O irmão mau do meu namorado
No dia do meu aniversário de 20 anos fui expulso de casa. Minha família descobriu que eu havia passado a noite anterior fora comungando a cama e, do que já não tinham mais dúvida, dando o cu para o Tyler, que há questão de pouco mais de dois meses atrás, eu apresentara como um amigo da faculdade. Foi a gota d’água que faltou para meus pais me botarem para fora de casa, percebendo que eu não mudaria nunca, que tinha nascido para o pecado e que com isso comprometia toda a castidade e honra daquela família cultuadora da doutrina mórmon.
A expulsão não foi uma atitude tomada no calor das emoções, havia todo um histórico pregresso que depunha contra mim. Aos dezessete, fui flagrado durante um acampamento da juventude da igreja, sendo enrabado por um amigo do seminário, um programa educacional da igreja para adolescentes, com quem mantinha, em segredo, um relacionamento que se iniciara pouco depois de adentrarmos ao programa. Fomos ambos chamados diante das autoridades máximas da congregação para confessarmos e admitirmos nossa culpa por ter fornicado, um pecado grave pelo qual deveríamos pedir absolvição divina demonstrando arrependimento para iniciarmos a cura que nos devolveria para a comunidade. Meu amigo, Adam, se confessou culpado e se mostrou disposto a começar o processo de cura daquela perversão, recebendo o perdão dos líderes da congregação. Eu confessei que era gay e, que se tinha essa natureza, era por obra do próprio Deus, e não por uma escolha minha. Também não admiti que tinha pecado, uma vez que foram homens, criaturas tão falhas quanto eu, que determinaram o que era ou não pecado dentro da religião que eles inventaram. Não aceitei nenhum programa para me curar, uma vez que não estava doente, e que sentir atração por homens não era uma patologia e sim, parte da minha natureza humana. Fui expulso da congregação ficando proibido de adentrar às instalações da igreja, o que encarei como uma benção e não como castigo. No entanto, aquilo me tornou a ovelha negra da família que seguia à risca toda aquela baboseira que os líderes do sacerdócio pregavam.
Eu era o terceiro dos irmãos e sempre destoei do comportamento da minha irmã mais velha que fornicava às escondidas cada vez que meus pais saíam, durante o namoro, no sótão de casa com o cara que se tornou seu marido, e de quem estava esperando o quarto filho de um casamento fadado ao fracasso, pois os rumores de que o marido andava fodendo a buceta da secretária não eram mera fofoca. Aos olhos da congregação e das famílias formavam o casal cristão ideal, frequentadores dos cultos, dedicados ao serviço voluntário e fieis contribuintes do dízimo, o que não impedia minha irmã de chorar solitária trancada no quarto toda vez que o marido chegava tarde da noite em casa cheirando a um perfume feminino doce e enjoativo.
Meu irmão do meio estava noivo de uma garota que conheceu dentro da congregação, e tanto os meus quanto os pais dela estavam ansiosos pelo casamento dos dois, unindo assim duas famílias tementes a Deus e aos bons costumes. O que não chegou aos ouvidos deles foi que a garota se submeteu a um aborto no que deveria ser uma viagem com algumas amigas para a fazenda de parentes de uma delas. Por semanas meu irmão vivia uma aflição inexplicável. Eu, seu maior desafeto, era alvo constante de sua raiva que era despejada sobre mim mesmo sem nenhum motivo aparente. Enquanto meus pais tentavam adivinhar a razão de todo aquele descontrole, ele passava horas ao celular confabulando com a namorada uma maneira de se livrarem daquela barriga comprometedora. Quando ela regressou sem aquele incomodo que estava a crescer em seu ventre, tinha na face o sorriso imaculado de uma virgem, pelo qual todos se encantavam, enquanto meu irmão recuperara sua serenidade.
Foi algumas semanas depois de ser expulso de casa que conheci o Danny. Apesar de jovem e recém-formado, ele era o chefe da equipe de criação gráfica de uma agência de publicidade onde eu estagiava, e eu seu subordinado. Logo nos sentimos atraídos um pelo outro e, dali para o sexo foi um pulo. Contudo, começou a rolar algo mais significativo durante os coitos frequentes e, ele me chamou para ir morar com ele. Nosso relacionamento foi se solidificando, tornamo-nos parceiros e apaixonados que já não omitiam o envolvimento amoroso e sexual dos amigos que nos cercavam. Vivi essa paixão intensa com esse homem másculo e ardente que imaginei sendo o grande amor da minha vida por toda a eternidade. Aquilo sim era uma relação verdadeira entre dois homens que se amam sem se preocupar em esconder sentimentos ou o que fazem no calor sedento de seus corpos. Eu tinha tanta certeza do nosso amor e de que tinha encontrado a vida com a qual sempre sonhei, que jamais pensei que ela pudesse me ser tirada.
Havia dois dias que uma gripe outonal me obrigara a ficar de cama. Com a chegada do final de semana, o Danny me disse no sábado pela manhã que tinha combinado com uns amigos de tomar umas cervejas ao final da partida entre o New York Giants, o time dele, e o Philadelphia Eagles, mas que abdicaria do encontro e da partida se eu quisesse que ele ficasse tomando conta de mim.
- Claro que não, querido! Pode ir, foi difícil arranjar os ingressos seria uma pena desperdiçá-los. Vou tomar a medicação e, com certeza, vou capotar tão logo comecem a fazer efeito e vou dormir a noite toda. Vá se divertir, já que eu não vou poder te divertir dessa vez. – afirmei, acariciando o cacetão dele dentro da cueca enquanto ele se vestia para sair.
- Amo você! – declarou, beijando carinhosamente a minha testa febril.
- Também te amo! Boa diversão! – desejei, com o corpo alquebrado.
Eram duas da madrugada quando acordei atordoado com o celular tocando na mesa de cabeceira pelos antigripais que havia tomado. O lado da cama do Danny estava vazio, portanto achei que ainda era cedo e ele não tinha voltado do encontro com os amigos.
- Alô! – minha voz saiu junto com uma tosse seca, a cabeça pesada parecia feita de chumbo. – Sim, Derek sou eu! – respondi à voz do homem do outro lado.
O que veio a seguir ainda não estava claro na minha mente. Acidente, picape GMC Sierra cinza, Daniel Glover, 73ª Avenida com Rua 188 no Queens próximo a Fresh Meadows, eram as palavras confusas e truncadas que entravam no meu ouvido, pronunciadas por uma voz impessoal.
- Danny! Danny! – chamei para confirmar se estava sozinho em casa, e porque as paredes do quarto haviam começado a girar como um carrossel à minha volta.
- O senhor precisa vir até aqui, Sr. Derek! Precisa que enviemos uma viatura para buscá-lo? – perguntou o homem.
- Sim, acho que sim! – balbuciei, pois até então não queria acreditar no que tinha acabado de ouvir.
- Pode me passar o endereço? Vou acionar uma viatura para buscá-lo! – ele falava como se o procedimento fizesse parte de sua rotina.
- Linden Street, .... em Bushwick! – respondi.
- Volto a entrar em contato assim que a viatura estiver na porta. A propósito, meu nome é sargento Logan, da Polícia Metropolitana.
Quando coloquei o celular sobre a cama minhas mãos tremiam e meus olhos estavam inundados pelas lágrimas. Era aquilo que aquela voz não disse que estava me causando todo aquele desespero. Apressei-me em vestir uma roupa e desci ao saguão do prédio para esperar a viatura. O Metlife Stadium ficava em Nova Jersey, o que o Danny poderia estar fazendo no Queens? Não estava conseguindo me lembrar de nenhum dos amigos dele que morava para aqueles lados. Mesmo que tivessem ido a um barzinho para tomar cerveja como ele tinha afirmado, não se deslocariam até lá, não fazia sentido algum.
A picape do Danny estava virada de lado num canto do cruzamento. Pelo lado que eu cheguei só dava para ver o chassi, mesmo assim, senti meu coração querendo sair pela boca. O sargento Logan veio ao meu encalço e me conduziu até o lado onde estava a cabine. Pelo vidro quebrado pendia a cabeça ensanguentada e sem vida do Danny, ainda preso ao assento pelo cinto de segurança. Um grito que emergiu da altura do meu diafragma se exteriorizou no mesmo instante, e quando dei o primeiro passo para correr na direção dele, o sargento Logan me deteve a muito custo, me impedindo a aproximação.
- A perícia ainda não chegou, Sr. Derek, não podemos mexer no cenário. – disse ele, tentando me tranquilizar.
Quando ele mencionou a palavra cenário, foi a primeira vez que olhei ao redor e, só então, vi que havia um caminhão pequeno de entregas com a frente toda destruída sobre a calçada.
- Também não resistiu aos ferimentos! Morreu pouco depois da nossa chegada. - sem que eu perguntasse nada, o sargento Logan me pôs a par do acidente.
- E os amigos do Danny, onde estão? – perguntei
- Não havia mais ninguém na cabine da picape, só o motorista! – respondeu ele. Eu já não estava entendendo mais nada.
Estava quase amanhecendo quando a perícia técnica foi concluída e os corpos removidos para a morgue onde precisei preencher uma papelada. O orvalho ainda pingava das folhas das árvores quando cheguei ao apartamento, até então eu não tinha conseguido parar de chorar, minha vida seria um grande e enorme vazio desconhecido dali em diante. Eu havia deixado ao encargo da polícia informar a família do Danny no Illinois, sobre o acidente, fornecendo os contatos.
O pai dele me ligou algumas horas depois, querendo saber detalhes do ocorrido, uma vez que sabiam que eu dividia o apartamento com o filho do qual estavam afastados havia quatro anos e de quem mal recebiam notícias. Informei o pouco que sabia, omiti quase todas as respostas às perguntas que ele me fez e menti num tanto de outras, pois sabia que era isso que o Danny ia querer.
- Você e a namorada dele vem para o funeral? – perguntou-me.
- Eu vou! – respondi, ficando alguns minutos em silêncio antes de prosseguir, pois não sabia o que inventar tão de súbito, mas ele continuou esperando. – É possível que ela também vá! – menti.
Cheguei a Arcola no Illinois no meio da tarde, após rodar 1360 quilômetros. Mal sentia meu corpo, a gripe ainda não estava completamente curada e eu parecia um farrapo humano depois de ter perdido o amor da minha vida. Precisei ligar para o pai dele para encontrar a fazenda que distava pouco mais de trinta quilômetros da cidade acanhada. Não havia ninguém em casa quando toquei a campainha. Fui ver se encontrava alguém nos três galpões que ficavam próximos à casa, mas não encontrei viva alma. Sentei-me na varanda defronte a casa e me pus a esperar. Tudo que se via no horizonte eram campos cultivados de milho e soja, grandes silos metálicos e elevadores de grãos que se sobressaiam às culturas. À medida que a tarde caía e o sol se punha sobre o milharal de pés amarelados começou uma brisa fria que me obrigou a procurar um agasalho no carro.
- Nos desculpe, estávamos providenciando as tratativas do funeral. – disse a mãe do Danny, assim que veio ao meu encontro.
