Contratados: A Rendição - Capítulo 04

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 6538 palavras
Data: 05/05/2023 00:24:34

CAPÍTULO 04

*** MARCOS VALENTE ***

— Eu sabia que mais dia, menos dia, o velho Marcos viria nos visitar. Quatro meses de reuniões cumpridas e trabalho sério... Eu já estava ficando preocupado! Mas você podia, pelo menos, ter me avisado que não viria à reunião hoje, né? Seu puto! Eu poderia ter passado mais algumas horas com o meu esposo! — É a saudação que recebo assim que atendo à ligação de João Pedro, no corredor ao lado da enfermaria pediátrica, e só então me lembro que não liguei para o escritório para avisar da minha ausência.

— Puta que pariu! — resmungo em voz alta para mim mesmo, mas João Pedro acha que estou falando com ele.

— O quê? Bebeu demais ontem, é? Te acordei? Tá com dor de cabeça? — pergunta aos berros, acreditando que minha falta na reunião é culpa de uma ressaca e querendo tornar minha manhã ainda mais miserável do que ele acredita estar sendo. Ah, João Pedro! Você nem faz ideia!

Eu gostaria que fosse uma ressaca física o motivo da minha miséria, ela seria muito melhor do que a ressaca moral que sinto nesse momento. Depois de horas escorado na parede e vendo tudo o que aconteceu, ainda tenho dificuldades para acreditar na realidade que me acertou muito mais forte do que um chute no saco.

Anthony tem uma filha. Uma filha de três anos. E ele só tem vinte um.

— Puta que pariu! — a gargalhada escandalosa de João Pedro é feita sob medida para ferir tímpanos sensíveis pelo excesso de bebida, mas não faz nada por mim, não quando meus pensamentos estão muito longe de toda essa diversão. — Quantos anos o Eduardo tem, João Pedro?

Me dou conta de que nunca fiz essa pergunta. Sei que quando João Pedro o convenceu a assinar um contrato como seu assistente pessoal, que, na verdade, era um contrato de relacionamento, havia a idade registrada, mas esse não foi um detalhe com o qual me importei na época.

— Quê? Você ainda tá bêbado, Marcos? — questiona, sem entender aonde quero chegar.

— Não, João Pedro! Eu nunca estive bêbado, eu estou num hospital.

— Porra! O que aconteceu? Qual hospital? Eu estou indo praí! — Sua voz fica imediatamente séria e eu posso ouvir até mesmo o som que sua cadeira faz quando ele se levanta abruptamente.

Eu sorriria, se não estivesse tão fodidamente cheio de problemas para lidar nesse momento.

— Calma, porra! — peço, ao mesmo tempo, satisfeito com seu cuidado de mamãe galinha e ansioso pela resposta que ainda não chegou à pergunta que fiz. — Eu estou bem! Não me aconteceu nada! Eu sou só o acompanhante!

— Meus padrinhos? Aconteceu alguma coisa com eles? — Vai para próxima dedução lógica e eu esfrego as mãos no rosto, impaciente.

— Não, João. Estão todos bem! Pode ficar tranquilo!

— Tranquilo? Você não podia ter me dito isso antes de me dar um susto da porra? Caralho! — protesta, parecendo indignado, e eu começo a me sentir irritado também.

— Eu não te dei susto nenhum! Foi você quem saiu assumindo coisas!

— Marcos, que porra você tá fazendo num hospital? — Respiro fundo, preparando-me para o que eu sei que virá a seguir e, sem saída, solto as palavras.

— A filha do Anthony sofreu um pequeno acidente na creche. — Silêncio. Silêncio. Mais silêncio e, de repente, uma gargalhada estrondosa, sem medida alguma, totalmente espontânea. E eu me resigno a ouvi-la, implorando a qualquer porra de divindade que faça com que ele se esqueça do “eu te avisei”.

Mas acho que ela não gostou de eu não lhe dar um nome, porque as próximas palavras que ouço, em meio a risos, são exatamente aquelas as quais eu implorava silenciosamente que meu amigo esquecesse.

— Eu te avisei, porra! Eu te avisei que isso tinha potencial pra dar uma merda gigante! Mas uma promoção, Marcos? Um pague um, leve dois? Isso é muito melhor do que eu imaginei... — volta a gargalhar e eu espero, sem ter nada a dizer sobre isso, o filho da puta está coberto de razão. Me fodi e nem foi bom.

Depois de várias respirações profundas, ele pergunta.

— A criança está bem?

— Sério, agora você se importa?

— Não seja essa pessoa. Eu te conheço, pelo seu tom, sei que não está no meio de um grande problema... — rebate e eu quero contestar. Mas gastar energia com uma discussão desnecessária agora realmente não está nos meus planos.

—Tá. Foi só um corte superficial. Ela está medicada e sonolenta, só precisa de mais algumas horas de observação e vamos receber alta...

— Espera aí, vamos? Mas que porra! Vamos? Você não acabou de chegar aí?

— Não, estou aqui desde hoje de manhã, trouxe Anthony e estou esperando a alta para levar ele e a filha para casa... — Outra vez, silêncio.

