Contratados: A Rendição - Capítulo 03

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 5805 palavras
Data: 04/05/2023 15:04:13

CAPÍTULO 03

*** MARCOS VALENTE ***

Puta que pariu.

Anthony tem vinte e um anos. Um esposo bebê e, o pior? Meu pau está duro por ele desde que as portas do maldito elevador se abriram. Eu não tinha qualquer intenção de comê-lo com os olhos, mas porra!

Sua imagem com o uniforme cinza ficou completamente no passado quando ele apareceu diante de mim, exibindo o caralho do corpo mais gostoso que poderia ter.

A calça jeans justa desenha as coxas grossas, tentando minha mente a imaginá-las presas ao redor da minha cintura, e a camiseta vermelha exibe o contorno do peito, que parece perfeito para as minhas mãos. Mas que caralho está acontecendo comigo, porra?

Eu não sou um descontrolado, então, por que não consigo parar de imaginar o cara à minha frente nas mais diversas posições, nu, ao meu redor?

Deus, vinte e um anos. Puta que pariu. Como foi que eu deixei isso passar?

A voz de João Pedro soa em meu ouvido dizendo um eu te avisei sonoro, apesar do silêncio que grita na sala. Ele tinha que parecer tão inocente? Frágil? Tinha que abaixar a cabeça, constantemente, fugindo do meu olhar? E por que caralhos eu me importo? Eu não preciso disso. Não preciso do caralho de um marido de vinte e um anos, que provavelmente não vai ter jogo de cintura para lidar com as situações que uma história de cinderela vai provocar.

Todos os jornalistas, todas as matérias sensacionalistas, o conselho da Valente se recusando a acreditar na seriedade do meu casamento, o fato de que o casamento é de aparências. Isso tem tudo para dar errado...

— Você quer desistir… —sussurra de cabeça baixa, interpretando corretamente o meu silêncio.

— Anthony, é só que... Você tem vinte e um anos e eu realmente não esperava por isso. Quer dizer, você mal alcançou a maioridade. O casamento devia me fazer parecer mais responsável e maduro e eu receio que um casamento entre nós dois não vá ter a credibilidade que preciso... — pondero e guardo para mim a parte em que, a julgar por minha reação a ele, seria uma verdadeira tortura ter que me abster de foder meu marido, o que seria o mais descente, já que ele é um bebê. Puta que me pariu!

— Eu tenho vinte um, não menos, e já vivi mais do que muita dos caras de porcelana com quem você costuma desfilar em capas de revistas! —me desafia e eu sorrio, por alguma razão que eu desconheço, gostando muito mais da versão que me enfrenta do que daquela que se esconde de mim.

Mas tudo o que eu tenho é um vislumbre, porque dois segundos depois, ele abaixa a cabeça e se encolhe, como se tivesse se lembrado que esse comportamento não é adequado. Submisso, exatamente o tipo com que eu poderia seguir minha vida de solteiro, apesar de casado, sem me causar problemas. Então por que isso me incomoda tanto?

— É diferente, esse casamento não vai ser fácil e a sua pouca idade vai tornar tudo ainda mais difícil pra você...

Ele levanta a cabeça e olha em meus olhos, parece decidir me contar ou não algo, morde o lábio, pisca e, por fim, o que sai da sua boca, definitivamente, não é o que eu esperava...

— Eu estava bem, eu tinha um plano e estava conformado com ele, você não pode simplesmente chegar, bagunçar tudo, me fazer repensar os próximos dez anos da minha vida e depois desistir, só porque descobriu algo que já deveria saber, para começo de conversa, Marcos. Isso não é justo! — sua voz oscila entre a raiva e o controle e, porra!

Sinto-me muito mais tentado a levar toda essa história a diante agora, do que quando eu estava devorando suas curvas e imaginando minha língua passeando por cada uma delas. Por isso, me forço à uma resposta completamente oposta à que minha mente grita para que eu dê.

— Me desculpa, a vida não é justa. Caso você não tenha percebido, eu estou me casando por pressão de terceiros, Anthony. Quão justo isso te parece? A mim, não parece nem um pouco... — E, então, acontece outra vez. Seus olhos gritam seus pensamentos e eu sorrio, porque, pelo menos, eles são descontrolados. — Eu disse que eu era um filho da puta, Anthony, isso realmente não devia te surpreender. E o fato de você estar surpreso só confirma que tudo isso foi um grande erro...

