Contratados: O Prazer - Capítulo II

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 3701 palavras
Data: 20/04/2023 09:30:33

CAPÍTULO II

*** JOÃO PEDRO ***

O PONTEIRO DO RELÓGIO me afronta enquanto continua a girar, como se não importasse o fato de ser sexta-feira à noite, e eu ainda estar no escritório, diante de uma mesa cheia de papéis, com a caixa de e-mails lotada, e sem a menor perspectiva de que horas sairei daqui. Do lado de fora, São Paulo se acende, e a famosa selva de pedra se torna um grande show de luzes e movimento.

Giro a cadeira, deslizando minhas pernas para fora da mesa, e não sei se sou eu quem aprecia a vista da cidade, quarenta e dois andares abaixo de mim através das janelas do chão ao teto, ou se é ela que me engole, enquanto me desfaço em pensamentos e exaustão. Há seis meses atrás, a uma hora dessas, eu estaria a caminho de casa, para me preparar para uma noitada de respeito, ou, já estaria em uma. É engraçado como uma decisão muda tudo. Porra, eu costumava ser o cara engraçado da roda! Eu! Agora, eu sou só o rabugento, o que está sempre trabalhando, ou falando de trabalho.

Com um suspiro, meus olhos se desviam das janelas e olho com atenção o espaço em que estou. O escritório amplo, de chão e paredes revestidos por mármore escuro, é cercado por vidro, com exceção da parede diante de mim, aquela que me separa do restante da firma, assim ninguém vê o que acontece aqui dentro.

Obras de arte, móveis assinados por grandes nomes, um bar com as bebidas mais caras que o dinheiro pode comprar e, é claro, a cereja do bolo, uma peça de design expondo todos os produtos atuais do grupo editorial Govêa: revistas, jornais, folhetins, tudo o que trabalhamos aqui para produzir e distribuir lá fora. Por tanto tempo estar nessa sala foi meu objetivo e, agora, aqui estou eu, olhando para ela, me questionando.

Não tenho dúvidas de que vale a pena, mas, definitivamente, eu esperava que fosse diferente. Quer dizer, eu tive um pai presente, então porque caralhos eu não tenho conseguido me fazer presente na minha própria vida? Eram outros tempos... O tempo valia e durava mais do que hoje em dia... Ainda assim, essa constatação apenas traz de volta à minha mente a pergunta que eu venho repetindo com frequência há pelo menos dois meses: o que eu estou fazendo de errado? Porque alguma coisa, com certeza, não está certa...

Resignado, sacudo a cabeça, afastando de mim os pensamentos, e decidindo voltar a trabalhar. Quando abaixo meus olhos para as planilhas na tela do computador, um pequeno tremor atinge a mesa e o zumbido de vibração soa no escritório. Ao olhar para a tela do celular, vejo uma notificação de novo e-mail e ignoro. Norma fará a triagem, e depois que eu responder todos os que já estavam na caixa de entrada, em algum momento, chegarei a ele.

É o toque sutil do telefone de mesa e a luz vermelha piscando, indicativa de que é uma chamada da minha secretária, que me arranca dos meus pensamentos.

− O senhor ainda vai precisar de alguma coisa hoje, senhor Govêa?

− Não, Norma! Está tudo bem por hoje! Tenha um bom fim de semana.

− Tudo bem, meu filho! Eu pedi para o Fazzano’s entregar o seu jantar às 21h. - Tudo na frase me faz sorrir. Do vocativo informal, agora que o seu horário de expediente foi oficialmente encerrado, ao cuidado em pedir meu jantar antes de ir embora, mesmo que eu não tenha pedido que fizesse isso, ela nunca me deixa antes de ter certeza de que irei me alimentar corretamente, como se eu ainda tivesse dez anos de idade e não fosse capaz de cuidar de mim mesmo.

Norma faz parte da família Govêa há quase quarenta anos, chegou aqui aos vinte, como datilógrafa, quando essa profissão ainda existia. Depois, foi secretária do meu pai por todo o tempo em que ele comandou o grupo, agora, é a minha. Ela conhece o funcionamento da empresa melhor do que muitos novos profissionais que chegam aqui com seus diplomas e Mba’s ainda reluzindo, de tão novos. Nenhuma faculdade ensina o que ela sabe, nenhum curso de graduação, pós-graduação ou especialização ensina o que ela já viu.