— Quem é você e o que fez com o meu amigo? Porque eu jurava que, a essa hora, você já estaria com as passagens pro polo norte compradas! Você sabe que não pode se casar com o pai sem levar a filha, certo? Só confirmando...

— Há, há, há... João Pedro... Muito engraçado! — Aproximo o telefone dos lábios e digo bem baixo, para que ninguém que não seja o filho da puta ouça. — Vai se foder!

— Não, obrigado. Eu gostaria que meu marido tivesse tido mais tempo pra ter feito isso pela manhã, mas eu tinha uma reunião e a outra parte não teve a decência de desmarcar... — debocha!

— Se um cara o larga falando sozinho e sai tão desesperado da mesa de café da manhã, que mal se lembra de como colocar o dedo na porra de um sensor de digitais, acredite, desmarcar reuniões é a última coisa que você tem em mente, porra! E você não me respondeu! Quantos anos tem o Eduardo?

— Por que isso importa? — questiona, sem entender a razão da minha insistência. Expiro com força, sentindo minha paciência ser testada.

— Só responde a porra da pergunta, João Pedro!

— Vinte e dois, Marcos. Ma...

— Puta que pariu! Você tem um esposo bebê! — o interrompo, sem poder acreditar. Como foi que eu deixei isso passar?

— Quê?

— Como isso funciona, João? Isso são dez anos de diferença, não te incomoda? — ignoro sua pergunta, querendo tirar dele todas as respostas para as minhas.

— Quando você olha pra o Edu, você imagina que ele seja um bebê? — Ergo minhas sobrancelhas, me perguntando se essa é uma pergunta pegadinha, mas depois de quase um minuto inteiro de silêncio na linha, concluo que não.

— Com todo respeito? — faço questão de ressaltar. — Não mesmo!

— Exatamente. E se algum dia você realmente se sentar pra conversar com ele, vai perceber que ele também não pensa, age ou fala como um. Dez é só um número, Marcos, e quando ele tiver trinta e eu quarenta, vai significar ainda menos do que significa hoje... — Suas palavras fazem muito sentido e eu balanço a cabeça, concordando, mesmo que ele não possa ver. — Mas, por que, de repente, isso se tornou tão importante?

— Eu não estava comprando passagens pro polo norte, mas estava prestes a cancelar tudo quando a notícia da queda da criança chegou. Anthony tem vinte e um anos, João. A porra de vinte e um anos...

— E quantos meses tem a filha dele? — pergunta curioso e eu quero rir, exceto que isso não é engraçado. Nada sobre isso é nem mesmo remotamente engraçado.

— Três anos, quase quatro...

— Puta que pariu... — quase grita e eu posso imaginá-lo jogando o corpo no encosto da cadeira.

— É, puta que pariu!

— Ele foi pai adolescente?

— É o que a matemática diz... — soo seco, involuntariamente. Mas essa é a porra de um cenário de merda.

— Caralho, Marcos. Eu poderia ficar quieto, mas eu realmente gosto de fazer isso e eu te disse pra investigar o cara, porra!

— Vai se foder, João! — ele ri.

— E a mãe da criança? Tá aí?

— Não, só o Anthony...

— Ele não te disse nada sobre isso?

— Acho que não deu tempo. Porra, João..., é foda. Eu não sei o que fazer... — admito, esfregando a mão na nuca e começando a andar de um lado para o outro ao longo do corredor.

— Não? Eu achei que você tivesse me dito que ia cancelar tudo... — soa cauteloso.

— E eu ia, não preciso da porra de um marido bebê, João Pedro! Se eu vou ter alguém pra lidar com toda a merda que a minha vida virou, eu preciso que seja alguém muito adulto! — explico o primeiro pensamento que tive ao descobrir sua idade esta manhã. — Era isso o que eu estava dizendo ao Anthony quando o telefone dele tocou. Ele saiu tão desesperado, que me senti obrigado a vir atrás, a entender o que estava acontecendo. Eu imaginei muitas situações, João, mas uma criança gritando pai, definitivamente, não foi uma delas... — suspiro.

— Eu realmente imagino que não...

— Eu estava convicto sobre o que faria depois que tivesse certeza de que estava tudo bem, mas vendo a forma como ele correu pra filha, como lidou com tudo... Aquele cara é qualquer coisa, menos imaturo. Eu só acho que os papéis se inverteram... — me obrigo a reconhecer. — Honestamente, acho que eu é que sou imaturo. Eu não sou a porra de um pai, João Pedro! — dou voz aos pensamentos que povoam minha mente desde o momento em que o choro de Isabella cessou e eu pude voltar a ouvir o que se passava dentro da minha cabeça.

— Mas você nem sabe se a criança tem uma mãe presente, Marcos... — argumenta e eu adoraria acreditar que ele está certo, mas realmente não consigo.

Não com as acusações de Anthony ainda soando altas em minha mente, não ao ver as condições do lugar em que a menina está, ou ao pensar em que tipo de creche é essa que Anthony deixa a filha. Um lugar que deixa a criança sem supervisão por tempo o suficiente para que um acidente como esse aconteça, com certeza não é dos mais conceituados.