Achei-a velha, bem como ao pai dele, em relação a idade do filho de 26 anos, mas imputei ao sofrimento recente aquela aparência sucumbida. O Danny quase nunca me falou sobre a família, apenas me disse que não suportava a vida em Arcola e que tinha se mudado para não morrer de tédio naquele lugar esquecido do mundo. Eu sempre soube que havia mais coisas por trás daquilo que ele me dizia; porém, nunca o cobrei sobre o passado que, evidentemente, ele queria esquecer por motivos que eu desconhecia.
Eles me fizeram entrar e jantar, pois estavam cheios de perguntas para as quais eles supunham eu ter as respostas. Entreguei-lhes duas caixas com os pertences mais pessoais do filho, coisas que ele havia trazido consigo quando se mudou para Nova Iorque, e que faziam parte de suas memórias, bem como algumas coisas que adquirira durante os quatro anos que vivemos juntos. Também não me deixaram partir quando lhes perguntei por um hotel na cidade, insistindo para que eu me instalasse no antigo quarto do Danny. O que a princípio recusei até onde foi possível, pois a dor que sentia no peito ainda era esmagadora. Naquelas poucas horas notei que eles se afeiçoaram a mim, talvez por eu ser o detentor dos acontecimentos daqueles últimos cinco anos da vida do filho, que para eles eram um completo mistério. Eles nem desconfiavam que o colega que dividia o apartamento com o filho era, na verdade, seu namorado gay. Para todos os efeitos e, segundo duas ou três fotografias que eles me mostraram, e que teriam sido enviadas pelo Danny, era a moça loira sorridente que aparecia abraçada a ele que era a namorada chamada Riley.
- Por que ela não veio? – quis saber a mãe.
- Na verdade não sei, senhora Glover! Talvez ela chegue até amanhã para o funeral. – aventei, mesmo sabendo que isso jamais ia acontecer.
- É, no mínimo, um descaso com a memória do Danny! Como alguém que se diz apaixonada não vai ao sepultamento do namorado? Deve ser uma pessoa mesquinha! Mesmo não a conhecendo, já não gosto dela. – afirmou a mãe do Danny.
Eu estava me sentindo péssimo por carregar tantos segredos que precisava manter escondidos, por estar exausto da viagem, por ter acabado de perder meu namorado e não poder lhes contar o quanto eu o amava e tudo o que ele representava para mim, por estar com aquela maldita gripe que me fazia sentir dores por todo o corpo.
- Esse era o quarto dele, está como no dia em que partiu, nunca mudei nada! – disse a mãe dele quando me acompanhou até o antigo quarto do Danny. – Vai se sentir confortável aqui, não há muitos hotéis em Arcola e certamente não serão tão bons quanto o quarto do seu amigo. – emendou, antes de me deixar.
Assim que me vi sozinho, sentei-me na cama, olhei pelas paredes e acariciei os travesseiros onde talvez o Danny tenha repousado a cabeça e comecei a chorar. Havia tantos pequenos detalhes naquele quarto que eram a cara do Danny, a cara do homem que eu amava e nunca mais ia ver. Tomei mais uma vez os medicamentos que havia trazido comigo e caí no sono, exaurido pela viagem cansativa. Desde o dia do acidente, eu só conseguia adormecer com uma camiseta do Danny enfiada só até o pescoço, ela tinha o cheiro dele e era a única coisa capaz de desanuviar aqueles pensamentos sinistros que rondavam minha mente.
Fui acordado por uma mão enorme estrangulando meu pescoço, e um joelho esmagando meu abdômen e impedindo de me mover. Pensei que o sujeito ia me matar e, assim que intentei gritar, ele cobriu meu rosto com um travesseiro. Eu me debatia em vão para respirar e me livrar do meu algoz, já sentindo que estava prestes a desfalecer com a falta de ar.
- Eu sei quem você é, viado escroto! Como se atreve a vir até aqui, sua bicha desgraçada? – dizia o sujeito que estava tentando dar cabo da minha vida. Eu golpeava os braços musculosos dele na tentativa de me soltar, mas ele era bem mais forte do que eu. – Você vai participar do funeral do meu irmão e logo depois vai embora, seu lugar não é aqui! Não se atreva a abrir a sua boca e contar nada aos meus pais, eles ficariam decepcionados sabendo que o Danny vivia com alguém como você, um merda de um gay desgraçado! – exigiu o sujeito, que passou a me esbofetear, enquanto eu protegia meu rosto com as mãos. – Espero que tenha compreendido o recado, não me obrigue a te dar uma lição se não fizer o que estou mandando. – ameaçou, ao que eu apenas concordei acenando com a cabeça.
Quando o sujeito saiu do quarto meu coração estava acelerado, eu tremia da cabeça aos pés, e havia pelo menos mais uma dezena de pontos pelo meu corpo doendo mais do que antes. Não consegui mais pegar no sono, temeroso daquele maluco voltar e me espancar novamente. Eu não o conhecia, o Danny tinha me mostrado apenas uma fotografia dele, sem fazer muitos comentários a respeito do irmão mais velho, Kevin.
Na manhã seguinte, quando estava sentado à mesa com os pais do Danny tomando café, ele desceu e me cumprimentou como se o atentado na madrugada não tivesse existido. Ele estava com o torso musculoso nu e usava apenas a calça folgada do agasalho de moletom, debaixo dela, havia um cacetão enorme, solto, que deixava ver seu contorno colossal.
- Vá vestir alguma coisa antes de se sentar! – ordenou o pai, de modo agressivo. Eu mal me atrevi a olhar para aquele tronco musculoso, com receio de denunciar o quanto aquela visão era linda.
A cerimonia do funeral me deixou bem mais sensível do que eu havia imaginado. Quando o esquife desceu à sepultura, eu chorava desolado em sem controle, sentindo um imenso vazio que talvez nunca mais seria preenchido. Afora o Adam, com quem nada mais tive do que um coleguismo com sexo, o Danny foi meu primeiro e único homem, por quem eu nutria um amor puro e verdadeiro e com quem o sexo não era apenas sexo, e sim, uma comunhão de sentimentos. Perdê-lo significava estar abandonado na vida, uma vez que a confiança que eu sentia em mim mesmo, tinha sido ele a implantar ao me apoiar em cada passo que dava. Havia poucas pessoas tanto na capela quanto no cemitério. O que me chamou a atenção foi que particularmente pessoas jovens da idade dele e do irmão não estivessem presentes. Supus que ambos não fossem populares, pois na minha chegada, ao passar pelas ruas centrais de Arcola, notei que havia muitos jovens nas ruas.
Ao lado da sepultura, enquanto o caixão era baixado, fiquei posicionado entre o Sr. e a Sra. Glover, ela pegando na minha mão como se precisasse de apoio para suportar aquele momento doloroso. Eu a encarei colocando um sorriso débil e doce na face por onde as lágrimas rolavam copiosas, como na dela. Algumas vezes lancei um olhar contido na direção do Kevin que estava do outro lado na cova. Ele me observava com um olhar penetrante que fazia meus ossos regelarem só de me recordar daquelas mãos vigorosas me estrangulando. A ameaça que me fez ainda ressoava nos meus ouvidos.
Quando voltamos à fazenda após o funeral, o Sr. Glover foi quase imediatamente ao estábulo, alegando precisar alimentar as vagas confinadas e ordenhá-las, o que não tinha sido feito naquela manhã atípica. No fundo, eu sabia que ele precisava ficar sozinho e remoer toda aquela dor que a perda do Danny lhe causava. Perguntei-lhe se precisava ajuda, mas ele saiu em direção ao estábulo sem me dar uma resposta. A Sra. Glover se disse indisposta e se recolheu ao quarto. Eu a acompanhei e fechei as cortinas deixando o quarto imerso na penumbra, ela apoiou a cabeça no travesseiro e teve outra crise de choro, dei-lhe um beijo na testa e afaguei suas mãos de dedos longos e finos onde a pele marcada pelos anos era enrugada e fina.
- Posso fazer algo pela senhora? – perguntei solícito, ela apenas balançou a cabeça negativamente e eu a deixei para que pudesse vivenciar aquele luto na paz de seu coração.
Antes mesmo de chegar à escada, fui violentamente lançado contra a parede e a mesma mão que me estrangulara na noite anterior estava agora apertando meu queixo, enquanto o rosto contraído do Kevin estava a poucos centímetros do meu.
- O que pensa que está fazendo? Eu não mandei você sumir daqui, seu viado do caralho? Pegue suas coisas e vaza, antes que eu quebre essa carinha de menino bonzinho, sua bicha vadia! – rosnou, me encarando.
- Só quis mostrar solidariedade aos seus pais, não se preocupe, eu vou embora hoje mesmo, se minha presença o incomoda tanto. – retruquei com a voz firme, procurando não demonstrar o medo que ele me inspirava.
- Sua encenação no funeral foi patética, chorando como uma viuvinha que acaba de perder seu macho. – continuou ele, sem me soltar e ainda lançando o peso de seu corpão parrudo contra o meu.
- Eu amava o Danny de todo coração! Estou me sentindo vulnerável e perdido sem ele, e meu choro não foi uma encenação, mas o extravasamento da dor que estou sentindo. – afirmei
- Você é uma aberração! Um puta de um viado escroto que não tem vergonha na cara de afirmar que ama outro homem. Eu devia acabar com essa sua carinha de anjo decaído. – ameaçou.
- Não será necessário, me solte que eu vou arrumar as minhas coisas e nunca mais te incomodar com a minha presença! – exclamei exasperado, pois aquele sujeito estava fazendo nascer uma raiva dentro de mim que eu nunca tinha sentido antes.
- O que está acontecendo aí em cima? – perguntou o Sr. Glover quando flagrou o filho me arrochando no topo da escada, o que o fez me soltar no mesmo instante.
- Nada, Sr. Glover! Nada! Eu estou me preparando para partir e o Kevin só estava me instruindo onde fica o posto de combustíveis mais próximo. – respondi, o que ele sabia ser uma desculpa esfarrapada para esconder o caráter genioso do filho.
- Quero te pedir que fique conosco por mais algum tempo. Ainda temos muito o que conversar sobre o Danny, e você me parece gostava muito dele. – eu lancei rapidamente um olhar na direção do Kevin, o semblante dele estava irradiando uma raiva que chegava a assustar.
- Tenho meus compromissos, Sr. Glover! – afirmei, procurando sair daquela saia justa.
- Só mais um tempo, Derek, por favor. Minha esposa e eu precisamos de você. – insistiu ele. Eu cedi e fiquei.
O Kevin desceu a escada como se fosse uma locomotiva a vapor soltando fumaça, passou pelo pai e bateu a porta quando saiu da casa. Quando cheguei ao pé da escada, o Sr. Glover me abraçou e me agradeceu.
- Obrigado! – balbuciou emocionado
- Obrigado pelo quê, Sr. Glover?
- Por ter sido um amigo tão querido do Danny! Nas raríssimas vezes em que ele fazia contato conosco, ele mencionava você e como sua amizade era importante para ele. – revelou, me deixando surpreso.
