Olá pessoas! Vim avisar que eu criei listas com os capítulos dos contos para ficar melhor de vocês acompanharem, lerem, relerem os contos. Agradeço o feedback que têm me dado!
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CAPÍTULO OITO
“NINGUÉM AGUENTA MAIS EMBUSTES”
Apenas depois que o nosso pedido chegou foi que me dei conta do quanto era ridículo da minha parte ficar encarando o Thomas em vez de prestar atenção no cara que estava pagando o jantar pra mim. Por menos satisfação que eu devesse ao Márcio, ainda assim era uma atitude chata e que decidi abolir, antes que percebesse meu desinteresse, ou pior, que eu estava trocando olhares com alguém na outra mesa.
O CEO continuou me analisando sem pudor, conseguia sentir o peso de seu olhar direcionado em mim, porém fiz o maior esforço para levar uma conversa aceitável e comer em paz. O filé estava uma delícia; um dos melhores que eu já tinha comido, portanto até que foi fácil me concentrar no prato e no sabor que explodia em minha boca. Estava com tanta fome que não me fiz de rogado.
— Mas você dizia que tinha sido promovido? — quase uma hora depois Márcio resolveu perguntar. Ainda bem que eu nem ficava mais chateado com ele por causa disso. Já se foi o tempo em que me importava e tentava fazer a gente dar certo.
— Sim, agora sou coordenador.
Ele soltou um assobio e sorriu.
— Mesmo? Quem diria, hein? Pra quem você precisou dar pra conseguir uma proeza dessas? — ele soltou uma gargalhada enquanto o meu corpo inteiro pareceu virar uma enorme pedra de gelo.
Como aquele idiota tinha a audácia de fazer um comentário tão escroto e... MERDA. Automaticamente, a força de uma pergunta asquerosa foi capaz de me atingir e perdi o apetite. E olha que nunca senti fastio na vida.
Larguei os talheres e continuei olhando para a cara lisa daquele sujeito.
— Ei, estou brincando — levantou as mãos, ainda rindo. — Sei que você é competente, Bru, relaxa. Foi só zoação! — e então, num gesto nada a ver, pegou a minha mão e a beijou como se fôssemos um casal comum.
Nós nem éramos a porra de um casal.
Desvencilhei-me dele, joguei o guardanapo de linho sobre a mesa e me levantei. Márcio, percebendo o meu nível de irritação, ergueu-se também, meio assustado.
— Desculpa, Bruno, não precisa ficar chateado.
— Só vou ao banheiro — murmurei e, sem mais nada comentar, saí andando até o local onde imaginei que ficavam os toaletes.
Fiquei tão envergonhado e abatido com aquela merda toda que nem olhei para o Thomas. Na verdade não conseguia enxergar um palmo à minha frente, de tanta raiva que sentia. Ainda me incomodava pensar que eu só tinha conseguido o cargo por ter chamado a atenção do chefe em um âmbito sexual, nada a ver com competência. Por mais que eu estivesse fazendo um trabalho ótimo, a sombra daquele fatídico acontecimento pairaria sobre minha cabeça por muito tempo.
Entrei em um corredor iluminado, observando um grande espelho ao final dele, onde havia uma pia dupla com bancada de mármore. Dei uma leve olhada em mim mesmo, mas logo adentrei a porta do banheiro masculino. Tive vontade de socar alguma coisa, mas me segurei ao máximo.
Eu tinha sumido da vida do Márcio por um motivo bem óbvio. Fazia uns dois meses que não transávamos porque, de uma forma ou de outra, ele sempre soltava uma gracinha que me deixava incomodado. Fosse por causa do meu peso, do meu corpo, do meu trabalho ou, sei lá, opinando de maneira tosca sobre alguma coisa. Ele não era um cara legal e a típica tradução do “ter que aguentar o porco só por causa da linguiça”.