A pequena mulher de cabelos curtos e corpo arredondado me viu crescer, literal e, figurativamente. Me viu na barriga da minha mãe, depois, moleque, andando, deslumbrado, por esses corredores. Viu também, bem de perto, a fase em que me achei o dono do mundo e andava por aqui com o nariz empinado e o peito estufado, me achando melhor do que os funcionários, porque sabia que, um dia, eu seria o que sou hoje, aquele quem controla tudo isso.

Tratei-a mal uma única vez. Moleque, a diminuí. Disse que deveria fazer o que eu mandasse, porque eu era o dono de tudo isso. Meu pai descobriu, um outro funcionário viu e contou. Ele me chamou para conversar e, mesmo que não tenha feito diferença na minha forma rebelde de pensar da época, ele me fez pedir desculpas à Norma. Foi a primeira lição de negócios que me ensinou explicitamente: “Nenhum funcionário respeita um patrão que não os respeita.”, me disse, e, mesmo pedindo desculpas, só fui entender o que aquilo realmente significava, anos depois.

Que foi também quando perguntei à própria Norma por que ela não contou ao meu pai o que eu fiz? Por que foi preciso que uma terceira pessoa contasse? Eu estava começando a faculdade na época, e ela me disse que não importa o que vistam, como cheiram, ou o que comam, crianças são apenas crianças.

− Você não precisava ter se preocupado em me alimentar, Norma! Eu não sou mais criança. - resmungo em tom de brincadeira.

− Não importa o que vistam, como cheiram, ou o que comam, crianças são apenas crianças, e sempre serão crianças, minha criança. - recita a frase dita anos atrás e repetida muitas outras vezes depois, me fazendo sorrir e concordar com a cabeça.

− Obrigado, Norma! Até segunda.

− Até! Os e-mails recebidos até às 18:30h foram separados e organizados nas pastas por ordem de prioridade, já suspendi o recebimento de notificações até segunda-feira. E sua agenda de segunda também foi atualizada e já está disponível para você. - diz, enquanto anda até o aparador de frente para a mesa redonda de oito lugares que ocupa parte do lado esquerdo da sala, e retira de lá um prato e talheres, para, logo depois, deixar tudo sobre a mesa.

− Eficiente até o último fio de cabelo branco. - brinco, já que ela é uma senhora de pele morena e absolutamente todos os fios de seus cabelos são brancos.

− É a única maneira de fazer as coisas. - Sorri para mim, me dá uma piscadela e se vira, saindo da sala.

Quando ouço o apito do elevador, avisando que Norma já não está no andar, o sorriso plantado por ela ainda está no meu rosto. A vida pode não estar exatamente como eu gostaria, mas não está ruim e, em algum momento, vai chegar onde deve. Com isso em mente, abandono as reflexões, tiro o relógio do pulso, deixando-o com o visor voltado para baixo, e mergulho no trabalho.

Comparo planilhas, aprovo comunicados e relatórios, peço o agendamento de reuniões, confiro balancetes e planos de negócios.

************************

− Senhor Govêa? -Surpreendido pelo som súbito depois de tanto tempo em silêncio, levanto a cabeça e me deparo com Jhonatan, um dos seguranças do andar, parado na porta da minha sala, com uma sacola de papelão erguida nas mãos em uma declaração silenciosa. Me dou conta de que, provavelmente, já passa das 21h e levo as mãos ao rosto, esfregando-o nas palmas, tentando espantar o cansaço.

− Desculpe, senhor. Eu bati, mas acho que o senhor não ouviu.

− Está tudo bem, Jhonatan. Não tem problema nenhum. Você pode deixar em cima da mesa, por favor? Isso é coisa da Norma. -Respondo, cansado, ansioso por uma chuveirada e pela minha cama.

− É a única maneira de fazer as coisas? - Ele entra na sala, deixando a sacola de papel sobre a mesa enquanto faz a pergunta e eu sorrio.

− Exatamente, meu caro.

− Boa noite, senhor. Govêa.

− Boa noite, Jhonatan. Obrigado. - O observo fechar a porta e, logo depois, recosto na cadeira, fechando os olhos e, mesmo com eles fechados, vejo números e mais números.

− Porraaaaaaaa... - Em um único impulso, me levanto, me dirigindo até o bar. Sirvo uma dose dupla de Macallan e giro-o no copo algumas vezes antes de levar o primeiro gole à boca. O cheiro forte afeta meus sentidos antes do sabor, me relaxando. O gosto, amargo, seco e frutado, se desdobra em minha língua, e eu aproveito cada gota que desliza garganta abaixo.

