Novamente não tive reação, mas ele me mandou uma imensa interrogação, cobrando uma ação de minha parte. Eu já estava começando a suar frio e decidi lhe responder:
Eu - “Sei o que estou fazendo.”
Eu - “Por favor, confie em mim!”
Ele nada fez por segundos e decidi ativar o modo “avião” do meu celular. “Eu vou te explicar tudo, mor, mas não agora.”, justifiquei para mim mesma o injustificável. Rick estava distraído, olhando a taça de vinho na mão e depois, por sobre ela, me encarou:
- É verdade! Pensei aqui e realmente essa situação que a gente tem vivido tem duas soluções possíveis e uma delas seria eu deixar de te amar.
- Isso! - Concordei e enfiei um pedaço de vitela assada ao molho madeira na boca, tremendo por ter feito o que havia feito com o Mark, para, enquanto a degustava e o olhava, me toquei de algo que precisei esclarecer: - Duas!? Como assim duas?
(CONTINUANDO)
- Ué! Ou eu deixo de te amar, ou você passa a me amar. - Sorriu, maliciosamente.
- Você não tem jeito, né? - Respirei fundo e o encarei: - Vou ter que repetir tudo o que eu já disse?
- Não, não precisa! Mas, eu… Olha só… Nanda, eu queria te fazer uma proposta que acho poderá ser uma boa forma de resolvermos essa nossa situação e ela é tão boa, mas tão boa, que infalivelmente irá gerar uma das duas possibilidades que acabei de te falar.
Fiquei confusa e já não sabia se era do vinho, do drink, ou de algo que eu ou ele havíamos dito:
- Como assim? Que proposta é essa?
- Somos amigos, não somos? Inclusive, com muitas vantagens e bastante intimidade, não é?
- É, uai!
- Então… - Tomou sua taça de vinho numa golada só e me encarou: - Minha proposta é a seguinte: quero passar um final de semana prolongado com você como se você fosse a minha esposa, com todos os direitos possíveis, todos, claro que respeitando os limites da sua vontade, né? Afinal, não sou nenhum maníaco… Daí, se, ao final desse período, eu não tiver conseguido te conquistar de vez, eu prometo que desisto de você para sempre.
- Como assim, se eu fosse sua esposa?
- É exatamente isso: quero que você me veja na condição do seu marido, mas tudo mesmo, que você viva para mim da forma como vive para o Mark e eu vou te tratar como eu quero e sei que você merece. Daí se eu te tratar melhor que ele, quem sabe você não se toca que eu sou o seu verdadeiro amor.
- Cê não tá falando sério?
- Por que não? O que você tem a perder?
- Rick não tem como isso rolar. O Mark nunca aceitaria isso. Além disso, estou há quase um mês longe das minhas filhas, não vou ficar nem um dia mais e por um bom tempo, disso você pode ter certeza.
- Mas não precisa ser tão já, podemos pensar com calma numa data e quanto ao seu marido, você pode inventar uma viagem de negócios, sei lá.
- Mentir!? Você está pedindo para eu mentir para o meu marido para ficar com você? Mas isso é o mesmo que trai-lo.
- Foi só uma sugestão, Nanda. A forma a gente pode ir amadurecendo…
- Primeiro, eu nunca mentiria para ele. Uma vez eu omiti um fato e quase nos separamos; se eu mentir e ele descobrir, não me perdoará, jamais. Segundo, se eu contar, ele não irá concordar e com toda razão. Terceiro, eu não preciso me submeter a essa sua proposta, já tomei minha decisão. Você é que não quer aceitar.
Ele enchia novamente sua taça e após encher a minha também, continuou, tomado por uma serenidade que daria inveja até mesmo ao Mark:
- Eu só estou te oferecendo uma forma de resolver essa situação definitivamente. Só isso. Você entende de uma vez que sou a melhor opção para você ou eu me convenço de que não era pra ter sido.
- Não dá! Eu não preciso disso e sei que ele não aceitaria.
- Bem, então vou ter que continuar tentando conquistá-la dia após dia…
- Chantagem!? É sério que vai me chantagear?
- Não é chantagem. Eu quero o melhor para você. A questão é que eu me acho o melhor e quero somente te mostrar isso. Então, ou fazemos isso de uma forma concentrada num final de semana, ou eu vou fazendo aos poucos, esporadicamente, quando você menos imaginar.
É claro que eu não aceitaria me submeter a uma chantagenzinha barata e enquanto o encarava pensando numa forma de dissuadi-lo, tive uma ideia:
- Tudo bem. Vamos considerar que eu aceite. Já que você está impondo suas condições, eu também posso impor as minhas, não é?