Enquanto eu fazia xixi refletia o quanto minha vida amorosa e sexual era uma grande porcaria. Uma lista imensa de abusadores e homens dementes, frios, sem noção, preconceituosos, enfim, cada um tinha um defeito grave e toda vez que pensava a respeito me perguntava onde raios estava com a cabeça pra me enfiar em tanta roubada.
Havia um padrão no meu comportamento e nos caras que cruzavam o meu caminho, logo, precisava ter cuidado redobrado na hora de escolher quem permaneceria na minha vida. Definitivamente, precisava me livrar do Márcio. Afinal, eu não tinha achado o meu cu no lixo. Merecia mais do que um imbecil daqueles.
Decidido a arranjar uma desculpa qualquer para ir embora, saí do banheiro e, distraído, coloquei-me de frente para uma das pias e abri a torneira. Assim que ergui a cabeça para observar o meu reflexo, percebi que não estava sozinho no corredor. Thomas Orsini lavava as mãos ao meu lado, mas, diferentemente de mim, não tinha se assustado com a minha presença.
Nossos olhos ficaram grudados uns nos outros por longos instantes, numa conexão esquisita e difícil de lidar. O meu corpo inteiro sofria com pequenos choques que vinham de lugar nenhum e partiam para o além, deixando-me desconjuntado. Aquele homem mexia comigo de um jeito que beirava o insuportável.
— Bruno Mendes — falou, todo sério, sem desviar o rosto. O timbre lindo da sua voz foi capaz de me provocar um arrepio. Reação louca e involuntária do meu corpo traidor.
Fazia quinze dias que eu não o via, mas parecia uma eternidade. A sensação era a de que a nossa noite de sexo avassalador havia acontecido em outra vida.
— Thomas Orsini — respondi, apenas, mantendo a mesma seriedade. Ele nada falou, por isso também mantive o silêncio.
Busquei ar aos pulmões e peguei um pouco de sabonete líquido, só para disfarçar. Em condições normais eu já teria terminado de lavar as mãos há muito tempo. Só que tudo o que fazia parte da minha pessoa queria ficar ali um pouco mais, curtindo aquela presença sufocante e o admirando sem pudor. Ele sabia o que se passava comigo tanto quanto eu sabia o que se passava com ele.
Por trás da camada de raiva forçada, tão cristalino quanto os olhos, o seu desejo era nítido.
— Como vai? — ele perguntou, murmurante, creio que percebendo que o ar ao nosso redor parecia cada segundo mais escasso.
— Não tenho do que reclamar — respondi e forcei um sorrisinho amarelo. — E o senhor?
— Eu seria um idiota se reclamasse de alguma coisa — resmungou, e então o desejo deu totalmente lugar à chateação.
Ele estava notadamente puto comigo, mas o que podia fazer? Nós não tínhamos nada. Nossa curtíssima história havia ficado para trás e pronto. Eu me decidi e ele, graças aos céus, respeitou essa decisão. Por outro lado, confesso que um sentimento delicioso escorreu pelo meu ser ao perceber que estava se roendo de ciúmes de mim. Ainda era inimaginável que alguém como ele pudesse se importar tanto com quem eu saía ou deixava de sair.
Eu precisava parar de me diminuir. Elisa e mamãe tinham razão sobre minhas inseguranças e não podia me esquecer disso.
Parei de encará-lo para me olhar no espelho. Caramba... Eu era um homem lindo. E tinha ficado bem elegante com aquela roupa. Um traje bem formal e executivo, combinando maravilhosamente com os sapatos pretos. Eu era poderoso, inteligente, bonito, divertido... Por que ficava me diminuindo pra encaixar gente tosca na minha vida?
Voltei a encará-lo.
Thomas só faltava me comer com os olhos e precisei me concentrar na minha respiração para não perder o juízo de vez. Ao mesmo tempo, erguemos uma mão na direção do porta-papel que ficava bem no centro, entre as duas pias. Meu braço entrou em contato com o tecido bom de seu terno caro.
Nós nos olhamos diretamente, sem a intervenção do espelho.