Lá fora, a noite alta de São Paulo se desenrola, com as ruas comerciais ao redor da sede da Gôvea desertas e silenciosas. Alguns carros passam hora ou outra, mas o vazio predomina. Enquanto observo o nada pela janela, vejo as primeiras gotas de chuva caírem, primeiro, elas vêm finas e espaçadas, mas em questão de minutos, tornam-se grossas e rápidas, uma chuva cada vez mais volumosa. Mas como chuva de verão, antes que eu esvazie meu copo, já passou.

******************

O carro desliza pelas avenidas de São Paulo, saindo da avenida paulista e indo na direção dos bairros Jardins, deixo minha cabeça pender para trás e mantenho meus olhos fechados. Com as mangas da camisa dobradas, os primeiros botões abertos e o paletó e a gravata jogados ao meu lado no banco do carro, respiro fundo, ansiando pela minha cama.

O celular vibra no meu bolso, me despertando, penso em ignorá-lo, mas me lembro de que minha mãe me enviou uma mensagem hoje de manhã e eu ainda não respondi. Assim que desbloqueio a tela, a notificação de um novo e-mail chama minha atenção, afinal, Norma disse que havia bloqueado novas notificações de e-mail. Franzo as sobrancelhas, confuso. Isso não faz sentido, se ela tivesse esquecido, com certeza eu teria muito mais do que uma única notificação. Ao abrir o aplicativo, já logado na conta comercial, me surpreendo ao me deparar com a caixa principal vazia.

Será possível? Mas ninguém nunca envia e-mails para o meu pessoal... Basta deslizar o dedo pela barra de notificações para constatar que eu estava errado, aparentemente, alguém me enviou, sim, um e-mail para a conta particular, mas isso nem é o mais surpreendente. O que faz eu arquear uma sobrancelha e me sentir ainda mais confuso sobre a situação inusitada, é o título da mensagem eletrônica: Vaga para assistente pessoal. Mas que porra...

Curioso com a primeira situação inocentemente inesperada em meses, abro o e-mail. Porque, ultimamente, todas as surpresas que tenho recebido são problemáticas. Falha de fornecedores, contratos vencidos, contas inconsistentes... Merda atrás de merda. Meus olhos acompanham as palavras e minhas sobrancelhas se franzem, é realmente um currículo. Leio a primeira parte, com os dados pessoais do remetente. Que perigo! Isso poderia ter ido parar na mão de um psicopata, ao invés de nas minhas... O homem mora em Paraisópolis? Que merda...

Vinte e dois anos... Eduardo Porto... objetivo... espera, o quê? Leio o texto pelo menos três vezes para ter certeza de que não estou vendo coisas, ou imaginando ambiguidades, e estou quase me convencendo disso, quando chego ao último item descrito na sessão de Formação do documento e eu rio. Que porra é essa?

Se o primeiro parágrafo deixou dúvidas sobre a existência de um duplo sentido, o terceiro não deixa nenhuma! Está, literalmente, dizendo que o cara faria qualquer coisa que lhe fosse ensinado. Uma risada baixa me escapa, e minhas sobrancelhas que já haviam relaxado, voltam a se franzir levemente enquanto eu balanço a cabeça em negação. De onde isso veio?!

Finalmente, chego à última sessão do currículo, o primeiro item me faz arregalar os olhos, o último me faz perder completamente o controle, e eu gargalho. O riso brota no fundo da garganta e sai descontrolado, fazendo com que eu me contorça e com que meus olhos lacrimejarem. Rio, como há muito tempo eu não ria. Rio até perder o ar, começar a soluçar e precisar me obrigar a me acalmar.

− Marcos, seu filho da puta! -Preciso dizer em voz alta, mesmo que só para eu mesmo escutar. Eu sabia que ele era uma vadia, mas porra! Olho para o celular nas minhas mãos, acendo a tela e releio a última frase “Cuzinho virgem pronto para uma mudança de status”. E quando leio as últimas linhas, um “contrato de prazer” ridiculamente escrito, perco a batalha interna que vinha travando, o riso volta a irromper da minha boca, até que minha barriga esteja doendo novamente, e eu levo alguns minutos para perceber que o carro está parado, e que minha porta está aberta enquanto Luiz, meu motorista, me encara com uma expressão divertida no rosto.

Respiro fundo várias vezes, me esforçando para recuperar o controle pela segunda vez, nem me preocupo em reunir minhas coisas espalhadas pelo carro, apenas me viro, passando pela porta e fazendo um aceno para Luiz, porque se eu precisar explicar o que está acontecendo, provavelmente terei outra crise de risos. Faço o caminho até a entrada de casa balançando a cabeça para os lados, incrédulo. O infeliz fez um e-mail falso só para me sacanear. Deve realmente estar com tempo sobrando... Mesmo sabendo que a vadia do Marcos com certeza está na noite a essa hora e não vai me responder, mando uma mensagem para ele:

***********************

Diante de uma mesa diferente em material da que eu estava na noite anterior, mas igualmente cheia de papéis espalhados, passo a tarde de sábado trancado no escritório de casa, resolvendo pendências atrás de pendências.