Acompanhei-o até a cozinha ajudando-o a preparar o almoço enquanto conversávamos. Em vão tentei descobrir o que motivara o Danny a abandonar a casa dos pais, embora ele sempre tivesse me confessado que fora porque não via futuro em Arcola e que detestava a vida naquele lugar. Pela maneira como ele falava, eu percebi que não era apenas isso que o levara a procurar outra vida noutro lugar longe dali, e achei que tinha tomado essa decisão para poder viver sua bissexualidade sem ser julgado pelos pais por conta disso.
Acabei falando mais do que devia, levado pela emoção de narrar episódios da minha vida com o Danny e pela curiosidade do Sr. Glover. Ele gostou de ouvir que o Danny tinha um bom emprego, fazia o que gostava e estava se saindo muito bem em Nova Iorque; que tinha bons amigos como eu e uma namorada, a quem ele também fez críticas por não ter vindo ao funeral, como tinha feito a Sra. Glover. Eles acreditavam piamente que um dia seriam convidados para o casamento e que viriam a ter netos. Levando isso em consideração, eu filtrava tudo o que dizia, para que em nenhum momento, transparecesse que o filho deles vivia um relacionamento homossexual comigo.
- Vou chamar a Lisie, você poderia procurar pelo Kevin? Ele deve estar no galpão das máquinas. – pediu ele, quando terminamos de preparar o almoço.
Eu preferia ter ido chamar a Sra. Glover, mas isso podia parecer uma intromissão na intimidade do casal. Ficar frente a frente com o Kevin me apavorava.
Encontrei-o lubrificando as engrenagens do que me pareceu ser uma colheitadeira. Observei-o de longe por um tempo, hesitante em me aproximar, mas ele acabou notando a minha presença.
- O almoço está pronto! Seu pai foi chamar sua mãe. – afirmei
- Está conseguindo o que queria, não é? Já ganhou a confiança deles, estão encantados com você! O lindo, doce e bonzinho Derek! O que eles não sabem é que esse bom moço com carinha de anjo é na verdade um demônio, um súcubo que se deitava e era enrabado pelo filho deles. – retrucou ele
- Eu não quero nada! Vim para estar uma última vez ao lado do homem que eu amava, nada além disso! Jamais quis trazer a discórdia para essa casa. – revelei
- Isso você não precisava mesmo, a discórdia sempre fez parte dessa família. É por isso que o Danny detestava esse lugar, assim como eu. Não há nada aqui que traga felicidade. Ele procurou o caminho dele. Eu fiquei atolado nessa merda! Quem vai querer homens fedendo a estábulo, a bosta de vaca, com instrução limitada, roceiros que não sabem falar de outra coisa que não gado, pastagens, plantações de grãos e que vivem nesse fim de mundo? – comecei a vislumbrar de onde vinha toda aquela revolta com a vida.
- Você mesmo disse, o Danny procurou o caminho dele, por que não fez o mesmo? – questionei. Ele largou o que tinha nas mãos e veio para cima de mim feito um touro bravio.
- Olha aqui, sua bicha desgraçada! Você não sabe de nada, não sabe que o Danny sempre foi o queridinho deles, não sabe que a mim só enxergam como a mão-de-obra barata que precisa fazer de um tudo para ser digno de estar na casa deles. – sentenciou, voltando a ter outro acesso de raiva, enquanto me encurralava novamente num canto e apertava meu pescoço.
- Você já conversou com eles como se sente? Seus pais me parecem pessoas boas, entenderiam seus anseios! – devolvi, tentando tirar aquela mão esmagadora do meu pescoço.
- Está me dando conselhos, viado escroto? Quem você pensa que é para me dar conselhos? – questionou ele, aumentando a intimidação.
- Não estou te dando conselhos, apenas sugerindo que se abra com seus pais, que revele suas frustrações. Você ainda pode fazer tudo o que quiser. – respondi, encarando-o com firmeza.
- Eles são velhos, eu torço para que morram logo! Assim, posso me livrar desse lugar, vender essa merda toda e cuidar da minha vida longe daqui. Você entende isso? – retrucou
- Não, não entendo! Por que seus precisam morrer para você ser feliz? Isso é um absurdo sem tamanho! – revidei, peitando-o e à sua maldade.
- Porque eles nunca quiseram a minha felicidade, só a do Danny, o bom filho que fornicava com uma bicha depravada, mas de quem eles sentiam saudade. – a verdade vinha aos poucos, o rancor era expresso com ódio e estava voltado para mim, que nada tinha a ver com a história.
Ao mesmo tempo em que ele me machucava, usando da força para me intimidar, eu sentia que o atraía, que ao estar encostando no meu corpo trêmulo e apertando meu rosto, ele era perpassado por um desejo libidinoso que o excitava. Seu olhar tinha um brilho de cobiça com a qual ele lutava dentro de si mesmo para não se deixar levar pelo tesão.
- Você cheira a homem! – exclamei com doçura, ao sentir o hálito dele roçando meu rosto.
- O quê? – perguntou, perdendo-se nos pensamentos
- Eu disse que você cheira a homem! – repeti. – Você acabou de me dizer que ninguém quer um homem cheirando a estábulo. Você não cheira a estábulo, e sim, a homem. – esclareci.
- Seu viado de merda! Você está se insinuando para mim, bicha desgraçada? – questionou furioso, desferindo bofetões no meu rosto e cobrindo meu corpo de socos, até eu cair no chão me contorcendo de dor e suplicando para ele parar.
Quando consegui me levantar, meu lábio sangrava e eu mal conseguia respirar devido aos socos que ele acertou na minha barriga. Corri cambaleando até a casa, com receio de que ele acabasse comigo dentro daquele galpão donde meus gritos não podiam ser ouvidos.
Ele veio correndo logo atrás de mim e, quando o Sr. Glover me perguntou por que eu estava naquele estado, o Kevin se apressou a dizer que eu tinha caído da colheitadeira e batido o rosto no chão. Não sei se aquela expressão no rosto do Sr. Glover acreditou naquelas palavras.
- Deixe-me examinar, meu filho! – disse a Sra. Glover tocando com suavidade no meu lábio ferido.
- Desculpe, sou meio desastrado! Vou até o banheiro, não deve ser nada mais sério do que um pequeno corte. – retruquei, sem dar tempo para mais questionamentos. Havia uma laceração na parte interna do meu lábio inferior produzida por um daqueles bofetões que o comprimiu contra os dentes. Diante do espelho, vendo meu rosto inchado, eu tremia e chorava.
Aquele não era um dia festivo, pelo contrário; falou-se pouco durante o almoço, apenas o suficiente para que não pairasse um clima tenso. Eu estava sem fome, quase não toquei na comida que tinha um aspecto apetitoso, havia-a perdido durante a surra e, mesmo que quisesse, meu lábio estava tão machucado e dolorido que ficava difícil colocar o garfo na boca. O Kevin me encarava com a cabeça baixada sobre o prato, e eu quase podia jurar que havia o esboço de um sorriso de escárnio em seus lábios. Não conseguia entender porque aquele homem me odiava tanto, quando nada fiz ou falei de mal contra ele.
À tarde, saí numa caminhada à esmo, sentia uma vontade de gritar, de chorar, de arrancar do meu peito toda aquela angustia que me consumia. Era uma tarde amena, bem diferente da anterior. Caminhei ao lado da rodovia pela qual quase ninguém passava. Os campos a perder de vista estavam cobertos por milharais fechados, e fileiras bem paralelas de pés de soja que balançavam a cada lufada de vento mais forte. Esporadicamente passava um veículo ou um caminhão por mim, voltando depois aquele silêncio só interrompido vez ou outra por um bando de aves grasnando. Eu estava tão absorto que não percebi quando uma picape emparelhou comigo, até o Kevin me chamar. Apavorado, minha primeira reação foi adentrar correndo ao milharal e me esconder, temendo levar mais uma surra. Quando ele parou no acostamento e começou a correr atrás de mim, o pavor se tornou real e eu entrei em desespero. As longas folhas ressequidas através das quais eu ia abrindo caminho com os braços pareciam lâminas ao atingirem minha pele, em minutos, meus braços estavam cobertos de sangue. Eu não o enxergava, apenas ouvia o barulho dos pés de milho vergando quando ele passava correndo por eles, cada vez mais próximo. De repente, ele saltou sobre mim me derrubando, comecei a gritar e desferir golpes contra ele, que os continha e logo me tinha debaixo dele com os braços comprimidos contra o solo.
- Por que está fazendo isso comigo? Não me bata, por favor! Eu nunca te fiz nada! – implorei, arfando exausto pela corrida desatada.
- Quem disse que vou bater em você? – perguntou, com a respiração também acelerada, deixando o peso de seu corpo me conter onde queria. – Eu só vim te buscar para fazermos um passeio, quero te mostrar uma coisa. – continuou. A respiração acelerada dele não se devia à corrida e sim à excitação que sentia por estar sobre o meu corpo.
- Não, eu não quero! Obrigado! Prefiro voltar caminhando. – respondi, com medo de entrar naquela picape e acabar virando um cadáver nalgum lugar ermo da região.
- Está com medo? Não precisa ter medo de mim, não vou fazer nada com você. – retrucou, sem que eu acreditasse numa única palavra que saía de sua boca.
- Até agora você não fez outra coisa do que me deixar com medo de você! Eu prometo que vou embora o quanto antes, mas não bata mais em mim, por favor. – respondi.
Ele levantou e me puxou pelos braços, pôs um dos seus sobre meus ombros e foi meio que me guiando até a beira da rodovia onde a picape estava estacionada. Era impossível prever as reações daquele homem, e era disso que eu tinha medo. Ele abriu a porta do passageiro e me fez entrar, afivelando o cinto se segurança no meu tórax.
- Assim não tem perigo de você se machucar! – exclamou, o que só serviu para me deixar ainda mais apreensivo.
Quando ele saiu da rodovia e começou a dirigir por uma estrada vicinal de terra, eu só pensava em saltar da picape e sair correndo. Ele pareceu ler meus pensamentos.
- Nem tente uma loucura dessas, pode acabar se fodendo, e não da maneira como está acostumado. – sentenciou sarcástico.
Pouco depois, chegados ao topo de uma colina onde o vento soprava com mais força em diversas direções, ele estacionou e veio me tirar da picape. Aos nossos pés foi surgindo um desfiladeiro estreito no fundo qual corriam as águas espumosas de um riacho sinuoso. Ele vai me jogar desse precipício, pensei; antes que encontrem meu corpo as aves de rapina o terão consumido. Eu estava delirando inspirado pelo terror que rondava meus pensamentos. Ele havia arrancado uma longa haste com uma inflorescência amarelada na ponta ao passar por uma touceira de capim e sentou-se próximo à beira do penhasco, rodando-a entre as mãos.
- Vai ficar aí em pé? – perguntou, quando me demorei a decidir o que fazer. – Costumo vir aqui, às vezes! O vento sempre carrega para longe os pensamentos ruins e os maus sentimentos. – disse ele.