Eu não soube dizer quem foi que tomou a iniciativa, quem se decidiu primeiro ou quem cedeu, porque aconteceu tão rápido e tão loucamente que, quando dei por mim, já estava atracado em Thomas e ele já me arrastava na direção do banheiro masculino. Seus lábios devoravam a minha boca com fome, posse e milhões de promessas safadas, baseadas naquela química louca que tínhamos.
Não tive nenhuma objeção ao beijá-lo com a mesma vontade, enlaçando meus dedos em seus cabelos macios e tragando aquele cheiro delicioso, e que tanto me fez falta, até o limite de meus pulmões.
Quando ele nos trancou em uma das cabines eu já estava completamente sem fôlego. Não pensei nem por um segundo no local onde estávamos e nem em nada; para mim, só existia ele e todo o restante poderia se explodir que eu sequer perceberia. Suas mãos invadiram as minhas coxas, por dentro da calça, e me apertaram contra si sem delicadeza. Soltei um arquejo abafado, esfregando o meu ventre na sua tora já duríssima entre as pernas.
A calça foi parar nos meus tornozels e ele logo achou o caminho para me levar ao paraíso; começou a esfregar os dedos ligeiros por cima da cueca, enquanto eu rebolava e tentava não gemer. Segurei seu pau por sobre a calça e ele arquejou, feroz, soltando um resmungo gutural.
Em algum momento a razão nos atingiria, mas não estávamos com pressa para raciocinar. A loucura pairou sobre nossos corpos com a mesma força do tesão que nos fazia avançar. Aquela pegada desconexa tinha um gosto de saudade.
Seus dedos não demoraram a atravessar o tecido da calcinha e começar a resvalar em meu cuzinho. Thomas soltou um arquejo de aprovação ao perceber o quanto estava apertado, depois, empurrou-me para uma das faces da cabine, me fez erguer empinar q bunda .
Estava louco para senti-lo em mim outra vez.
O pouco tempo que levou para colocar o delicioso pauzão pra fora foi capaz de me deixar impaciente, vibrando em antecipação. Thomas continuou sério, como se estivesse em transe, enquanto procurava um preservativo na carteira e se vestia daquele mesmo jeito viril, cheio de firmeza e convicção.
Quando ficou pronto, puxou-me para si. Com uma mão, mirou a entrada apertada e sedenta, à sua espera. Ele puxou os meus cabelos, prendendo-me em seu domínio, e me encarou de muito perto.
Achei que fosse dizer alguma coisa, ou até mesmo me esculhambar, mas apenas se enfiou profundamente dentro de mim, arrancando um suspiro mais forte de nós dois.
— Caralho... — rosnou entredentes, retrocedendo devagar. Meteu com ainda mais força que a primeira vez, e senti o ânus cedendo, provocando-me uma dor gostosa de ser sentida.
Ele segurou o meu pescoço com a outra mão, daquela vez me mantendo completamente preso, sufocado, enquanto se afundava em mim sem dó. Acompanhei o seu semblante se tornar raivoso e notei o quanto aquele sexo era um desabafo. Thomas não tinha como me exigir nada, mas poderia me foder até que eu entendesse. Por mais tenso que isso fosse, só conseguir sentir um tesão maior ainda.
E também entendi o recado.
Eu me sentia um puto, o maior putão existente, e ainda assim fiz questão de rir enquanto ele metia duro, invadindo-me e me preenchendo com absoluta ferocidade.
Até que chegou o instante em que ele levou a minha cabeça para o seu pescoço e disse:
— Geme aqui, só pra mim. Geme, putinho.
Eu me embriaguei com seu cheiro bom e quase surtei com o calor que emanava dele, fazendo-me suar e me descabelar. De forma controlada, comecei a gemer no seu ouvido e, a cada som que eu emitia, mais forte seu pau entrava em mim. Precisei me segurar com as duas mãos na cabine. Eu me abri mais para recebê-lo, pois queria sentir aquele homem ao máximo, em toda sua virilidade.
Sua mão desceu entre nossos corpos e Thomas começou a atiçar meu pau, combinando os movimentos dos seus quadris.
