CAPÍTULO TRÊS
“NINGUÉM AGUENTA MAIS PAIXÃOZINHA BARATA”
Depois do jantar, a minha mãe passou alguns minutos revirando a papelada da InterOrsini, com o queixo caído e um semblante que indicava choque. Ela leu tantas vezes os contratos, tanto o empregatício quanto o de discrição, que eu já estava começando a achar que deveria jogar tudo aquilo fora de uma vez.
Mantinha-me apreensivo porque a opinião dela era muito importante e dificilmente eu tomaria alguma decisão sem levar em conta o seu posicionamento. Não que Dona Délia mandasse na minha vida, mas é que com os anos a gente aprende que intuição de mãe é a melhor de todas; elas nunca erram nesse sentido.
— Bruno... Carambolas — murmurou, por fim. Ela tinha mania de trocar possíveis palavrões por palavras amenas. — Esse homem não está pra brincadeira.
— Mãe, me diz que tudo isso é absurdo e sou um louco por ter pensado em concordar — soltei de uma vez, um pouco sem pensar. Estava muito cansada e no meio de um turbilhão de sentimentos controversos. — Ele é um completo imbecil.
Dona Délia deu de ombros, soltando a papelada sobre a mesa de jantar.
— Nunca vi nada assim na vida. Eu não concordo com isso aqui — separou o contrato de discrição, fazendo uma careta enojada. — Pode ser perigoso. Tem um tom coercivo que me dá arrepios. Aliás, esse homem me parece perigoso por estar fazendo tudo isso só pra te levar pra cama.
— Pois é... — soprei o ar dos pulmões. — Também acho. Quanto mais penso a respeito mais raiva me dá dele e de toda situação em que me enfiou.
— Mas isso aqui — mamãe agitou os papéis da minha promoção. — É o seu futuro, o que você tanto quis, filho. Ainda que depois ele te demita, terá experiência no currículo e algum tempo ganhando um salário maravilhoso. Você pode guardar esse dinheiro e investir depois em algo que queira — ela voltou a encarar o papel. Parecia ainda muito assustada, em seu modo sério demais. — Eu até pediria para ser acrescentado um tempo de segurança nesse novo cargo. Alguns meses, um ano, sei lá. Um período em que ele não poderá te demitir.
— É uma boa ideia. Do jeito que ele está no cio provavelmente vai concordar em acrescentar esse termo.
— Não durma com ele até estar com esse contrato assinado. Esse aqui — chacoalhou o vínculo empregatício, enfatizando. — Não este — deixou a mão sobre o grotesco contrato de discrição. — Esse aqui eu não assinaria. Se ele te quer de verdade vai ter que confiar e vice-versa.
— Eu não vou dormir com ele, mãe. Está decidido.
Ela me olhou com divertimento em seus olhos castanhos, tão iguais aos meus.
— Fala sério, Bruno, você está doido por esse sujeito.
— Eu? Quem disse?
— Se te conheço bem, já o teria mandado pastar a muito tempo. Se ainda rola dúvida é porque no fundo você quer.
— Mas já o mandei pastar e... — Ela ergueu uma sobrancelha. A quem eu estava querendo enganar? — Claro que quero, mãe, o homem é lindo e gostoso! — confessei de uma vez, mesmo que um tanto envergonhado. — Só a senhora vendo pessoalmente pra entender. Ele mexe com os hormônios da pessoa só com aquele maldito olho hipnotizante.
— Posso entender, filho, não te julgo por isso — mamãe apenas sorriu. — Essa questão quem tem que definir é você. Irei te apoiar no que decidir, mas só peço que tome cuidado. Não se apaixone por ele.
— Deus me livre e guarde de uma desgraça dessas! — soltei, todo irônico, bufando enquanto soltava um riso. — Não há a mínima possibilidade.
Uma coisa era transar com Thomas Orsini, outra totalmente diferente era deixar que ele invadisse os meus sentimentos. De jeito nenhum que isso aconteceria! Se apaixonar por um homem daquele era o mesmo que assinar um atestado de masoquismo. Imagina os ciúmes, a pressão, a agonia? Dor de cabeça imensa! Sem contar que ele com certeza não era do tipo que se apaixonava pelas suas fodas ocasionais. Eu não passaria de um número qualquer em sua lista obsessiva.
Para mim ele seria, no máximo, mais um número também.