Ele me encarou com um sorriso no rosto, provavelmente já imaginando que tivesse me enrolado:
- E que condições seriam? - Perguntou.
- Se, e não estou dizendo que aceito, mas se eu concordar com essa sua proposta absurda, quero levar o Mark comigo.
Naturalmente, ele não esperava essa contraproposta e ficou confuso. Eu mesma não sabia se era a melhor forma de agir, mas imaginava que ele não concordaria, uma vez que pretendia ficar apenas comigo no final de semana inteiro:
- Mas como eu ficaria com você sendo minha esposa (frisou), se o seu marido estiver por perto? Ele vai ficar violento quando a gente estiver namorando e vai querer partir para a briga comigo. Assim não dá.
- Uai, ficou com medinho agora? Eu e ele somos um casal. Se você quer tentar romper o que existe entre a gente é justo que estejamos por perto um do outro para você provar que pode mais que nós dois, não acha?
Seu semblante demonstrava o tamanho de sua confusão. Imaginei tê-lo atingido em cheio e já via a desistência como a única saída:
- Tá... Vamos dizer que eu concorde, como faríamos isso? Você seria a minha esposa, interagiria comigo, ficaria comigo, namoraria comigo, transaria comigo… Como faríamos com ele? Ele seria um amigo, um hóspede em nossa casa?
- É! Mais ou menos isso.
- E ele aceitaria assim, passivamente?
- Não, na verdade. Afinal, como você é um amigo com vantagens, eu trataria o Mark da mesma forma.
- Peraí! Você tá dizendo que dormiria com ele também? Mas isso eu não aceito! Nunca, nunca mesmo!
- Ara! Meu marido e eu somos liberais, vivemos assim muito bem. Você tá achando que provará ser melhor que ele se agir diferente? Tá achando mesmo que vai me conquistar se me fechar num relacionamento monogâmico?
“Touché!”, pensei ao ver sua expressão de surpresa. Acredito que ele nunca imaginaria que eu impusesse o meu estilo de vida liberal se viesse a viver com ele e isso o balançou. Ele me queria, mas, aparentemente, não tinha a menor intenção de me dividir com mais ninguém e usei isso para mostrar que talvez eu não fosse a melhor escolha para ele:
- Mas Nanda, eu quero você pra mim!
- Obrigada, fico lisonjeada, mas da mesma forma que eu te conheci estando casada com o Mark, se eu eventualmente ficasse com você, continuarei querendo viver novas aventuras com outros, quem sabe até mesmo com o Mark. - Falei e não consegui esconder um sorriso quase maligno e pisei ainda mais: - Gente, eu seria a amante do meu ex marido que eu amo de paixão. Que coisa mais louca essa, não acha?
- Nã… Nã… Não! Lógico que não! Isso não funciona. Pra mim, não funciona.
- Está vendo? A gente não combina. - Retruquei balançando a minha taça de vinho enquanto o encarava: - O melhor que a gente tem a fazer é cada um tocar a sua vida. Você é um cara legal, Rick, bonito, charmoso, bem servido (frisei). Já, já, você encontra uma Nanda para chamar de sua.
Ele havia sentido a invertida e ficou sem saber como reagir. “Fui foda! Meu mozão ficaria orgulhoso da minha estratégia hoje!”, pensei, sorrindo para mim mesma, enquanto via o Rick “perdidinho da Silva” na minha frente. Nesse momento, o garçom veio nos servir uma espécie de Tartar de Salmão com folhinhas que pareciam hortelãs. Distraí-me experimentando aquele prato, muito saboroso por sinal, alternando com meu vinho:
- Tudo bem, eu concordo. - Ele falou.
- Hum?
- Eu concordo. - Ele repetiu: - Aceito sua condição e faço questão de arcar com todas as despesas. Ele será nosso convidado e você poderá transar com ele, se ainda tiver forças depois que eu transar com você. Se eu tiver que aprender a viver essa vida para ter você, eu aprenderei.
- Rick!?
- Eu concordo! Estou te falando… Estamos combinamos, aperta aqui. - Insistiu e esticou sua mão direita para mim: - Só que, como a condição envolve ele, pode acontecer dele não aceitar participar. Daí, você terá que cumprir a sua parte sozinha, ok? A condição é sua e você terá que convencê-lo, se não conseguir, você será inteira, todinha minha.
