Contratados: O Prazer - Capítulo VI

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 5165 palavras
Data: 21/04/2023 23:05:35
Assuntos: compras, Gay, Homossexual

CAPÍTULO VI

*** EDUARDO ***

A PORTA FECHA e eu continuo parado, olhando para ela, me perguntando se realmente não era um sonho. Com o olhar fixo, tantos sentimentos giram dentro de mim que me pergunto se sou capaz de dar conta de todos eles. Raiva, irritação, gratidão, um desejo incontestável e um outro sentimento que se parece muito com medo, mas que eu tenho certeza de que é sensatez. Expulsá-lo daqui era a única resposta possível, não era? Eu não sou um prostituto e não serei tratado como um! Não importa o quanto meu corpo pareça gostar desse tratamento... Desvio meus olhos para o meu braço e a marca avermelhada do beliscão que dei em mim mesmo continua lá, firme, forte e, percebo, caminhando para se tornar roxa. Ótimo, todo castigo é pouco, não é mesmo?

Com as costas apoias à parede, deslizo até o chão, me sentando antes de deitar a cabeça no muro de concreto gelado. Como foi que tudo isso aconteceu? Quer dizer, isso não acontece na vida real, acontece? Homens gloriosamente lindos não entram nas vidas de pessoas pobres, desesperadas e virgens por causa de um e-mail sexual... Mas todo aquele porte..., aquelas palavras sujas e terrivelmente excitantes, o jeito dele de me beijar, me tocar, me provocar... Meu Deus! Bato a mão sobre o rosto quando a constatação me atinge com força: minha vida virou um romance fajuto, desses que eu leio para esquecer dos dias maus, mas que, obviamente, nunca retratam algo possível.

João Pedro Govêa disse que me quer. Balanço a cabeça para um lado e para o outro, mas o riso brota no fundo da minha garganta e atravessa minha boca solto. Gargalho, rio com gosto por minutos a fio, até meus olhos arderem, lacrimejarem, até minha barriga doer e eu me contorcer no chão, porque eu virei um mocinho de romances! Ai meu Deus!

Deixo meu corpo terminar o caminho que começou e deito no chão, estirado no piso frio, penso sobre tudo o que acabou de acontecer. O homem bateu na minha porta, invadiu minha casa, disse que me investigou, comprou comida para mim, depois, fez eu implorar para ele me foder com a mão. Pai do céu! E eu implorei, não implorei? Escondo meus olhos sob meu braço, fugindo da minha própria vergonha. Mas foi tão, tão bom... O cheiro, o gosto, o toque, o calor, tudo nele é malditamente bom. Quer dizer, tudo não. Ele não podia ter o pinto pequeno? Esse é um defeito com o qual seria muito mais fácil de lidar, já que nunca senti um dentro de mim, poderia me acostumar com o que viesse...

Sério, Edu? Há horas atrás você mal conseguia pensar na palavra cuzinho, e agora está pensando que o cara poderia ter o pinto pequeno? Sim, eu estou! Porque tudo seria absurdamente mais simples, fácil... Até porque, muito provavelmente, mesmo que ele não tivesse tudo aquilo que eu não vi, mas senti ser esfregado em mim várias e várias vezes essa noite, ainda assim, ele saberia usar com maestria, não saberia? Então seria um defeito muito mais fácil de lidar e ele nem seria tão prejudicado assim...

Mas não! O infeliz tinha que ser mandão, arrogante e escroto! Um macho escroto, ridículo, que diz que trata bem seus putos! Ai, que vontade de socar a cara dele! Mas depois ele disse que eu era “o” puto... Isso significa que não haverá outros? Só eu? Ai, Cristo! A que ponto eu cheguei, me autodeclarar puto não me incomoda, mas o fato de que ele pode ter outros, sim! Mas que e-mail maldito! Que ideia de gerico, Eduardo! Poxa vida! Por que não mandou uma mensagem de texto, um WhatsApp, qualquer coisa que você não pudesse errar a porcaria do endereço? Não, o estúpido aqui tinha que enviar um email! Droga! Droga! Droga!

