em frente à universidade seguindo até a estação Clot onde as linhas 2 e 3 se cruzam para seguirmos em direção a estação Roquetes. Durante a baldeação na estação Clot meia dúzia de ciganos, entre rapazes e moças, bloqueavam a entrada do trem junto às portas, quando forcei a passagem entre eles senti que uma das moças havia enfiado a mão no bolso dianteiro da minha calça e, numa fração de segundos, levou meu celular; as portas se fecharam e o grupo se dispersou rapidamente pela estação. Grupos de ciganos perambulando pelas estações do metrô e pelos pontos turísticos de Barcelona são uma verdadeira praga, sobre a qual já haviam me alertado, pois eram responsáveis pela criminalidade que assolava esses locais. O Serin rapidamente ligou para o serviço de ajuda ao usuário do metrô denunciando o roubo e descrevendo os sujeitos, mas 24 horas depois eu ainda continuava sem uma resposta, e dizia adeus ao meu celular e a todos os números constantes nos contatos, inclusive o do Thiago.
Chegando em casa, vasculhei minha mochila à procura do cartão que ele havia me dado, e não o encontrei, parecia que o destino não nos queria ver juntos. Onde enfiei essa porra desse cartão, fiquei a me perguntar, vasculhando em vão cada canto do apartamento. Dei-o por perdido quando levantei a hipótese de tê-lo esquecido no Museu del Disseny quando fui me trocar às pressas para seguir com o grupo na van que nos aguardava. O Thiago havia mencionado que trabalhava para um grande banco espanhol, qual, havia um monte deles? Como eu ia encontrá-lo naquela cidade? Por que não lhe dei o número do meu celular? E, que tal ligar para o Brasil e pedir o contato dele para o Túlio? Sob qual pretexto, de querer entrar em contato com irmão gostosão e tarado dele, depois que o Túlio descobriu que sou gay e mandou nossa antiga amizade à merda? Passei dias pensando numa maneira de encontrar o contato do Thiago, nada funcionou; ele não estava nas redes sociais, ao menos com seu nome verdadeiro, o que era compreensível para um executivo de um grande banco, onde discrição e sigilo imperam. Não era para ser, tomei como consolo, voltando à minha rotina com essa esperança guardada no fundo de um dos escaninhos do cérebro.
Com o recesso do final de ano chegando, a Pilar foi passar o Natal com a família em Teruel, e me pediu para fazer companhia ao Nadal que ia ficar na cidade. Fazia tempo que eu não saía com eles, aquela proposta escabrosa ainda repercutia negativamente em mim. Formar um trisal não estava nos meus objetivos de vida. Dei uma porção de desculpas para não me encontrar com o Nadal, para todas a Pilar tinha uma contraproposta, me deixando sem saída.
- OK! Vou dar um jeito de me encontrar com ele uma vez ou outra, mas não serão muitas, pois vou estar bem ocupado. – declarei, finalmente cedendo aos apelos chorosos dela.
- Convide-o a ficar no seu apartamento enquanto estou fora, ele te adora e nesse será o melhor presente de Natal que você poderia dar a ele. – sugeriu ela.
- Ah, isso não, Pilar! Você vai me desculpar, não tenho tanta intimidade com ele para levá-lo à minha casa. Prometo me encontrar com ele num barzinho ou qualquer outra coisa, mas na minha casa não dá para ser. – revidei categórico.
- Seria uma oportunidade de vocês se tornarem mais íntimos! – exclamou, sorrindo maliciosamente, o que só confirmava que ambos ainda não tinham desistido de me envolver naquela relação bizarra.
- Sabe que eu não te entendo! Com um namorado lindo e tesudo como o Nadal, eu jamais permitiria dividi-lo com outra pessoa, enquanto você parece não ligar ou não o amar o bastante para ficar oferecendo um cara desejável como ele. – afirmei.
- Você é que é muito puritano! Um relacionamento aberto não significa que não gostemos um do outro, é apenas um tempero para a relação. – sentenciou. Eu precisei rir.
- Do que está achando graça?