Agora quem havia ficado perdida era eu, pois não imaginava que seu sentimento por mim fosse tão grande a ponto dele aceitar até mesmo me dividir com outros, inclusive com meu ex, na verdade atual marido. Acabei apertando sua mão sem muito saber se deveria, mas não via uma forma de sair daquela situação naquele momento.
Após isso, fiquei meio atordoada. Nosso jantar prosseguiu e mesmo conversando assuntos diversos, acabei me perdendo um pouco de mim. Logo o assunto retornou sobre possíveis datas para nosso encontro:
- Natal? - Perguntou.
- Não! Eu passo com minha família e não negocio.
- Ano Novo? Tenho até uma ideia para tornar o momento mais que especial.
- Eu… Então, normalmente por se tratar de um novo ciclo que se inicia, eu também gosto de passar com eles.
- Carnaval? Poderíamos viajar. Já assistiu os desfiles no Rio. Se bem que Salvador também é muito legal.
- É… Então, eu não sei, Rick, sinceramente ainda continuo achando essa ideia muito absurda.
- Você concordou…
- Eu aceitei! - O interrompi: - É muito diferente de concordar e só aceitei para terminar de vez com essa história.
- Ok, então: Ano Novo ou Carnaval? Vamos decidir na sorte, par ou ímpar: par é Ano Novo e ímpar, Carnaval. - Propôs.
- Quer que eu decida um momento que, de acordo com você, pode decidir minha vida, no par ou ímpar? Não mesmo! Vou pensar melhor nessa sandice, conversar com o meu marido (frisei) e depois te darei uma resposta.
Apesar de não ter gostado, também não me contrariou. Esperto, ele mudou de assunto e passamos a conversar sobre besteiras, até que a sobremesa chegou, um simples sorvete de creme com um petit gateau de chocolate. Sinceramente, ele poderia ser o melhor do mundo, mas para mim, naquele momento, não teve sabor algum. Na saída, ele tentou me oferecer uma carona, mas recusei:
- É só uma carona, Nanda, eu nunca faria nada contra a sua vontade.
- Está fazendo e sabe disso! Agradeço sua carona, mas já chamei um Uber.
- Eta mineirinha brava, sô! - Brincou e ficou no vácuo, porque eu não reagir: - Ó, antes que você diga que estou te perseguindo, eu vou embora no voo da manhãzinha. Acho que deve ser o mesmo seu, né? Mas eu não combinei nada, foi só uma feliz coincidência.
- Ahã, sei!
Ele ainda tentou me convencer por mais alguns minutos, mas foi em vão. Meu Uber chegou, me despedi dele com um beijo no rosto sem emoção alguma, entrei e fui direto para o hotel. Eu já tinha problemas demais e aquele ali seria mais um para eu resolver. Agora, mais do que nunca, eu torcia para o Mark ser o mais compreensivo dos homens.
Já no meu quarto, o sono demorou para vir. Minhas ideias estavam embaralhadas e eu tinha medo da reação do meu marido. Óbvio que ele não concordaria! Bem, talvez até concordasse se acreditasse na palavra do Rick. Eu já não sabia de mais nada e entre várias cochiladas e despertares assustados, decidi mandar algumas mensagens para ele, afinal, eu ainda devia respostas e sabia que ele as queria. Naturalmente, eu não poderia dizer nada pelo celular. Deixá-lo irado, tendo que dirigir horas em rodovias perigosas até São Paulo, era algo que eu não queria, já bastava o nervosismo que eu lhe havia imposto nos últimos dias. Torcia apenas que ele não me abandonasse naquele momento.
[...]
No sábado de manhã, quando tomava meu café da manhã, peguei meu celular e vi que ela havia me mandado algumas mensagens:
Ela - “Oi, amor.”
Ela - “Bom dia.”
Ela - “Desculpa não ter ligado ontem, mas voltamos altas horas da madrugada do restaurante.”
Ela - “Desconsidera aquele meu áudio, porque eu tinha bebido um pouquinho, mas me diverti um tantão.”
Ela - “Pena que você não estava aqui comigo, pois teria sido mil vezes melhor!”
Ela - “Vou retornar no voo da TAM, saindo às quatro da madrugada daqui e chegando por volta das dez.”
Ela - “Chegando aí, a gente conversa com calma e vou te explicar tudo.”
Ela - “Eu te amo!”
Decidi tentar contato e mandei uma mensagem:
Eu - “Posso te ligar?”