Um som de escárnio deixa sua garganta, ele balança a cabeça para um lado e para o outro, descrente de que eu realmente esteja dando um fim a tudo assim, tão repentinamente. Mas eu não posso ter um esposo de vinte e um anos, simplesmente não posso.

Anthony abre a boca, e, contra todo o meu bom senso, a expressão em seu rosto me deixa ansioso por suas próximas palavras, ele parece finalmente estar pronto para me mostrar algo além de cabeça e olhos baixos.

— Você... — começa, mas é interrompido por um rock grave que eu jamais associaria ao homem à minha frente e me faz franzir o cenho. Seu rosto desvia-se do meu, procurando pela bolso, e ela tira de lá a fonte da música inesperada, um aparelho celular simples. Suas sobrancelhas se unem ao olhar para a tela e, seus dedos atendem à ligação com uma velocidade surpreendente.

— Alô? — diz, ainda com o rosto sendo transformado por uma expressão preocupada. — O quê?! — quase grita, levantando-se de um salto, e começando a caminhar na direção da qual viemos, deixando-me tão aturdido que levo um tempo para me levantar também e segui-lo.

Quando o alcanço, Anthony já tem o dedo colocado sobre o sensor de digitais do elevador, pronto para me deixar aqui, sozinho, como um idiota, sem nem mesmo ter a cortesia de me dizer o que se passa.

Quero lhe cobrar isso, mas percebo que só o alcancei, na verdade, porque ele está paralisado no lugar. E a cada instante que a voz do outro lado da linha fala, Anthony permanece em silêncio e seu rosto se torna mais grave, deixando de parecer preocupado e começando parecer desesperado. Contra as minhas próprias expectativas, me vejo querendo ajudá-lo, mesmo sem saber do que exatamente ela precisa.

Em uma decisão de um segundo, calço os sapatos separados no hall e cubro sua mão com a minha sobre o sensor, já que ele está nervoso o suficiente para não posicionar o dedo corretamente, por isso o elevador ainda não foi chamado.

Meu toque o desperta do transe que o que quer que ele tenha ouvido a colocou e, quando seus olhos encontram os meus, vejo lágrimas prestes a serem derramadas neles. Ah, não, porra! Lágrimas? Não! O que eu vou fazer com um ex-futuro noivo bebê choroso?

— Eu estou indo! — responde firmemente ao telefone, apesar de sua aparência abalada. — Chego em, não sei, quarenta minutos. Eu… eu vou pegar um Uber! Meu Deus! — Bate a mão sobre o rosto ao se dar conta do tempo que será necessário para chegar aonde quer que precise estar nesse momento. — Isso vai demorar uma vida... Eu estou indo! Estou indo!

Não consigo evitar me perguntar o que aconteceu. Meu primeiro pensamento são seus pais, mas ele me disse há minutos que eles não se importam com ele, então presumo que eles não tenham uma boa relação.

Uma amiga? Um amigo? Uma avó, talvez? Uma avó justificaria tanto desespero, um parente próximo, porra, eu não faço ideia! E outra vez a gargalhada debochada de João Pedro soa em minha cabeça, para logo em seguida, sua voz me dizendo que eu não sabia nada sobre o garoto soar também. Caralho, eu odeio quando ele está certo!

As portas do elevador se abrem e Anthony entra nele desabalado e desligando o telefone, mas com o olhar tão perdido, que me admira que ele saiba o que fazer, para onde ir. O sigo, entrando logo atrás e parando ao seu lado. Ainda assim, ele mal se dá conta da minha presença. Outra vez, seu dedo no sensor não cumpre seu papel e chama a minha atenção para o tremor intenso em suas mãos.

Afastando sua mão com delicadeza, coloco meu dedo sobre o leitor e programo a decida até a garagem no subsolo. Anthony não diz uma palavra sequer, mas seus olhos não se desviam do painel luminoso que indica os andares pelos quais vamos passando e os meus não se desviam dele nem por um segundo. Quero perguntar o que há de errado, mas não tenho a menor dúvida de que, nesse momento, minha presença é tão significativa para ele quanto a de uma mosca seria. Duvido muito que ele vá ouvir qualquer coisa que eu disser agora.

Então, me mantenho calado enquanto a máquina desce cada vez mais. As mãos de Anthony continuam tremendo e ele envolve os braços ao redor do corpo, abraçando a si mesmo, seus pés batem no chão sem parar em um reflexo ansioso e seus olhos, apesar de vermelhos e irritados por lágrimas derramadas, mantém o rosto tão seco quanto no momento que o encontrei esta manhã.