Não que eu culpe Anthony. Não culpo. Ele é um pai de vinte e um anos, aparentemente sozinho, que trabalha o dia inteiro. Basta olhar para ele e para o apego que sua filha tem para perceber que ele faz o seu melhor, que ele ama aquela filha. Eu reconheço amor paterno quando vejo, porque eu o recebi a minha vida inteira, ainda recebo.

Então não, realmente não acho que Isabella tenha qualquer referência materna e, porra! Eu, definitivamente, não posso ser mais uma referência! Mal posso cuidar de mim e o motivo de toda essa situação de casamento arranjado é justamente a minha total incapacidade de cuidar de alguém, como um esposo, por exemplo...

— Você não diria isso se visse o hospital pra onde trouxeram a criança. Uma merda nem começa a descrever, João. Se Anthony tivesse ajuda, provavelmente, conseguiria pagar alguma coisa melhor... — Precisando de apoio, deixo que minha testa toque a parede à minha frente e espalmo minha mão livre no concreto gelado. — Ele me acusou de ter lhe dado esperanças de uma mudança de vida e agora estar voltando atrás. Na hora, eu não entendi. Mas, porra! O homem tem uma filha de três anos, foi pai jovem, até onde sei, sem o apoio dos pais. Que tipo de merda eu seria se, depois de realmente ter prometido uma mudança substancial de vida para ele, simplesmente desse para trás? — Meu amigo fica em silêncio por algum tempo, provavelmente, refletindo sobre as milhares de informações que descarreguei sobre ele.

Eu não gostaria de estar tendo essa conversa por telefone. Mas, se eu não falar com alguém sobre isso, nesse momento, vou explodir!

Solto o ar devagar pela boca e puxo uma nova remessa pelo nariz, ansioso para ter controle sobre alguma coisa, já que, sobre os meus próprios pensamentos, claramente, não vai acontecer.

— Um grande merda. Muito, muito grande mesmo. Muito maior do que você já é… — apesar das palavras, o tom é sério e eu não poderia discordar nem que eu quisesse, e eu não quero.

— Exatamente...

— Mas ser um merda nunca foi um problema pra você, o que mudou? — é uma pergunta importante. Levo um tempo refletindo sobre ela e João Pedro aguarda pacientemente, em silêncio.

Eu nunca me incomodei que me vissem como um filho da puta, mas sempre fiz questão de que, quem quer que se envolvesse comigo, soubesse disso desde o início. Avisei ao Anthony, mas eu não tinha ideia de que, ao me envolver com ele, de qualquer forma que fosse, eu estaria indiretamente me envolvendo com uma filha de três anos que não faz nem mesmo ideia do que significa alguém ser “filho da puta”.

— Eu nunca fui um merda pra uma criança que não tem acesso nem mesmo a um hospital decente, João... — sintetizo meus pensamentos em uma conclusão de poucas palavras.

— Você tem um bom ponto...

— Só bom?

— Um excelente ponto. Excelentíssimo, mas… O que você vai fazer com ele?

— Eu não faço ideia, João. Eu não faço ideia...

****************

Desvio os olhos da estrada para o retrovisor por um instante, checando pela milésima vez desde que saímos do hospital, Anthony e a filha no banco de trás do carro.

A menina tem um nome, Marcos! É Isabella!

Que seja!

Thony tem a menina adormecida nos braços e a mantém agarrada a si como se soltá-la, mesmo que só um pouquinho, pudesse fazê-la desaparecer.

Ele é pai. Aos vinte e um anos. Ele é pai. Puta que pariu.

Enquanto dirigia para o hospital, logicamente, o ambiente ao meu redor chamou minha atenção, afinal, estávamos bem longe do Morumbi ou do Bairro jardins. A localização do hospital não é das melhores, como nada nele é, aliás, mas era apenas um hospital. No entanto, agora, dirigindo para a casa de Anthony e me embrenhando em ruas cada vez mais distantes dos bairros mais recomendados para moradia da cidade, não posso evitar pensar como é possível que ele more aqui e trabalhe na minha casa.

Anthony, provavelmente, leva pelo menos uma hora e meia para se deslocar entre o trabalho e sua casa. E a constatação é só mais um tapa em minha cara. Outra vez, eu sabia que ele era pobre e tomei isso como garantia de que aceitaria minha proposta. Mas saber e ver são coisas diferentes, principalmente, quando ver esfrega em minha cara o quão egoísta eu estaria sendo se retirasse minha proposta por nenhuma razão além da minha própria estupidez.

Eu deveria saber, porra!

Eu deveria ter me importado em descobrir sua idade antes de fazer uma proposta, mas não me importei e, agora, aqui estamos. O gps me diz para virar à direita e avisa que em cem metros chegarei ao meu destino. Sigo as orientações, chegando a um prédio pequeno, encardido e que não parece um bom lugar para se morar. Ouço a movimentação no banco de trás e, novamente, pelo retrovisor olho para Anthony. Ele já soltou o cinto de segurança e agora tenta, sozinho, recolher a bolsa de Isabella, e a menina, antes de sair do carro.

