CAPÍTULO 08
*** MARCOS VALENTE ***
Enquanto caminhamos para a pista de dança, não sei se me amaldiçoo ou me congratulo. Puta que pariu, que ideia fodida é essa de dança? Eu mal consigo manter minhas mãos para mim sem ter o corpo de Anthony grudado ao meu em movimentos lentos, não quero nem imaginar o estado em que não vou terminar essa dança, graças a Deus pelo paletó do smoking ser longo o suficiente para esconder a ereção que venho ostentando a noite toda.
Hora mais difícil de lidar, hora mais fácil, a porra da noite inteira, ele não me deixou nem por um segundo. Mas, sinceramente, se eu tivesse que lidar mais uma vez com a visão dele apreciando uma boa dose de Uísque, eu, provavelmente, gozaria nas calças, e isso não há paletó longo que esconda. Aquela foi a coisa mais sexy que já vi, e, daqui para frente, provavelmente, toda vez que colocar uma gota da minha bebida preferida na boca, vou ficar de pau duro ao me lembrar da expressão de prazer no rosto de Anthony.
Ver seu rosto tão satisfeito, tão deliciado apenas degustando uma bebida, me fez perguntar que expressão ele assumiria se eu o degustasse e fizesse gozar. Puta que me pariu! Eu sei que não presto, mas isso é castigo demais, castigo demais, porra!
— Eu não sou muito bom nisso... — me avisa assim que nos posicionamos.
— Tudo bem... Eu vou guiar você... — tranquilizo-o. Uma de minhas mãos se apoia no meio de suas costas e a outra em sua cintura. Os braços de Anthony envolvem meu pescoço e, devagar, começamos a nos movimentar. Meus olhos buscam seu destino permanente e encontram os lábios dele entreabertos, tentadores para um caralho... Ele os lambe e todo o sangue do meu corpo parece passar a ser bombeado direto e somente para o meu pau.
Precisando de uma fuga, mas não podendo simplesmente virar o rosto para meu noivo enquanto dançamos lentamente na pista, porque há muitos olhos em nós, colo a testa na sua e fecho os olhos. A sensação de tê-lo tão perto é quase sufocante, na verdade, a sensação de tê-lo tão perto e saber que todo o desejo que praticamente me escraviza não poderá ser satisfeito é quem judia de mim. Definitivamente, esta foi uma ideia de merda, puta que pariu!
Uma expiração forte sopra sobre a minha boca, obrigando-me a abandonar minha fuga. Encontro os olhos de Anthony presos aos meus lábios e não consigo deixar de me perguntar se ele se sente tão afetado quanto eu. Se sim, talvez eu não esteja tão fodido quando eu acho que estou... Esposo bebê, Marcos... Esposo bebê... Meu subconsciente insiste em me lembrar. Mas e se fosse só uma vez? Ele ainda seria um esposo bebê antes, durante e depois! Mas que caralho!
Quando o mestre de cerimônias anuncia o início do leilão, eu quase subo no palco para lhe abraçar em agradecimento por ter me libertado da tortura a que eu mesmo me impus.
****************
Depois de uma noite inteira tocando Anthony, propositalmente ou não, a distância entre nós no carro é quase insuportável e eu não consigo decidir o que é pior. Se a tortura de pequenos toques roubados apenas para manter aparências de algo que não existe, ou a ausência total quando estamos fora das vistas alheias e não há a necessidade de fingimento.
Se existia qualquer dúvida de que eu quero meu futuro esposo, esta noite as enterrou abaixo de muito mais do que sete palmos e eu ainda não faço ideia de como lidar com essa constatação. Principalmente porque, apesar de, a cada dois segundos, lembrar a mim mesmo da idade de Anthony, começo a desejar que ele me dê qualquer indício de que se sente da mesma forma que eu. Minha mente sabe que, não importa o que, eu preciso ter a decência de manter longe, mas meu corpo? Ah, o filho da puta só precisa de um motivo, da porra de qualquer motivo.
Expiro com força, expulsando todo o ar dos meus pulmões apenas para enchê-los novamente. Isso chama a atenção da minha companhia, mas, rapidamente, aqueles olhos escandalosos são desviados de mim. Será que ele é escandaloso na cama? Ah, caralho! Esposo bebê, Marcos! Esposo bebê!