Encaro o teto encardido, descascado, cheio de infiltrações e me pergunto o que fazer. O desgraçado saiu daqui sem esconder a certeza que tinha de que eu voltaria atrás. E eu queria tanto dizer que ele está errado, tanto, mas não posso. Fecho os olhos e quase posso sentir seu gosto em minha língua, seu cheiro em meu nariz. Minha pele arrepia-se e eu gemo, frustrado. Droga, droga, droga!

Eu não menti. Não gosto da montanha russa que é estar ao seu lado, mas, ao mesmo tempo, em dois encontros com ele, senti-me mais vivo do que em minha vida inteira. Eu nem mesmo resisti, não quis resistir. E isso não é algo que eu faria, se fosse, eu não seria um virgem de vinte e dois anos. Meu estômago ronca e eu coloco minha mão sobre minha barriga ainda descoberta.

− Calma, a comida que o senhor babaca pediu deve chegar já...já... - falo comigo mesmo, e uma sensação desagradável me atinge junto com um pensamento amargo. Ele já está me pagando...

Expiro com força, tentando afastar de mim a emoção que começa a querer agarrar meu peito, mas não consigo. Eu não quero ser pago. Não importa o que ele diga, isso faria de mim um prostituto. Sim, eu deitaria e rolaria na cama com João Pedro de graça e em segundos, então por que raios ele precisa querer me pagar? E aquele papo de que não namora?

Ah, mas é claro que não namora! Homens como ele nunca o fazem. Isso os livros me ensinaram! Aliás, se minha vida realmente se tornou um romance, qual é o próximo passo lógico? Não, Eduardo! Não vá por aí! Porque em romances, o protagonista, idiota, se apaixonam pelos homens frios e que não querem nada além de sexo com eles, e, como consequência, acabam sofrendo horrores...

Mas, depois, eles percebem que se apaixonaram por eles também... Uma vozinha sussurra em minha cabeça e eu quero bater nela com uma marreta, para que ela nunca mais diga algo assim. Eu não preciso disso. Definitivamente, não preciso. Aliás, eu mereço mais do que isso! Não foi o que eu disse a ele? Então por que raios estou aqui pensando em como foi gostoso estar a sua mercê e em possibilidades de um futuro? Mas que droga! Sem futuro! Não vai rolar! Você não quer isso! Lembro a mim mesmo.

Só que a lembrança do toque, do gosto, do cheiro, daquela postura mandona, arrogante e, ao mesmo tempo, preocupada, insiste em me assombrar, me fazendo fechar os olhos, espalhando confusão e caos dentro de mim mesmo, deixando-me perdido e sem ter ideia do que fazer ou pensar. Porque eu não quero tudo o que ele tem a me oferecer, mas, ao mesmo tempo, o que ele me oferece é tudo o que eu quero, ele mesmo. Homem maldito! Eu queria sentir raiva, e só raiva, saberia lidar com ela. Mas desde que ele fechou a porta, raiva é o menor dos sentimentos que tenho.

Batidas soam, arrancando-me dos meus pensamentos e eu me levanto afobado, como se, de repente, meu estômago tivesse tomado o controle das minhas pernas e corresse com elas direto em direção à comida. Grito um “já vai” e procuro minha camiseta para vestir. No momento em que abro a porta, deparo-me com o entregador, um rapaz franzino, de pele morena e cabelos escuros e bagunçados, provavelmente por causa do capacete da motocicleta, agora, largado sobre o assento.

Olho para o homem e ele me parece tão... normal... Oh céus! É claro que ele é normal, Edu! As pessoas são normais! Apesar desse conhecimento, não consigo me impedir de levar meus olhos até os seus, que não me atingem em nada, não me afetam, não me atraem ou aprisionam. Ótimo, João! Você me estragou para o restante dos homens que não sejam você! Inferno! Homem

maldito! Com as sobrancelhas franzidas, bufo, indignada, e o entregador me encara com um questionamento silencioso.

Só então me dou conta do quão mal educado devo estar parecendo, encarando o rapaz sem motivo algum e nem mesmo lhe dando um boa noite.

− Me desculpe! Boa noite, é que você me lembrou alguém que conheço, me desculpa mesmo, eu não sou mal educado, só me distrai. -Tento sorrir um pouco, mostrando que não tenho nada contra ele.