Coincidência ou não, ela não recebeu a mensagem e ficou assim por minutos. Imaginei então que já estivesse em treinamento. Levei as meninas para a escola e fui trabalhar. O dia passou rápido e na hora do almoço vi que ela ainda não tinha recebido a mensagem. Sem ter o que fazer, resignei-me a cuidar da casa e das nossas filhas. Empenhei-me tanto que acabei esquecendo do celular, só vindo a pegá-lo após comermos uma pizza, na verdade após minhas filhas irem dormir e isso já por volta das vinte e duas horas. Vi que a Nanda havia recebido a mensagem e me enviou outras:
Ela - “Desculpa, hoje foi nosso último dia e foi bastante intenso.”
Ela - “Tivemos avaliações, relatórios para entregar, quase um TCC mesmo, chato pra caramba…”
Ela - “Sei que você quer conversar e tem todo o direito.”
Ela - “Estou em falta com você, reconheço isso e sinceramente estou tomando duas decisões que irão impactar diretamente em nossas vidas.”
Ela - “Não sei se você irá gostar, tenho quase certeza que não, mas são decisões que tomei e espero que compreenda e respeite.”
Ela - “Você será o primeiro a saber quando eu chegar.”
Ela - “Nunca deixei ou deixarei de te amar!”
Fiquei sem saber o que pensar. Se ela queria me acalmar, falhou vergonhosamente. Ao contrário, aquilo só me deixou mais tenso, literalmente acabou com a pouca paz de espírito que eu tinha. “Se ela quer terminar comigo, que faça de uma vez!”, pensei e liguei para ela. Seu telefone chamou duas, três, quatro vezes e a chamada foi recusada. Insisti e após dois toques, foi recusada novamente. Mandei uma mensagem:
Eu - “Nanda, por favor, ATENDA, ou amanhã não irei sequer te buscar.”
Ela recebeu e visualizou a mensagem, mas não me respondeu, mesmo após eu enviar um grande GIF de interrogação, dando conta de que minha paciência estava no limite. Achei uma falta de consideração comigo e liguei novamente, mas após dois toques, a chamada foi recusada outra vez. Entretanto, agora ela me enviou uma mensagem, bastante simples e que não esclarecia praticamente nada:
Ela - “Sei o que estou fazendo.”
Ela - “Por favor, confie em mim!”
Por mais que eu confiasse, meu coração estava em frangalhos e insisti em outra ligação, mas, dessa vez, ouvi o aviso de desligado ou fora de área:
- Parabéns, Nanda, você se superou! - Falei para mim mesmo, mordendo o lábio inferior de raiva no silêncio de nossa casa.
Imaginando que pudesse ser algum problema na rede de telefonia, fiz outra chamada, mas o aviso de desligado ou fora de área surgiu novamente.
Surgia então o dilema ir ou não buscá-la e se eu fosse, que diferença isso faria? Estava bastante claro que algo havia acontecido nesses últimos dias, forte o suficiente, importante o bastante para mudar a cabeça da minha esposa, inclusive na forma de agir comigo. Decidi ir, não para buscá-la, mas sim confrontá-la de uma vez, assim ela não teria a chance de desligar o telefone da minha cara e fugir de uma conversa. Eu sou assim: se para nos unirmos, olhando nos olhos um do outro, para nos separarmos o procedimento seria o mesmo!
Eu já havia deixado minhas filhas com meus pais, afinal, a princípio, o plano seria ir buscá-la e participar do tal coquetel da empresa. No domingo bem cedinho, acordei e tomei um caprichado café da manhã, vendo que havia recebido algumas mensagens dela quase às quatro horas da madrugada:
Ela - “Desculpa por ontem.”
Ela - “Eu te conheço e sei que está bravo, mas também te conheço e sei que não vai me abandonar aqui.”
Ela - “Prometo que vou te explicar tudo.”
Dessa vez quem não quis retornar nenhuma mensagem fui eu, mesmo porque ela já deveria estar deveria estar dormindo ainda e pior, pelo horário que ela me enviou, significava que havia ficado altas horas na esbórnia novamente, com um diferencial: agora não tinha sido com seus colegas ou ela teria me enviado novamente uma foto para justificar o que, para mim agora, parecia injustificável.