— Ainda tem o jantar — Dona Délia lembrou, sorrindo maliciosamente, embora também pudesse identificar preocupação em seu semblante. Mãe é mãe; ela sempre se preocuparia comigo. — Acho que há a possibilidade, sim, de uma paixão. Ele é bonito, rico e deve ter uma lábia enorme. — A lábia dele era realmente GRANDE, se é que me entende. — Se ele for carinhoso, então... Você está carente, meu filho, faz tempo que não namora.
Por que as mães sempre encontram uma oportunidade para dizer na nossa cara o quanto estamos encalhados? Eu, hein.
— Mas é tudo fachada, nada é real. Thomas Orsini é apenas uma boa imagem que o dinheiro comprou. Eu não me apaixono por grana, beleza ou umas migalhas de afeto. Sou melhor que isso, sabia?
— Eu sei, meu amor, e tenho muito orgulho de você — mamãe se levantou da cadeira e veio me dar um beijo na testa. Fechei os olhos para sentir aquele carinho ao máximo. Ela tinha razão, eu estava necessitado de afeto, mas não de qualquer um e nem de qualquer maneira. — Tenho que dormir, amanhã acordo cedinho. Pensa bem antes de fazer qualquer coisa, tá?
Boa noite.
— Boa noite, mãe.
Assim que fui deixado sozinho na sala, mais uma vez encarei aqueles papeis que pareciam significar tanto o meu auge quanto a minha ruína. Recolhi tudo aquilo, devolvendo para o envelope, e fui para o quarto tentar dormir. Os meus pensamentos estavam a mil e eu sabia que seria muito difícil pregar o olho, mas ainda assim vesti um pijama e me deitei com o celular em mãos.
Tirei uma selfie com a cabeça no travesseiro. Eu não era uma pessoa muito discreta, de forma geral, e não via problema em postar fotos sempre que tinha vontade. Foi por isso que publiquei no meu Instagram e coloquei na descrição a frase: Mais um dia difícil nessa indústria vital.
Juro que não deu nem um minuto para a minha foto ser compartilhada no meu privado por ninguém mais, ninguém menos que o Thomas Orsini. Ele não me seguia, pois não tinha visto qualquer notificação, mas o meu perfil era aberto e ele conseguia se comunicar comigo sem nenhuma dificuldade.
Droga.
HOJE 11:34 PM
“Agora que eu não esqueço essa boca nunca mais.”
Fiquei paralisado diante do celular. O meu coração bateu ainda mais forte quando recebi a notificação de que ele acabara de me seguir. Ainda que estivesse nervoso e sem saber o que pensar, era a minha deixa para continuar o meu stalkeamento, por isso fui ao perfil dele e fiz uma solicitação para seguir de volta, já esperando receber uma negativa. Porém ele aceitou no mesmo instante, liberando apenas uma dúzia de fotos, a maioria de paisagens e uma ou outra dele mesmo. Nenhuma possuía qualquer descrição, nem frase motivacional, emotions... Nada.
Que homem sem graça. Não dava para saber nada sobre ele através daquela rede social, exceto que realmente era discreto, embora os motivos fossem ocultos. Sorrindo, enviei uma mensagem que era verdadeira cópia do que homens escrotos sempre enviavam aleatoriamente:
HOJE 11:36 PM
Manda foto de agora
Kkkk
Sério?
Seríssimo
Um minuto depois ele me enviou uma selfie, infelizmente daquelas que sumiam depois que olhávamos uma vez. Eu queria visualizar novamente e não pude. Queria ter registrado melhor os olhos claros me observando com certa malícia, enquanto estava deitado em um travesseiro branco, com uma expressão meio cansada, porém relaxada. Também consegui ver rapidamente seus ombros expostos e o princípio de uma camiseta cinza. Pela primeira vez Thomas Orsini me pareceu humano.
HOJE 11:39 PM
Sua vez
A foto do post foi de agora
Quero uma especial, só pra mim
Revirei os olhos, mas sorri. Estava muito certo de que não deveria estar sorrindo, por isso tratei de me controlar. Não existia beleza ou graça em sua possessividade. No entanto, eu não estava a fim de brigar ou falar verdades, isso eu faria pessoalmente, no jantar, com todo impacto merecido.
Não... Naquele momento eu queria só atiçar.
Foi por isso que me sentei sobre a cama e tirei uma foto mais ousada, que contemplava parte do meu tórax, além da minha boca. Apenas ela. Não ousei tirar uma foto de rosto inteiro porque não confiava nele nem fodendo.
Inclusive, jamais confiaria.
HOJE 11:42 PM
Já vi que hoje não durmo mais
Deltóraxo
De que jeito quer que eu não fique louco por você?