− Alguém que você não gosta muito, ao que parece. - O comentário me faz sorrir de verdade.

− Você nem faz ideia, moço! -Ele retribui meu sorriso com um aberto, mostrando seus dentes levemente amarelados.

− Tudo bem. - Abre sua mochila quadrada, gigante e vermelha, apoiandoa na parede para retirar a comida. O cheiro que sai lá de dentro faz meu estômago dar cambalhotas e minha boca se encher de água. Quando foi a última vez que pude me dar ao luxo de pedir qualquer coisa assim? Faz tanto tempo... fecho os olhos com força, grata pelo cuidado.

E é a gratidão que me obriga a reconhecer... Ele não me pagou, poderia ter me deixado dinheiro, mas ao invés disso, cuidou de mim, teve o trabalho de escolher ele mesmo a comida e fazer o pedido. Droga, João! Tudo bem, então, um babaca, escroto, cuidadoso, mas ainda assim, um babaca escroto... reafirmo para mim mesmo, recusando-me a deixar que minha mente o travista de príncipe encantado.

Ele não tem nada de príncipe. Ele não quer me namorar e deixou bem claro que também não quer ser meu amigo, ele só me quer para transar, e quer pagar pelo meu “tempo” enquanto isso durar... O rapaz estende para mim uma sacola de papel e sorri, fechando sua mochila assim que pego a embalagem.

− Obrigado.

− Por nada... Obrigado você pela preferência... Boa noite. - Vira-se e caminha em direção à motocicleta parada na calçada. Eu o observo até que ele suma na esquina da rua, e só então volto para dentro e fecho a porta.

Na pequena mesa da cozinha, coloco a sacola e meus dedos tremem para abri-la. Eu estou com tanta fome, tanta fome... Depois de pegar talheres e um prato e também colocá-los sobre a mesa, finalmente abro a embalagem. Ao soltar os grampos do lacre, o cheiro se torna mais forte e toma conta de toda a minha pequena casa. Enfio as mãos lá dentro, sentindo uma embalagem plástica quente e uma garrafinha gelada, retiro primeiro a embalagem de comida e, quando finalmente a coloco diante de mim, descubro o que é.

Não consigo evitar que lágrimas silenciosas deslizem pelo meu rosto. Uma lasanha. Uma lasanha à bolonhesa, como eu venho sonhando há dias, meses... Como ele poderia saber? Ele não poderia... Mas o universo tem o mau hábito de chutar cachorro morto, não tem? Porque se ele tivesse pedido algo que eu odeio ou com o que não me importo, minha sanidade permaneceria intacta, preservada... Homem maldito!

**************************

Pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas, sou acordado com batidas na porta. Abro os olhos, sonolento, me deparando com o teto áspero e pintado de cal sobre a minha cama. Expiro, derrotado, ainda perdido, sem saber quem sou, onde estou e o que fazer, mas as batidas insistentes na porta me obrigam a levantar. Mesmo contra a minha vontade, porque, hoje, provavelmente, é o seu Josias.

− Já vai... - Tento gritar, porém, minha voz, rouca de sono, sai baixa, e eu decido que é o suficiente. Seu Josias pode esperar mais cinco minutos para me dar um ultimato sobre o pagamento do meu aluguel. Me arrasto para fora da cama e para o banheiro.

O espelho mostra meu reflexo pálido, meus cabelos desgrenhados e... Filho de uma puta! Uma marca roxa e forte no meu pescoço, o desgraçado me marcou! Que homem infeliz! E gostoso...Infeliz, Edu! Infeliz! Que te marcou igual gado! Não seja trouxa! Tarde demais, afinal, você sonhou com ele..., de novo... e, dessa vez, mesmo sabendo do que ele é capaz, não foi sexo que você imaginou no seu momento de maior vulnerabilidade, foi abraço e cuidado enquanto vocês dormiam de conchinha... Reviro os olhos para mim mesmo.

− Cala a boca, droga! Ninguém se importa! Ninguém se importa!