- O que te leva a ter pensamentos ruins e maus sentimentos? – perguntei
- Não sei, eles apenas surgem, sem avisar! – respondeu, antes de deixar um longo silêncio se formar. – Como conheceu meu irmão? – meu medo voltou no mesmo instante.
- Procurei por um estágio na agência de publicidade, e no primeiro dia, me designaram como subordinado dele, quando me formei fui efetivado no mesmo setor e desde então trabalhamos juntos. – esclareci.
- Quantos dias ele levou para te enrabar? – a conversa começava a entrar numa trilha perigosa, e hesitei responder.
- Por que isso é importante?
- Três dias, uma semana?
- Uns dois meses! – respondi
- Dois meses? Deve ter sido o recorde dele! – retrucou caçoando. – Ele não podia ver um viado sexy que já pensava num jeito de fodê-lo. Esse era o Danny, o querido Danny! – ironizou.
- Vocês não se davam bem? Das poucas vezes que o Danny me falou de você, o fez de forma carinhosa e saudosa. – afirmei
- Sim, nós nos dávamos muito bem! Só tínhamos um ao outro, éramos inseparáveis até ele ir embora e me deixar nesse inferno de lugar. – respondeu.
- É disso que você se ressente? É essa a sua raiva?
- Não me ressinto de nada! Não tente me analisar, se quiser continuar com todos os dentes na boca. – revidou.
- Posso te perguntar uma coisa?
- Se for para me irritar, é melhor ficar calado!
- Por que tem tanta raiva de mim? Por eu ter vivido com seu irmão enquanto você ficou privado dele? – ousei questionar
- Tenho raiva de todo viado como você! Vocês não prestam! Deviam ser trucidados ao nascerem para não ficarem seduzindo os homens depois. – sentenciou diabólico.
Essa afirmação dele só vinha a corroborar aquela impressão que tive quando ele me encurralou no galpão das máquinas, ele sentia uma atração por mim talvez até maior do que a vontade de dar cabo da minha vida.
- É por isso que sente vontade de bater em mim? – perguntei
- Talvez!
- Posso fazer mais uma pergunta?
- Você já está me dando nos nervos, quer que eu te jogue lá para baixo? – devolveu
- Você tem namorada? – ousei novamente, embora a visão de me ver despencando no desfiladeiro tivesse me deixado temeroso.
- O que te interessa isso? Meta-se com a sua vida, bicha do caralho! – respondeu berrando. – Não, no momento não tenho nenhuma! – respondeu depois de um tempo calado. – Eu não disse que ninguém se interessa por um homem fedendo a bosta de vaca? – emendou, com a cara enfiada entre as pernas.
Eu devia estar louco, ou aquele torso vigoroso nu do dia anterior estava me obnubilando o juízo, por que voltei a fazer a mesma afirmação que fiz no galpão das máquinas antes de levar aquela surra.
- E eu já não te respondi que você tem cheiro de homem e não de estrume de vaca? – indaguei com um sorriso tímido, olhando-o firmemente nos olhos que, por sinal, eram lindos e expressivos.
- Quer levar outra surra? – revidou, abrindo o primeiro sorriso que vi naquele rosto carrancudo, econômico, é verdade, mas não deixava de ser um sorriso.
- Talvez! – respondi. Ele lançou a haste do capim na minha direção, eu a peguei e imitei os mesmos movimentos que ele vinha fazendo com ela até então. Ficamos calados, o sol descia rápido e estava esfriando. Ele dirigiu de volta para casa sem falar mais comigo.
Desde minha chegada a Arcola aquela foi a conversa mais amistosa que tive com o Kevin, pela primeira vez enxerguei nele um lado humano que até então ele não tinha me mostrado. Apesar daquele clima pacífico dos últimos dias, eu queria voltar a Nova Iorque e mencionei essa intenção durante o jantar. Tanto o Sr. como a Sra. Glover ficaram entristecidos e ficaram o tempo todo tentando me convencer a ficar por mais algumas semanas, justificando que tinham se apegado a mim e que queriam desfrutar por mais tempo da minha companhia, pois ela lhes trazia boas recordações do Danny. Quem me pareceu não ter ficado satisfeito com a notícia foi o Kevin; e eu não sabia bem se era por que estava querendo partir, ou se era por que os pais me queriam por perto.
- Você não pode fazer isso com eles! Não sei por que raios do caralho eles se apegaram tanto a você, mas é muita canalhice sua querer partir quando sabe que estão gostando de você. – disse o Kevin em tom crítico quando me puxou pelo braço numa espécie de safanão pouco antes de eu me recolher ao quarto.
Essa ausência de conflito com o Kevin durou poucos dias. Meu carro ficava estacionado na lateral da casa junto com a picape do Kevin e o SUV do pai dele. Num início de tarde o Sr. e a Sra. Glover foram tratar de uns assuntos em Springfield, cerca de 85 milhas a oeste de Arcola, e ficaram de pousar na cidade e só regressar no dia seguinte. Num primeiro momento, quando me colocaram a par de suas intenções, tive vontade de pedir para ir junto com eles, receoso de ficar sozinho com o Kevin na fazenda. Porém, indiretamente, percebi que era um assunto privado sobre o qual não fizeram nenhuma menção e que talvez seria uma intromissão de minha parte acompanha-los. Desde que o SUV do Sr. Glover desapareceu na curva da rodovia, eu comecei a perceber uma inquietude que estava me deixando atemorizado por qualquer movimento ou ruído. Por precaução, mantive-me afastado do Kevin, passando a maior parte da tarde dentro da casa enquanto ele se envolvia com a lida da fazenda. Pouco depois das 17:00 horas, já entediado, fui circular próximo a casa para pegar os últimos raios do sol que ainda aqueciam um pouco. Ao me aproximar da lateral da casa onde ficavam os carros, vi que meu carro não estava onde o deixei estacionado. Imediatamente suspeitei do Kevin, ele devia ter aprontado alguma valendo-se da ausência dos pais. Fui até o galpão das máquinas, pois algumas vezes o Sr. Glover tinha deixado o SUV dele entre os tratores e colheitadeiras, mas nenhum sinal do meu carro. Com o sangue fervendo nas veias e já certo de que aquilo tinha sido obra do Kevin, fui atrás dele no estábulo, pois o horário da ordenha da tarde estava próximo, e ele devia estar empenhado nela. Não havia ninguém no estábulo, as vacas mugiram quando entrei; conhecedoras da rotina, sabiam que seriam alimentadas enquanto a ordenha era feita pelo maquinário automatizado. Uma parte do estábulo, logo à entrada, tinha um mezanino onde eram estocados os fardos de feno que seriam utilizados durante o inverno. Subi pela escada estreita que levava a ele e encontrei o Kevin empilhando os fardos recém tirados do campo onde estiveram a secar. Ele havia tirado a camiseta, o suor que lhe corria do tronco nu chegara à cintura e tinha molhado o jeans; apesar da raiva que estava sentindo, aquela visão me fez perder por alguns segundos o foco do que vim fazer ali. Contudo, quando ele me viu, fingindo ignorar a minha presença, a raiva voltou.
- Onde está o meu carro? O que você fez com ele, Kevin? – questionei exasperado.
- Não sei do seu carro, por que haveria de saber? – devolveu irônico.
- Não estou achando graça, Kevin! Aonde está o meu carro, cacete? – repeti, mais exaltado
- Se você não cuida do que é seu, como é que eu vou saber do paradeiro do seu carro? – ele visivelmente debochava da minha preocupação.
- Ou você me fala onde está o meu carro ou eu vou ligar para a polícia, seu cretino de merda! – berrei furioso, e intentei descer a escada para cumprir a ameaça.
Antes que eu alcançasse o primeiro degrau, ele pulou em cima de mim e me derrubou, começando a me socar enquanto eu protegia meu rosto e cabeça dos punhos cerrados dele e gritava por socorro. Com uma das mãos esmagando meu pescoço e a outra me esbofeteando, ele soltou toda selvageria sobre mim.
- Você está me ameaçando, viado do caralho? É isso, você está me desafiando, seu filho da puta? Eu vou te mostrar o que acontece com quem me ameaça, bicha safada! – gritava colérico, enquanto me espancava deitado sobre mim.
Eu quase não conseguia me mexer, mas num descuido dele, consegui acertar uma joelhada entre as pernas dele e enfiar meus dedos em garra em seu rosto. Ele urrou, afrouxou ligeiramente a pegada com a qual me retinha para levar ambas as mãos ao saco onde lhe latejavam dolorosamente os testículos. Procurei sair debaixo dele e, pouco antes de o conseguir, um punho cerrado veio direto para o meu rosto e o acertou em cheio. Eu só senti o estalar dos ossos e uma dor lancinante que por pouco não me levou a nocaute. Em segundos, meu nariz vertia sangue em abundância, aumentando meu desespero. Ele ia me matar, mais uma vez essa ideia povoou meus pensamentos. Como eu não parava de gritar, mesmo sabendo que ninguém me ouviria, ele cobriu minha boca com sua pesada e amassou meu queixo.
- Cala a boca, ou vai apanhar mais! Mandei calar a boca, viado! – berrou quando não o obedeci de imediato. O olhar dele me apavorava, por trás do brilho colérico via-se ideias maléficas se engendrando.
Ele me virou de bruços e começou a arrancar as minhas roupas. Assim que rasgou a camiseta para tirá-la do meu tronco, apoiou um joelho sobre ele me esmagando contra o piso de tábuas, enquanto se ocupava em arrancar também a calça e a cueca que foram parar emboladas nos meus tornozelos. O joelho dele pressionava meus pulmões e começava a me faltar o ar.
- Não consigo respirar! Para, não estou respirando! – berrei com o que me restava de fôlego, enquanto ele abria a braguilha do jeans e o arriava até pouco abaixo da bunda, liberando o caralhão que saltou já duro lá de dentro.
Com todo peso lançado sobre mim, ele enfiou o cacetão no meu cuzinho travado pelo medo, após pincelá-lo ao longo do meu reguinho até encontrar a fenda de entrada do meu ânus.
- Aaaaaaaiiiii! Aaaaaiiii! – gritei a plenos pulmões, enquanto ele brutalmente empurrava para dentro do meu cu o pauzão grosso que me rasgava a carne por onde passava.
- Há pouco você não ficou balançado ao me ver sem camisa, pois agora você vai sentir o que acontece quando se seduz um macho, sua putinha desgraçada! – rosnou ele, estapeando minha cabeça e socando fundo e sem dó o caralhão no meu cuzinho.
- Para Kevin, você está me machucando! Eu imploro, me solta, Kevin! Você está me rasgando todo, Kevin, para! Você é grande demais, eu não vou aguentar, Kevin, para, pelo amor de Deus! – continuei berrando, sem que ele me desse ouvidos.