Franzo o cenho. Por que ele não pede ajuda?

Anthony não me dispensa nem mesmo um olhar. É como se eu fosse a porra de um motorista de Uber desconhecido. Balanço a cabeça, negando, solto meu próprio cinto de segurança e saio do carro. Dou a volta pela frente e abro a porta traseira ao lado de Anthony. Seus olhos finalmente me encontram e ele franze a testa, como se só agora se lembrasse da minha existência.

— Você precisa de ajuda?

— Desculpe, eu estava distraído. Mas... não. Está tudo bem, eu..., eu consigo! —diz, outra vez esforçando-se para organizar duas bolsas e uma criança em seus braços e, ainda, sair do carro sem se apoiar em lugar algum.

— Sabe, Anthony, está tudo bem aceitar ajuda quando as pessoas oferecem... —comento, esticando o braço e alcançando as bolsas, tirando-as de suas mãos. Minha pele roça a sua e a sensação é esquisita, certa, errada, estranha, não sei. Mas não dou atenção a ela.

Retiro-as do banco do carro e as apoio em meus ombros, depois, estendo a mão para um Anthony que me encara desconfiado. Pela segunda vez hoje, ele parece pensar se deve ou não aceitar minha mão estendida. Estou prestes a lhe dizer que meu toque não transmite uma doença contagiosa, quando ele finalmente aceita minha ajuda. E apesar de ser a segunda vez que tenho sua mão na minha em menos de vinte quatro horas, é a primeira em que eu realmente presto atenção nisso.

Seu toque não é macio ou suave. Suas palmas são ásperas e a mão pequena, em comparação à minha, é quente. Procuro pelos olhos de Anthony, querendo saber se o toque também chamou sua atenção, mas ele tem os olhos focados no chão enquanto sai do carro com cuidado. Que porra, acho que eu preciso beber, ou dormir. Com certeza, eu não estou no meu estado normal.

Finalmente, na calçada, minhas sobrancelhas se erguem quando encaro meu reflexo na porta de vidro de um comércio. Há uma mochila cor de rosa em meus ombros e uma bolsa masculina em minhas mãos.

Puta que pariu! Definitivamente, não era nada disso que eu tinha em mente esta manhã quando acordei.

Anthony passa a minha frente, encaminhando-se para o prédio que eu reparo não ter porteiro. Ele abre o portão de ferro, a única barreira entre os apartamentos e a rua, sem nem mesmo precisar de uma chave. Porra, segurança para que, não é mesmo?

Já do lado de dentro, apoia a filha na lateral do corpo e estende para mim um dos braços. Olho para ele com uma sobrancelha arqueada em um questionamento mudo.

— As bolsas, Marcos, por favor?

— Eu vou subir com você, Anthony... — digo o óbvio e sua testa se franze.

— Isso não é necessário. Obrigado por tudo, pelo dia, pela ajuda... — sua cabeça se abaixa e ele toma uma inspiração profunda antes de continuar. — Eu não sei se vou conseguir trabalhar nos próximos dias, preciso encontrar outra creche pra Bella, eu... — Balança a cabeça, negando, e eu posso imaginar que esteja listando mentalmente a imensa quantidade de coisas com que terá que lidar a partir de agora. E o fato de ele não me pedir ajuda me instiga a querer ajudá-lo de uma maneira que eu não achei que era capaz de me sentir. — Mas eu aviso à Carmem sobre como as coisas vão ficar. Se você decidir contratar outra pessoa durante esse período, eu vou entender. Só que eu não posso pensar nisso agora, tudo bem? — questiona, deixando claro que realmente acredita que esse é todo o motivo de eu ainda estar aqui. Isso me faz sorrir.

— Você não me tem em alta conta, tem?

— Pode me culpar? — ele repete a pergunta que me fez dias atrás e eu abaixo a cabeça, mordendo o lábio e concordando silenciosamente. Não, eu não posso.

— Não, Anthony. Não posso. Eu te avisei que era um filho da puta e agi exatamente como um com você. Então, não, eu não posso te culpar. Mas isso foi antes...

— Antes de quê? — Franze o cenho.

— Não importa. Podemos entrar?

— Por quê? Por que você quer ir até à minha casa? Por que você ainda está aqui?

— Que tal fazermos assim, nós entramos e eu respondo à todas as suas perguntas, o que acha? — Ele pensa por alguns instantes, antes de concordar com um aceno e me dar passagem.

Passo pelo portão precário e sigo ele, que anda à minha frente. Assim que entramos no prédio propriamente dito, o cheiro de mofo invade meu nariz, castigando-me. Só piora...

O espaço é estreito, há apenas três portas no primeiro andar e uma escada de acesso aos andares superiores, que não tem revestimento ou corrimão, e não consigo evitar me perguntar como Anthony pretendia subir os degraus cheio de pesos desequilibrados. Seria quase como se ele estivesse pedindo para sofrer um acidente.