- Eu puritano, Pilar? Vou te confessar um segredo. Eu transo com o meu pai desde a adolescência. Posso ser tudo, menos puritano! – ela ficou boquiaberta
- Caralho, Theo! Você só pode estar inventando essa história para me contestar. Com o seu pai? Porra, Theo, você engana muito bem com essa carinha de anjo disfarçando um verdadeiro capeta. – retorquiu
- Vê se fica de bico calado! Como eu disse, isso é um segredo, espero que saiba honrá-lo em nome da nossa amizade. Não quero que me vejam como gay pervertido. – exigi.
- Quando o Nadal souber disso, vai ficar ainda com mais tesão por você! Você e seu pai, quem diria?
- Pilar! Porra! Você ouviu o que eu acabei de dizer, é segredo! Não me vá abrir essa sua bocona para o Nadal! Eu sabia que não podia confiar em você, caralho, por que fui te contar? Vocês mulheres só precisam escutar a palavra segredo e já saem distribuindo as informações aos quatro ventos! – retruquei irado.
- Só para o Nadal, vai! Juro que não conto para mais ninguém, só para ele. Ele precisa saber disso, ou nunca vai me perdoar se descobrir de outra maneira. – argumentou
- Sou eu quem nunca vai te perdoar se isso cair em ouvidos errados, está me entendendo? À merda a nossa amizade se isso acontecer! – devolvi furioso.
Eu tenho um lado sentimentalóide que, por mais que lute para sepultá-lo, mais ele parece aflorar. Bastou o Nadal me ligar com uma voz de criança abandonada para eu topar me encontrar com ele. No encontro, que exigi fosse num restaurante onde teria que manter minimamente o decoro e manter suas mãos longe do meu corpo. Sugeri o CentOnze na La Ramba, onde a Pilar, ele e eu já estivemos algumas vezes.
- Não pode ser no seu apartamento? Eu levo a comida e um vinho, não vou te dar trabalho. Ou pode ser aqui em casa, com a mesma proposta. – sugeriu ele
- Não, não pode! É pegar ou largar! Você é tarado demais para o meu gosto, e sem a Pilar por perto, estou ferrado. – ele gargalhava do outro lado
- Tudo isso é medo de ficar sozinho comigo? Acho que você está mentindo quando diz não sentir nenhum tesão por mim. Seu receio é não conseguir se segurar e se entregar para mim. – sentenciava o safado.
- Viu como estou certo em me assegurar de que você não tenha como soltar essa sua tara sobre mim? Você não é confiável, Nadal! Nem um pouco! – retorqui.
Foi o meu primeiro Natal longe do meu pai. Por questões de trabalho ele precisou cancelar a vinda à Barcelona uma semana antes da data da viagem. Me mantive firme durante toda a nossa longa conversa pelo celular, mas quando desliguei o choro veio com força total. Será que esse seria apenas o primeiro de uma série de muitos que ainda estariam por vir? Não foram um ou dois amigos meus que mudaram de país e agora raramente viam os pais, mesmo em ocasiões especiais. Essa dúvida me deixou triste por alguns dias. Com esse espírito depressivo fui ao encontro combinado com o Nadal. Até tentei desmarcar, mas ele insistiu e, por fim, cheguei à conclusão que talvez não fosse boa ideia me isolar tanto.
Ele já esperava por mim no CentOnze, que estava surpreendentemente lotado naquela noite, três dias antes da véspera de Natal. Como eu estava adiantado em mais de um quarto de hora do combinado, ele ter chegado tão cedo só podia ser atribuído à sua ansiedade com aquele encontro. O pior, ele estava lindo na camisa de listrinhas azuis e brancas ajustada aos seus enormes ombros e àqueles bíceps de fazer suspirar qualquer gay, e no jeans escuro que realçava suas pernas musculosas e o volumão de seu dote junto à coxa esquerda. Ele veio ao meu encontro antes mesmo de eu me aproximar da mesa, me envolveu em seus braços e me apertou com força, enquanto um beijo veio cobrir meus lábios. O maître chegou a ficar desconcertado com aquela efusiva demonstração de afeto e, em seu íntimo, deve ter suspeitado que aquele não era um encontro de dois amigos.