Atrevi-me a lançar um olhar de relance na direção dele, seus olhos estavam injetados de uma fúria desmedida, ele parecia estar fora de si e nada do que eu dissesse ou suplicasse seria assimilado com ele naquele estado. Ele me fodeu violentamente por um quarto de hora mais ou menos, até lhe sobrevir o gozo e ele o despejar inteiro nas minhas entranhas doloridas. Após ejacular o último jato de uma porra espessa, ele deixou todo peso de seu corpo cair sobre o meu, ficando parado arfando extenuado com a pica inchada vibrando dentro do meu cuzinho. Eu não acreditava de ainda estar vivo, e me mantive imóvel com receio de reacender a fúria daquele homem insano. Quando ele saiu de cima de mim, ficou uns minutos caminhando em círculos como se estivesse se conscientizando do que acabara de fazer. Por três vezes tentei me levantar, mas minhas pernas não queriam me suster, obrigando-me a me agarrar a um fardo de feno ao lado do qual permaneci ajoelhado até que noutra tentativa consegui ficar em pé. As tábuas onde estive deitado estavam manchadas de sangue. Pelas minhas coxas escorria sangue que vinha do meu cu arregaçado, e eu tinha a nítida sensação de que haviam cavado um túnel nele com um oco que adentrava até as profundezas das minhas entranhas. Agarrando-me a tudo que podia, desci a escada e caminhei cambaleando até a casa, sentindo pontadas dolorosas no baixo ventre a cada passo trôpego. Nem chorar eu conseguia, não havia mais lágrimas, o pranto estava entranhado bem mais fundo em mim. Ao alcançar a varanda da casa, tudo começou a girar e uma nuvem escura diante dos meus olhos silenciou tudo o que estava ao meu redor. Quando recobrei os sentidos, estava num ambiente claro e silencioso onde só chegavam murmúrios distantes. As dores haviam sumido, mas esse torpor no qual meu corpo estava imerso era mantido por alguma droga que devia estar entrando pelo tubo ligado ao meu braço que vi saindo de um saco plástico parcialmente cheio de um líquido amarelo pálido. Até eu me conscientizar de que estava num hospital ou algo assim, demorou um pouco mais, quando uma enfermeira se aproximou de onde eu estava deitado.
- Tudo bem com você Derek? – perguntou ela, gentil e sorridente, com uma disposição que eu gostaria de ter naquele momento.
- Onde estou? – perguntei.
- Você foi trazido por seu amigo ao hospital regional de emergências em Urbana após o acidente, onde as fraturas do malar e do nariz foram reduzidas numa cirurgia. – esclareceu ela.
- Acidente? Fraturas? Amigo? – meu cérebro parecia estar embebido numa infusão que o deixava confuso e ao mesmo tempo com uma sensação agradável de leveza e prazer.
- Sim, parece que você capotou saindo da estrada com o carro perto de Chesterville e foi parar dentro do Rio Kaskaskia. – disse ela.
- Foi o Kevin, ele quis me matar! Eu nunca peguei a direção de como é mesmo o nome do lugar?
- Chesterville! – esclareceu ela
- Nunca fui a Chesterville! Foi o Kevin, ele me deu uma surra. – repeti, sentindo minhas pálpebras pesando mais que chumbo.
- Kevin é o nome do seu amigo que te trouxe para cá, ele está esperando lá fora há horas. Vou deixá-lo entrar, antes que o médico de plantão passe para te dar alta. Você vai poder se recuperar em casa. – ela dava a notícia com entusiasmo.
- Não! Por favor, não me deixe sozinho com esse sujeito, ele tentou me matar! – exclamei exaltado.
- Você só está confuso por conta da anestesia e dos medicamentos que precisou tomar para fazer a cirurgia. Está tudo bem agora, eu garanto! E você pode confirmar tudo com o médico daqui a pouco. – disse ela, sem me dar ouvidos.
- Como você está? Fiquei tão preocupado quando me avisaram do acidente, mas eu estou aqui agora e tudo vai ficar bem, Derek! – a cara de pau do Kevin só fez a enfermeira acreditar que quem não estava em seu juízo perfeito era eu, e não aquele homem sedutor e bonitão que esbanjava charme e se mostrava tão solícito com o amigo acidentado.
Eu havia passado a noite no hospital e quando chegamos em casa no meio da tarde do dia seguinte, o Sr. e Sra. Glover ainda não tinham regressado de Springfield. O Kevin não disse uma palavra durante todo o trajeto, e estar sentado ao lado dele agora me deixava mais preocupado do que nunca.
- Ouça bem o que vou te dizer – começou ele, quando entramos em casa e eu ia subir para o quarto. – A versão que você vai contar quando meus pais voltarem será essa ... – ele havia criado uma estória mirabolante para justificar meu rosto fraturado. – Compreendeu bem? – questionou, ao terminar seu discurso. Eu apenas acenei com a cabeça que ainda rodopiava mais do que um pião.
Fui para o quarto, tranquei a porta, mesmo sabendo da inutilidade dessa precaução, e me deitei, eu não tinha mais forças para nada. Quando quis pegar meu celular, percebi que estava sem ele, o Kevin devia estar com ele para me impedir de pedir ajuda. Desci e fui à cozinha, quando ouvi que ele manobrava um trator perto do galpão das máquinas. Liguei para a Riley pedindo socorro, dizendo para que viesse imediatamente para Arcola de carro para me resgatar.
- Resgatar, como assim? Andou seduzindo tantos carinhas assim que precisa ser resgatado da tara deles? – questionou caçoando.
- É sério Riley! Não estou brincando, estou correndo perigo aqui! Venha o mais rápido que puder, de carro, pois não sei que fim levou o meu. Você entendeu tudo, Riley?
- Sim, acho que sim! O que você andou aprontando por aí? É um cara, aposto! – disse ela, como se o que eu acabara de falar não tivesse sido assimilado.
- Riley, cacete! Pare de falar besteira e vá fazer o que te pedi! Preciso sair daqui, está entendendo? – repeti agoniado. Desliguei apressado quando vi o Kevin pela janela se aproximando da casa.
Quando o Sr. e a Sra. Glover voltaram, se debruçaram cheios de atenção e cuidados sobre mim, fazendo dezenas de perguntas quanto ao acidente querendo saber de todos os detalhes. Eu me sentia um miserável respondendo às perguntas deles com todas aquelas mentiras que o Kevin me obrigou a contar. Eu tinha me afeiçoado a eles, gostava sinceramente deles e não achava justo terem uma criatura como aquela como filho.
A estúpida da Riley mandou uma mensagem para o meu celular assim que chegou a Champaign e estava prestes a pegar o táxi que a traria até a fazenda. Obviamente foi o Kevin quem recebeu a mensagem e veio ter comigo enfurecido. Por sorte, eu estava com o Sr. Glover, pois depois da última surra, eu não me afastava mais que alguns passos dele ou da Sra. Glover por segurança. Ele me puxou de lado e, esmagando meu braço, exigiu que eu o acompanhasse até próximo da casa, onde me cobrou explicações.
- Que porra você andou aprontando, seu viado desgraçado? É sério que você chamou essa vadia para cá? Eu vou te arrebentar, seu merda! Como pretende explicar a presença dela aos meus pais? – ele estava transtornado, o que era extremamente perigoso.
- Vou contar toda a verdade! Eu já não aguento mais tanta mentira. E vou embora com ela assim que contar tudo sobre o Danny e eu para os teus pais, eles merecem saber a verdade. – retruquei
- E você acha que eu vou permitir isso? Eu acabo com você e com essa vadia antes que vocês abram essas malditas bocas, está me entendendo seu viado de merda? – berrou ele.
- Vocês tão discutindo? – perguntou a Sra. Glover, enfiando a cara através da janela em nossa direção atraída pelo tom acalorado da discussão.
- Não, mãe! Ninguém aqui está discutindo! Será que dá para ter um minuto de privacidade? – respondeu o Kevin, me soltando disfarçadamente.
Precisei inventar mais uma porção de mentiras quando a imbecil da Riley desceu do táxi sorrindo feito uma hiena aloprada. Os pais do Danny estavam chocados com a presença dela, especialmente, por estar com aquele risinho idiota o tempo todo na cara quando deveria, no mínimo, estar consternada pela perda recente do namorado. Era eu quem respondia à maioria das perguntas que eles fizeram a ela, pois ela quase nada sabia sobre a vida pessoal do Danny, tinha-o encontrado algumas vezes quando saímos juntos para uma balada, um barzinho ou na casa de amigos comuns. A Sra. Glover era a mais contrariada com aquela visita fora de propósito, e deixou bem claro que não a queria dentro daquela casa. Quando tive a chance de ficar a sós com ela, explodi de raiva.
- Sua cretina do caralho! Eu não falei expressamente para você vir de carro? Como vamos sair daqui, sua imbecil? Agora, graças a sua estupidez, somos dois a correr risco nas mãos desse lunático. – despejei furioso
- Você não me disse que o irmão do Danny era um tremendo de um gatão! – devolveu a maluca.
- Eu mesmo devia te matar, sua imbecil! É nisso que você está pensando, em como apagar o fogo da sua buceta? O sujeito é doido, já tentou me matar, será que você não me ouve, idiota?
- Cara, você está estressado demais! Nem parece o mesmo Derek! – retrucou
- Eu, estressado? Eu perdi o amor da minha vida, o irmão maluco dele não faz outra coisa que não querer dar cabo da minha vida pelo simples fato de eu ser gay, e você me diz que estou estressado, sua débil mental?
- Vim aqui para te ajudar, porra! É assim que você me trata? – inquiriu ofendida
- Bela ajuda! Você só trouxe mais confusão quando não fez o que te pedi.
- Não estava com saco de vir dirigindo por tantos quilômetros e você não explicou por que queria que eu viesse de carro, se tivesse me explicado direito, tudo tinha dado certo. – retrucou
- Ah, agora a culpa é minha! Vá se foder, Riley! Com uma amiga assim não preciso de inimigos.
- Quer saber Derek, você é um grande de um merda! Não é à toa que o Danny devia estar de saco cheio de você. – devolveu
- O que você quer dizer com isso? Eu e o Danny nos amávamos, sempre nos demos bem.
- Então me explica por que ele foi trepar com a Susan no dia do acidente? – perguntou, me deixando perplexo.
- O que você está falando, sua maluca? Ele foi ao jogo do New York Giants! – afirmei com toda certeza que eu tinha.
- Essa pode ter sido a desculpa que ele te deu, mas a galera viu quando ele veio buscar a Susan no The Holler e seguiram para a casa dela, estávamos todos lá, é só você perguntar. – revelou
- Você só pode estar de brincadeira, o Danny jamais faria isso comigo!
- Em que mundo você vive, Derek? Se liga cara! O Danny era um pegador, posso te dar o nome de uma meia dúzia de garotas e quase outro tanto de carinhas com quem ele transou enquanto você vivia o seu sonho de casamento gay feliz. Até eu senti aqui dentro aquele cacetão que ele tinha! Não faça essa cara de espanto, por que eu te disse mais de mil vezes que o achava um tesão de homem. – confessou inescrupulosa.
- Você era minha amiga Riley, fui eu quem te apresentou ao Danny, quem te levei para nossa casa, como você pode ser tão canalha, me traindo com o cara por quem você estava cansada de saber que eu era apaixonado. Você é uma puta, Riley! Uma merda de uma puta escrota! – eu estava quase berrando de tão descontrolado.