Com os dentes escovados e o cabelo penteado para baixo, abro a porta. Para minha surpresa, não se trata do seu Josias, mas de um homem vestindo terno e gravata, cheio de sacolas, dessas retornáveis de supermercado, ao seu redor. Pisco os olhos e minha testa se franze involuntariamente, não sou idiota de cometer o mesmo erro duas vezes, então, inclino a cabeça, olhando para ele desconfiado, tentando descobrir se ainda estou dormindo sem dizer nada que possa me envergonhar.

O homem aparenta ter uns quarenta e poucos anos e sorri gentilmente para mim, o que é ainda mais esquisito, porque eu tenho certeza de que, nesse momento, não pareço muito amigável. Isso parece sonho, mas, ao mesmo tempo, porque eu sonharia com um homem desconhecido cheio de bolsas de compras? Tudo bem, a resposta para essa pergunta é, definitivamente, óbvia! Ai, Deus! Eu não vou me beliscar de novo! Duas marcas roxas são o meu limite, e João se encarregou de garantir que ele fosse alcançado.

− Bom dia. - A voz calma e espaçada do homem me arranca dos meus devaneios.

− Bom dia. - respondo, esperando que ele me dê explicações ou pistas sobre ser ou não real.

− Senhor Eduardo? -Levanto minhas sobrancelhas, surpreso.

− O senhor eu não sei, mas o Eduardo sou eu mesmo.

− Eu me chamo Luiz. Trabalho para o senhor Govêa, ele me pediu para trazer essas encomendas para o senhor. - Olho para o homem, depois, para as várias sacolas ao seu redor e finalmente encontro a certeza: realidade. Isso é muito real, porque eu não sonho com João sendo babaca, afinal, a realidade já é esmagadora o suficiente. Sonho é sonho e eu jamais estragaria os meus. Ele tem que estar de brincadeira...

− Isso são... compras? Compras de supermercado? -questiono, forçando-me a duvidar de que ele teria feito isso...

− Sim, senhor! Ele me entregou uma lista, mas me disse para pedir que o senhor conferisse se precisava de algo mais antes de eu ir embora, se algo estiver faltando, eu posso ir buscar.

Mais uma vez, passo meus olhos por todas as bolsas enormes, dessa vez, conto-as. Doze. Há doze sacolas enormes cheias de compras.

Inacreditável. É impossível que esteja faltando algo ali, mas, com certeza, está sobrando. Luiz aguarda minha resposta enquanto eu pisco, confuso. Ao mesmo tempo em que não posso negar que o gesto foi atencioso, preciso obrigar meu cérebro a entender que eu não pedi a caridade do João e, que se isso não é caridade, é uma mensagem alta e clara sendo esfregada na minha cara, uma que diz em alto e bom som, que independentemente das minhas palavras de ontem à noite, sou sua puta, e ele vai fazer o que bem entender. Pelo pouco que o conheço, aposto na segunda.

Fecho meus olhos e expiro com

força, levando os dedos à ponte do nariz e apertando ali. Por que ele precisa dificultar tudo? Você está passando fome, ele te mandou comida, talvez suas definições de dificultar estejam um pouco distorcidas...A voz, tão inconveniente quanto o homem de quem ela fala, sopra em minha mente e eu começo a entender o desespero das pessoas que ouvem vozes. Eu tenho só uma, a maldita consciência, e ela está me tirando do sério, não posso imaginar o inferno que é ter várias. Se a pessoa não é louca, certamente enlouquece.

Ignorando completamente as partes de mim que querem aceitar o gesto; a faminta, a grata e a que tem bom senso para escolher quais batalhas lutar; decido usar a situação para mandar minha própria mensagem.

− Senhor está no céu, Luiz. -Sorrio para ele com a mesma gentileza com que ele me trata: − Muito obrigado por ter vindo até aqui. Mas eu acho que seu patrão se enganou. Essas compras não são pra mim e eu não vou aceitá-las.

Luiz coloca a sacola que tinha nas mãos no chão e, depois, enfia uma das mãos no bolso da calça, retirando de lá um pequeno papel dobrado e estendendo-o para mim.

− Ele disse que o senhor, desculpe... - pede, sorrindo: − Que você poderia dizer isso, me pediu pra que se acontecesse, te entregar esse bilhete.