- Você está lindo! E gostoso! – exclamou, quando, ao me soltar, ficou me examinando despudoradamente.
- Obrigado! Posso dizer o mesmo! – respondi com um sorriso contido.
- É a primeira vez que você admite que sou gostoso! Estamos progredindo! – devolveu convencido.
- Concordei que você está bonito, esta camisa lhe fica muito bem! – retruquei, para baixar a bola dele. Ele riu.
Assuntos não faltaram; como fazia tempo que não nos encontrávamos, eles foram se sucedendo no meio da ensalada de cítricos, do gambón a la plancha e o ravióli de ceps, sem se extinguirem. Passava da meia-noite quando tomamos o último gole de vinho de nossas taças. Ficamos discutindo por mais uns tantos minutos na frente do garçom pela insistência dele de pagar integralmente a conta, o que não aceitei, até ele concordar bufando feito um touro bravio.
- Olé! – exclamei quando ele cedeu a contragosto e bufou. O papo gostoso com ele tinha me deixado mais espirituoso e, para terminar a provocação, abanei o guardanapo como se fosse um toureiro, o que levou o garçom a rir e ele a rosnar.
- Vamos ver se vai continuar fazendo gracinhas quando eu enfiar esta espada aqui em você! – grunhiu ultrajado, e levando a mão à pica.
- Mascle groller i brut! (= Machão grosseiro e bruto!) – exclamei, pois o garçom parecia estar se divertindo às nossas custas.
Apesar da garoa fria percorremos a pé os dois quilômetros até meu apartamento, onde o Nadal fez questão de me acompanhar. Mesmo ciente de suas intenções, eu estava sem ânimo para discutir com ele, e fomos caminhando sem pressa. De vez em quando, ele se pendurava nos meus ombros ou entrelaçava sua mão com a minha, ambos gestos traziam o calor dele para mais perto e também aquela tentação que todo solitário sente, e da qual não foge apesar de saber que pode estar entrando numa fria.
- Adeu! Bona nit amic meu! Dormir amb els àngels! (=Adeus! Boa noite, meu amigo! Durma com os anjos!) – desejei, ao me despedir com um abraço diante da entrada do meu edifício.
- Prefereixo dormir amb tu, al teu costat, dins teu! (=Prefiro dormir com você, bem juntinho, dentro de você!) – retrucou, sem me soltar, enquanto eu destrancava a porta, e ele beijava minha nuca.
Enquanto eu acendia as lâmpadas da sala e providenciava o copo d’água que ele havia me pedido, ele se desvencilhava da camisa. Quando voltei com a água, me deparei com aquele tronco largo e peludinho e, por pouco, não sou eu a consumi-la, pois subitamente tinha a garganta seca. Ele deu dois goles e começou a despir meu casaco, camisa e camiseta, abocanhando um dos meus mamilos com sua boca molhada. Aquele foi meu último instante de lucidez, uma vez que a sequência dos nossos atos nos levou ao quarto onde dois corpos nus e carentes costumam encontrar o ambiente propício para toda e qualquer insanidade.
O Nadal nunca tinha me visto completamente nu, e não escondeu sua fascinação ao poder tocar minha nudez com suas mãos ávidas. Por meu turno, eu nunca o tinha visto sem cueca, e a benga taurina que pendia entre suas pernas cabeludas me deixou sem fôlego. A Pilar, ao fazer propaganda do namorado, para me convencer a formar o trisal, já tinha me falado do dote avantajado do Nadal, mas eu não imaginava que seria tão grande e grosso. Ele riu quando percebeu meu olhar arregalado mirando sua benga. Meu cuzinho parecia um suricato sentinela, pois deu o alarme, na forma de espasmos frenéticos, assim que vislumbrei aquele cacetão. Quanto tempo mesmo, ele estava de jejum, onze meses e, talvez mais alguns dias? Não dava para impedir que estivesse tão assanhado querendo sentir aquela jeba dentro dele. Não adianta o espírito ser forte, se a carne é fraca. E a minha depois de tanto tempo, estava em petição de miséria.