E então eu sorri de novo. Droga. Aquilo não estava funcionando. Não sabia o que fazer para ser imune a ele no quesito emoções. Não queria sentir nada além de divertimento e tesão, mas começava a ficar todo alegrinho e vaidoso, como se fosse alguém necessitado de atenção, de um homem para me dizer que eu era bonito e atraente. Bem, eu não precisava de ninguém me reafirmando. Conhecia minhas qualidades e sabia usá-las. Demorei anos para chegar naquele nível de autoestima e não era um riquinho metido a besta que me faria vacilar.
Não ousei respondê-lo, apenas voltei a me deitar e tratei de conferir de novo as suas fotos, daquela vez minuciosamente. Fiquei tentando adivinhar onde cada uma delas foi tirada, mas eu não conhecia absolutamente nada a respeito dele e muito menos por onde andava. Thomas Orsini era um mistério que eu não sabia se queria desvendar.
HOJE 11:56 PM
Ansioso para nosso jantar. Pode ser na quinta-feira?
Levei um susto quando o celular vibrou com a nova mensagem. Infelizmente eu não soube o que responder. Sentir-me perdido daquela maneira estava me deixando irritado demais, pois sempre fui muito decidido e direto. Nunca fiquei tão no escuro quanto estava diante daquele sujeito. Poderíamos ter ido jantar logo, naquela noite mesmo, assim me veria livre dele de uma vez, mas pensei em todo processo de beleza e defini que não seria naquele dia.
Eu tinha que estar lindo, com roupas pensadas, depilação em dia... Enfim, precisava estar arrasando para acabar com o homem. Por outro lado, quanto mais pensava naquilo percebia que agia feito um idiota. Se não queria nada com ele para quê tanta preparação? Para quê tanto esforço para agradá-lo? Eu que não ficaria me desgastando pra comprar imagem de homem perfeito.
HOJE 11:57 PM
Pode
Onde será? Qual horário?
20h.
Precisei revirar os olhos de novo diante de sua resposta tão definitiva, como se eu não fizesse qualquer participação na escolha. Também odiava quem só respondia uma de minhas várias perguntas.
Onde?
Vou pensar em um local discreto.
O que devo vestir?
Eu queria que fosse nada
Mas vista o que desejar
Depois vou retirar mesmo
Não tenha tanta certeza disso
E essa sua resposta não me ajuda em nada
Fique à vontade, Bruno
Vestirei jeans, sapatênis e camisa de time então
Garanto que ficará lindo
Sério, você não vai me dizer nada mesmo?
Eu só quero você
O resto irei ignorar
Então qualquer lugar é lugar e qualquer roupa é roupa
Precisei fazer uma curta pausa para voltar a respirar. Suas palavras me fizeram prender o ar nos pulmões e uma coisa esquisita se instalou em meu estômago. Mamãe tinha razão, a lábia dele era enorme, talvez até maior do que o pau. Eu precisava tomar muito cuidado para não cair numa ilusão. Ninguém aguenta mais paixãozinha barata e injustificável, alimentada por seres sem um pingo de inteligência emocional e com um monte de transtorno psicológico para dar conta.
HOJE 00:02 AM
Você está tão desesperado assim?
Você ainda duvida disso?
Você é bem perturbadinho mesmo, né?
Certo, irei dormir agora
Até quinta
Durma bem, gostoso
Até quinta
Desliguei a internet e joguei o celular para longe, só assim evitaria reler as mensagens trocadas e me obrigaria a não stalkear mais o sujeito. Claro que demorei horrores a dormir e, por isso, acordei com dor de cabeça e sem qualquer disposição para trabalhar, menos ainda para pegar a condução. Mas a vida de assalariada me aguardava e não tinha como fugir dela.
No entanto, tão logo cheguei à minha cabine no departamento de criação, Jussara apareceu e me pediu para segui-la novamente até o andar do R.H. Eu ainda não tinha assinado nada, mas pretendia ao menos resolver a questão da promoção, por isso havia levado o envelope com o contrato específico. O de discrição eu pretendia enfiar no rabo de Thomas Orsini pessoalmente, por isso o deixei em casa.
— E então, querido, trouxe os documentos? — ela perguntou ao entrarmos em sua sala. Vi que não estávamos sozinha; uma mulher se levantou da poltrona assim que abrimos a porta. — Essa é a Maria, costureira. Veio tirar suas medidas.
— Medidas? — Fiz uma careta. — Por quê?