Mas somente com Isabella em seus braços, com passos firmes, ele sobe degrau a degrau e eu vou atrás. Não sou de ferro, no instante em que meus olhos encontram sua bunda, eles se fixam nela.

Puta que pariu, ele tinha que ter a bunda tão gostosa?

E, enquanto subo uma escada estreita em um prédio velho e malcuidado, carregando uma mochila infantil em um ombro e uma bolsa em outro, sinto meu pau querer começar a inchar. Definitivamente, essa é a situação mais improvável que já vivi em toda a minha vida.

Desvio os olhos, passeando-os por todos os lugares e lugar nenhum ao mesmo tempo, deixando que os detalhes miseráveis do ambiente substituam quaisquer pensamentos indecentes que a bunda gostosa à minha frente possa ter me dado. Funciona, o princípio de ereção se vai quando alcançamos o terceiro lance de escadas. Me pergunto quantos ainda faltam.

A resposta vem logo em seguida, quando alcançamos o último andar do prédio. Anthony para diante de uma porta marrom escura e desgastada e eu percebo que está me aguardando. Me aproximo e ele estende a mão para sua bolsa. Com uma habilidade que eu não compreendo, enquanto mantém a criança segura em seus braços, abre a bolsa, ainda segurada por mim, retira de lá chaves e abre a porta. Ele entra, mantendo-a aberta para que eu possa passar, e eu faço.

É impossível não analisar cada centímetro do espaço limpo, pequeno e organizado. Uma sala pequena, uma cozinha menor ainda e duas portas, que eu imagino que sejam de um banheiro e um quarto.

— Eu vou colocar Isabella na cama, já volto... — avisa, já seguindo na direção de uma das portas.

Sozinho, me permito observar com ainda mais atenção os detalhes do lugar. Fotografias de Isabella em vários momentos dos últimos anos, alguns brinquedos espalhados, móveis baratos, livros... livros de direito. Ergo minhas sobrancelhas, outra vez, pego de surpreso por Anthony.

As capas velhas e desgastadas indicam que são livros antigos, me pergunto a quem pertencem e faço uma nota mental de satisfazer minha curiosidade depois. Tomo uma inspiração profunda, o que faz com que eu me dê conta de mais um cuidado de Anthony com a filha. Diferente da área externa, aqui o cheiro não é de mofo, mas de biscoitos.

E assim, parado no meio de uma sala pequena, com roupas infantis penduradas em um varal de chão, desenhos coloridos presos às paredes e um urso de pelúcia sentado no sofá, eu percebo que não importa o quanto isso vá me foder, eu não sou filho da puta o suficiente para foder Anthony mais do que ele já está fodido.

*******************

*** ANTHONY ***

Saio do quarto, deixando a porta entreaberta, e encontro Marcos de costas para mim, olhando os desenhos de Isabella que estão presos à parede, acima do sofá.

Nós não estamos mais no Kansas, não é, Marcos babaca?

Tudo bem, tudo bem. Se eu tiver que ser honesto, hoje ele mostrou mais decência do que eu jamais imaginaria ter em todo o seu corpo. Por quê?

Essa pergunta me assombrou por cada minuto do dia e finalmente estou prestes a descobrir a resposta. Aproveitando sua distração, respiro fundo. Sinceramente, não sei se tenho energia ou cabeça para representar qualquer papel depois do dia de merda que tive e nem acho que seja necessário, afinal, se minha idade era um empecilho para o maldito casamento, eu nem posso imaginar do que a constatação da existência de uma filha, sem vaselina ou preparação, pode ser chamada.

Sentindo-me tão pronto quando acho que sou capaz de estar, pigarreio, atraindo a atenção de olhos azuis para mim. Marcos se vira na minha direção e, apesar de estar esperando por isso, quando seu olhar me atinge em cheio, meu corpo parece não estar preparado. É uma sensação fodidamente estranha e com a qual eu não estou com a menor disposição para lidar. Há aquele arrepio que atravessa meu corpo toda vez que ele me toca, mesmo que minimamente, mas há mais do que isso também.

Há uma vontade de ser tocado. Um desejo estranho por mais, uma precisão de engolir em seco e lamber os lábios, há quase uma necessidade de algo que eu não reconheço, mas que com certeza não me esforçarei para desvendar. Não hoje, não agora, não depois de tudo o que já tive que aturar, não com tudo sobre o que ainda preciso pensar. Me apoio na parede, buscando um suporte físico para o impacto do seu olhar sobre mim.

— Você devia comer alguma coisa... — comenta, interpretando erroneamente o meu desequilíbrio.

— Eu estou bem...

— Você não comeu nada hoje, Anthony. Sobreviveu à base de copos e mais copos de café...

— Eu estou bem, Marcos... — respondo mais firmemente e me arrependo no instante seguinte, quando seus olhos se estreitam para mim, desafiando-me a desafiá-lo, porque Deus, eu quero! Quero desafiá-lo e mandá-lo à merda por achar que tem o direito de me dizer o que fazer. — Por que você está aqui, Marcos? Por que você se deu ao trabalho de passar o dia naquele hospital? Por que, pra começo de conversa, você me seguiu pra fora do seu apartamento? — solto várias perguntas de uma vez, precisando de muito mais do que uma resposta vaga.