É só à noite, quando estou prestes a sair de casa para um jantar de negócios com um cliente que só estará em São Paulo este fim de semana, que recebo um sinal de vida de Marcos. Um que me faz estreitar meus olhos para o telefone ao ler sua mensagem:

“Não faço ideia do que vc tá falando, mas fico feliz de servir de palhaço pra vc a qualquer hora… e quanto à idade, a mesma que vc, babaca! Só que sou mais bonito e inteligente”

Interrompo meus passos quando vejo a mensagem recebida, arqueando uma sobrancelha para o aparelho celular na minha mão. Filho da puta, miserável! Vai mesmo negar? Ah, mas não vai! Faço, então, a única coisa possível, reabrindo o e-mail, tiro um print da tela e envio pra ele, só então volto a caminhar.

“Deixa de ser puto, Marcos! Vai fingir realmente que não tem nada a ver com isso?”

Entro no carro e me acomodo, o telefone em minha mão vibra e toca, enquanto a foto de um Marcos sorridente, sem camisa, com o mar ao fundo, acende na tela. Inclino a cabeça para o lado, provavelmente ele quer se gabar da sacanagem que fez. Bufo, meio indignado, meio divertido, e toco o ícone verde, atendendo ao telefone. As gargalhadas escandalosas inundam o carro, de tão altas, ainda que o celular não esteja no viva-voz.

− Tudo bem, eu tenho que admitir! Essa sua ideia adolescente me fez quase rolar no chão de rir. - reconheço a contragosto. Ele demora vários segundos para parar de rir e responder, e eu mesmo me pego sorrindo quando me lembro de todos os absurdos escritos naquele e-mail. Ouço Marcos respirar fundo várias vezes, o som baixo de um assobio de quem tenta se controlar, e até mesmo alguns Ai... Ai....antes que eu finalmente ouça sua voz em uma frase completa.

− Porra, João! Isso é sério? Alguém realmente te mandou esse e-mail? - pergunta com o tom de voz abafado pela tentativa de controlar a respiração, mas ele falha e volta a explodir em risos. Eu afasto o telefone da orelha, rindo também.

− Marcos deixa de ser vadia! Eu sei que você que me enviou essa porra...

− Eu adoraria levar o crédito, porque, sério! A ideia é genial! Eu te disse que você deveria contratar um secretário pra foder, e olha só! Esse currículo seria perfeito! Pele clara pra marcas de leves palmadas? Puta que pariu, João! Se isso fosse verdade e você não contratasse, eu contrataria! - diz, depois de várias respirações profundas, mas sua última frase faz com que nós dois gargalhemos.

− Não fode, Marcos! Você parece um adolescente, tá te sobrando tempo pra ficar fazendo contas aleatórias de e-mail só pra me sacanear. Quer que eu

processe alguém pra você ter trabalho? pergunto irônico, e, em instantes, aparentemente, completamente recuperado da crise de risos, ele me responde.

− João, eu realmente não acho que essa genialidade possa ser chamada de desperdício de tempo, mas eu não tive nada a ver com isso. - Seu tom é leve e divertido, mas eu franzo as sobrancelhas.

− Não? - pergunto, sério.

− Não, meu amigo! Infelizmente, alguém foi mais rápido que eu dessa vez.

− Mas que porra! - As palavras saem sem que eu perceba que estou falando em voz alta.

− Que foi?

− Que foi? Como o que foi, Marcos? Se não foi você, então quem?

− Algum amigo?

− Por que, algum amigo, além de você, que é babaca por natureza, me enviaria algo assim?

− Pela piada, porra!

− Marcos, essa piada só tem graça com contexto. Sem contexto, não faz o menor sentido...

− Acho que você tá pensando demais sobre isso, foi só uma brincadeira de algum idiota...

− Talvez...

− Com certeza! Escuta, to indo pra Biach, o que acha? Vamos?

− Não, to a caminho de uma reunião, não sei que horas vou sair de lá e ainda tenho uma porrada de coisa pra fazer no escritório quando voltar...

− Trabalhando no fim de semana, João?! Porra!

− Pesada é a cabeça que usa a coroa, meu amigo! E um dia será a sua! Respondo, sorrindo com a perspectiva.