— Olá! — a mulher me cumprimentou e acenei de volta, abrindo um sorriso mais falso que nota de três reais. Eu ainda não conseguia encaixar a necessidade da presença dela na minha cabeça.
— Acho que vão fazer algum uniforme ou algo do tipo para os coordenadores. Esses são os documentos? — Jussara apontou, com seu sorriso de sempre. Continuava animada como se amasse o seu trabalho profundamente, só isso justificaria tão bom humor logo cedo.
— São, sim... Só não assinei ainda. Mas... Vou assinar agora.
— Certo, tome essa caneta — Jussara me passou enquanto eu me sentava em uma cadeira perto da pequena mesa, que usei como apoio para finalmente oficializar o meu novo cargo.
Enquanto assinava não sabia o que sentir, mas ainda assim eu o fiz. Era uma mistura de alegria, empolgação e alívio com pavor, insegurança e péssima intuição. Depois de assinado, Jussara tratou de fazer algumas cópias e Maria veio tirar todas as medidas. Todas mesmo. Até o meu número de calçado não passou batido, nem da circunferência do dedo.
Alguma coisa estava errada e com certeza tinha toque de Thomas Orsini na jogada. Nunca ouvi falar na necessidade de tirar medidas para ser coordenador. A nossa sempre usava a roupa que queria todos os dias. Aquilo me cheirava muito mal e eu não estava gostando nem um pouquinho.
Contudo, não fiz qualquer objeção. Eu estava meio aéreo, fazendo as coisas no automático, morrendo de dúvidas e incerto até do meu próprio nome. Por fim, Maria foi embora, levando o meu esboço de cabo a rabo, e Jussara me guiou pessoalmente ao andar onde estavam montando a equipe de internacionalização. Ela retirou umas chaves do bolso e abriu a porta de uma sala espaçosa, muito limpa e decorada.
— Essa é a sua nova sala — definiu, sorrindo, entregando-me a chave.
Com a boca aberta, completamente estupefato, peguei o objeto. Virei para encarar novamente o ambiente diante de mim. Não era possível. Nenhum coordenador tinha um espaço tão maravilhoso para trabalhar. E a vista da cidade? Não. Aquilo não estava nem um pouco correto.
Mas o que eu podia fazer? Jussara nada tinha a ver com aquilo e não
podia dar bandeira soltando qualquer comentário confrontante.
— Pode trazer suas coisas pra cá — a mulher completou, ainda bastante empolgada. — Vai ter uma reunião geral com a diretoria às 11h, disseram-me para eu te avisar. É lá que você vai saber exatamente o que fazer. Infelizmente não sei te informar mais nada além disso.
— Tudo bem, Jussara... — engoli em seco. — Obrigado.
— Boa sorte nessa nova etapa! — ela disse, alisando o meu ombro em um gesto carinhoso, porém sem ser invasivo. — Preciso voltar agora.
Tchauzinho!
— Tchau...
Ela fechou a porta e eu tive que conviver com todo o peso da situação que me foi imposta. Eu tinha uma sala só minha. Não uma qualquer, aquela era inacreditável de tão linda. Possuía até um pequeno frigobar amarelo, todo chique, perto de um carrinho de café, com direito a uma daquelas máquinas cheias de frescuras e vários potinhos com sabores diferentes. Abri o frigobar só para constatar que estava repleto de garrafas d’água, sucos e refrigerantes. — Puta que te pariu, Thomas Orsini.
Tornou-se oficial, Bruno Mendes era o novo queridinho do chefe. Ele não fez absolutamente nada para merecer aquilo.
Sentei-me à minha nova mesa, constatando que a cadeira giratória era muito espaçosa e confortável, cabia todo o meu bundão com bastante folga. Merda. Mil vezes merda. Foi então que fiz uma coisa que não era muito de meu feitio: comecei a chorar.
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NINGUÉM AGUENTA MAIS GENTE VITIMISTA
Um minuto depois decidi enxugar as lágrimas patéticas e finalmente me dei conta do quanto estava sendo passional. Era verdade que eu não tinha feito nada para merecer aquela sala, ou mesmo o cargo, mas sabia de minhas competências e podia fazer por onde merecer cada centavo do meu novo salário. Só precisava mudar a minha postura, parar de me vitimizar e aproveitar as oportunidades.
Se a vida te der limões, como diz o ditado, faça uma deliciosa limonada.
Desci para o departamento de criação, a fim de pegar as minhas coisas, e vi quando a Elisa saiu de sua cabine e se aproximou, com uma expressão confusa em seu rosto.