As portas do elevador finalmente se abrem na garagem subterrânea do prédio, saio por elas, mas Anthony continua no mesmo lugar, quando me viro a sua procura, encontro-o levemente inclinado, com o dedo sobre o leitor de digitais e, para o inferno, dessa vez, ele acerta.

As portas começam a se fechar e eu, literalmente, me jogo entre elas, impedindo o fechamento. Isso faz com que Anthony reconheça minha presença. Seu olhar perdido fixa-se em mim e eu me pergunto se só agora ele se deu conta de que era comigo com quem dividia o elevador, ainda que tenhamos entrado nele juntos, saídos do meu apartamento.

— Eu preciso ir e você precisa liberar a porta! — exige, sua voz o completo oposto de sua postura abalada.

— Eu sei. Vem, eu vou te levar... — Estendo a mão e depois do olhar que ele me dá, eu mesmo acho bom conferir seu meu braço não ficou verde desde a última vez que o vi.

— O quê? Por… por quê?

É, Marcos! Por quê?

Faço a pergunta para mim mesmo e não encontro resposta. Então me mantenho em silêncio e apenas estendo a mão novamente, em um pedido. Dessa vez, Anthony não hesita em aceitá-la e em instantes já estamos de frente para o meu Carro. Abro a porta para ele, que entra apressado, e tenho certeza de que ele seria capaz de me apressar a entrar também.

— Pra onde? — pergunto, acomodado no banco do motorista.

— Pro hospital santa Leopoldina.

***************

— Isabella Rodrigues, por favor! — Anthony solta o nome na recepção do hospital depois de praticamente ter saltado do carro, assim que estacionei.

Eu, literalmente, tive que correr atrás dele. Bem, definitivamente, essa foi uma primeira vez interessante.

O sobrenome me diz que se trata de um parente, provavelmente, uma avó. E enquanto ele se ocupa em receber as informações, não consigo evitar que meus olhos observem ao nosso redor. Eu sabia que Anthony era pobre, mas saber e ver, são duas coisas completamente diferentes.

O hospital não é sucateado, mas está longe daquilo que eu consideraria adequado. Paredes encardidas, móveis velhos, nenhum tipo de conforto para os acompanhantes ou visitantes à vista e, olhando para a atendente da recepção, percebo que simpatia também não é o forte do lugar. Culpa. O maldito sentimento me atinge com força.

Ele disse que tinha um plano e que eu não tinha o direito de virá-los de cabeça para baixo só para desistir depois. Olhando para este lugar, isso faz muito mais sentido do que antes.

Os passos apressados e obstinados de Anthony — porra, que nome grande! Vou chamar de Thony... — nos levam até o elevador no fim do corredor. Ele para diante da máquina antiga e pressiona o botão. Quando ele não aparece instantaneamente, volta a apertá-lo, deixando o dedo no painel como se fosse uma campainha. Ao contrário do que eu esperava, agora que chegamos, sua ansiedade parece ter aumentado ao invés de diminuir e todo o seu corpo deixa isso muito claro.

Pés ansiosos batem sem parar contra o piso amarelado, a mão que não está fissurada em enfiar o botão do elevador dentro do painel para que ele nunca mais seja capaz de sair, alterna entre dar leves tapinhas na coxa e passear pelos fios de cabelos soltos, os olhos não se fixam em lugar algum e a língua constantemente molha os lábios, como se a lambida anterior não tivesse surtido efeito algum.

O apito do elevador soa alto, denunciando sua chegada, Thony entra no instante em que as portas se abrem e eu o sigo, posicionando-me bem ao seu lado no espaço apertado. Suas mãos deslizam pelos cabelos soltos, atraindo minha atenção para eles, são bonitos, mas por alguma razão que eu desconheço, embora pareçam adequados para a personalidade que ele demonstra, eu acho que eles são se parecem com ele, com quem ele é.

Mas que porra, Marcos? Desde quando você é o melhor leitor de pessoas?

O leitor luminoso acende o número três, Anthony dispara porta afora e eu o sigo até estarmos parados diante de um balcão vazio. Ele vira o rosto em todas as direções, provavelmente, procurando a pessoa que deveria estar atrás daquele balcão, com a função de dar informações para familiares e visitantes. No entanto, tudo o que vemos é uma ou outra pessoa uniformizada andando minuto ou outro, mas nenhuma delas parece disposta a se estabelecer na recepção.