− Vai agourar o cu, filho da puta! - É a resposta infantil que recebo e que me faz gargalhar: − Deixa de ser frouxo, porra!

Desde quando virar a noite é problema? - questiona minha negativa.

− E quem foi que disse que eu não vou passar a noite acordado? Só não vai ser vadiando, caralho!

− Bom, peso demais pode causar decapitação. Cuidado com essa coroa, meu bom! - Seu tom é debochado, e eu apenas repito para ele o discurso que sempre funciona com as suas provocações.

− Um dia vai ser a sua...

− VAI.PRA.POR.RA!

− Tchau, Marquinhos! Boa noite! - Me despeço, mas ele não tem a mesma cortesia e simplesmente desliga o telefone. Quando olho para o aparelho com a intenção de confirmar o fim da chamada, a tela se acende e a imagem do print do e-mail faz com que todos os meus pensamentos se voltem para uma pergunta: de onde isso veio?

Durante o restante da noite e todo o domingo, esse questionamento me atormenta. Eu poderia responder perguntando quem é, mas realmente não acho que tenha sido a brincadeira de um conhecido, e caso seja um desconhecido que sabe quem eu sou, um jornalista, por exemplo, uma resposta só vai criar confusão.

O problema é que, não importa quantas vezes eu desvie meus pensamentos, eles sempre voltam para o mesmo lugar. De onde veio essa porra de e-mail? Quem enviou? Como tinham meu endereço pessoal? Depois que a manhã de segunda-feira passa sem que eu tenha produzido nem mesmo metade do que deveria, tomo uma decisão. Abrindo mais uma vez o e-mail, que já li, pelo menos, cinquenta vezes desde que recebi, anoto em um pedaço de papel o nome e o telefone registrados, depois, faço uma ligação para minha secretária.

− Norma, você pode vir até aqui, por favor?

− Pois não, senhor Govêa? -Pergunta, ao entrar na sala.

− Norma eu preciso que você tente marcar uma entrevista de emprego com essa pessoa pra mim. - Digo, estendendo para ela o papel com os dados e Norma franze as sobrancelhas.

− Desculpe, senhor. Nós estamos contratando? E não é o setor de recursos humanos quem conduz os processos seletivos? -questiona, como sempre, muito atenta a tudo o que acontece na empresa.

− Não é para a empresa, Norma. É pra um cargo pessoal. Você pode fazer isso, por favor? Tente contato e, se conseguir, agende para amanhã, aqui no escritório, às... - pauso um instante, pensando qual seria o melhor horário para receber essa pessoa que pode ser um amigo idiota, um jornalista armando para mim, ou um prostituto testando novos métodos de captação de clientes, depois do expediente, então.

Definitivamente, depois do expediente: − 19:30h. Me avise assim que tiver uma resposta.

− Tudo bem, e qual é o cargo? - Me questiona e eu arqueio as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa. Ela se explica:

− Senhor, eu devo dizer que é uma entrevista para quê?

− O candidato está a par, só faça o mais rápido possível e me informe assim que tiver um retorno.

− Tudo bem. - Balança a cabeça e, logo depois, se retira.

Fico encarando a porta por vários minutos, pensando nas possibilidades de ser um jornalista, um engano, ou de o telefone nem mesmo existir. Passo um bom tempo olhando para a tela do computador à minha frente sem que minha mente realmente processe as informações ali escritas. Mas, no momento em que a luz vermelha do telefone de mesa acende pela primeira vez, antes mesmo que ele possa tocar, eu já atendi a ligação de Norma.

− Sim! - digo rápido, sem me lembrar de esconder a ansiedade.

− Está marcado, senhor. Amanhã às 19:30h. Precisa que eu providencie alguma coisa? - Só presto atenção na primeira parte. Como assim está marcado? Puta que pariu! Era um prostituto! Mas como caralhos um prostituto conseguiu meu e-mail pessoal? Ou não, afinal, ainda pode ser um jornalista esperando que eu caia nessa....

− Senhor? - Norma me chama e eu desperto dos meus próprios pensamentos.

− Sim, Norma! Me desculpe, o que você disse?

− Perguntei se o senhor precisa que eu prepare algo para a entrevista.

− Não, só vou precisar que você fique até o horário de início para receber o candidato. Ok?

− Perfeito. Algo mais, senhor?

− Por enquanto não, Norma, obrigado. - Desligo a chamada atônito. Achei que a ligação seria a prova dos 9 e me devolveria a paz que perdi desde que Marcos me disse que não foi ele quem enviou o e-mail..., mas parece que o universo tinha outros planos.

− Que porra!

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