Ele veio para cima de mim feito um garanhão que acaba de sentir o cio de uma égua. Seus beijos molhados eram carregados de cobiça, seu corpo atlético cheio de sedução, e suas palavras não passavam de sacanagens sussurradas junto ao meu ouvido. Rolamos abraçados na cama, nossos corpos se esfregando e incendiando nossas peles já tomadas pelo tesão. O Nadal lambeu e chupou um dos meus mamilos, ao mesmo tempo em que um de seus dedos enfiado no meu cuzinho se encarregava de extrair gemidos lascivos dos meus lábios, enquanto eu me contorcia envolto em espasmos.
- Collons, Theo! Quin cul tan estret! (=Caralho, Theo! Que cu mais apertado!) – grunhia ele, enquanto seu dedo devasso explorava meu cuzinho.
Eu acariciava o abdômen trincado dele guiando a mão repetidas vezes até a virilha onde tateava sobre o cacetão rígido, mantendo as pernas abertas para aquele dedo conhecer os mistérios e potencialidades da minha fenda anal, retribuindo os beijos que trocávamos em total devassidão. Quando ele ficou de joelhos próximo à minha cabeça, o pauzão já estava babando e eu o coloquei na boca, sorvendo o líquido pré-ejaculatório na mesma sofreguidão que ele era expelido. O Nadal grunhia, segurava minha cabeça dentro de sua virilha e, de olhos fechados exclamava frases de prazer. Com o sacão aprisionado numa das minhas mãos, eu o massageava e fazia os dois colhões deslizarem dentro dele, até o Nadal anunciar o gozo e enfiar o quanto pode do caralhão na minha garganta, despejando nela os jatos de porra densa e frutada. Eu os engolia vorazmente para não me engasgar, cravando meus dedos nas coxas peludas dele. Ergui meu olhar para ver sua expressão satisfeita e sorridente.
- Això és xuclar uma polla! (= Isso é que é chupar uma pica!) – exclamou em êxtase, quando eu terminava de lamber o sêmen ao redor do cacete dele.
Creio que ele estava tão necessitado de sexo e carente quanto eu, pois mal soltei o caralhão dele e ele já me colocou de bruços abrindo minhas nádegas e lambendo cobiçoso minha rosquinha anal. Fazia tanto tempo que ninguém mexia no meu ânus que fui tomado por um frenesi incontrolável, meu corpo todo tremia, a musculatura se contraída à revelia da minha vontade, aquela língua lambendo minhas preguinhas me deixava sem ar. Tão somente ganidos, ora finos como um miado, ora guturais, afloravam dos meus lábios. Constatando que meu cu piscava desejoso, ele voltou a enfiar um dedo nele, o que me fez suplicar.
- Ai, Nadal, no així, ja no puc més, ai meu cul, Nadal! (=Ai Nadal, assim não, não estou mais aguentando, Nadal! – gemia, empinando a bunda para que o dedo impudico entrasse mais fundo. De repente, meu catalão saía tão fluente quanto de um nativo.
- Digues-me què vols, Theo, digues! (=Fala o que você quer, Theo, fala!) – provocou
- Vostè! Et vull em mi, vull la teva polla al meu cul! (=Você! Quero você em mim, quero seu cacete no meu cu!) – pedi, feito um viado rameiro possuído pelo tesão.