Engulo em seco e enquanto lhe roubo olhares com o canto dos olhos, a pego, mais uma vez, fazendo o mesmo. O ar dentro do carro é insuportável, pesado, quente, pulsante, quase como o meu pau que ainda não me deu um minuto de sossego. Se os próximos dois anos serão assim, talvez eu os termine em um hospício, porque, caralho! Isso, definitivamente, pode enlouquecer um homem!
O carro estaciona e só então me dou conta de que chegamos à garagem do meu prédio, agonizando em tesão, eu nem mesmo vi o trajeto, embora tenha sentido cada segundo do tempo em que fiquei preso com Anthony dentro do carro escorrer em câmera lenta, saber que essa tortura acabou é o caralho do paraíso.
Comemorei cedo demais, percebo, ao descer do carro e me deparar com o elevador. Abro e fecho a boca, mas o que eu poderia dizer? “Anthony, por favor, vá na frente, eu subo depois, porque, nesse momento, não confio em mim mesmo perto de você!” Não! Mas nem fodendo!
Coloco as mãos nos bolsos, jogo a cabeça para trás e tomo uma inspiração profunda sem me importar com o que isso vai se parecer. Anthony não diz nada, caminha a minha frente e posiciona o dedo sobre o leitor de digitais, chamando o elevador. Paro ao seu lado, e, com o canto dos olhos consigo ver seu peito subir e descer em um ritmo acelerado.
O apito soa, as portas se abrem e nós dois entramos. A máquina se move para cima em uma velocidade pela qual eu deveria ser grato, mas que parece apenas deixar as coisas piores. É como se a cada segundo que passamos subindo, houvesse alguém dizendo que é a última chance, que se não fizermos acontecer agora, perderemos nossa chance.
Finalmente, o elevador para. Anthony dispara para fora, como se ali dentro tivesse um monstro horrível do qual ele mal podia ver a hora de se livrar. Tiro as mãos dos bolsos, esforço-me para controlar minha respiração e saio logo em seguida, precisando, desesperadamente, que haja algum espaço entre nós.
Mas Anthony tropeça, em que eu não sei, o fato é que antes que eu me dê conta do que estou fazendo, já o tenho em meus braços, meu corpo curvado sobre o seu, minhas mãos segurando firmemente sua cintura, seu peito, rosto, boca, perto, muito, muito perto. Meu olhar paira sobre seus lábios, levemente entreabertos e trêmulos, depois, seus olhos, focados em minha própria boca. Suas mãos seguram meus braços com força, confiando em mim para mantê-lo longe do chão. Ele se mexe, sem querer, roçando-se em minha ereção gritante e, quando ele geme baixinho, eu me quebro. Para o inferno com a porra do título de esposo bebê!
Desço a boca sobre a sua com a fome que contive ao longo de toda a noite, ao longo de todos os últimos dias, desde a manhã em que o vi pela primeira vez sem a porra do uniforme cinza. Anthony me beija com igual desespero, ele não se submete, não se retrai, sua língua varre minha boca em um beijo sensual, faminto, cru, perigosamente gostoso.
Minhas mãos em sua cintura apertam a carne macia, aproximando o corpo do meu ainda mais, quase ao ponto de nos fundirmos e eu pressiono minha ereção em sua barriga, ao que ele geme, obscenamente delicioso. Se o inferno é preço para tê-lo em minhas mãos, eu fico feliz em pagar. A pele é macia, lisa, quente sob meu toque, a boca se movimenta no ritmo perfeito, e os peitos espremidos contra o meu tórax chamam meu nome, porque eu os ouço.
Um som rouco soa ao nosso redor e levo algum tempo para perceber que fui eu. O ar falta e o beijo acaba, mas nenhuma das duas bocas fecha ou se desgruda. A saliva, espalhada pelos nossos lábios, ao redor deles, em nossos queixos, deixa tudo mais quente, mais primitivo, mais fodidamente delicioso. Seu cheiro, sua pele, sua respiração me inundam assaltando minha mente e determinando, de maneira sumária, que ele seja meu único pensamento enquanto esse instante durar.
E, quando nossos olhos se encontram, os dele gritam a única coisa que poderia me deixar ainda mais alucinado: “me fode!”. Anthony não pede, súplica ou choraminga, ele exige, e puta que pariu, eu sou a porra de um escravo feliz em realizar suas vontades! Em poucos passos, o tenho imprensado contra a parede. Aperto sua cintura, então, sua cabeça se ergue, apoiando-se contra a superfície atrás dele e me dando livre acesso ao pescoço fino.