— Eu vou gozar... — arquejei, com a voz meio rouca, em seu ouvido, e senti que passou a exercer mais pressão. A mão que segurava meus cabelos apertou consideravelmente.
— Goza com meu pau todo no seu cuzinho! — grunhiu baixo. Aquele timbre safado e carregado de selvageria foi a gota d’água para me fazer explodir. — Isso... Isso, gostoso...
Eu me contorci por inteiro enquanto ele, aproveitando o meu orgasmo, começou a se mexer mais rápido e mais duro, do jeito certo para fazê-lo explodir também.
Thomas, ofegante e trêmulo, deixou-se ficar em meu corpo. Abafou os próprios arquejos em meus ombros. Depois que gozou ele se afastou em silêncio.
Fiquei desnorteado, ofegante e sem saber o que fazer enquanto ele descartava a camisinha e ajustava as próprias roupas. Em seguida, creio que percebendo meu estado paralisante, ajudou-me a deixar a cueca no lugar e a calça
Por fim, me olhou.
Manteve-se parado por um segundo muito significativo, em que nenhum dos dois foi capaz de falar. Cheguei a abrir a boca, mas nada saiu. O que falaria? Pediria desculpas? Pelo quê? Eu não me arrependia de nada, nem mesmo de ter chutado aquele balde. Porque se não tivesse feito isso jamais saberia que tipo de cara ele era. Tudo bem que ainda não fazia ideia, mas ao menos Thomas não era daqueles insistentes que não sabiam o momento de parar. E isso já era muita coisa, tratando-se de homens.
Antes mesmo que me sentisse pronto, ele abriu a porta da cabine e se foi, deixando-me sozinho. Não falou, não fez qualquer recomendação, nem mesmo olhou para trás. Assustado, fechei a porta de novo e passei as mãos pelos cabelos bagunçados. Eu estava todo suado e grudento.
— Merda... — murmurei para mim mesmo.
Aquele era o momento da razão chegar. Infelizmente, ela me atingiu com tanta força que precisei de uns minutos para recobrar os sentidos. Depois, saí do banheiro masculino de fininho. Nenhum sinal do Thomas e, ainda bem, de nenhum outro homem. Lavei as mãos de novo, passei papel na minha testa e ajeitei os cabelos.
Voltei para a mesa com a maior cara lavada do mundo.
Márcio me esperava, mas vi que já tinha comido tudo.
— Podemos ir? — fui falando antes mesmo de terminar de me sentar. Não tive coragem de olhar para ele. Eu ainda tinha vergonha na cara, apesar de tudo. — Não estou muito bem.
— Ei, gato... Ficou chateado, foi? — passou a mão pelos meus cabelos, incomodando-me. Eu não queria que me tocasse nunca mais.
— Não, não... Está tudo certo — forcei um sorriso treinado. — Elisa me ligou, está me esperando na estação aqui perto. Acho que vou pra casa com ela, a bichinha não está numa fase muito legal. Você se importa?
Apesar de Elisa realmente não estar na melhor fase, a verdadeira coitada a quem me referia era a mim mesma.
— Não, tudo bem. Sem problemas. Eu te deixo lá.
— Ok.
— Já paguei a conta — Márcio informou, todo se gabando por ter grana para pagar um jantar caro. Tentei não revirar os olhos na frente dele e me levantei.
Assim que o fiz, reparei que Thomas ia embora na companhia dos engravatados. Porém, antes de sair do recinto, ainda se virou para me encarar uma última vez, com o semblante sério e descontente.
Márcio me deixou na frente da estação próxima e, infelizmente, veio me beijar na despedida. Eu o beijei de volta no automático, sequer tive tempo de negar ou me esquivar. Quando me vi livre dele um peso enorme pareceu sair das minhas costas. Não me arrependia de voltar pra casa de metrô, mesmo sendo tarde. Não queria nem mais um segundo da companhia daquele mané.