Ele não perdeu tempo, instigado pelo buraquinho rosado que latejava ao redor de seu dedo intruso, ele apontou a glande melada contra a fendinha do meu cu e a empurrou através dos esfíncteres, rasgando as pregas e me obrigando a ganir feito uma cadela sendo arrombada. Eu me agarrei a tudo que estava ao meu redor, mordi o travesseiro e continuei a ganir até aquela dor arrefecer e o caralhão dele estar completamente atolado no meu cuzinho. Ele até tentou ser mais cuidadoso, mas o tesão indômito o impediu, no que meus ganidos libidinosos também não colaboraram. De quatro sobre a cama, eu me deixei foder, arrebitando a bunda para aquele caralhão entrar o mais profundamente possível, enquanto ele me segurava pela cintura se empurrando todo para dentro de mim. No quarto tomado pela luxúria, semelhante a de um borde, só se ouviam meus ganidos, o arfar gutural do Nadal e o som da virilha e do sacão dele batendo cadenciadamente nas minhas nádegas, enquanto o prazer adentrava feito uma aragem benfazeja em nossos corpos. Eu gozei logo, o pinto balançando solto a cada nova estocada, e o baixo ventre retesado pela dor me fizeram ejacular, espirrando porra para todo lado. O Nadal também não se demorou muito mais, estava com tanto tesão acumulado e com os colhões tão abarrotados que a necessidade falou mais alto e, no meio de um urro ele se despejou todo em mim. Ele gozou tanto que após a última estocada funda, quando todo o corpo dele estremeceu, o último jato acabou vazando do meu cuzinho esfolado por sua intempestividade. Quando ele me soltou, eu desabei sobre o colchão, esgotado e sentindo o esperma quente dele se espalhando nas minhas entranhas. Não me surpreendi quando ele me avisou que meu cuzinho estava sangrando; meses de uma abstinência parcialmente desejada e parcialmente imposta, o deixaram menos elástico, especialmente para um cacetão daquele tamanho. O carinho que demonstrou ao amparar aquelas gotículas de sangue rutilante e sua porra extravasada, me comoveram e me fizeram enxergar quão carente de um macho eu estava. No entanto, foi ele quem me agradeceu primeiro.
- Obrigado! – balbuciou, me encarando com aqueles olhos ainda cheios de tesão.
- Obrigado, pelo quê? – indaguei.
- Por ter se entregado dessa maneira tão pródiga! Você é muito gostoso, Theo! – respondeu, acariciando o contorno da minha boca.
- Será que isso foi acertado? Penso na Pilar, sou amigo dela, não devia estar com o namorado dela na cama fazendo essas coisas. – retruquei, sentindo uma pontinha de remorso e culpa.
- Ela sabe o quanto eu queria que isso acontecesse. Não fizemos nada de errado! – afirmou. Eu queria estar tão certo disso quanto as palavras convictas dele.
Adormeci com ele agarrado em conchinha comigo. Aquilo sim, não me pareceu uma traição, apenas o aceite de um carinho do qual há muito eu me ressentia, embora o cacetão dele se fizesse sentir no meu reguinho.
No meio da noite, quando fui ao banheiro, quase tive uma síncope. Ao me olhar no espelho, meu rosto estava deformado por um enorme inchaço nos lábios, só então percebi que o interior da minha boca estava muito vermelho, ardendo e com a mucosa coberta de pequenas erupções. Enquanto examinava a boca, tentando descobrir o que era aquele inchaço e vermelhidão, senti que meu cuzinho ainda estava doendo além da conta. Eu até já esperava por uma sensibilidade mais exacerbada no cuzinho por um ou dois dias quando me deparei com o tamanho da rola do Nadal, mas a dor que eu estava sentindo não estava apenas nos esfíncteres, ela era mais profunda e estava acompanhada de uma coceira, um prurido em queimação que eu nunca havia sentido antes ao dar o cu para um homem. Eu também sentia o corpo todo muito quente e suspeitando de algo muito errado acontecendo, entrei em pânico e fui acordar o Nadal.
- Santo Deus, o que aconteceu com a sua cara? – perguntou, quando esfregou os olhos para constatar que aquilo não era um sonho.
- Não sei! Vi agora que fui ao banheiro! Minha boca está tão sensível que mal consigo falar, a garganta também está estranha, como se não deixasse o ar passar. E, tem mais, meu cu está doendo bastante, ardendo como se tivesse uma brasa enfiada dentro dele. – revelei.
- Está se sentindo bem? Será que foi algo que comeu no jantar de ontem? – a preocupação no rosto dele era evidente.
- Sinto um calor por todo corpo. Mas, você comeu exatamente as mesmas coisas que eu durante o jantar, não pode ser isso. – devolvi
- Quer que eu te leve a um Pronto-Socorro? Você está muito inchado e parece que continua aumentando. – perguntou aflito.
- Vamos esperar amanhecer, não falta muito. Se continuar assim, procuro ajuda. – disse, quando ele voltou a me abraçar na cama.