A discussão só não progrediu por que o Kevin interveio, ameaçando a ambos, caso não mantivéssemos a versão de que ela era a namorada do irmão, e exigindo que ela fosse embora naquele mesmo dia, uma vez que sua presença era indesejada.
- Vou te levar até a rodoviária de Urbana esta noite, de lá partem ônibus para diversos destinos e um deles com certeza vai te levar para os quintos dos infernos de onde você nunca deveria ter saído. – sentenciou o Kevin, enquanto a Riley tentava seduzi-lo. Eu não conseguia acreditar que aquilo tudo estava acontecendo comigo, era demais para a minha cabeça.
Após o jantar, ele a levou até Urbana, comigo no assento traseiro da picape. De tanto ela se engraçar para o lado dele, provocando seus brios de macho, ele começava a demonstrar um interesse em foder aquela buceta fácil.
A rodoviária acanhada ficava ao lado de um posto de combustíveis, algumas lojas de conveniência e um bar que reunia a galera jovem das redondezas. Estávamos adiantados, faltavam quase três horas para a partida do ônibus que a Riley precisava pegar. Ela havia pegado diversas vezes na coxa do Kevin enquanto ele dirigia, se oferecendo como uma verdadeira puta.
- Desce e vai comprar meia dúzia de cervejas, e não volte antes de duas horas! – ordenou o Kevin para mim, enquanto uma de suas mãos se fechava ao redor do seio da Riley.
- É sério, vocês dois vão transar! Já não sei quem é o mais doido aqui! – protestei
- Anda, desce do carro e vai fazer o que te mandei, caralho! A última coisa que eu preciso é ter um viado assistindo eu trepar. – sentenciou, me expulsando da picape, enquanto a Riley se pendurava no pescoço dele e cobria sua boca com um beijo profano.
Fiz o que ele mandou e entrei no bar, virando uma espécie de atração para a moçada animada que bebia e se divertia ao redor das mesas de snooker, enquanto diversos gêneros musicais davam um ar festivo ao lugar. Sentei-me num canto do balcão, onde dois carinhas da minha idade preparavam e serviam as bebidas com os torsos bem torneados nus e com uma gravatinha borboleta amarrada ao pescoço. Um deles logo piscou na minha direção, enquanto terminava de servir uns sujeitos que estavam algumas banquetas adiante.
- Oi! O que vai querer? – perguntou sorrindo
- Uma água com gás! – o sorriso dele aumentou, se transformando numa risada
- Ressaca? – perguntou, ao colocar a garrafa e o copo diante de mim.
- Pode-se dizer que sim! – respondi. Ele continuou ao meu lado.
- Nunca te vi por aqui, é novo na cidade?
- Sim, estou passando uns tempos numa fazenda em Arcola.
- Posso perguntar de quem? Aqui todos se conhecem.
- Dos Glover! Conhece? – perguntei, e ele fez uma cara estranha
- Os irmãos Glover são bem conhecidos em toda região, especialmente o encrenqueiro do mais velho. – respondeu
- O Kevin?
- Esse mesmo! Ele está proibido de entrar em quase todos os bares da região. Arrumou brigas e confusão por todo lado. – revelou
- Que tipo de briga? Bêbado?
- Às vezes bêbado, mas geralmente por causa do irmão.
- Como assim, por causa do irmão? Ele o defendia?
- Não sei se o termo exato seria esse. Na verdade, ele quebrava o pau com o pessoal e a cara dos sujeitos que se aproximavam do irmão dele, tipo um guardião, entende?
- Meio que confusa a sua explicação! Pode me contar isso melhor?
- Os Glover são estimados por aqui, não quero fazer fofoca, já que está hospedado na casa deles. – respondeu, querendo fugir à minha pergunta.
- Não é uma fofoca, já que não sou daqui e volto para Nova Iorque dentro de alguns dias. Pode me contar por que eles brigavam?
- Não sei se você chegou a conhecer o Danny, ele era um tipão, a mulherada vivia apaixonada por ele e pelo que tinha no meio das pernas, que diziam ser do mesmo tamanho do de um garanhão. Além delas, alguns gays também se interessavam pelo Danny, e era com esses que o Kevin implicava e arrumava confusão. Ele chegou a ser preso quando fez um talho que deformou a cara de um gay que o Danny estava pegando. Desde então, ele foi banido de quase todos os bares e lugares de diversão da região. A polícia anda de olho nele, numa próxima não sei se vai ter tanta sorte de se livrar da prisão. – eu ouvia aquilo com especial atenção, então esse era um dos segredos daquela família. Até que ponto o Sr. e a Sra. Glover estavam mancomunados com os filhos? O Kevin eu já sabia que era um marginal, mas o relato da Riley e a desse barman me fizeram conhecer um Danny que eu ignorava.
O barman ficou me xavecando o tempo todo entre um atendimento e outro, visivelmente interessado num encontro fora dali, por isso ficou me questionando quanto tempo eu ainda ficaria na região e se estava livre durante as tardes. Não estivesse eu numa das piores fases da minha vida, até teria sido mais condescendente com o carinha que era bem charmoso.
Vi quando o ônibus da Riley encostou na plataforma e ela entrou, acenando na direção da picape onde o Kevin estava. Eu não me mexi, queria que ela fosse à puta que o pariu, a desgraçada traiçoeira. Quando voltasse a Nova Iorque jurei fazer com que todos os nossos amigos soubessem que tipo de vagabunda ela era. Quando o ônibus partiu, pedi a conta, e o rapagão me disse que era por conta da casa com um sorriso ladino estampado na cara.
- Obrigado!
- Não vai me deixar seu telefone? Posso te mostrar uns lugares bem legais por aqui. – persistiu, se valendo de sua sensualidade.
- Parto em dois dias, e estou sem tempo para encontros. – respondi
- É uma pena! Gostaria de te conhecer melhor. – quando ele disse isso eu vi a cara emburrada e impaciente do Kevin pelas vidraças do bar, e tratei de me despedir, antes que ele viesse me arrancar dali à força.
- Cadê a cerveja que mandei você comprar? – perguntou, quando entrei na picape
- Não comprei! Não quero que fique bêbado! – respondi
- Você ficou maluco ou o quê? Volta lá e pega a porra da cerveja, caralho! – gritou
- Vá você! – respondi, e ele ergueu a mão para me esbofetear.
- Isso, bate! Bate, me dê outra surra, me mate de uma vez, que eu sei que é isso que você quer! – revidei com atrevimento.
- Seu porra! Porra, de viado! Porra! Porra! – berrava ele socando o volante. Permaneci impassível, estava tão esgotado que se ele me matasse ali, ia sentir um alívio pelo qual ansiava sem parar.
Assim que chegamos em casa entrei e subi correndo para o quarto, era tarde, passava da meia-noite e os pais dele já estavam dormindo. Pela primeira vez depois que fui expulso de casa tive vontade de estar no meu quarto e na minha cama. Isso jamais ia acontecer, eu tinha certeza. Provavelmente essa certeza era a razão de eu estar me sentindo tão inseguro. A grande verdade era que eu parecia não ter lugar nesse mundo. Talvez houvesse alguma verdade naquilo que o Kevin me falou na beira do penhasco, eu devia ter sido trucidado ao nascer, para nunca me tornar um estorvo na vida dos outros.
Eu sabia que tinha trancado a porta do quarto antes de me deitar, mas quando acordei com aquele vulto debruçado sobre mim, tapando minha boca para que não gritasse, me arrependi de não ter empurrado mais um móvel para junto da porta que impedisse a invasão. O Kevin me encarava com aqueles olhos que, na tarde em que conversamos amistosamente na beira do desfiladeiro, achei lindos e que agora me apavoravam.
- Fica quieto ou vou te bater! – sentenciou determinado. Eu balancei a cabeça concordando. – Por que está com essa camiseta embolada no pescoço?
- Era do Danny, tem o cheiro dele, só tenho conseguido dormir agarrado a ela. – respondi sincero.
O Kevin a tirou pela cabeça, deslizou sua mão sobre o meu rosto, voltou a apertar com força meu queixo, me fazendo começar a tremer, pois já antevia que ia me bater novamente. Nem a saliva conseguia passar pela minha garganta que parecia estar trancada. De repente, ele afrouxou a mão e, lentamente passou o polegar sobre meu lábio inchado e machucado. Não era mais do que um suave roçar, que ele acompanhava com olhar fixo em mim. Aos poucos ele foi tirando o cobertor de cima de mim, eu estava só de cueca, e ele ficou me observando como um lobo observa sua presa. Me senti nu, e levei ambas as mãos sobre meu sexo. Ele as agarrou e as afastou.
- Por favor Kevin, vá para o seu quarto! – supliquei.
- Você também mandava o Danny sair do seu quarto? – perguntou descabido
- Que pergunta sem sentido é essa?
- Responda! Mandava? – insistiu, voltando a apertar a mão no meu pescoço.
- Não! – respondi. – Por favor, Kevin. – ele notou como todo meu corpo tremia, pois até a voz saiu truncada.
Com os olhos já acostumados à escuridão, percebi que ele estava pelado, o que me fez dar um sobressalto; o risco que eu estava correndo era bem maior do que eu imaginava. Ele estava ali para me violentar, quando essa ideia se afigurou na minha mente ele notou que eu havia descoberto o motivo de ele estar ali e, sem perder tempo, lançou um travesseiro sobre meu rosto e o apertou com força quase me sufocando. Comecei a dar chutes, a empurrá-lo para longe, mas ele me conteve com facilidade se atirando sobre mim. Minha agitação debaixo dele o excitou como das outras vezes, eu conseguia sentir a ereção dele resvalando nas minhas coxas, a respiração ofegante e sedenta dele ganhando força, a pegada dele se tornando implacável. Como eu estava deitado de costas, ele precisava me virar de bruços para consumar o coito, e eu já pensava numa maneira de escapulir durante essa manobra. Mas ele foi tão hábil que eu tive a certeza que ele já tinha feito isso outras vezes e, quando me vi de bruços, com o caralhão dele pressionando meu rego, eu me rendi. Não ia gritar, não ia fugir, não ia fazer nada além de me subjugar à sua vontade, ele não devia estar em seu juízo perfeito, e qualquer coisa que fizesse podia desencadear uma reação cujas consequências eram imprevisíveis, e não estavam a meu favor.
Ele demorou a me penetrar, parecia não estar certo de que era isso mesmo que queria. Enquanto se decidia, ficou beijando meus ombros, elogiando o frescor da minha pele em sussurros que eu precisava me esforçar para ouvir; lambeu e chupou meu pescoço grunhindo feito um cachorrinho que não encontra a teta da mãe para mamar. Movia a pelve devagar sobre a minha bunda carnuda para que seu cacetão se encaixasse no meu reguinho estreito, me fazendo sentir os pentelhos de sua virilha.
- Você é gostoso, viado, muito gostoso! Sua pele tem um perfume bom! Por que você é tão gostoso, seu puto do caralho? – grunhia ele, esfregando sua boca úmida na minha nuca.