Olho para o papel desconfiado, mas, sem opções, retiro-o das mãos escuras de dedos longos estendidas para mim. Quando o abro, encontro uma caligrafia surpreendentemente bonita. Letras arredondadas e alinhadas desenham no papel a mensagem:

“Não é negociável. Se for preciso, o Luiz vai passar a noite na sua porta, até que você o deixe entrar e aceite as compras. Se você não tiver consideração com você mesmo, tenha com ele. Ele não merece passar por isso. J.P.G”

Aperto os dentes e sinto minhas narinas se alargarem enquanto releio o bilhete pela quarta vez. Homem maldito! Levanto os olhos e um Luiz que continua demonstrando a mesma gentileza desde o momento em que abri a porta, me encara, aguardando minha resposta. O infeliz fez de propósito! Mandou o pobre homem que nada tem a ver com isso, sabendo que eu jamais o deixaria em pé, do lado de fora, só por uma birra. Sorrio para Luiz e libero sua passagem para dentro da minha casa.

O sorriso que ele me devolve é enorme e radiante, como se a chance de fazer seu trabalho realmente o deixasse feliz. Rapidamente, pega três das sacolas pelas alças e entra pela minha porta.

− Onde eu deixo? -pergunta, ao não encontrar um lugar óbvio.

− Pode colocar no chão, eu já vou arrumar tudo. -digo, já saindo para a pequena varanda na frente de casa e pegando duas das bolsas. Luiz tenta me convencer a não ajudar, mas não abro mão e, quando todas as sacolas estão do lado de dentro, ele se despede de mim satisfeito e eu o observo da porta, até que o carro, que parecia nem mesmo caber na rua, depois de fazer seu caminho lentamente para fora dela, desapareça da minha visão.

Do lado de dentro, já com a porta fechada, encaro o chão praticamente todo tomado por sacolas de compras. Eu nem sei se tenho espaço para guardar tudo isso. Deixo que minha cabeça caia para trás, apoiando-se na porta atrás de mim. Respiro fundo várias vezes. O relógio de cabeceira, ao lado da minha cama, me diz que ainda não são nem dez horas da manhã e eu já estou exausto da batalha interna sendo travada dentro de mim. Metade de mim quer aceitar isso como uma atitude cuidadosa, fofa, e se permitir ficar feliz, porque há muito, muito tempo, ninguém cuida de mim além de mim mesma, e, considerando tudo, eu não pareço estar fazendo um grande trabalho.

Mas há a outra metade, a que me alerta com uma enorme placa em que se lê: NÃO SEJA ESTÚPIDO! NÃO VÁ POR AÍ! VOCÊ VAI QUEBRAR A CARA! CUIDE DE VOCÊ MESMO!

Esfrego o rosto com força, depois, torço os cabelos, fazendo um coque e a imagem no espelho chama minha atenção imediatamente quando a marca roxa aparece, forte e grande em meu pescoço.

Homem maldito! Com uma expiração profunda, puxo a sacola mais próxima de mim e a coloco em cima da mesa.

A primeira coisa que retiro de dentro faz minha parte brigona e malcriada revirar os olhos e torcer a boca, como alguém que sabe que está errado, mas não quer dar o braço a torcer. Uma lata de leite condensado. Tem pelo menos três meses que eu não posso comprar um e, conforme vou esvaziando a bolsa, encontro mais três lá dentro, e isso está longe de ser o item mais luxuoso das compras.

Requeijão, sucos, refrigerantes, geleias, iogurtes, pães, bolos, frutas, verduras, legumes, dois tipos diferentes de queijos, arroz, feijão, macarrão, carnes de boi, frango, peixe, até camarão encontrei em uma das sacolas, mas o que realmente passou dos limites, foi a quantidade absurda de biscoitos, acho que tem mais biscoitos nessa casa hoje do que teve durante todo o tempo em que moro aqui. Doces, salgados, recheados, não recheados...

Absolutamente todos os tipos possíveis, alguns, inclusive, que eu nunca tinha visto na vida, mas com embalagens tão bonitas, que me fazem ter certeza de que custam caro.