No caminho para o conforto do meu lar, peguei o meu celular e abri no Whatsapp, especificamente no chat de conversa entre mim e o número desconhecido, já que não cheguei a salvar o contato, que eu sabia que era do Thomas.
Não possuía motivos para alimentar um orgulho que não me levaria a nada. E ficou mais do que claro pra mim o meu desejo de que ele me procurasse. No fim das contas, sentia como se eu tivesse jogado, brincado com nossas emoções, e isso me desagradava.
A insegurança é uma merda na vida de um gay. Nós deixávamos tantas coisas boas para trás e nos sujeitávamos a tantas porcarias que em muitos momentos era difícil ter discernimento. Às vezes pensava que o medo era o que nos movia. Nós éramos enganados, humilhados, rebaixados, julgados. Passávamos por tantas intempéries que ser feliz, para nós, nem sempre era ser amado ou respeitado. A gente facilmente achava que felicidade era não estar sozinho, vestir as melhores roupas, ter o melhor corpo, ser bonito, ter um embuste apontando um caminho pra seguir.
Como queria me livrar disso!
Era a hora de dar um basta naquela merda de situação, porque, ainda que estivesse morrendo de medo, sem saber direito se daria certo, também sentia uma necessidade gigantesca de ao menos conhecer aquele homem. Queria uma vez na vida fazer o que estava a fim de verdade, sem me importar com outras variáveis.
Foi então que, sem saber direito como iniciar um assunto sério, acabei digitando o que todo mundo digita quando vai buscar o balde de volta:
Bruno:
Oi, sumido J
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“NINGUÉM AGUENTA MAIS FICAR NO VÁCUO”
Foi isso o que aconteceu: levei um tremendo de um vácuo. Thomas não só não respondeu a minha mensagem como sequer chegou a visualizá-la. De madrugada eu me acordei para ir ao banheiro e conferi mais uma vez, a milionésima. Nada. Nenhuma resposta. Não dava nem para alegar que ele não estava com o celular em mãos, pois perto da meia-noite tinha postado uma selfie no Instagram, deitado no sofá e com uma expressão serena. Era quase como se risse da minha cara por ter sido um otário.
Bem que tentei voltar a dormir, mas não consegui. Tentei não sentir raiva, não me culpar ou ficar me martirizando, pois sabia que não adiantaria nada. Thomas não voltaria atrás, ficaria preso em meu passado, servindo-me de alerta para que eu raciocinasse antes de cometer outro equívoco. Só que como seguir em frente se ainda tinha a memória vívida de suas mãos me apalpando com posse?
Como esquecer o seu cheiro, os seus beijos e aquele olhar carregado que me oferecia?
Era difícil, mas não impossível. O tempo, como sempre, faria o seu trabalho e só me restava deixar que ele passasse. Eu sobreviveria numa boa.
Mesmo me sentindo um zumbi, aproveitei a falta de sono para me levantar mais cedo e me arrumar direitinho antes de ir ao trampo. Tinha uma reunião longa pela frente e finalmente a Martha me diria quando seria a minha viagem à Los Angeles. Eu estava bastante ansioso. Passaria duas semanas em outro país e já estava deixando minha mãe ciente, para que não fosse pega de surpresa quando soubesse a data.
Acreditava que em menos de um mês partiria para os states.
Além de ansioso também estava nervoso, claro, pois não sabia se me daria bem com os funcionários de lá, ou mesmo se saberia me comunicar com eles claramente. O meu inglês era razoável, porém estava um pouco enferrujado, por isso vinha assistindo a alguns vídeos de conversação no YouTube e fazendo o que podia para não passar vergonha. Pretendia me planejar melhor assim que as passagens estivessem em mãos.
Cheguei dez minutos mais cedo, sentindo-me poderoso em um conjunto de calça e blazer pretos. Assim que entrei no elevador, porém, vi a Elisa meio abatida, amuada num canto e usando óculos escuros.
— Bom dia, amiga! — sorri, mas parei ao encará-la melhor. Ela estava tentando enxugar as lágrimas que escapavam abaixo dos óculos. — O que houve?