Ser um capricorniano tem suas vantagens. Nosso sangue frio consegue colocar nossa análise sempre num plano superior aos problemas existentes, fazendo com que consigamos enxergar além e raciocinar sistematicamente procedimentos para superá-los. Sou assim! Calmamente, minto, iradamente, fui até meu banheiro, escovei meus dentes e me vesti como um civil, calça jeans, uma camisa básica preta, um sapatênis e uma boina de couro. Não haveria necessidade para levar mala, terno ou qualquer outra vestimenta, afinal, a conversa que eu teria com ela seria objetiva, definitiva e rápida, do jeitinho que eu gosto. Então, se ela tinha mesmo um coquetel para comparecer, que fosse sozinha ou acompanhada da puta que o pariu, aliás, do puto que a fazia gritar como se estivesse parindo, ao ponto de lhe virar a cabeça!
Entrei em meu carro e segui viagem. Fui ouvindo os clássicos do heavy metal que tanto gosto e decidi que aquela vida mais dark me agradava. “Vou implementar mais isso na minha vida de agora em diante.”, pensei e ri me imaginando carregando minhas filhas para os shows das mais famosas banda. “Mary iria adorar!”, comemorei, pois sabia que ela curtia esse som mais pesado. Miriam ainda engatinhava na escolha dos gêneros musicais e parecia bem propensa ao sertanejo, igual sua mãe. Eu tinha que respeitar, fazer o quê, né?
Apesar de não ser exatamente sobre esse tema específico, calhou de tocar “traitor” do Motörhead. “Há, traidora. É isso traidora!”, comecei a sorrir, nervoso e sem qualquer felicidade para aquela música:
You stand accused of treason, you offer no good reason (Você foi acusada de traição, sem oferecer uma boa razão)
You are a bloody liar, yours is the stake the fire, (Você é uma maldita traidora, dona de um jogo sujo)
You say you are innocent, but you be caught and spent (Você diz que é inocente, mas foi pega e fugiu)
And now you pay the price, for avarice, your vice (E agora vai pagar o preço da sua avareza, do seu vício)
“Isso, Lemmy, chinela essa safada!”, pensei enquanto a música continuava e eu seguia cortando os carros pela Fernão Dias. Quase chegando em São Paulo, ainda bem antes das nove, vem o Metallica para foder o resto do minha sanidade com “Cheat on Me”:
Why do you cheat on me (Por que você me trai)
Why do I cheat on thee (Por que eu te traio)
Why do I cheat on me (Por que eu me traio)
Why do I cheat on me (Por que eu me traio)
I have a passionate heart (Eu tenho um coração apaixonado)
It can tear us apart (Que pode nos separar)
I have the loves of many men (Eu tenho o amor de muitos homens)
But I don’t love any of them (Mas eu não amo nenhum deles)
Why do I cheat on me (Por que eu me traio)
You have your feelings (Você tem os seus sentimentos)
I have mine (E eu tenho os meus)
I spit upon you and change my mind (Eu cuspo em você e mudo de ideia)
I have many hearts to break (Eu tenho muitos corações para partir)
And many, many, many more to take (E muitos, muitos, muitos mais para tomar)
“Cê quer sacanear com a minha cabeça mesmo, né, Lou!?”, pensei, enquanto ouvia aquela música mais que deprê, inclusive, nem dei conta de terminá-la e pulei para a próxima faixa. Ah, nada melhor que o modo aleatório do Spotify para te fuder a manhã, qual a faixa que ele me escolheu? Nada menos que “Silent Lucidity” do Queensryche:
- Tá de palhaçada comigo, né, maluco!? - Disse para a multimídia do meu carro, como se ela pudesse me ouvir: - Essa eu não vou ouvir não! Sinto muito.
Pulei para a próxima e daí ele me presenteou com “The Sentinel” do Judas Priest. Eu precisava de umas pancadas e aquela me chacoalharia legal. Daí em diante parece que meu aparelho entendeu a necessidade de meu espírito e foi pauleira atrás de pauleira, das mais variadas: “Sole Survivor” do Helloween, “Fear of the Dark” do Iron Maiden, “À tout le Mond” do Megadeth, “Ace of Spades” do Motörhead, e mais algumas até a última que ouvi, já chegando no aeroporto: “Painkiller” do Judas Priest:
- Ho, ho, ho, ho, ho! Essa é boa para eu chegar com o sangue quente. - Falei para mim mesmo.
Fui até o balcão de informações só para descobrir que o voo iria atrasar quinze minutos, devendo chegar por volta das dez e meia. Eu tinha tempo suficiente para alimentar minhas minho-condas e fui fazer um lanche típico de mineiro: café com pão de queijo. Jesus, que pão de queijo horrível! Não dei conta de terminá-lo e após duas mordidas, joguei-o no lixo, diante da incrédula atendente:
- Filha, eu sou mineiro. Se tem uma coisa que eu entendo bem é de pão de queijo. - Expliquei e ela ficou vermelha, certamente envergonhada daquele absurdo culinário que havia me vendido há pouco.
