Alethea me fitava com tristeza.
- Roberto.
Ela olhou profundamente dentro de mim, e aquele verde mar escorreu sobre sua linda face.
Fiquei pasmo, sem ter o que dizer. Como eu queria ter raiva dela, como eu queria odiá-la. Mas eu continuava apenas extático. Mais ainda, naquele momento, com o que estava acontecendo.
O que significava tudo aquilo? Por que ela havia voltado?
O calor ali fora era intenso, e ela estava suando. Aquilo não me parecia normal. Num impulso, abri a porta do passageiro e a coloquei para dentro, onde estava mais fresco.
- É macio – murmurou.
Provavelmente , ela nunca havia entrado em um automóvel antes. Mas eu precisava falar.
- Eu não devia estar falando com você, Alethea. Nem sei como teve a coragem de vir aqui!
- Roberto...não espero que você esqueça o que aconteceu, nem que me perdoe. Não importa que o que tenha acontecido fosse por causa da minha crença religiosa... Mas eu precisava ver você uma última vez.
Pensei seriamente em dizer a ela “Bom, você já me viu, tchau”. Mas não consegui fazê-lo, apenas perguntei:
- Mas por que? Por que, Alethea?
- Vim aqui para morrer.
As lágrimas escorriam pelo seu belo rosto.
- Morrer, Alethea? Por que você quer morrer?
- Não posso mais viver, depois do que fiz. Preciso confessar...eu me apaixonei por você desde o primeiro momento. Você estava certo, foi amor à primeira vista. Eu desejei que você fosse o meu consorte.
- Mas em sua crença absurda, teríamos uma única noite.
- Por isso mesmo, eu o avisei. Por três vezes, lembra?
- Avisou de certa maneira, porque omitiu a parte em que eu seria sacrificado ao polvo gigante.
Alethea não conseguiu responder, ficou chorando baixinho. Ela não poderia estar apenas fingindo. Após alguns instantes, murmurou:
- Eu acreditava naquilo. Mas, dentro de mim, eu não queria perder você. Pensei seriamente em não voltar, principalmente depois que você me salvou, me carregando no colo até o Portal.
Eu olhava para ela, e sentia uma imensa dor. Meu peito estava apertado.
Havia decidido voltar a uma vida normal e esquecer tudo o que acontecera, mas ela estava ali, arrependida e dizendo que queria dar fim à própria vida. Mesmo contrariando tudo o que eu sentia por dentro, disse a ela:
- Alethea... Volte ao seu mundo. Esqueça de mim. Você mesma disse “ O que passou já se foi, o que está por vir é incerto, o que temos é o agora”. Viva a sua vida, e eu vou...viver... a minha.
Nesse instante eu engasguei, não pude me controlar.
- Não, Roberto. Você pode viver com isso. Eu não.
Por um décimo de segundo, cheguei a pensar que seria uma estratégia dela para me convencer a voltar com ela, mas não iria funcionar. Deste lado dos Portais eu estaria seguro. Mas o rosto dela começou a empalidecer, e ela ficou quieta. Pegou de leve na minha mão, e senti em sua pele aquele óleo dourado, o mesmo que ela havia passado em mim. Algo estava muito errado.
- Alethea, por que o óleo?
- É entorpecente. Não vou sofrer quando partir.
- Não quero que você morra.
- É tarde. Já estou deste lado há bastante tempo. Eu só queria ver você uma última vez.
Ela beijou meu rosto suavemente. Não resisti e beijei seu s lábios.
Alethea sorriu e murmurou:
- Adeus, meu amor.
Em seguida, desmaiou.
Não pensei duas vezes. Arranquei com o carro. Liguei o ar condicionado no máximo, pensando que o vento e o frio poderiam de alguma forma reanimá-la. Mas Alethea continuava desfalecida, com uma palidez assustadora.
Tive um momento de dúvida. Não sabia se dirigia até o Portal original, ou se a levaria até um “lugar intermediário”, como Anthea havia me dito.
A casa de Arthur e Anthea! Ficava mais perto que o Portal. Pisei fundo no acelerador e corri até lá. No caminho, liguei para a casa do médico. Meu carro tem viva-voz, então eu poderia falar sem tirar as mãos do volante. O que eu menos precisava era um acidente de trânsito.
Uma voz feminina atendeu:
- O Doutor Arthur não está. Quer deixar recado?
Era a voz dela.
- ANTHEA! Anthea, por favor, abra o portão! Estou chegando aí, é uma emergência!
- Roberto?
Assim que vi o portão se abrindo, fiz uma curva que fez os pneus cantarem e entrei no pátio da casa . Peguei Alethea no colo e corri, Anthea já estava com a porta aberta.
- Depressa! Não sei se ainda há tempo!
- Roberto, o que aconteceu? Ah, pela Deusa, ela está usando as vestes de sangue!
- Vestes de sangue?
- Ela se preparou para morrer!
Althea estava imóvel. A luz de seus olhos se apagava.
Nunca mais eu iria ver aquele rosto belíssimo, ouvir aquela voz, sentir o seu olhar, um mar profundo onde me perdi quando a vi pela primeira vez.
CONTINUA