Eu parecia um ser de outra galáxia quando acordamos no meio da manhã, e não tive como adiar a procura por um médico.
- É um quadro alérgico. – disse o médico, quando terminou de me examinar. – Já teve outros episódios de alergia, a medicamentos, comida, pó, tinta, ou qualquer outra coisa?
- Não, nunca!
- Sente os mesmos sintomas em qualquer outra parte do corpo? – perguntou, o que fez com que o Nadal e eu nos encarássemos constrangidos.
- No ânus! – respondi, quase engolindo a voz por me ver tão exposto.
- No ânus? – questionou surpreso. – O que sente no ânus?
- Basicamente os mesmos sintomas, uma dor forte, prurido, uma sensação de queimação. – revelei encabulado, pois sabia que nas próximas respostas teria que revelar que tinha trepado com o Nadal.
- Fizemos sexo na noite passada, oral e anal! – exclamou o Nadal, assumindo o inevitável.
- Isso nunca aconteceu nas outras vezes? – perguntou o médico, que me mandara arriar a calça de deitar de bruços sobre uma maca.
- Foi a nossa primeira vez, digo, ele e eu. – percebi que diante do médico bem apessoado ele não queria parecer um cara inexperiente.
- Já fez sexo com outros homens? Vocês usaram preservativo? – aquilo parecia a santa inquisição, e eu a mais depravada das criaturas.
- Sim, poucos! – respondi, tentando não parecer uma puta. – Dessa vez não usamos! – outra meia verdade, pois até então todos que me enrabaram nem pensaram em encapar os cacetes quando os enfiaram no meu rabo.
- Todos os sinais confirmam um quadro alérgico! Você usou algum lubrificante ou introduziu alguma outra substância ou objeto na boca ou no ânus? – até eu mesmo já estava me achando uma rameira.
- Não! – fui tão enfático que ele não tinha porque duvidar.
- Você ejaculou na boca e no ânus dele? – finalmente uma pergunta não dirigida a mim, afinal eu não era o único pecador naquele história.
- Sim! Bastante! Ele engoliu tudo e também não tirou a esporrada do cu. – eu quis matar o Nadal naquela hora, o safado ainda fazia alarde de sua virilidade mesmo naquela circunstância.
- Você é alérgico ao sêmen do seu namorado! – declarou o médico. – Não é um quadro comum, e está geralmente restrito às mulheres, mas ante as evidências, é certo que tenha alergia ao esperma do seu parceiro. Mais especificamente ao plasma seminal que é o líquido no qual os espermatozoides são liberados. Esse fluído é rico em enzimas, proteínas, muco, açúcares e substâncias alcalinas. São essas proteínas complexas que desencadeiam os quadros alérgicos agudos como o que você está apresentando. Vou medicá-lo com anti-histamínicos e você deve experimentar uma melhora sensível nas próximas horas. – aquilo foi praticamente uma aula, e tanto o Nadal quanto eu a ouvimos com o mesmo interesse e silêncio que eu assistia minhas aulas da pós-graduação.
- Mas eu nunca tive alergia ao esperma de outros homens! – não sei porque fui abrir a minha boca, pois estava praticamente admitindo que meu cu era um depósito de porra.
- Pode ter havido sensibilização durante o contato com sêmen de outros homens e a alergia só se manifestou agora. – esclareceu ele
- Isso vai se repetir toda vez que eu tiver relações sexuais? – essa pergunta não queria calar, pois só de pensar que não podia mais transar, já me sentia desesperado.
- É provável! Mas pode ter sido uma alergia específica ao esperma do seu namorado, por alguma substância que ele tenha ingerido, algum medicamento que esteja usando.
- Ele não é meu namorado! – aquilo precisava ficar bem claro, pois o Nadal era apenas um tarado que não me deu sossego enquanto não fodeu meu cu.
- Não uso drogas, nem estou tomando medicamentos. – apressou-se a afirmar o Nadal, querendo isenção de culpa.
- Também pode ser um alimento alergênico! – citou o médico.
- Tipo camarões! – na hora me lembrei dos gambóns a la plancha, e o médico assentiu.