Sentado à mesa, olhando para a louça suja depois de tomar café e comer algumas torradas com queijo e geleia, encaro o celular enquanto posso ouvir as gargalhadas dadas pela minha geladeira por finalmente ter trabalho a fazer além de gelar água, e realmente não sei o que sentir, além de gratidão. Depois que guardei tudo e percebi que, pela primeira vez, em muito tempo, eu não só tinha o que comer no café da manhã, como podia escolher o que queria, ficou muito difícil me sentir qualquer coisa além de grata. O telefone diante de mim me desafia a fazer a ligação, mas eu não posso. Simplesmente não posso. Não importa o quanto eu quero isso para mim, eu não deveria querer, não posso querer...

***********************

**** JOÃO PEDRO ***

− O SENHOR TINHA RAZÃO. Ele realmente tentou recusar, mas o bilhete resolveu.

− E faltou alguma coisa, Luiz? pergunto ao mesmo tempo em que assino alguns documentos.

− Não, senhor. Ele não quis abrir as compras antes de eu sair. Disse que com aquela quantidade de coisas, era impossível estar faltando algo e que eu não precisaria me preocupar com nada.

Sorrio. Homem teimoso! Eu sabia que ele relutaria. Mas entre mortos e feridos, salvaram-se todos, eu também sabia que ameaçar deixar Luiz em pé, pelo tempo que fosse necessário, até que ele o deixasse fazer seu trabalho, funcionaria.

Eduardo é o tipo de pessoa que se importa com outros mais do que consigo mesmo. O fato de mentir para que sua mãe não sofra com a realidade deplorável que está vivendo há meses é uma prova incontestável disso, assim como sua defesa imediata da tal Joana quando questionei a amizade dos dois.

− Tudo bem, Luiz! Obrigado. -

Libero-o e ele sai da sala depois de se despedir.

Menos um problema, agora eu só preciso que ele aceite que quer o que eu estou oferecendo para poder tirá-lo daquela espelunca que ele chama de casa. Sorrio, porque, a verdade é que eu adoro esse jeito irritantemente teimoso.

O que lhe falta em altura, sobra em teimosia e determinação. A imagem do seu rosto se acende em minha mente como uma lâmpada florescente, iluminando absolutamente tudo. Sua pele clara, suas sardas, os lábios fodidamente gostosos, os cabelos escuros, o pescoço fino e altivo. Rio ao me lembrar do presente que deixei nele, Eduardo vai enlouquecer quando ver.

Passo a mão pelos cabelos, encarando a pilha de arquivos sobre a mesa, todos prontos para serem redistribuídos. O telefone de mesa toca e a luz vermelha me indica que é Norma. − Sim, Norma.

− O senhor Laguna está aqui para a reunião.

− Pode deixá-lo entrar. E, Norma, contate a Caroline Zabur, por favor. Quero falar com ela depois dessa reunião.

− Tudo bem, senhor. Algo mais?

− Sim, na verdade sim. Preciso que você contate aquela arquiteta que reformou meu escritório de casa ano passado. Se possível, quero falar com ela ainda hoje também.

− Ok! O senhor Laguna já está a caminho.

− Obrigado, Norma.

Me levanto e, trazendo comigo as pastas separadas para a reunião, me sento no sofá preto do lado direito da sala, próximo ao bar, deixando sobre a mesinha de centro a pilha de documentos selecionados. Alguns minutos depois, a porta do escritório é aberta por Rafael, o diretor operacional do grupo Gôvea.

− Bom dia, João Pedro. -Me cumprimenta com um sorriso no rosto, os cabelos loiros claros perfeitamente alinhados e penteados para trás e já abrindo o botão do terno azul marinho para se sentar na poltrona diante de mim, deixando a mesa e as pastas entre nós.

− Bom dia, Rafael. Como vão as coisas? A Talita? As crianças? -Cruzo uma perna sobre a outra e me recosto no sofá.

− Vão bem! Todos bem. E você?