O desespero de Anthony, aliado a total falta de informações e à irritação pelo desleixo do hospital, começam a me deixar irritado. O homem está agoniado e ninguém além de mim parece se importar com isso, porra!

Deixo-o ali e caminho na direção de um médico, a julgar pelo jaleco e estetoscópio, até parar diante dele, interrompendo sua caminhada. O homem magro, calvo, usando óculos quadrados e pequenos, levanta os olhos da prancheta que tem nas mãos apenas tempo o suficiente para reconhecer minha presença, depois volta a olhar para os papéis. Um som de escárnio deixa minha garganta, eu mal posso acreditar no descaso.

— Bom dia! Eu preciso de informações sobre uma paciente... — digo sem qualquer gentileza.

— Isso é no balcão de informações, senhor... — me responde sem levantar os olhos.

— Se você levantasse a porra dos olhos, veria que ele está vazio. — Isso ganha sua atenção e sua boca está aberta para rebater quando ele realmente repara em mim. Seus olhos me analisam por um momento, me medindo.

— Senhor, eu sinto muito. Mas eu não sei informá-lo sobre pacientes que não sejam os meus. As responsáveis por isso são as enfermeiras que ficam ali — aponta para o mesmíssimo balcão ao qual já se referiu antes —, mas como estamos com pouco pessoal, elas acabam tendo que desempenhar outras funções.

— Ok, e onde eu encontro uma dessas enfermeiras?

— Eu não sei lhe dizer, senhor. Elas podem estar em qualquer lugar desse andar.

Balanço a cabeça, concordando.

— Tudo bem, obrigado. — Saio de sua frente, voltando para onde Anthony está, e quase posso sentir os olhos do médico em minha nuca. Ao invés de retornar para o seu lado, dou a volta no balcão, identifico a portinhola de entrada, encontro sua abertura e passo por ela.

— Ei, o senhor não pode fazer isso! — diz o médico, em um tom de voz um pouco mais alto, o que considerando o fato de que estamos em um hospital, pode ser chamado de grito. E eu o ignoro, o que faz com que ele venha em minha direção.

Anthony me observa com os olhos surpresos e a boca levemente entreaberta, a preocupação ainda é evidente em sua postura, mas há uma leve mudança quando ele percebe o que estou fazendo. Inesperadamente, assim como tudo o que fiz desde que percebi seu desespero quando atendeu o telefone ainda na minha cobertura, gosto da sensação que me causa o conhecimento de que fui eu quem lhe deu algum alívio, mesmo que seja um minúsculo, se a expressão em seu rosto for um indício.

Olho ao meu redor, encontrando um computador, e é em sua direção que caminho. Na tela acesa, tento identificar qualquer coisa familiar, afinal, sistemas são quase sempre iguais, não importa quais sejam. Em instantes, localizo uma lupa. Curvo meu corpo sobre a mesa baixa e com o mouse, clico no campo de pesquisa.

Estou prestes a digitar a primeira letra quando sinto a presença de um corpo atrás de mim.

— Senhor, você não pode entrar aqui! — o maldito médico chia, sussurrante.

Retribuindo sua cortesia, não me dou ao trabalho de lhe dirigir o olhar dessa vez.

— É mesmo? E quem vai me impedir? — questiono, digitando “Isabella Rodrigues” no campo e, rapidamente, uma lista com três “Isabellas” aparece na tela. Leio as informações e encontro o que preciso. Enfermaria pediátrica 3.

Franzo o cenho. Por que caralhos uma idosa estaria na pediatria? Do jeito que isso aqui é mal organizado, é provável que seja um erro de cadastro, ou a tenham alocado lá por falta de espaço na geriatria.

Puta que pariu, Anthony! Mas que vidinha você tem, não?

Expulsando todo o ar dos pulões, me levanto e me viro para o médico, que não parou de chiar atrás de mim nem por um segundo desde que me alcançou.

— Onde fica a enfermaria pediátrica três?

— O senhor não me ouviu? O senhor não pode fazer isso! — brada, crescendo agora que tem a atenção do meu olhar.

Inspiro e expiro profundamente, apoio uma das mãos na cintura e levo a outra à testa, coçando ali levemente antes de dizer minhas próximas palavras.