Precisando entender, precisando de qualquer coisa que me distraia dos meus outros milhares de problemas. Marcos ri e eu franzo o cenho.

— Não é todo dia que um homem me dá as costas e me deixa falando sozinho, sabe, Anthony? Se alguns deles soubessem que essa é uma boa forma de me fazer ir atrás deles, provavelmente, já teriam tentado, mas até hoje, nem eu sabia disso...

— Eu não tinha nenhuma intenção de fazer você ir atrás de mim! — protesto, indignado com a sugestão.

— Oh, eu sei! E essa é toda a graça da coisa. Você nem se deu conta da minha existência até eu te impedir de continuar no elevador...

— Eu não estou entendendo... — declaro e, outra vez, ele ri.

— Me desculpa, eu sou péssimo nisso e você vai ter que me desculpar por isso também. Mas eu estou tentando te pedir desculpas...

— Você? Se desculpando? — questiono e sua reação faz eu me perguntar se deveria pintar o rosto de palhaço, porque, outra vez, ele ri. — Sabe, rir de alguém não é a melhor forma de se desculpar por alguma coisa...

— Eu não estou rindo de você Anthony, estou rindo do quão em baixa você me tem e do fato de que não há nada que eu possa fazer pra remediar isso, já que eu mereço cada uma das suas conclusões ao meu respeito...

— E ou eu estou exausto, ou você realmente não está fazendo nenhum sentido hoje...

— Provavelmente, é uma mistura das duas coisas...

— E você ainda não respondeu nenhuma das minhas perguntas.

— Não é verdade, eu te disse por que fui atrás de você...

— Por que eu te deixei falando sozinho?

— Exatamente. Isso é curiosamente frustrante... — responde, colocando as mãos nos bolsos da bermuda, e eu nego com a cabeça, sem poder acreditar que esse homem esteja falando sério. Quer dizer. Não é possível que ninguém nunca tenha lhe dado as costas antes, é?

— Ok, e por que você ficou?

— Por que eu fiquei? — repete minhas palavras, mas parece falar consigo mesmo, como se também quisesse descobrir a resposta para essa pergunta, mas ao invés de me dar uma resposta, sua próxima fala soa quase como uma acusação. — Você tem uma filha... — é a minha vez de rir.

Olho ao meu redor, vendo todos os sinais de Bella espalhados pelo apartamento.

— Eu tenho...

— Aos vinte e um anos...

— Aos vinte e um anos...

— E ela tem três...

— E ela tem três, quase quatro...

— Como isso aconteceu, Anthony? — Levanto os olhos, encontrando os seus. Minha vontade é perguntar: “sério, Marcos babaca?” Você não sabe? Ao invés disso, escolho uma resposta diplomática.

— Eu não sei o que você espera que eu diga, Marcos... — admito, cansado. Exausto, na verdade, e ele balança a cabeça, concordando.

— Onde está a mãe dela, Anthony? — um som de escárnio deixa minha garganta sem que eu possa impedir.

— Eu sou a mãe dela, Marcos. O pai, a mãe e o que mais ela precisar que eu seja. — Seu rosto assume uma expressão séria.

— Isso não me parece muito justo.

— Sério? Você conhece minha filha há cinco minutos, a mim, há dez, e realmente acha que pode me dizer o que é ou não justo pra ela? Marcos, eu realmente não preciso do seu julgamento. Se isso é tudo, você já pode ir agora!

O bastardo sorri um sorriso grande, largo.

— Eu me perguntava como seria te ver descontrolado, e ver a forma como você lidou com a representante da creche de Isabella, porra... — Ele gira a cabeça, desviando os olhos dos meus, ainda sorrindo, e quando volta a me olhar, o que vejo me faz arfar. Porque eu tenho quase certeza de que suas próximas palavras serão “foi a coisa mais sexy que já vi!”. Mas não são... — Foi foda! E, agora, isso... Eu não estou te julgando, Anthony. Eu dizia que ser sozinho tudo o que Isabella precisa, não me parece muito justo com você. Eu tenho certeza de que não a fez sozinho...

— Eu não me importo. Desde que ela esteja bem, feliz e saudável, eu realmente não me importo com o que eu precise sacrificar...

— Eu sei...

— Você não sabe, Marcos. Você não faz ideia...

— Eu faço, porque eu entendo agora o quanto eu estava errado sobre seus motivos pra me dizer sim. Nunca foi por você, foi por ela, sempre por ela...

— O que quer que eu faça, sempre vai ser por ela, Marcos...

— Eu vejo... — Abaixa a cabeça, olhando para o chão, e permanece olhando para ele por algum tempo, ponderando sobre algo. — Eu não sou um pai, Anthony...

— Quê? — pergunto, esfregando as mãos no rosto, começando a achar que estou ouvindo coisas, porque as últimas palavras que saíram de sua boca não fazem qualquer sentido em realmente terem sido ditas.