- Por favor, Kevin! – balbuciei, com os pensamentos já todos embaralhados pelo calor daquele corpanzil e pelo tesão que ele estava me fazendo sentir. – Não me machuque outra vez! Você é grande demais e me machucou muito naquele dia no mezanino do estábulo.
- Não quero te machucar, juro! – o tom de voz não era belicoso como das outras vezes.
- Então não faça assim, deixe eu ficar deitado de costas. – pedi, já tendo como certo que ele se recusaria. Mas, para surpresa minha, ele me ajudou a virar e até me beijou quando me acomodei debaixo dele.
Aos poucos, ele foi elevando as minhas pernas, colocando-as sobre seus ombros. Eu não conseguia parar de tremer, parecia estar tomado por convulsões. Senti nova pincelada no meu rego e a cabeçorra melada parando exatamente sobre a portinha do meu cu. Parei de respirar, esperando a cravada bruta em meio a um medo insano. Ele me encarava, seus olhos brilhavam mesmo na escuridão e estavam focados no meu rosto que ainda tinha as marcas da última surra que ele me deu. Ele forçou a chapeleta contra meu buraquinho e eu soltei um ganido quando as preguinhas chegaram ao máximo de sua elasticidade. Ele recuou, e eu soltei aliviado o ar que estava retido nos pulmões. Ele investiu novamente, foi mais agressivo, mas não bruto como da vez anterior; eu continuava com medo e não conseguia relaxar os esfíncteres para deixá-lo entrar em mim. O que estava acontecendo comigo, o Kevin tinha me violentado, me dado surras e quebrado ossos do meu rosto e eu continuava ali calado quando poderia estar gritando para acordar a casa toda e impedir o que ele estava pretendendo fazer comigo? Aquele lugar estava tirando a sanidade da minha mente, só podia ser isso.
Levei minhas mãos aos ombros dele e me agarrei a eles, erguendo simultaneamente a pelve, o que expunha e franqueava meu cuzinho, sobre o qual o caralhão só esperava uma distração para mergulhar dentro dele. Com um impulso ele entrou em mim, as pontas dos meus dedos se fincaram na pele dele, eu gani e ele cobriu minha boca com um beijo devasso. O cacetão deslizava para dentro de mim a cada nova estocada, me preenchendo e me dilacerando a carne úmida e acolhedora.
- Mais devagar, por favor, Kevin! Está doendo! – gemi, sentindo ele mordiscando meus lábios.
- Você é tão gostoso, Derek! Você é um viado muito do gostoso! – grunhiu ele, abraçando-se ao meu tórax sem parar de procurar vorazmente pela minha boca numa troca comungada de beijos demorados. Ele metia com gentileza e cuidado, sentindo como minha musculatura anal apertava seu cacete intrépido, numa carícia que ele jamais havia sentido antes.
- E você podia ser um homem muito feliz se não tivesse esse gênio do cão e fosse sempre assim, gentil e disposto a só entregar o que tem de bom dentro desse coração. – retruquei
- Você acha que tem alguma coisa boa dentro do meu coração, depois de tudo que te fiz?
- Todos têm um lado bom, mesmo que ele não prevaleça. Você é um homem atraente, podia estar cercado de pessoas dispostas e gostar das tuas qualidades. Seria tão bom para você, Kevin! Tente mudar, tente se aproximar das pessoas e aceitá-las como são. Você será mais feliz, eu garanto! – afirmei, enquanto ele aconchegava sua cabeça ao meu ombro procurando desesperadamente por carinho e afeição. Minhas mãos o afagavam, deslizavam pelo rosto dele e quando ele erguia o olhar na minha direção, eu colava suavemente meus lábios aos dele.
A pelve dele se movia num vaivém que se replicava no cacetão entrando e saindo do meu cuzinho, enquanto eu gemia sensualmente para dissipar a dor e o tesão que estava sentindo com aquele macho enorme dentro de mim. Algumas estocadas abruptas me indicaram que ele ia gozar, o caralhão estufou no meu rabo e os movimentos se tornaram truncados, ele urrou e despejou-se todo em mim, ejaculando em abundância até meu cuzinho ficar todo encharcado de porra. Quando terminou, ele me beijou e eu quase senti ternura naquele beijo prolongado. Envolvi a cabeça dele nas minhas mãos e fiquei afagando a cabeleira e o rosto anguloso e viril.
- Eu não transei com a sua amiga! – disse ele, depois de um silêncio no qual permaneceu com a pica atolada no meu cu.
- Ela não é minha amiga, nunca foi! – respondi. – O que aconteceu, por que não transaram, estavam tão dispostos? – perguntei.
- Ela só me chupou, não me deixou entrar nela. Disse que estava menstruada, mas era mentira, eu enfiei a mão na buceta dela e não tinha nenhum absorvente lá. – respondeu, com um ar frustrado.
- Não passa de uma vagaba, não sei como não percebi isso antes. – admiti.
- O Danny a pegou, não foi? É por isso que está com raiva dela. – perguntou
- Acho que sim! Não sei mais no que acreditar! Eu o amei tanto, e achava que ele também me amava. – afirmei
- Ele me disse uma vez que você era especial, que nunca tinha conhecido um carinha como você e que te amava, mas não sabia se conseguiria ser fiel a vida toda. – disse ele
- Vocês falavam sobre mim? – quis saber
- Eu quase não falava mais com ele depois que saiu de Arcola, mas isso ele me confessou numa das vezes que conversamos pelo celular.
- Foi assim que você soube quem eu era e que a Riley foi uma mentira que ele inventou para os seus pais? – perguntei
- Sim!
Ele não voltou para o quarto dele naquela noite, enrodilhou-se em mim em conchinha e adormeceu ressoando cadenciado na minha nuca. Adormeci achando tudo aquilo a coisa mais bizarra que alguém podia vivenciar.
- Sei que vai achar que sou doido, especialmente depois de tudo de ruim que fiz com você, mas eu queria ter tido a mesma sorte do Danny ao te conhecer e ter sido tão amado por você. Sei que isso nunca vai acontecer, mas eu queria poder adormecer assim ao seu lado todas as noites da minha vida, fazendo amor assim gostoso como acabamos de fazer. Você é um gay muito carinhoso, Derek! Um gay que faz a gente sentir coisas maravilhosas em seus braços! – murmurou ele antes de adormecer.
Na manhã seguinte, acordei só na cama. Esfreguei os olhos pensando que tinha sonhado e que precisava acordar. Quando me virei de lado e me agarrei ao travesseiro, senti o cheiro do Kevin impregnado nele e me conscientizei que aquilo não fora um sonho, que nós transamos, o que o ardor e a umidade formigante que ele deixou dentro de mim comprovavam.
Ao descer, encontrei-o assobiando e preparando o café da manhã. Nunca o tinha visto tão alegre e disposto. O Sr. e a Sra. Glover ainda não haviam descido apesar de já ser um pouco tarde, considerando que a ordenha da manhã estava atrasada.
- Bom dia! – cumprimentei, sem conseguir desviar os olhos do torso nu e cabeludo dele que, poucas horas atrás, estava roçando sedutoramente no meu. – Quer ajuda?
- Bom dia! Dormiu bem? – devolveu com uma ironia despretensiosa. – Estou preparando uma omelete com bacon, posso fazer para você também. – ofereceu
- Dormi, obrigado! Foi uma das melhores noites que tive nos últimos tempos! – afirmei, pois sabia que isso o deixaria ainda mais feliz naquela manhã. Ele me encarou e sorriu envaidecido. – Faça um pouco mais do que costuma fazer para você, como um pouco da sua, pode ser?
Mesmo ele não tendo requisitado minha ajuda, me pus a preparar o café na cafeteira. Ele aproveitou a proximidade e, no momento em que passou atrás de mim para alcançar o pimenteiro onde ficavam os temperos, ele se esfregou na minha bunda com seu dote à meia-bomba sob a calça surrada de moletom que estava usando, o que parecia ser seu traje favorito quando estava dentro de casa.
- Foi a melhor e maior esporrada que já dei! – exclamou num murmúrio excitado junto ao meu ouvido quando prensou minha orelha entre os dentes.
- Ainda estou todo molhado! – confessei impudico. Era tarde para me arrepender do que disse, havia simplesmente escapado da minha boca antes do meu cérebro processar as palavras. Eu estava brincando com fogo e isso nunca acaba bem.
Quando o Sr. e a Sra. Glover se juntaram a nós, parecíamos uma família feliz desfrutando o café da manhã em harmonia. Eu me lembrei que antes de me assumir gay para a minha família, tive muitos desses momentos, e senti saudades. Ao mesmo tempo, me questionei se aquelas pessoas já tiveram um momento como aquele para recordar e, algo me dizia que não. A despeito do clima harmonioso, naquela manhã decidi que era chegada a hora de partir. O que me dispus a fazer, estar perto do Danny pela última vez e prestar meu tributo por tudo que tivemos juntos, eu já tinha feito, nada mais me prendia àquele lugar e àquelas pessoas as quais eu deixaria devendo uma verdade que não consegui revelar.
Fiquei pensando em centenas de maneiras de me despedir, mas antevendo que isso seria problemático, especialmente em relação ao Kevin, de cuja reação eu tinha medo, decidi que partiria na noite seguinte, depois de todos haverem se recolhido, encarando a caminhada de 30 quilômetros pela rodovia até Arcola na calada da madrugada. Quando acordassem, encontrariam meu bilhete de despedida sobre a mesa da cozinha, e já seria tarde para o Kevin me impedir.
Passei o dia fatídico com a sensibilidade à flor da pele. Por algumas vezes, sem uma razão aparente, abracei carinhosamente a Lisie, soltando-a ao sentir os olhos marejarem. Ela gostava daqueles abraços, talvez os imaginasse sendo dados pelo Danny e se entregava aquela demonstração de afeto com um sorriso triste no rosto. Também passei mais tempo ao lado do Sr. Glover ajudando-o como podia nas tarefas da fazenda. Percebi que ele se sentia feliz com a minha presença, mais do que com a minha parca de desengonçada ajuda. Muito provavelmente, ele também transferira a mim o desejo de estar partilhando aquelas tarefas com o Danny, resgatando assim, uma relação que não sei se sempre foi boa. O Kevin eu evitei acreditando que, se ele olhasse nos meus olhos, veria o que estava arquitetando e fizesse sabe-se lá o que comigo.
Munido apenas do essencial e algumas peças de vestuário que enfiei numa mochila, tendo em vista que nunca tinha feito uma caminhada tão longa, parti cerca de hora e meia depois que a casa mergulhou no silêncio. Estava um pouco frio e isso me deixou mais disposto a dar passos maiores e mais rápidos. Havia mais de três horas que eu deixara a fazenda, tinha cruzado apenas com dois caminhões que vinham em sentido contrário na rodovia, um deles reduziu a velocidade, piscou os faróis e ao passar por mim, gritou me convidando para fazer um boquete. Cretinos existem aos montes e estão em todos os lugares, mesmo os mais improváveis e ermos.