— Aparentemente, o senhor é que não está me ouvindo! Eu estou nesse hospital há menos de trinta minutos e já observei, pelo menos, seis violações às recomendações da agência nacional de saúde, duas da de vigilância sanitária e umas quinze quando o assunto é perícia e negligência médica. E o senhor sabe como eu sei disso? — minha fala é lenta, quase calma. Quase, porque qualquer um que tenha visto minhas ações nos últimos minutos, poderia facilmente deduzir que se tem uma coisa que não estou, é calmo. — Porque eu sou a porra de um advogado especialista em direito médico! — minto nas afirmações, mas não na indignação que se agarra a cada uma das minhas palavras. O homem dá um passo para trás, arregalando os olhos e apertando os dedos ao redor da prancheta que ainda segura. — Então, você vai me dizer onde é o caralho da enfermaria, ou eu vou precisar te mostrar que entrar na sua recepção abandonada, usar um computador e encontrar a informação que não deveria ter levado mais de dez minutos para ser dada é só o começo do que eu posso fazer?

Vejo sua garganta engolir em seco e suas narinas se alargarem com a expiração enfurecida que ele dá. Honestamente, eu gostaria que ele me negasse a informação, mas um breve olhar para Anthony me diz que ele poderia trocar qualquer coisa por esse pedaço miserável de conhecimento. Há alguém com quem ele se importa muito na maldita enfermaria e, se ele quer, ele vai ter!

— Mais rápido! — exijo e o médico desvia os olhos dos meus.

— Corredor à esquerda, terceira porta à direita — responde, ainda sem olhar pra mim.

— Decisão inteligente! — aviso antes de deixá-lo para trás. Anthony já está em seu caminho pelas direções dadas pelo médico e eu sigo atrás dele.

Atravessamos portas e corredores, seus passos são cada vez mais rápidos e eu tenho certeza de que ele está se controlando para não correr. Finalmente chegamos ao nosso destino, ele empurra a porta corta-fogo e entra, deixando-a bater, ele não deu nem mesmo um olhar de desculpa para trás, totalmente focado em encontrar a tal Isabella. No entanto, assim que passo pela porta, o encontro sendo confrontado por uma mulher alta, de pele negra e cabelos presos em um coque. Ela usa um uniforme azul e eu me aproximo para ouvir o que está sendo dito.

— O senhor não pode entrar aqui sem identificação!

— Eu não tenho identificação porque o balcão de recepção estava vazio!

— E como o senhor sabe que é aqui que está o paciente que procura se ninguém lhe atendeu? — questiona e Thony me olha, pensando se deve dizer a verdade ou não.

— Pelo amor de Deus, eu só preciso saber se ela está bem, eu juro que depois faço tudo o que a senhora quiser, mas só me deixe entrar e vê-la, saber se minha…

— Papai! — uma voz infantil grita no fundo da enfermaria, com seis camas enfileiradas, todas ocupadas. Olho para trás, para ver se mais alguém entrou na sala depois de mim, e franzo minhas sobrancelhas ao constatar que não. A porta continua fechada.

No entanto, chamando minha atenção e surpreendendo-me, Anthony arfa e tem os olhos imediatamente atraídos pela voz que gritou, que eu logo identifico como sendo de uma menininha loira e pequena. Thony troca um olhar que eu não entendo com a enfermeira que barrava sua passagem e a mulher o deixa passar. Dessa vez, meu ex-futuro noivo bebê não se contém e literalmente corre, só para quando a criança está em seus braços. Eu não sei quem chora mais, se a pequena cabeça loira, ou o homem com quem minutos antes eu discutia meu casamento.

E então, acontece outra vez, a voz de João Pedro berrando um sonoro eu te avisei ecoa em minha cabeça e, dessa vez, eu nem posso odiar o filho da puta! Porque, caralho! Anthony tem uma filha!

************

*** ANTHONY RODRIGUES ***

Meu coração explode no peito em alívio e dor. Deus, não tem nada pior nesse mundo do que ver minha filha chorar e não poder fazer nada para melhorar isso. Nenhuma dor que eu tenha sentido em toda a minha curta vida foi maior do que essa e se houver uma, por favor, eu prefiro a morte, porque ela deve ser mais gentil.

Abraço o corpo pequeno, que se agarra a mim com braços e pernas, e aperto Bella em meu peito. Aliso seus cabelos finos e meus dedos tocam uma faixa de tecido. Em meio ao nosso choro, sim, porque choro tanto quanto ela, abro meus olhos, analisando sua cabeça. Nunca senti tanto medo quanto esta manhã, quando a secretária da creche me disse que Bella havia caído no parquinho, batido a cabeça e sido levada ao hospital desacordada.