— Eu estava errado em achar que sua idade definia sua maturidade e agora eu sei disso, mas se nós vamos fazer isso, eu preciso que não restem dúvidas. Não quero ser uma babaca. Porém, é um fato e, contra fatos, não há argumentos...

— Marcos, do que você está falando?

— Do casamento, Anthony. Eu não desisti de me casar com você...

— Eu vou precisar me sentar pra ter essa conversa... — aviso, já caminhando até o sofá, empurrando Barney, o urso de pelúcia gigante de Bella, para o lado e sentando-me em um dos cantos. — Por que você acha que precisa me dizer que não é um pai, Marcos?

— Porque você é adulto e consegue separar as coisas. Como Isabella vai conviver comigo por dois anos sem confundi-la?

Eu sorrio.

— É preciso fazer mais do que morar na mesma casa pra ser um pai, Marcos...

— Eu sei disso, eu só...

— Tudo bem, eu entendi...

— Bom... — diz devagar, soando aliviado.

— E agora, qual é o próximo passo?

— Agora, nós assinamos o contrato.

*****************

— Você acrescentou parágrafos à clausula de rescisão? — questiono no dia seguinte, sentado na mesmíssima cadeira em que a proposta absurda me foi feita dias atrás. Hoje, com o contrato em mãos, analisando-o uma última vez antes de assiná-lo.

Marcos deixou meu apartamento ontem, depois de combinarmos que esta manhã eu estaria aqui para discutirmos os últimos detalhes e fazermos a assinatura. Quando disse que não tinha onde deixar Bella, já que voltar com ela para a creche não era uma opção, ele me surpreendeu duplamente. Primeiro, dizendo que a trouxesse, que Carmem poderia tomar conta dela enquanto conversávamos e ela poderia escolher qual dos quartos da cobertura iria querer.

E depois, se oferecendo para abrir um processo contra a instituição por negligência. Eu realmente não esperava que ele se importasse, mas por alguma razão que eu ainda não consigo entender, ele parece, sim, ter se importado. Como se ele já não tivesse me dado coisas o suficiente com o que lidar. Certo?

Aparentemente, Marcos babaca não é inteiramente babaca e isso é algo para o qual eu não estava preparada. Toda a gentileza ao longo do dia, todo o apoio, mesmo que apenas moral, de sua presença, não são coisas que eu esteja acostumado a receber. Exceto por Grazi, ninguém nunca esteve lá por mim, mesmo antes de Bella existir.

Ontem à noite, ao fechar a porta, finalmente sozinho com minha filha, percebi que pelos próximos dois anos, essa seria provavelmente uma das últimas noites que passaria assim. Outra coisa com a qual eu não soube lidar? O alívio trazido por essa constatação.

— Acrescentei... — responde, brincando com uma caneta entre os dedos indicador e médio.

— Mas aqui diz que, independentemente do que venha a acontecer com o contrato, a partir da data de sua assinatura, Bella vai começar a receber depósitos mensais no valor de quinze mil reais, em um fundo que só ela poderá acessar e aos dezoito anos... — Atordoado, levanto os olhos do papel e encaro Marcos, que continua brincando com a caneta sem olhar para mim, como se a alteração citada não fosse grande coisa.

— Exatamente... — comenta simplesmente e eu preciso lutar contra a ardência em meus olhos. Mesmo sem ter ideia do motivo da generosidade súbita de Marcos, o impacto dela na vida de Isabella me faz querer chorar de alívio, outra vez. No entanto, a displicência dele e seu óbvio desinteresse em me explicar seus motivos, me fazem querer chutar sua bunda bonita. Abro a boca, mas a fecho sem dizer coisa alguma.

Preciso de alguns instantes antes de formular uma frase que faça sentido, no entanto, tudo o que sai da minha boca é uma única palavra. Uma questão, na verdade. A pergunta que não quer calar.

— Por quê?

— Por que o quê? — rebate, ainda sem olhar para mim, e eu respiro profundamente.

— Por que você faria algo assim, Marcos?

— Por que é justo? — questiona, finalmente levantando o olhar e me dando sua total atenção, pela primeira vez desde que nos reencontramos esta manhã, focando realmente os olhos nos meus.

Aquela sensação incômoda se instala em minha espinha outra vez, mas eu a ignoro, mesmo que pareça que passamos tempo demais nos encarando em silêncio e sem propósito algum.

Sua resposta me faz querer grunhir. Quer dizer, ele poderia ter sido mais vago do que isso?

Mas, seguindo minhas próprias resoluções, digo exatamente o oposto daquilo que gostaria. Estou muito perto agora para estragar tudo por falta de paciência. Quer dizer, o universo tentou de todas as maneiras avisar ao Marcos babaca que se casar comigo era uma má ideia para ele, que eu definitivamente não sou o que ele procura. E, ainda assim, aqui estamos.