— Nada não. Bom dia — sua voz saiu tão acanhada que balancei a cabeça em negativa. O meu coração se apertou de angústia.
Eu sabia que aquela tristeza toda tinha a ver com o marido ridículo. A raiva tomou conta do meu corpo e acabei resmungando, já que outras pessoas entraram no elevador e não quis chamar a atenção delas:
— Venha à minha sala.
— Não dá, tenho que...
— Sem enrolação, Elisa — sussurrei e ela apenas se encolheu.
Queria pegá-la no colo ali mesmo, mas me segurei até chegarmos à minha sala. Fechei a porta e fui logo a abraçando com força. Elisa, então, começou a chorar descontroladamente.
— Ô, amiga... O que houve?
— E-Eu... — fungou, soltando um soluço alto. — Eu acho que vou me separar! — e caiu no choro mais uma vez.
— Ah... — tentei não pular de felicidade com a notícia, em respeito aos sentimentos dela, mas minha amiga em algum momento perceberia que aquela era a decisão mais acertada. E que a sua vida mudaria para melhor, como aconteceu com a minha mãe. — Mas por quê? Você tem para onde ir?
— Não saí de casa ainda. É só uma ideia...
— E de onde veio essa ideia? — eu me afastei dela, olhando-a melhor. Elisa ainda estava com os óculos e resolvi não forçar a barra para que retirasse. Fiquei com medo de ter um hematoma ali. E, sinceramente, acreditava que tinha mesmo. Senti-me covarde por não conseguir encarar a situação como devia. — Elisa... Vem, senta aqui — apontei para o pequeno sofá que jazia no canto da sala. Ela se acomodou e eu me coloquei ao seu lado, pegando suas mãos para acalmá-la.
— Não está dando certo, Bruno, só isso. Você sabe como ele é.
— Sim. E acho que não deve ser apenas uma ideia, você devia ter coragem pra sair dessa. Sei que é difícil e...
— Eu estou grávida — ela choramingou e, em seguida, caiu no choro mais uma vez.
Pisquei bastante os olhos, chocado com a revelação e com como tudo aquilo era uma grande BOSTA, em letras garrafais. Elisa sempre quis ser mãe, mas daquele babaca? Pelo amor de Deus. Ele não merecia nem um chiclete mastigado. E com certeza só se consideraria ainda mais dono dela. Em pouco tempo Elisa deixaria de ser uma pessoa para ser apenas um projeto de gente. Apostava como ele até daria um jeito de fazer com que ela deixasse de trabalhar, para tomar conta da criança. Afinal, o imbecil já tinha tentado uma vez obrigá-la a largar a carreira.
— Minha nossa e... O que pretende fazer, Elisa? — Não ousei lhe dar os parabéns. Tudo bem que filhos eram bênçãos e blá-blá-blá, mas naquele caso eu tinha minhas dúvidas. Achei por bem não fazer nenhum comentário específico sobre a gravidez. — E agora?
— Agora eu não sei! — soltou tantos soluços que precisei abraçá-la de novo.
— Ele sabe?
— Não — balançou a cabeça. — Não sei se vou contar.
— Como assim? Ele é o pai, não é?
— Estou pensando seriamente em me separar e ter essa criança bem longe dele — ela se desvencilhou de meus braços e virou o rosto na direção oposta a mim.
— O que foi que aconteceu? — murmurei a pergunta, bastante temeroso. Eu tinha quase certeza de que o pior havia acontecido.
Como que para comprovar minhas teorias, ela finalmente retirou os óculos e pude ver um de seus olhos tomado por um inchaço horrendo, além de uma coloração que variava do roxo para o verde. Levei uma mão à boca, tão perplexo que deixei algumas lágrimas caírem instantaneamente.
— Meu Deus... — levantei-me do sofá, movido por um sentimento que me abrasava por inteiro. Era a mais completa indignação. — Vamos.