Eu senti muitas coisas, mas sem dúvida alguma, a maior delas foi o medo. Eu não me importava com nada, só queria chegar até ela, até minha filha, e eu estava tão, tão distante. E enquanto o silêncio ensurdecedor ao meu redor me sufocava, minha mente era bombardeada por um milhão de perguntas sobre como é possível que isso tivesse acontecido, perguntas para as quais eu não tinha respostas.

Deus, que ela esteja bem, que ela esteja bem. Por favor, por favor!

Implorei tantas vezes, que eu não teria sido capaz de contar, mesmo se quisesse. Agora, com o nariz enterrado em seu pescoço e com o peito transbordando de alívio, me sinto capaz de voltar a raciocinar além da súplica divina que repeti uma vez após a outra ao longo da última hora.

— Shiii, meu amor. Está tudo bem! O papai está aqui!! O papai está aqui. Passou, meu amor... Passou! — sussurro, tentando acalmar Bella com palavras, além das carícias e do aperto em meus braços. Mas por longos minutos, seu choro preenche a enfermaria, até mesmo, levando outras crianças a chorarem também. — Shiii, tudo bem, meu amor. Tudo bem, meu bebê. Passou! Passou! — As lágrimas em meus olhos depõem contra a verdade das minhas palavras, mas não há nada que eu possa fazer para impedi-las de rolarem por minhas bochechas.

Respiro fundo, acalmando a mim mesmo, mas falhando miseravelmente na missão de parar de chorar, e me resigno. Passo não sei quanto tempo apenas abraçando minha filha, até que seu choro vai se tornando mais espaçado, se transforma em um soluço e, por fim, morre. Não preciso olhar para saber que Bella dormiu. Sua respiração calma e ritmada é todo indício que preciso, mas nem mesmo agora, seus braços e pernas me soltam. Ela dorme completamente agarrada a mim e eu sou grato por isso, porque simplesmente não sou capaz de soltá-la, não ainda.

Balanço-a em meus braços até que meu coração se sinta seguro o suficiente para bater num ritmo normal. E, como se estivesse medindo meu ritmo cardíaco até que ele se normalizasse para só então se aproximar, a funcionária da creche se aproxima de mim, atraindo meus olhos para si.

— Anthony...

— Não! — respondo séria e de modo imediato — Eu não vou ter essa conversa com você enquanto minha filha está nos meus braços, adormecida, exausta de tanto chorar por causa da incompetência de vocês! E sabe por que, Marta? Porque eu quero gritar e aqui eu não posso! — Sinto minhas narinas se alargarem com minha fala contida e entredentes.

De repente, toda a raiva que antes estava soterrada em preocupação, sobe à superfície, implorando para ser liberada de alguma maneira, mas eu não posso. Não ainda.

— Eu... eu — tenta recomeçar a falar, mas eu lhe dirijo um olhar e ela se cala, finalmente.

Continuo balançando Bella em meus braços e uma segunda pessoa se aproxima, dessa vez, uma enfermeira, a mesma que havia barrado minha entrada na enfermaria antes. Agora sua expressão e posturas são completamente diferentes, ela soa solidária, compreensiva.

— Olá, paizinho. Eu preciso das suas informações para preencher a ficha do plano de saúde. Não precisa ser agora, mas eu vou deixar ali em cima, tudo bem? -questiona, apontando para a mesa de cabeceira ao lado da cama na qual Bella estava sentada quando cheguei.

Apenas aceno com a cabeça, concordando, e volto minha atenção para o corpinho adormecido em meu colo. Beijo seus cabelos e assim passo meus próximos minutos, nem sei quantos, para ser sincero.

Não sinto dor nas pernas ou nos braços, apesar dos vinte quilos de Isabella. Sinto apenas paz, ela está bem. Tudo está bem. Não sei quanto tempo depois, seus braços e pernas caem frouxos ao meu redor, me dizendo que ela já se sente segura o suficiente e eu posso soltá-la. Eu ainda não me sinto seguro o suficiente para soltá-la, mas sei que preciso. Não posso deixar que ela durma em meus braços a noite inteira, quando sei que a cama será muito mais confortável.