— O que aconteceu, Bruno? — perguntou em um timbre pesaroso. — Eles te demitiram mesmo? Meu Deus, não podem fazer isso só por causa de uma...
— Não foi nada disso, Elisa — cortei-a para que não me sentisse ainda mais desconcertado. Olhei para um lado e para o outro, conferindo se ninguém prestava atenção em nós, em seguida nos levei até a pequena copa compartilhada. Muito diferente da minha nova sala. — Eles me promoveram. Sou o novo coordenador de projetos da internacionalização.
Elisa abriu a boca em espanto.
— É sério?
Assenti, então ela sorriu amplamente e me deu um abraço apertado.
— Porra, Bru, eu sabia que você conseguiria! Sabia que finalmente perceberiam o quanto é talentoso e um líder nato! — Elisa se afastou para me olhar e arrumar os meus cabelos. Parecia tão genuinamente feliz que fiquei emocionado, controlando-me para não chorar pela segunda vez no dia. — Você é foda. Vai arrasar, migo, estou muito feliz por você!
— Mas... E-Eu... — Não sabia como reagir. Achava que Elisa ficaria puta da vida pela minha promoção, mas pelo visto me enganei. E ainda recebi elogios que pareceram sinceros, ditos no auge de sua espontaneidade. Não notei nada de ruim vindo dela, nenhuma energia contraditória ou ciumenta. — Tenho que levar minhas coisas para a nova sala. É... Bem bonita.
— Imagino! Vou enrolar a Natasha e te ajudar a levar as coisas, quero conferir tudo de perto! — Natasha era chefe do projeto em que Elisa estava trabalhando. — Puta merda, coordenador?! — Elisa me olhou de cima a baixo, depois fez uma careta, passando a balançar a cabeça em desaprovação. — Você precisa de roupas novas. Esses jeans com essa camiseta sem graça não está funcionando para o seu novo cargo.
— Eu sei, e tenho uma reunião agora às 11h! — choraminguei, entrando em desespero. Já havia notado que minha própria imagem não estava combinando com a sala nova e talvez aquilo tivesse me fragilizado a priori. Estava simples e desleixado demais. — Com a diretoria ainda mais. A diretoria em peso! Eu nem sei o que rola nessas reuniões. Estou perdido!
— Calma, amigo, essa situação é emergencial — Elisa espalmou as mãos, como se fosse capaz de paralisar o tempo só para resolver o meu problema. — Tem uma galeria aqui na esquina. Eu te cubro enquanto você vai lá e dá uma repaginada nesse look. Quero trajes sociais de executivo, com acessórios e tudo o que você tem direito!
Bufei, meio cansado só de pensar na correria que seria.
— Acha que devo fazer isso?
— Com toda certeza do mundo! Tem que mostrar que veio pra lacrar, filho! — Elisa riu, animada. — Foi você que me ensinou isso. Cadê o Bruno poderoso, que sabe do que é capaz?
Assenti outra vez. A minha amiga tinha razão. O meu visual fazia parte muito importante da nova postura que eu precisava ter. Chorar não me levaria a canto nenhum, por isso, depois que desocupamos a cabine, fiz o que Elisa sugeriu e deixei o prédio da InterOrsini com o único objetivo de me tornar um executivo classudo.
No início foi um tanto difícil encontrar algo que me servisse e me agradasse ao mesmo tempo, mas acabei achando um tesouro perdido no meio de tantas roupas para magros: uma loja plus size muito bonita e organizada. A vendedora me atendeu tão bem que acabei comprando logo tudo o que precisava lá mesmo, e como não tinha muito tempo a perder, já voltei para a InterOrsini usando o meu novo estilo empresarial.
O barulho dos sapatos ecoou no corredor do novo andar e me senti bem por estar tão elegante. Definitivamente, pronto para ocupar o espaço onde me colocaram. Calça social cinza-escura, blusa branca com e blazer da mesma cor da calça faziam parte do look. Os sapatos eram pretos, muito chiques. Não tive tempo de comprar acessórios, mas as roupas falavam por si só.
Adentrei a minha sala e me senti bem. Assim que fiquei pronto, um homem, que mais tarde eu descobriria ser o secretário de um dos diretores, veio me chamar para a reunião e teve a bondade de me acompanhar até os elevadores.
O meu peito acelerou drasticamente quando ele retirou uma chave de acesso do bolso e digitou o andar da cobertura. Caralho. Eu não estava pronto para ver Thomas Orsini. Será que ele estaria na reunião? Mas me disseram que seria apenas com os diretores, não com o todo-poderoso. Meu Deus do céu...