− Ótimo. Está tudo certo. Bom, eu não vou tomar muito do seu tempo. Mudando de posição, empurro para ele as pastas: − Essas são algumas tarefas que eu gostaria de redistribuir, delegar daqui para frente. Como conversamos assim que assumi o controle da empresa, eu quero fazer um rodízio de setores, assim eu serei onipresente em todos. Rafael me olha com uma expressão de concordância e puxa a primeira pasta da pilha, passa seus olhos por ela e pega a próxima. Repete esse processo até que a pilha tenha se transformado em outra, ocupando o lugar ao lado de onde esteve a original.

− São as atividades que eram desempenhadas por outros setores e você quis assumir quando se tornou CEO. -comenta.

− Sim, elas mesmas. São etapas e processos fundamentais para o nosso funcionamento e sobre os quais eu queria ter total controle por um tempo, mas acredito que já foi o suficiente.

− Sem problemas, eu apenas vou devolvê-los às suas origens. Devo entender que você precisa que eu reorganize outros processos para você, certo? Ou você vai ficar apenas com os planos de aquisições externas?

− Nas próximas semanas eu irei ao Rio. Como você sabe, estamos absorvendo uma editora sediada lá, mas, ainda assim, eu gostaria que você definisse algumas questões em que meu olhar possa ser útil. Substitua as que eu estou lhe devolvendo por outras, preferencialmente, alocadas em setores diferentes dos que eu estive nos últimos seis meses.

− Você tem certeza de que quer continuar com a mesma quantidade, João Pedro? A transição da Janeiro Editorial, quando a aquisição estiver completa, não vai ser fácil. Transições nunca são e você está lidando com ela desde o começo, não acredito que vá querer largar agora. Talvez o ideal seria que você não assumisse nenhum setor no lugar desses até que a aquisição esteja completa e a transição feita. Não acha? sugere e eu o encaro com seriedade. Apoiando meus cotovelos sobre os joelhos, dou a ele alguns segundos, esperando que se dê conta de que está ultrapassando um limite, mas isso não acontece.

− Rafael, por acaso você está sugerindo que eu não sou capaz de lidar com a minha demanda de trabalho? -Ele ergue as sobrancelhas, finalmente percebendo que seus comentários não foram apreciados.

− De forma alguma, João Pedro. Eu tenho certeza de que você é mais do que capaz, ou não ocuparia a posição em que está, e, tampouco, nossos resultados no último semestre seriam tão expressivos. Por favor, não me entenda mal. Nunca foi minha intenção, apenas quero dizer que não há uma demanda real para o seu acompanhamento. Todos os setores estão andando bem com seus próprios gerentes e diretores. Se você quiser se fazer presente, posso inclui-lo sem nenhum problema, mas considerando as perspectivas futuras para a sua carga de trabalho, queria apenas deixar claro que, caso você desejasse reconsiderar, não seria prejudicial de forma alguma.

− Obrigado, Rafael. Por favor, envie para a Norma as novas atividades a serem acompanhadas até o fim da semana. -digo, já me levantando e encerrando a reunião. Abotoo meu terno e estendo a mão para ele, que compreende a dispensa e sai da sala depois de cumprimentar.

No momento em que me sento diante de minha mesa, o ramal de Norma pisca em meu telefone.

− Sim.

− Estou com a senhorita Zabur na linha. Posso transferir a ligação?

− Pode, Norma. Obrigado.

− João Pedro Govêa... Achei que tivesse esquecido de mim... -A voz é melódica e suave.

− Eu nunca me esqueço dos meus amigos, Carol. -Ela ri, satisfeita com a resposta.

− Tudo bem, seu bajulador! Do que você precisa? Tom Ford, Ermenegildo, um Bespoke, ou você vai finalmente me deixar te vestir com um Kiton?

− Carol, no dia em que eu gastar duzentos mil reais em um terno, me internem, porque eu enlouqueci. Mas, dessa vez, não é pra mim que preciso dos seus serviços.

− Uma mulher pode sonhar, não pode? E pra quem é? Algum amigo? Eu conheço?

− Um amigo. Na verdade, eu preciso de poucas peças, peças básicas para dia-a-dia e trabalho, apenas para algumas semanas, depois, ele fará as próprias escolhas.

− Uau, essa é a primeira vez... - Carol assovia, fazendo um som dramático, como se tivesse acabado de receber uma informação valiosíssima.