Então faço o que preciso, ao invés do que quero. Deito minha menina na maca, cubro seu corpinho com o edredom e puxo sua boneca, que estava solta na cama, para junto dela. Imediatamente, Bella a agarra, me fazendo sorrir. Acaricio seu rostinho, sua bochecha, dou um cheirinho em sua pele, deixando que sua presença me conforte, apesar de não mais tê-la em meus braços.

Precisando de mais informações, precisando saber como ela está, o que houve, dou um último beijo na testa enfaixada de Isabella e me levanto, pronto para procurar pela enfermeira. No entanto, assim que me viro, não é com a profissional que me deparo, mas sim com um Marcos muito sério, com o corpo apoiado à parede e os braços cruzados na frente do peito, ainda do lado de fora da enfermaria, barrado pelo balcão. Engulo em seco. Deus! Em meu desespero, eu esqueci completamente de sua presença, do personagem, de tudo. Eu só queria minha filha.

Respiro fundo, sabendo que qualquer chance de casamento foi por água abaixo. Contar para Marcos que uma filha fazia parte do pacote Anthony doce e submisso exigia tato, muitos olhares baixos, bochechas vermelhas e sentimento de inferioridade. Não era para ser assim.

Obrigado, universo, muito obrigado!

Desvio os olhos dos azuis que me encaram, apenas para dar mais uma olhada em Bella. Ela continua dormindo, pacífica, sem lembrar nem mesmo por um instante da criança aos berros que foi quando cheguei aqui.

Sem opções, caminho para longe da minha menina, aproximando-me do meu ex-quase-futuro-noivo.

— Marcos... — a primeira palavra que deixa minha boca é seu nome, — Eu... — expulso o ar dos pulmões, soprando-o pela boca, e abaixo a cabeça. Dessa vez, em um reflexo totalmente autêntico de quem procura o que dizer, mas não tenho a chance de encontrar as palavras certas, ele fala antes de mim.

— Eu conversei com o médico. Aparentemente, Isabella só teve um corte superficial causado por sua queda. O desmaio foi mais pelo susto do que por qualquer outra coisa. Ela está bem, só vai precisar de repouso e de observação, porque foi medicada para dor e o remédio deve deixá-la sonolenta até amanhã. Se tudo continuar como está, ela deve ter alta até o fim do dia. Mas eu disse que você ia querer conversar com ele, então ele deve estar de volta em breve. Seu nome é Marcel. — Fico aturdido com a série de informações que ele despeja sobre mim.

Quer dizer, ele conversou com o médico? Por quê? Aliás, por que ele ainda está aqui? Por que ele esteve aqui em algum momento, para começo de conversa?

Em meio ao meu desespero de antes, eu simplesmente não pensei, mas Marcos estava retirando sua proposta de casamento quando o meu telefone tocou, então, por que raios ele me trouxe até o hospital? Por que raios ele continua aqui depois de todo esse tempo e drama?

— Por que você está aqui? — não consigo me conter e a pergunta escapa dos meus lábios, enquanto o observo com a testa franzida.

Eu tenho muitas outras, mas na disputa das palavras por quem sairia primeiro pelos meus lábios, essa foi a vencedora. As sobrancelhas dele se erguem e seus braços se descruzam, só para logo em seguida, voltarem a se cruzar.

— É uma pergunta justa, mas eu acho que podemos conversar sobre ela depois. Você está bem? — questiona, surpreendendo-me ainda mais.

Quer dizer, quem é você e o que fez com o Marcos babaca?

— Eu estou bem agora...

— Bom, você quer comer alguma coisa, agora?

— Não. Eu não conseguiria, mesmo que quisesse. Olha, Marcos... — sei que ele disse que conversaríamos depois, mas não acho que eu seja capaz, porque realmente não entendo o que está acontecendo aqui. Estou prestes a lhe dizer isso quando ouço a voz da enfermeira.

— Paizinho, o senhor conseguiu preencher a ficha? — questiona, fazendo-me dar as costas para Marcos e olhar para ela.

— Não, ainda não...

— O senhor poderia fazer isso para mim agora, por favor?

— Sim, claro! Agora... — respondo e ela se afasta.

Olho para Marcos por cima do ombro, mas não preciso dizer nenhuma palavra sequer. Ele acena com a cabeça, concordando. E o vinco em minha testa se torna ainda mais profundo. Mas que porra?!