Comecei a ficar tão nervoso que nem sei de que maneira consegui sobreviver até as portas do elevador se abrirem mais uma vez. De novo me deparei com a recepção luxuosa e imponente, com a mesma secretária bonitona trabalhando em silêncio atrás do balcão. O homem que me acompanhava acenou para ela e a mulher sorriu, mas parou quando me viu e fez uma careta muito confusa.
É, querida, eu também estava. Nada fazia muito sentido mesmo.
— É aqui — o secretário indicou, batendo a porta e a abrindo em seguida. — Boa reunião.
— Obrigado por ter me trazido.
— Por nada, disponha sempre — ele sorriu, mas nem isso foi capaz de me fazer relaxar.
Adentrei o recinto que ficava no extremo oposto da sala de Thomas Orsini, a mesma que eu tinha invadido no dia anterior. Logo de cara encontrei os dois armários ambulantes nos cantos, indicando que, sim, aquela porra de reunião teria a presença do dono. Havia uma mesa enorme, repleta de gente elegante sentada em suas devidas cadeiras, e apenas uma desocupada. Parecia cena de filme.
— Senhoras e senhores, esse é Bruno Mendes, nova coordenadora — a voz do próprio Thomas Orsini, em carne, osso e gostosura se fez presente e eu congelei. — Ele vai ficar responsável pela coordenação dos projetos de Los Angeles.
Eu queria sair correndo. Queria gritar bem alto. Adoraria pular pela ampla janela adiante e me estatelar na calçada feito um saco de cimento. Mas em vez disso aprumei a postura, ergui a cabeça, empinei o nariz e abri um sorriso ameno, delicado na medida certa.
— Bom dia, senhores! — Eu não sabia se seria de bom tom saudá-los um a um, por isso fiz uma saudação geral e me encaminhei para a única cadeira vazia, ainda que não soubesse se ela me pertencia de fato. Mas como ninguém falou nada e todos sorriram em minha direção, apenas me sentei e aguardei, evitando olhar para aquele homem, ainda que o seu cheiro estivesse impregnado naquela sala de maneira sutil, quase imperceptível para quem nunca o tinha sentido direto da fonte. — Muito prazer, é uma honra estar com vocês.
— A honra é toda nossa — Thomas respondeu e eu virei o rosto em sua direção apenas para não soar indelicado, mas não o olhei diretamente. Apenas visualizei a parede além dele, nada mais. — Enfim, agora podemos começar a reunião sobre Los Angeles. — Ele se sentou na cadeira que ficava na ponta da mesa, todo majestoso. — Na frente de cada um de vocês há uma pasta com todo o estudo de mercado realizado previamente. — Encarei a pasta azul diante de mim e comecei a abri-la, imitando o gesto do pessoal. — Tem todas as informações do que espero da nova filial e também como ocorrerá o funcionamento dos projetos desde o atendimento ao cliente até a entrega do produto final. Gostaria que fizéssemos uma leitura em conjunto e discutíssemos em caso de dúvidas, melhorias, sugestões...
Thomas Orsini foi falando em um tom firme, compenetrado, diferente de qualquer outro que usou comigo. Aquele era o verdadeiro CEO, o cara que mandava e desmandava, o milionário que levava muito a sério o que fazia. Eu tinha ciência de que ele sequer precisava estar naquela reunião, menos ainda comandá-la. Havia muita gente para fazer o serviço por ele, mas já ouvi falar que o homem era bastante participativo e gostava de estar em contato com direção e coordenação.
Não com os peões, claro, já que a primeira vez que o vi foi no fim de semana.
Foi uma reunião longa, muito cansativa, mas bastante esclarecedora. Tentei ao máximo manter a pose profissional, focado 100% no serviço. Fiquei a par de tudo o que precisava fazer e descobri que ser coordenador não era nem um pouco fácil, muito pelo contrário. Era uma baita responsabilidade.
Eu não fazia ideia de como o Thomas Orsini ganhara coragem para me atribuir uma tarefa que deveria ser feita por alguém experiente. Sinceramente, não sabia se conseguiria dar conta.
—... Amanhã nós nos reuniremos mais uma vez. Já tem parte da equipe reconhecendo o terreno em Los Angeles e quero que, antes de começarmos de verdade, todos já tenham passado por esse processo.
Abri os olhos, meio surpreso com aquela informação.