− Que você veste o amigo de um cliente? - Me faço de desentendido.

− Que eu visto um amigo seu. responde, direta, e eu sorrio. Nem um pouco disposto a lhe dar mais detalhes do que isso.

− Jogo duro, hein? Tudo bem! Quando vou conhecê-lo? Preciso de medidas, preciso conhecer o gosto dele, saber sua paleta de cores, essas coisas.

− Você não vai conhecê-lo, Carol. Vou te enviar fotos e tenho certeza de que você é perfeitamente capaz de trabalhar com isso. Preciso que as peças sejam mandadas para minha casa até o fim de semana. Quero que elas já estejam lá quando meu amigo chegar.

− Você está tirando toda a diversão da coisa, João! Qual é?

− Não estou não! Estou te dando carta branca, tenho certeza de que você vai ser divertir muito gastando o meu dinheiro e, melhor ainda, ganhando pra isso.

− Ah, eu irei! Irei mesmo! -Ela gargalha: − Algo específico? Eu tenho um teto?

− Sem teto. E sobre algo específico, cuecas pretas. Não todas, mas faça boas escolhas com essa cor.

− Quer dizer que eu não posso te vestir em um Kitton, mas pra seu amigo não há teto de gastos? Cuidado, João Pedro... Ou vão começar a dizer que você está apaixonado...

O comentário me faz gargalhar.

− Podem começar a dizer o que quiserem, Carol. Eu pouco me importo com isso. Mas ninguém nunca vai poder dizer que eu não trato meus amigos bem.

− Bom, é uma pena que esse seja o primeiro que eu vestirei. Teria adorado mais comissões como as que essa compra me renderá.

− Não seja gananciosa, Carol...

− Bem, nem todos nasceram herdeiros, senhor Govêa... -Comenta com um ar divertido: − Tudo bem. Até o fim de semana as peças estarão penduradas no seu closet.

− Não que seja da sua conta, mas como eu tenho certeza de que você não fez esse comentário sem esperar uma réplica, te darei isso, não será no meu closet. Minha próxima ligação é para a arquiteta. Bom dia, Carol. -A chamada fica silenciosa por alguns segundos, o suficiente para me fazer franzir a sobrancelha, até que finalmente ouço a voz do outro lado.

− Sabe, João... talvez você devesse me ligar quando seu amigo tiver ido embora... e não para comprar ternos... A resposta me faz sorrir.

− Vou me lembrar disso, Carol.

− Eu espero que sim.

O dia avançou tranquilo entre reuniões, chamadas e videoconferências. Hora ou outra minha mente viajava até Eduardo, mas, agora, tendo respostas no lugar de perguntas e a lembrança do seu corpo quente sobre o meu, do seu cheiro e gosto, pensar nele havia deixado de ser uma tortura e passado a ser um verdadeiro oásis em meio ao deserto, uma massagem suave na expectativa de tudo que eu ainda faria com aquele homem.

O segundo dia depois que o deixei em casa correu bem, e o terceiro... No quarto, comecei a me sentir impaciente, porque a porra do homem ainda não tinha me mandado uma mensagem sequer, quem dirá me ligado.

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Comentários

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Quando ele perceber que o dinheiro não comprar paz de espírito e que o que realmente importa é ter saúde e consciência tranquila. Nada faz sentido para uma pessoa egoísta.

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Orgulho e prepotência Adam lado a lado com a luxúria e futilidade. O castigo dele é querer comprar o mundo e no final é ele que será usado, o mundo da voltas,meu caro.

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Perfeito teu conto, este Contrato é com certeza a minha melhor leitura até agora. Ansioso pelos proximos capítulos. Sucesso.

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Parece loucura. Fico procurando no celular e deixo o computador ligado esperando o aviso que já tem mais um capitulo e ai leio correndo na esperança inútil de mais um possível encontro. Estou contaminando pela história e esperando muito ve-los juntos. Acho que a vida dos dois pode mudar muito e pra melhor mas tudo vai ter que acontecer com cuidado pra não parecer que um está sendo comprado e o outro está comprando. Se a coisa for feita com carinho acho que vai ser bom se não vai ficar parecendo só uma transação de compra e o.

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