— O quê? Para onde? — Puxei a mão de Elisa, mas ela se manteve sentada, sem entender.
— Para a delegacia, é óbvio! Esse cara não pode ficar impune!
Ela puxou a mão de volta e começou a balançar a cabeça freneticamente.
— Não. Eu não quero.
— Elisa, por favor! — sentei-me de novo, apoiando os cotovelos nas pernas e passando as mãos nos cabelos. Meu corpo tremia e eu ainda chorava de ódio daquele cara e de tristeza pela minha amiga. — A gente tem que ir.
Prometo que não te deixarei sozinha, vamos enfrentar isso juntos.
Mas ela continuou balançando a cabeça.
— É complicado, Bruno — murmurou, abraçando-se como se não pudesse mais suportar a própria vida. — Por favor, não me obrigue a isso.
— E o que vai fazer? É CLARO que vai se separar, não é? — Ela aquiesceu, trêmula. Parecia que o meu desespero a fazia tomar a decisão definitiva naquele instante. — Você não vai voltar pra casa, não vai ficar sozinha com ele.
— Bruno, ele não é nenhum criminoso, só estava nervoso, tinha bebido e...
— Você não vai passar pano, Elisa. Não vou deixar. — Ela se calou e eu fiquei a observando com atenção, sem acreditar no quanto a minha amiga estava quebrada por dentro. Era preciso estar muito detonada mesmo para aceitar ser tratada como lixo. — Claro que ele é um criminoso filho de uma puta. Covarde do caralho! — Ela se levantou, nervosa, e caminhou na direção da porta. — Para onde você vai, mulher?
— Não queria que ninguém soubesse por causa disso — virou-se para trás. — Sei me cuidar e sei quem ele é, Bruno. Na verdade me machuquei porque caí e bati com o rosto num móvel. Ele só me empurrou.
— Você está mentindo.
— Não estou — murmurou e percebi seus lábios tremendo. — De qualquer forma vou pra casa da minha mãe, passar o fim de semana lá. Já estava combinado, até trouxe a mochila — segurou as alças largas em seus ombros.
— Quer ficar na minha casa? Podemos...
— Não precisa — Elisa me cortou depressa. Soltou um longo suspiro e custou a me olhar. — Juro que está tudo bem. Só estou triste porque brigamos e acho... Acho que não dá mais certo.
— Você acha? Pois eu tenho certeza disso.
Ela assentiu.
— Vou esfriar a cabeça, pensar um pouco em mim e no bebê. A melhor coisa nesses momentos é o colo da mãe.
Concordei com a cabeça, limpando mais algumas lágrimas que rolaram. Eu não podia nem imaginar como estavam a mente e o coração da minha amiga. Grávida de um marido agressor. Puta merda!
— Você tem certeza de que não vai à delegacia? — perguntei uma última vez, levantando-me até alcançar a minha mesa. Procurei por uns papéis dentro da gaveta e puxei um envelope com dispensas a funcionários. Sim, eu tinha o poder de preenchê-lo e dispensar qualquer pessoa da InterOrsini que estivesse em um cargo abaixo do meu.
— Tenho, Bru — ela soltou o ar ao máximo, parecendo exausta. — Só quero paz e tempo pra refletir.
— Então vá logo para a casa da sua mãe — enquanto falava, preenchia o documento com o nome completo da Elisa, o seu cargo, motivo e o horário de despensa. Estendi-a até a terça-feira, porque tive dúvidas se poderia colocar mais tempo que aquilo. — Tome — deixei a caneta de lado e a ofereci o papel.
— O que é isso?
— Você está dispensada até terça-feira. Vou enviar uma cópia desse documento para o RH.
— Mas... Eu... — ela fez uma careta, porém depois sorriu. — Sério que você pode fazer isso? — Assenti. — Que máximo! — Elisa diminuiu a distância entre nós e me deu um abraço imenso, carregado de uma emoção que me fez chorar mais. — Tenho muito orgulho de você, amigl. Prometo que vou te fazer ter orgulho de mim também.