- Sim, as proteínas dos camarões são altamente alergênicas para algumas pessoas e misturadas ao plasma seminal do seu namorado podem ser os responsáveis por sua alergia. – era isso que eu precisava ouvir, que eu era alérgico ao Nadal e não a homens no geral.
A medicação injetável que me deram no Pronto-Socorro e os comprimidos que o médico prescreveu reverteram o quadro quase que por inteiro até o final daquele dia, o que foi um verdadeiro alívio.
- Viu no que deu eu cair na sua conversinha mole? Sou alérgico a você! Isso já te dá uma certeza, nunca mais vamos transar! Está me ouvindo, seu tarado! – vociferei quando chegamos ao meu apartamento. O Nadal fez uma cara de indigente que me fez rir.
- Podemos usar camisinha na próxima vez, você ouviu o médico! Não vai ser tão prazeroso quanto leitar sua boca e seu cuzinho, mas é melhor do que nada. – o desaforado ainda teve a petulância de propor uma coisa dessas.
Na vídeo-chamada que fiz ao meu pai com aquela cara de Alien, ele foi da preocupação extrema ao riso zombeteiro, quando lhe contei como tinha adquirido aquela alergia bizarra.
- Vai ser sempre assim, filhote? Isso significa que o sêmen não pode mais fazer parte da sua dieta, tipo glúten e lactose? – perguntou tirando uma com a minha cara.
- Não sei, o médico aventou essa possibilidade, mas também disse que podia ser devido ao fato do Nadal ter ingerido camarões algumas horas antes e as proteínas alergênicas dos camarões terem incrementado as do plasma seminal dele, desencadeando a alergia em mim. – esclareci
- Tomara que seja específica a ele, pois você gostava tanto do meu esperma. – devolveu ele.
- Gostava não, gosto! Não é porque estamos distantes que eu me esqueci de como o seu é gostoso. – afirmei, deixando-o excitado do outro lado, conforme me confessou.
Só não fiquei mais zangado com ele, por que esteve o tempo todo ao meu lado me dando apoio, e porque passou os dias seguintes aboletado no meu apartamento para não me deixar sozinho no Natal e Ano Novo, todo dengoso e cheio de carinhos. Era um pulha, mas um pulha lindo, amigo e afetuoso que jamais voltaria e enfiar aquele cacetão no meu cu, embora continuasse a contar com minha amizade sincera. Na “Noche Vieja” comemos as 12 uvas acompanhando cada uma das doze badaladas dos sinos no campanário da Catedral Sagrada Família que a brisa fria trazia até o apartamento, e abusamos um pouco da Cava, o que me fez capotar na cama por volta das duas horas da madrugada. No dia seguinte ele voltou para casa, pois a volta da Pilar estava prevista para aquela tarde. Ela me ligou assim que o Nadal terminou de contar o episódio da alergia. Ela mais ria caçoando de mim do que falava, enquanto bronqueava com ela por ter deixado o namorado tarado solto e correndo atrás de mim.
- Alergia, é sério isso? Nem sabia que existia alergia à porra! Estou rindo até agora, você precisava ver a cara do Nadal me contando como foi a conversa com o médico. – disse ela.
- Bem! Acho que agora vocês estão convencidos de que não adianta mais insistir no assunto do trisal. Tenho alergia ao seu namorado! – devolvi. – Você devia ter visto é a minha cara, parecia um extraterrestre horroroso! – continuei, começando a achar tudo aquilo cômico.
- E para o teu azar o safado goza litros a cada esporrada, sorte sua não ter tido uma anafilaxia! – debochou ela.
- Vocês deveriam estar num hospício! Sacripantas! – retruquei exaltado.
Era Día de Reyes, 6 de janeiro, acordei tarde, pois tinha combinado de almoçar com o Serin. Ficamos de nos encontrar no pátio gótico do El Jardí, na Plaça de Sant Josep Oriol, para o brunch às 13:00hs, o que me deu tempo de tomar uma ducha e pegar o presente de Natal que havia comprado para o Serin. Como estava com preguiça de andar fiz o trecho entre as estações Poble Sec e Liceu de metrô, embora já contasse com os costumeiros atrasos do Serin, o cara menos pontual que eu conhecia. Quando chegou, meia hora após o combinado, vinha tão despreocupado como se estivesse bem adiantado.