— Todos? — o questionamento me escapuliu e, no mesmo instante, Thomas me preencheu com aquele olhar matador. Se fosse uma metralhadora com certeza eu estaria arrebatada no chão.
— Sim, senhor. A previsão de sua ida é na semana que vem.
Abri a boca. Nada foi capaz de passar por ela, nem mesmo a respiração.
— Senhor Orsini, e quanto ao... — um cara ergueu a mão e começou a perguntar, mas confesso que não ouvi mais nada. Ainda estava preso na ideia de viajar para fora do país dentro de tão pouco tempo.
Eu possuía um visto atualizado. Passaporte em dia. E falava inglês fluentemente. Só não tinha noção de como aquele cara sabia tão importantes detalhes ao meu respeito. E como se achava no direito de decidir cada passo da minha vida? Se era para viajar, ok, mas eu precisava saber antes, não? Los Angeles não era exatamente ali na esquina.
A reunião encerrou e reuni aquela papelada toda dentro da pasta novamente. Foi um movimento automático, visto que não conseguia controlar os tremores provenientes do nervosismo e da raiva. Muita, muita raiva. Aquela gente cheirosa e bem-vestida começou a se cumprimentar, então precisei controlar todas as emoções para me despedir de maneira apropriada, reconhecendo a função de cada um dentro da empresa.
Passei direto de Thomas Orsini, ainda que discretamente, quando ele fez menção de se aproximar para me cumprimentar. Antes de sair da sala de reuniões ainda dei uma conferida no Roberto, o guarda-costas, que me olhou com seriedade, como se me alertasse para não sair correndo de novo.
Foi o maior alívio do mundo quando adentrei a sala nova e me vi livre de vez daquela gente. Tinha um material muito extenso para estudar e um bocado de orações pra fazer, porque eu ia precisar de muita reza mesmo, mas não consegui fazer nada além de olhar para o horizonte das janelas, que iam do chão ao teto. Controlei, como pude, a vontade de chorar de novo.
— Você me paga, Thomas Orsini — murmurei para mim mesmo, em um resmungo irritado, entre dentes. — Você me paga.
O meu celular vibrou sobre a mesa e olhei a tela no impulso. Era uma nova notificação do Whatsapp.
Número Desconhecido:
Você se saiu muito bem
E estava lindo
Bruna:
Vai pro inferno, Thomas Orsini
VAI PRO DIABO QUE TE CARREGUE
Me deixa em paz ME DEIXA EM PAZ, MERDA!!!
A minha resposta foi completamente impulsiva, mas não me arrependi de nenhuma sílaba que a compôs. Eu estava tão irritada, perdida e... Argh! Queria matar aquele homem, tirá-lo de uma vez do mapa. Sentia-me controlado feito uma marionete, um fantoche... E sabia que aquela merda só pioraria. Ele achava que eu era a sua propriedade. Jurava que podia fazer o que quisesse comigo. Não era possível.
O que eu tinha feito para merecer tanta escrotice?
Thomas Orsini visualizou a mensagem, porém não respondeu. Quase meia hora se passou e nada. Eu precisava começar a analisar a papelada novamente, mas não pude. Estava ansioso, descontrolado, desequilibrado. Cheguei a procurar o número do celular da minha mãe para ligar e desabafar tanta angústia, mas respirei fundo e decidi não importuná-la. Dona Délia ficaria preocupada e esse não era o objetivo. Precisava resolver minhas questões como um adulto.
Duas horas depois do rompante, quando eu já tinha me acalmado, tomado um café bem gostoso com chocolate, e começado, finalmente, a reler os papeis, ouvi batidas curtas na porta. A pessoa sequer esperou por resposta, foi logo entrando e a fechando atrás de si.
Thomas Orsini, claro.
Eu me levantei da cadeira imediatamente, com o coração e o cu na mão.
— O que eu fiz pra te deixar tão chateado? — perguntou, aproximando-se devagar, como se tentasse aquietar um bicho peçonhento. No caso, eu era o tal bicho. — Só preciso entender por qual motivo tudo que faço te irrita.
Abri a boca, pronto para rebater, mas me calei. Eu estava cansado. Como nada falei, o CEO continuou, com o semblante confuso, visivelmente abalado:
— Só quero agradá-lo. Tudo que fiz até agora foi para te dar suporte, te colocar onde você merece e te tratar como merece. Por que me odeia tanto?
— Eu não te odeio — falei duramente, exalando indiferença. — Nem te conheço.
Thomas Orsini piscou várias vezes.