— Basta apenas que se orgulhe de si mesma — murmurei perto de seu ouvido, com a voz chorosa. Tentava conter a emoção, mas não dava. Elisa era uma pessoa muito importante na minha vida. Foi naquele momento que tive uma dimensão mais ampla do nível da nossa amizade.
Era muito, muito sincera.
Ela me deu um beijo na bochecha, colocou os óculos e sorriu para mim.
— Vou te mandar mensagem a cada cinco minutos — avisei, fazendo-a rir um pouquinho. Ao menos ela parecia mais calma do que quando chegou.
Eu não era uma completa inútil por não tê-la levado à delegacia.
— Sei disso.
Ela foi caminhando na direção da porta.
— Ei... — E se virou quando a chamei. — Eu te amo. Se cuida.
— Ownnn!Também te amo, Bru, não se preocupe.
Depois que ela foi embora eu me sentei com tudo sobre a minha cadeira, expirando o ar dos meus pulmões em extremo cansaço. Mal sabia o que pensar a respeito de toda aquela merda. Queria poder fazer mais pela Elisa, mas era ela quem devia isso a si mesma. Com muita fé se separaria e cuidaria do bebê em paz. Suporte ela sempre teria e sabia bem disso.
Passei uns dez minutos olhando para o além, enxugando lágrimas e me recompondo daquela manhã que já começara conturbada. Assim que liguei o computador, pronto para trabalhar, conferi logo o meu e-mail e o meu coração gelou com o primeiro remetente que apareceu:
THOMAS LUÍS ORSINI
— Meu Deus do céu... Meu Deus... — O que aquele homem queria comigo através de seu e-mail empresarial?
Respirei fundo e abri a mensagem.
_______________________________________________________________ thomasorsini@interorsini.com, sex., 7 ago., 08:05am (há trinta e cinco minutos)
Senhor Bruno Mendes,
Seguem, em anexo, as suas passagens para Los Angeles e o voucher de hospedagem para quinze dias no hotel parceiro da empresa.
Em breve receberá o cartão corporativo, que poderá usar durante a viagem para suprir gastos com transporte, alimentação e etc.
Atenciosamente,
THOMAS LUÍS ORSINI
CEO – InterOrsini Publicidade
Vice-Presidente – Grupo Orsini
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Com o coração na mão, abri o arquivo das passagens e levei um susto ainda maior. Era inacreditável, porém real: eu viajaria para Los Angeles no domingo, ou seja, dali a dois dias. Não imaginava que fosse tão rápido. Chegava até a ser absurdo. Não daria tempo de me preparar, treinar inglês, comprar mais roupas.
Dona Délia teria um surto real!
— Mas que filho de um puto... — murmurei, apoiando-me no encosto da cadeira, sem acreditar no que via diante do meu nariz.
Por que uma viagem tão apressada? E por que o dono da empresa, pessoalmente, me mandaria as passagens que a Martha mencionou que me enviaria? Ele não precisava se envolver naquele trâmite, pois era muito ocupado e, pelo visto, mais do que pensei, porque não fazia ideia de que também era a porra do vice-presidente do Grupo Orsini INTEIRO!
Que doideira era aquela, pessoal?
Só podia significar uma coisa: Thomas estava me tirando do Brasil com algum propósito que não era meramente o profissional. Mas qual era a finalidade? Provavelmente para me deixar longe do Márcio, o homem que ele deveria jurar que eu tinha algum romance e que o fizera sentir ciúmes. Porque não era possível que tivesse resolvido tudo tão rápido a troco de nada.
Olhando para a data e a hora de compra da passagem, confirmei o que já sabia: sim, foi tudo às pressas mesmo. Ele acordou naquele dia, sorriu e pensou: “vou tirá-lo daqui logo” e pronto. Tudo sem sequer responder a minha mensagem, perguntar minha opinião, conversar numa boa. Mais uma vez, fui feito de marionete pelo CEO controlador do caralho.
E mais uma vez a raiva dele aflorou dentro do meu ser.