- Esperou muito? – perguntou com seu sorriso gentil
- Dois séculos! Faz uma hora que terminei de trepar com o terceiro cara! – exclamei, feliz com aquele encontro.
- Dois séculos depois você continua tão lindo e tesudo como sempre! Isso quer dizer que serei o quarto, depois do almoço? – indagou zombando.
- Já fechei o expediente, perdeu sua chance! – respondi rindo, e lhe entregando o presente que ele adorou, para minha satisfação.
- Eis aqui o meu, espero que goste! – disse, me entregando uma caixa lindamente embrulhada com uma camisa dentro.
- Obrigado! Você é muito fofo! – agradeci.
Rimos quase sem parar até o final da tarde, o Serin era cheio de estórias, mas nenhuma das que contou naquele dia bateu o meu relato da alergia. Ele só faltou rolar de tanto rir. Até as pessoas à nossa volta se interessaram atraídas pela risada escandalosa dele e, os que acompanharam um pouco mais atentamente a conversa, também acabaram rindo da minha desgraça. Foi nesse clima descontraído e alegre que caminhamos até o meu apartamento. Antes mesmo de chegar à entrada do edifício, identifiquei o homem espadaúdo trajando um sobretudo cáqui elegante, e certamente de grife, que me aguardava um tanto quanto impaciente. Thiago Fernandez Cianciulli. Apressei os passos e, quando ele me viu chegando, veio ao encontro e me abraçou mais efusivamente do que tinha feito no Museu del Disseny, só se controlou no beijo, mais discreto, quando viu o Serin nos observando.
- Como me encontrou? Roubaram meu celular no metrô no dia seguinte ao nosso reencontro, e minha maratona para te encontrar resultou infrutífera. Que bom que está aqui! – exclamei, tomando eu a iniciativa de mais um beijo, esse nada discreto, uma vez que estava explodindo de felicidade por dentro.
- Maratona fiz eu para obter o teu endereço! – retrucou ele. – A agência para a qual trabalha se recusou a me fornecer seu contato, acho que pensaram que eu era um concorrente tentando te roubar deles. – continuou, ignorando completamente o Serin, de quem até eu havia me esquecido por uns instantes. – Foi seu pai quem me deu o endereço, quando estive com ele nos dias entre o Natal e Ano Novo quando fui ao Brasil. – revelou.
- Ah, me desculpe! Este é o Serin, um amigo que mora aqui perto e também está fazendo pós-graduação na Pompeo Fabra. Serin, este é o Thiago, cresci sendo vizinho da família dele, e amigo do irmão. – apresentei. Ambos estavam um pouco inibidos, tentando adivinhar a que intimidade chegavam aquelas amizades.
O Serin se despediu pouco depois, disse que não ia subir porque estava com pressa de chegar em casa, o que foi apenas uma desculpa para me deixar a sós com o Thiago. Este, por sua vez, me pareceu ter ficado contente quando o Serin foi embora e subimos ao apartamento.
- Namorado? – perguntou, enquanto eu preparava um café para nós.
- O Serin? Não, apenas um amigo, um amigo muito querido e engraçado, você precisava ter visto ele me contando suas estórias a tarde toda, estou até agora com a barriga doendo de tanto rir. – respondi.
- Esses amigos muito queridos são um perigo! – exclamou, mais para si mesmo do que como uma devolutiva.
- O que?
- Nada, não! Estava aqui falando com meus botões! – retrucou pensativo.
- Estou tão feliz de você estar aqui! Tive medo de nunca mais nos encontrarmos! – confessei, após o primeiro gole de café.
- Eu me dispus a mover céus, mar e montanhas para isso não acontecer! – afirmou ele, me encarando sobre a xícara fumegante que tinha diante de si. Eu sorri exultante, aquele homem sedutor e másculo foi quem me fez descobrir todo um universo que eu carregava em meu corpo sem o saber. Só isso já fazia dele um homem especial.