Se com todos os sinais, ele recusou-se a enxergar, não serei eu a levantar um letreiro luminoso piscante alertando-o. Não, manterei meu personagem doce, ou, pelo menos, tão doce quanto sou capaz de fingir ser, pois também não sou obrigado a bancar o pobre mocinho indefesa. Nunca fui esse mocinho e depois de tudo, não faria sentido que eu o fosse.

— Eu não entendo... — Desvio os olhos dos seus.

— Em dois anos, a vida de Isabella vai ser virada de cabeça pra baixo, eu sei disso, sei que não é o ideal para ela e, ainda assim, o farei. O mínimo que posso fazer por ela é compensá-la de alguma maneira. Quatorze anos é muito tempo, os depósitos feitos ao longo de todo esse tempo vão render e quando ela puder acessá-lo, vai ser capaz de fazer e ser o que quiser...

— Você não precisa fazer isso...

— Eu sei, mas eu quero...

— Obrigado, muito obrigadk... — são as palavras mais sinceras que disse a Marcos desde que ele falou comigo pela primeira vez.

— Você não tem o que me agradecer, Anthony. Eu te disse que esse casamento seria tão conveniente para você quanto para mim e será. Os próximos dois anos não precisam ser difíceis. Eles deveriam ser fáceis, mais fáceis do que quaisquer outros que você já tenha vivido. Eu prometo fazer o que estiver ao meu alcance para isso e em retorno, só peço que você seja você. E que me deixe o exibir para algumas pessoas...

Mordo o lábio. Ele não faz ideia do quão fáceis foram alguns dos anos que já vivi ou do que está pedindo ao pedir que eu seja eu mesmo, quando isso é o extremo oposto daquilo que deseja. Eu quase sinto muito por ele, quase. Mas a vida é difícil demais para colocar os interesses de qualquer outra pessoa na frente dos meus ou dos de Isabella, nas raras ocasiões em que tenho a chance de escolher.

Não tenho a desfaçatez de dizer que sim com todas as letras. Apenas balanço a cabeça para cima e para baixo, concordando silenciosamente.

— Você tem alguma dúvida?

— Na verdade, eu gostaria de pedir uma coisa... — meu coração acelera no peito, esse é um pedido muito importante.

— Se estiver ao meu alcance...

— Está. Eu quero um emprego na Valente. — digo de uma vez e vejo o cenho de Marcos se franzir. — Quer dizer, não agora, nem daqui a alguns meses, mas quando eu me formar. Ainda falta algum tempo. Três anos, na verdade, mas eu realmente gostaria de estagiar na Valente & Camil e, posteriormente, ser efetivado. Sei que…

— Espera, se formar? — interrompe minha fala e eu engulo seco, colocando em prática a melhor representação que sou capaz de fazer para parecer envergonhada. — Os livros, eles são seus...

— O quê?

— Os livros de direito no seu apartamento, eu os vi ontem e me perguntei de quem seriam... São seus...

Balanço a cabeça, confirmando.

— Naquela manhã, quando encontrei você, eu tinha chegado mais cedo pra usar sua biblioteca. Eu faço isso às vezes, você tem muitos livros que eu não podia comprar… — conto a ele um pedaço da verdade, já que é tudo o que posso lhe oferecer.

É a vez de Marcos balançar a cabeça, concordando.

— Por que você não me disse que fazia faculdade? Porra, eu poderia ter sido mais escroto com você, Anthony? Eu acho que não...

Rio, sem poder me controlar. Porque, não, ele não poderia.

— Me desculpe, eu não fazia ideia. O emprego é seu! Eu vou fazer a alteração e nós assinamos. Há mais alguma coisa sobre você que eu não saiba, mas deveria saber?

— Não. — meus lábios respondem imediatamente, na contramão dos pensamentos que explodem em minha cabeça e dizem: você nem faz ideia, Marcos...

Ele sorri, dando-me a impressão de não só ter ouvido o que eu não disse, como de também ter gostado disso.

É claro que não, Anthony. Não surta!

****************

Olho para o espaço ao meu redor e, apesar de esse ser o lugar para onde eu ansiava voltar todos os dias, não há em mim nenhum apego por ele. Enquanto a empresa contratada por Marcos carrega minhas poucas caixas para fora do apartamento, eu me despeço dele sem qualquer dor, tristeza ou sentimento de nostalgia. Essa é uma época da minha vida da qual não sentirei saudades.

Aquilo que há para guardar, como as brincadeiras de Bella, suas descobertas e vontades, eu levarei comigo onde quer que eu for, em meu coração. Neste apartamento de chão de taco e paredes velhas, ficam apenas lembranças de uma realidade que eu espero nunca mais precisar viver e a qual eu anseio, em breve, nem mesmo ser capaz de me lembrar. Sem um segundo olhar, viro as costas, deixando o passado onde ele pertence, para trás.

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Comentários

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É tudo tão mágico que eu gastaria todo o tempo necessário para ler tudo até o fim

. Com muita esperança que Marcos não só cuide bem dessas duas crianças como se apaixone loucamente por esse pai que merece muito ser feliz.

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Também quero que as coisas dêem erto para eles.

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