Caminho até a cama em que Isabella está deitada, não posso evitar tocá-la. Minha mão acaricia a parte não enfaixada de sua testa e eu suspiro de forma aliviada. É impossível me conter. Pego a prancheta com a ficha para ser preenchida e levanto os olhos, procurando um lugar para me sentar e encontrando a poltrona ao lado de Isabella vazia. Só então me dou conta de que Marta não está mais nela. Não está em lugar algum, para dizer a verdade, constato, ao olhar o meu redor.

Ótimo. Não sei se posso lidar com ela e com tudo o que essa situação significa agora. Fecho os olhos, expulsando as preocupações para bem longe. Agora não.

Sento-me na poltrona e começo a preencher os dados. Nome, idade, cpf, nome do pai e, pela primeira vez desde que Isabella nasceu, faço mais do que pular o campo de nome da mãe, eu realmente olho para ele. Levanto meus olhos, procurando Marcos com o olhar. Não que eu o esteja vendo como um pai em potencial para a minha filha, Deus me livre! Mas esse tipo de apoio, que sabe Deus o porquê ele me deu esta manhã, é o tipo de coisa que um pai faria, não é?

Mesmo que nós não fôssemos casados, que não tivéssemos uma relação, ele estaria aqui pela filha. Talvez, tivesse chegado antes de mim, talvez, Isabella não tivesse precisado ficar tanto tempo aqui, com medo e sozinho. Talvez, com sua ajuda, eu pudesse pagar um plano de saúde melhor, com hospitais que deem um suporte muito melhor do que aquele que recebi hoje. Se não fosse por Marcos invadir a recepção enquanto eu estava completamente paralisado pela preocupação, só Deus sabe por mais quanto tempo eu teria tido que esperar até descobrir a localização da minha filha.

Então, voltando meus olhos para o espaço em branco, pela primeira vez, em quase quatro anos, me pergunto se estou roubando algo da minha filha, quando tudo o que eu quero é que ela tenha o mundo inteiro aos seus pés. Viro o rosto, desviando-o da folha de papel.

Agora não, Anthony. Agora não.

Balanço a cabeça, concordando comigo mesmo que não pensar nisso agora é uma excelente decisão. Não é a hora nem o lugar.

Volto a preencher os dados até que todos os campos, com exceção do nome do pai, estejam devidamente ocupados, e me levanto logo em seguida.

No balcão, entrego a prancheta para a enfermeira junto com meus documentos e com a minha carteira do plano de saúde, já que a de Isabella já está com ela. Foi entregue pela representante da creche. Estou prestes a me virar para voltar a conversar com Marcos, quando a vozinha sonolenta e chorosa de Bella me chama. Quase corro até ela, que outra vez, agarra-se a mim como um bicho preguiça, encaixa o rostinho em meu pescoço e adormece.

Dessa vez, não a devolvo para a cama. Dane-se o colchão macio, o melhor lugar para minha filha é em meus braços. Volto a me sentar na poltrona e a acomodo meio sentada e meio deitada em meu colo. Não é a melhor posição do mundo e, ainda assim, consegue ser a melhor posição do mundo. Agora, sei que horas se passam, porque acompanho o girar dos ponteiros do relógio posicionado sobre a porta à minha frente.

A cada volta completa, me pergunto por que Marcos ainda está aqui. Ele continua parado no mesmo lugar. Não se aproxima, nem vai embora. O médico retorna à enfermaria, conversa comigo, repetindo exatamente tudo aquilo que Marcos já havia me falado, vai embora, e meu chefe não.

E quando seu telefone toca, perturbando o silêncio que domina a enfermaria pediátrica num momento em que todas as crianças então dormindo, fazendo com que ele ganhe um olhar feio e acusador da enfermeira, Marcos se desculpa com um movimentar de lábios. Então, olha para mim, aponta para o celular e depois para o lado de fora, dizendo-me que estará logo ali. Balanço a cabeça, concordando, mas a verdade é que não faço ideia do que é que está acontecendo aqui.

De todos os desfechos que imaginei esta manhã quando saí de casa, definitivamente, nenhum deles sequer se aproximava desse.

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Comentários

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Que maldade deixar a gente nesse suspense. Volta logo por favor. Precisando saber o que Marcos vai fazer agora. Será que esse cara safado vai se dobrar diante de um pai tão responsável e amoroso.

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Os velhos esqueletos nos armários estão deixados de fora.o que se constroem com a verdade e com a empatia vira uma relação real e potencialmente duradoura.

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