Minhas pernas, não acostumadas a tanto esforço, já começavam a dar os primeiros sinais de fadiga; eu a sublimei, ainda estava longe do meu destino final. Pela primeira vez, surgiu pelas minhas costas, o brilho de faróis indo no mesmo sentido da minha caminhada. Pensei que uma carona àquela altura seria providencial, mesmo que por um trajeto curto. Cheguei a parar e esperar a aproximação do veículo. Porém, quando identifiquei a picape do Kevin, o pavor e o desespero tomaram conta de mim. Em segundos ele estava ao meu lado e eu me embrenhei no matagal assim que ouvi o berro furioso dele.
- Aonde pensa que vai, seu viado desgraçado? Volta aqui que eu vou te ensinar a não fugir na calada da noite, sua bicha mal-agradecida! – o velho Kevin estava de volta e suas intenções para comigo não eram as melhores.
Eu nem sabia direito onde estava, só que precisava fugir das mãos e da fúria daquele homem descontrolado. Fui me enfiando matagal adentro como tinha feito naquele dia no milharal, só esperando que o final não fosse o mesmo que o daquele dia. As hastes dos arbustos que eu ia afastando com os braços para poder passar, voltavam e me atingiam como chicotes. Os gritos do Kevin ficavam cada vez mais próximos aumentando meu medo de ser capturado. Ali, na escuridão da noite, longe de tudo, era o lugar ideal para ele dar cabo da minha vida, quando me encontrassem e, se encontrassem, faria parte das estatísticas dos crimes ou mortes sem solução. Isso me apavorou ainda mais e eu corri, corri como nunca, corri porque minha vida dependia disso.
- Pare Derek! Não vou te fazer mal algum. Vamos conversar! Vou te levar para casa e vamos trepar como anteontem, o que você acha? Eu sei que você gostou, vamos fazer de novo, Derek! – berrava ele. – Não pense que vou deixar você escapar, seu filho da puta! Você vai se arrepender de ter fugido de mim, seu viado desgraçado! Eu vou te matar, seu merda! Eu juro que vou te matar, bicha do caralho!
Entre o medo, o delírio e a iminência de ser assassinado, surgiu uma luz e eu parei de correr, me agachei e esperei o Kevin passar na correria desatada para me capturar. Quando o barulho dele passando pelos arbustos estava a uma distância segura, eu comecei a correr em direção à rodovia, a picape estava lá com as luzes acessas e o motor ligado, minha salvação era ela. Quando o Kevin percebeu a minha manobra, voltou a me perseguir gritando feito um louco.
- Pare, estou mandando! Você está morto, sua putinha! Morto, entendeu, viado! – foram os últimos gritos dele que ouvi quando entrei na picape e acelerei o quanto podia, deixando a silhueta dele abanando na beira da rodovia ficar cada vez mais distante.
Eu estava todo suado, tinha arranhões sangrando no rosto e braços, arfava profundamente e ainda assim parecia não conseguir respirar, explodi num choro convulsivo por estar salvo.
Ao chegar à cidade, circulei perdido pelas ruas até avistar o prédio baixo de tijolinhos com a placa Police Department sobre a entrada. Corri para dentro do prédio sem me preocupar em estacionar a picape, chamando por socorro. O oficial de plantão se assustou com a minha entrada abrupta, quando estava se servindo de um café na cafeteira para espantar o sono e o tédio de uma delegacia onde quase nada acontecia. Quando obtive sua completa atenção, comecei a despejar atabalhoadamente frases incoerentes que me escapavam da boca numa velocidade bem menor do que meu cérebro as processava.
- Acalme-se! Pare, e respire! Venha cá, sente-se, e me conte tudo com calma! – disse o gigante musculoso fardado me conduzindo a uma cadeira defronte a sua mesa. Que calma se por pouco não fui assassinado, que calma quando o coração ainda queria sair pela boca de tão esbaforido que eu estava?
Foram os olhos azuis dele, penetrantes e tranquilos que me fizeram desacelerar e contar o motivo pelo qual estava ali. Ele me ouvia da cadeira que puxou e emparelhou com a minha só para poder ficar segurando a minha mão tremula e suada que ele envolvia nas dele.
- Kevin Glover! Outra vez o Kevin Glover! – foram as primeiras palavras que o oficial me devolveu quando terminei o relato. – Mas, dessa vez, as coisas vão correr diferente. Dessa ele não vai se livrar tão fácil. Tentativa de assassinato, era do que precisávamos para deter as loucuras desse sujeito. – continuou ele.
- Não quero que o prendam! Só quero poder sair da cidade em segurança e voltar a Nova Iorque, voltar para a minha casa, são e salvo. – afirmei
- Pode me repetir seu nome, é Derek do que mesmo? – recomeçou ele, preenchendo uma ficha que pegou sobre a mesa. – Lamento informar que não é você que vai decidir isso. Esse sujeito tem antecedentes, lesão corporal grave, duas tentativas de homicídio, três com essa, contra gays, destruição de bares, brigas alcoolizado. – foi enumerando. – A ficha dele está bem suja. – revelou o oficial. – Vou acionar o destacamento para capturá-lo. Sabe me dizer em que parte da rodovia ele tentou te matar?
- Não sei o lugar exato, foi tudo tão repentino e eu só queria procurar ajuda. – respondi.
Ele fez algumas ligações e em vinte minutos havia mais quatro oficiais no departamento se preparando para sair na captura do Kevin. Quando os vi se preparando, combinando táticas e pegando o armamento, uma profunda sensação de arrependimento se instalou no meu peito.
- Não o machuquem, por favor! Não dá para apenas me deixar ficar aqui até o amanhecer e depois eu vou embora, sem ter que prendê-lo? – perguntei, cheio de remorso.
- Você precisa se acalmar, Derek! A sua atitude foi correta, você só está se protegendo dele. Mas, nós temos que agir conforme a lei, e a lei manda que o capturemos para que seja levado à presença de um juiz que vai analisar o conjunto dos fatos. Nem você nem nós temos como interferir nessa decisão. – disse o oficial. Eu só pensava no Sr. Glover e na Lisie, na dor que eu estava lhes causando, por apresentar queixa contra o Kevin.
Estava amanhecendo, uma chuva forte atrasava a alvorada, quando dois oficiais chegaram ao departamento com o Kevin algemado e com as roupas completamente ensopadas. Senti uma angustia dolorida por vê-lo nessas condições. Ele não esboçou reação alguma quando me viu. Tinham me permitido assistir o depoimento dele, mas me recusei a ficar na mesma sala, vendo-o derrotado como estava. Antes de o levarem para uma cela nos fundos do edifício após o interrogatório e, ao passar novamente por mim, perguntei-lhe se podia fazer qualquer coisa por ele. A resposta foi o mesmo silêncio de antes.
O Kevin confessou tudo o que eu relatei no meu depoimento, revelou onde lançou meu carro do Rio Kaskaskia, a carcaça dele foi guinchada alguns dias depois da minha partida, e admitiu todas as agressões que fez contra mim.
Um oficial me levou de volta à fazenda, a meu pedido. Eu precisava explicar a minha atitude para os pais dele e, principalmente, precisava contar toda a verdade sobre o Danny e eu. Eles me ouviram por quase uma hora em silêncio, era impossível saber o que se passava pelas mentes deles, pois as expressões faciais de ambos mais se pareciam com fácies esculpidas em cera. Pedi perdão por tudo, por não ter dito a verdade logo que cheguei, por ter me deixado enredar pelo Kevin, por ter chamado a Riley e aumentado as mentiras, por ter denunciado o Kevin à polícia, e até por ter amado tanto o filho deles, pois já não sabia mais até onde ia a minha culpa naquilo tudo.
- Eu desconfiei que havia algo errado nessa história quando aquela moça chegou aqui. Ela não sabia quase nada do suposto namorado enquanto você só usava de palavras doces e carinhosas quando falava do Danny. – começou o Sr. Glover quando terminei de falar. – O principal motivo de ele ter saído de Arcola, dessa casa, foram as constantes confusões que o Kevin arrumava com rapazes da região, que agora sei que eram gays por quem o Danny se interessava. Ele nunca se abriu conosco, nunca nos disse que também se sentia atraído por rapazes. Se o tivesse feito, o aceitaríamos, pois desde a adolescência percebemos que tinha um cuidado todo especial com garotos bonitos e sensíveis. Enquanto o Kevin os torturava com suas brincadeiras, o Danny os protegia. Quando ele se foi, deixou um grande vazio nessa casa e em todos nós. Mas, acho que quem mais se ressentiu da ausência do irmão foi o Kevin, por saber que foram as atitudes dele que o fizeram partir. – revelou o Sr. Glover, entristecido.
- Você amou meu filho? – perguntou subitamente a Lisie erguendo a cabeça que até então estivera afundada em seus ombros.
- Muito! Eu amei o Danny com toda a minha alma, com toda a força do meu ser, cada dia que vivemos juntos nesses últimos quatro anos. Eu ainda o amo, Lisie! Amo tanto que não sei o que será da minha vida sem ele! – confessei chorando e pegando suas mãos entre as minhas. Nos encaramos com as lágrimas escorrendo pelas faces.
- Obrigada, Derek! Obrigada! – disse ela soluçando.
- Obrigado, meu garoto! – repetiu o Sr. Glover. – Obrigado por ter cuidado com tanto amor do nosso Danny! – exclamou emocionado, vindo me abraçar.
O Sr. Glover voltou comigo à cidade depois de ter entrado em contato com um advogado para dar assistência ao filho, fomos levar roupas secas e itens pessoais para o Kevin. Também peguei o restante da minha bagagem e reservei o voo de volta, partindo do aeroporto de Springfield para Nova Iorque, para a manhã do dia seguinte.
Pedi que o Sr. Glover me permitisse levar as roupas que trouxemos para o Kevin na cela, pois queria me despedir dele, e dizer que não levava nenhuma magoa, que não entendia as razões dele para me odiar tanto, mas que não podia deixar impune tudo o que ele me fez, pois isso ia contra os meus princípios. Não era por eu ser gay que permitiria que me humilhassem, me surrassem e até atentassem contra a minha vida, como ele fez. Ele apenas me ouviu, sentado na cama da cela.
- Adeus Kevin!
- Perdão Derek! Eu juro, nunca teria conseguido matar você. Não depois daquela noite que tivemos juntos! Perdão! – disse ele, vindo até as grades quando eu já estava perto da porta de saída. Ele estava chorando.
Antes de deixar o Departamento de Polícia, retirei a queixa contra ele, apesar da indignação dos oficiais. Eu não queria ser o responsável por aumentar a pena que ele teria que cumprir na prisão. Não seria justo com o Sr. Glover e a Lisie, nem com a memória do Danny.
Quando entrei no apartamento que foi minha casa com o Danny durante todo nosso relacionamento eu tive uma única certeza, eu precisava recomeçar. Como, eu não fazia ideia, mas precisava de um recomeço. Eu precisava de um novo emprego, pois a agência sem o Danny não atenderia mais aos meus anseios. Eu precisava de uma nova casa, pois aquele apartamento estava cheio de lembranças dele em cada canto. Eu, talvez, precisava até de uma nova cidade, pois apesar da imensidão de Nova Iorque não havia mais lugar para mim ali.