Acabei pedindo um pão na chapa e esse desceu bem, junto da segunda xícara de um café expresso que cumpria razoavelmente bem seu papel. Quando ela me apresentou a conta, pensei que Nanda ficaria livre de me enfrentar, pois quase enfartei. O preço dava quase para comprar um queijo da Serra da Mantiqueira. Chateado por não ter perguntado antes o preço da extravagância, paguei, peguei uma revista que estava sendo distribuída gratuitamente no balcão sobre decoração e floricultura, algo que eu odeio, e fui me sentar numa cadeira do saguão, num local que daria para ver o portão de desembarque pelo qual a Nanda chegaria, mas ela não conseguiria me ver de imediato, pelo menos não antes de procurar bem.
Dez horas e nada, mas até aí normal, eu sabia o horário de chegada do voo. Dez e quinze, nada ainda, mas como já sabia que atrasaria, fiquei na minha. Dez e meia e cadê a bosta do avião!? Daí em diante passei a cobrar mentalmente a chegada do bólido voador a cada minuto que passava. Dez e quarenta anunciaram a chegada do voo. “Porra! Até que enfim!”, pensei e fiquei de prontidão, meio escondido atrás de minha leitura. Aliás, só aí vi que segurava a revista de ponta cabeça, tamanho o meu interesse naquele tema. Corrigi minha situação e fiquei aguardando.
As pessoas começaram a sair pela porta de desembarque e nada da Nanda. “Será que ela desistiu de vir?”, pensei, mas pouco depois vejo rostos conhecidos de seus colegas: um, dois, três, cinco, um bocado e nada dela, até as duas amigas passaram, seguindo em frente e nada da Nanda. Quando eu já começava a me esticar, vejo ela surgir pela porta com suas malas de rodinhas e um semblante cansado, eu diria até triste, mas uma tristeza que foi substituído por um sorriso meio tímido quando um homem, que surgiu logo atrás dela, colocou a mão em sua cintura, dizendo algo próximo a seu ouvido:
- Filha da puta! - Não consegui conter minha raiva ao ver o tal do Rick de novo ao seu lado, dizendo algum gracejo para minha esposa ou ex, sei lá.
Ela entrou caminhando lentamente, olhando para os lados e disse algo para ele que a largou imediatamente. Eu me escondi atrás de minha revista com os olhos marejados de sangue proveniente de um ódio que eu sentira poucas vezes na vida. Ela passou a procurar com mais cuidado, tentando localizar algum rosto conhecido e começou a demonstrar uma tristeza ainda maior que quando surgira ali. Ele disse alguma coisa, mas ela pedi que parasse levantando uma mão e a colocando a centímetros de seu rosto. Pegou então seu celular e teclou uma mensagem que eu recebi quase imediatamente:
Ela - “Oi, mor.”
Ela - “Já cheguei.”
Ela - “Onde você está?”
Não respondi, pois meus dedos tremiam de nervoso e minha ira não permitia tamanha submissão. Ela olhou para o Rick e, parecendo ter tido alguma ideia, comentou com ele e discou algo em seu celular. Logo, o meu começou a chamar. Deixei que tocasse algumas vezes e encerrei a chamada. Vingancinha infantil idiota! Sim, foi, mas me fez um bem tremendo vê-la ali também tremendo agora de medo de ter extrapolado os limites com aquele que deveria ser justamente o seu limite para qualquer problema. Ela o olhou, assustada e fez nova chamada. Novamente deixei chamar e depois encerrei a chamada. O Rick a abraçou e ela recusou o abraço sem sequer olhar para ele, apenas chacoalhando a mão de uma maneira nervosa que eu conhecia bem: “Não encosta em mim! Não encosta em mim!”
Ela olhou para ele e eu sentia seu nervosismo de onde eu estava, aliás, podia ser impressão, mas dava para ver que ela realmente tremia de nervosa naquele momento. Rick tentou falar alguma coisa para ela, mas ela não respondia. Olhou para seu celular e fez uma nova chamada. Decidi virar hominho, saindo daquela recente demonstração de infantilidade e, com o celular tocando, comecei a me aproximar dela. Nesse momento, ela estava de costa para mim e estava tão nervosa que não se tocou que o toque de celular que ela estava ouvindo se aproximar era do meu. Quando eu já estava a coisa de um metro dela, a chamei:
- Fernanda!