— Realmente, não. Mas isso pode mudar e é o que desejo.
— Pra quê? Por que tanto esforço? Thomas, a gente se beijou numa festa aleatória e desde então você está obcecado só porque te dei um belo de um não. — Eu me aproximei mais, colocando-me à sua frente. Peguei suas mãos grandes, virando as palmas para cima, e ele ficou olhando aqueles gestos sem entender. — Como imaginei. Não tem nenhum joystick ou controle remoto aqui. Você pode controlar a sua empresa e a sua vida, mas a mim, não. Eu não te dei e nem nunca vou te dar esse direito.
— Insisto em dizer que nada disso é controle. Não vejo assim.
Balancei a cabeça em negativa e soltei um riso sem graça. Ele estava tão acostumado a comprar tudo e todos ao seu redor que já nem sabia mais quais eram os próprios limites. Contudo, aquilo era um problema dele, não meu. O fato de agir daquela forma sem nem mesmo se enxergar não o fazia menos culpado. E eu preferia morrer a começar a passar pano para um boy Chernobyl desses.
— Então me explica essa sala — apontei ao nosso redor. — Explica essa merda sem mencionar o seu desejo de me comer.
Ele assentiu, refletindo.
— Eu li os artigos que publicou na faculdade. Li o seu TCC e depois o projeto de conclusão da pós — Thomas disse sem me olhar. — Revirei as sugestões que fez para a InterOrsini, analisei os projetos em que trabalhou, remexi suas publicações em todas as redes sociais e me tornei ciente de tudo o que podia sobre você.
Aquele homem começava a me assustar de verdade. Só não saí correndo daquela sala porque eu tinha feito basicamente a mesma coisa com ele. E eu era normal, certo? Quero dizer, mais ou menos.
— E então? — perguntei em um sussurro.
— Você só precisa de uma chance — Thomas finalmente me olhou. — Uma oportunidade para mostrar todo o potencial que possui. Bruno, eu nunca colocaria qualquer pessoa para ocupar esse cargo. Essa empresa é a minha vida. É a única que toco sozinho, pois todas as outras pertencem aos meus pais. Se algo der errado a culpa será toda minha. — Havia verdade e até um pouco de... medo em seu semblante. — Não arriscaria o meu trabalho por um capricho. Por que não aceita de vez que aqui é o seu lugar?
— Eu... — Ele removeu todos os meus argumentos em uma tacada só. — Estou aqui, não estou? Ocupando esse lugar que você me colocou.
— E está tudo bem — Thomas tocou as laterais dos meus braços, olhando-me daquela forma fixa que me deixava terrivelmente molenga. — Está tudo bem.
— Eu não vou te dar biscoito — murmurei. — Não vou te dar nada em troca disso aqui. Me ofereceu um bom emprego? Ótimo, problema seu. Foder não está em minha lista de funções.
Suas mãos subiram pelos meus ombros e seguraram o meu rosto. Meu Deus do céu.
— Só vou te foder quando você quiser ser fodido. Não será obrigação, troca ou compra. Como já falei antes, não há o que comprar.
A sua proximidade estava me deixando muito nervoso e com o raciocínio cada vez mais fraco. Soltei um suspiro, dando um passo para trás, porém Thomas Orsini não permitiu que eu me afastasse. Em vez disso, agarrou-me pela cintura e deixou o rosto próximo do meu. Espalmei o seu peito para mantê-lo controlado, ainda que não soubesse direito o que fazer.
Não sabia de mais nada da vida.
— Você não me respondeu — comentei, por fim, querendo ganhar tempo para descobrir se queria ou não que ele avançasse o sinal. — Por que tanto esforço?
Thomas Orsini levou um dedo aos meus lábios.
— A culpada é a sua boca — e em seguida a mordiscou, atiçando-me tão depressa que me apavorei. Não consegui não sentir o mais completo tesão com aquele simples gesto. Ele estava tão perto, tão másculo e hipnotizante, tão cheiroso e sedutor... — Você tem razão, fiquei obcecado. E vou esperar o tempo que for preciso pra ter esses lábios em mim.
Ele se afastou devagar, quase como se sofresse ao desgrudar nossos corpos.
— Até quinta, Bruno.
Não o respondi. Não fui capaz.
Parecia que um trator tinha acabado de me atropelar e sequer tive tempo de conferir a placa. Thomas Orsini era como um furacão, uma força maior que remexia tudo o que eu havia construído com tanto esmero dentro de mim. E, se quer saber, não era nada agradável. Eu odiava me sentir sem chão.