Lambo seu queixo, sua garganta e sinto seus batimentos cardíacos acelerados quando pressiono os lábios contra o seu pulso. Nenhum de nós dois diz nada, há apenas o som de tecido farfalhando e respirações aceleradas enquanto as mãos de Anthony se infiltram por dentro do meu paletó e puxam minha camisa para fora da calça. Minha boca se espalha sobre sua pele, cobre, saboreia cada centímetro, mas isso muda quando ele me toca, por que eu gemo.
Gemo antes mesmo de me dar conta do que vai acontecer. Os dedos pequenos e finos sobem, exigentes, pelo meu abdômen e a respiração de Anthony se torna ainda mais descompassada. Ergo meus olhos, encontrando os seus quando minha boca encontra seu colo, o deleite que vejo é toda permissão que preciso para satisfazer à vontade que me atormentou a noite toda.
Puxo o tecido para cima e, em segundos, o tórax de Anthony livre, os mamilos rosados, puta que pariu! Eu vou gozar nas calças! Tomo meu tempo, apreciando-os e controlando o tesão que quer, a todo custo, tomar o controle do meu corpo. Mas nem fodendo que eu vou gozar antes de saber exatamente qual é a sensação de me afundar no meu futuro esposo.
Admiro a pele clara, os mamilos rosados rígidos, toco-os com a ponta dos dedos e adoro o lamento que deixa seus lábios, o estremecimento do seu corpo. Sensível para caralho é o que ele é, e, se é que isso é possível, a descoberta me deixa ainda mais duro.
Minha boca saliva, desesperada para sentir seu gosto e eu não me privo mais. Primeiro, deslizo-o por meus próprios lábios diante do olhar estreito e atento de Anthony para que ele saiba exatamente o que estou prestes a fazer.
Então, lambo seu colo, desço pelo vale do peito. Meus lábios alcançam o biquinho rígido e se fecham ao seu redor, fecho os olhos, fodidamente perdido na sensação de tê-lo em minha boca.
Envolvo o ponto com a língua, circulando vagarosamente, e o corpo de Anthony estremece, esfregando-se no meu, buscando mais, suas mãos arranham minha pele com força, marcando-a, arrastando-se do meu tórax até o abdômen, ameaçando infiltrarem-se no cós de minha calça e subindo outra vez. O maldito é um provocador do caralho, e eu o quero beijar por isso.
Mordo seu mamilo e um gritinho agudo escapa dos seus lábios, quando sugo, ele me entrega, pela primeira vez, um gemido de verdade, longo, alto, arrastado e eu sei que estou perdido, porque se meu desejo por ele estava me atormentando antes que eu o tivesse tocado, não há um jeito nesse mundo do caralho de eu conseguir esquecer seu gosto em minha língua, seu cheiro tão perto a ponto de impregnar meu nariz, ou o som que deixou sua garganta enquanto eu tinha um dos seus mamilos em minha boca. Tudo isso antes que eu tenha estado dentro dele...
Anthony rebola, buscando mais contato, e eu empurro minha pélvis contra a sua, esfregando meu pau duro, arrancando gemidos de nós dois. Suas mãos sobem, encontrando meus cabelos e puxando-os ao mesmo tempo que empurram minha cabeça ainda mais na direção.
Abandono seu mamilo e assalto sua boca, o beijo é feroz e beira o desespero. Minhas mãos procuram pelo zíper da sua calça, querendo abri-lo aqui mesmo e chegar com ele completamente nu em minha cama.
— Porra, Thony... Você é tão gostoso... Eu vou ficar viciado em você... — sussurro em sua boca antes de deslizar meus lábios por seu rosto e alcançar sua orelha, passo a língua por ela. — Eu vou te lamber e chupar inteiro. Vou me fartar do seu gosto e quando você estiver implorando, vou te foder forte, duro!
— Oh Deus! — diz em um tom estranho o suficiente para que eu me afaste e procure seus olhos. Encontro-os arregalados e as mãos de Anthony já não mais me puxam para si, elas empurram meu corpo para longe do seu e eu franzo o cenho afastando-me.
— Você está bem? — meu cenho se franze em preocupação, mas basta que meu olhar encontre o seu para que eu me dê conta do que está acontecendo. Anthony acaba de se dar conta do que estávamos prestes a fazer.
— Eu... eu... — gagueja e eu fecho os olhos, tirando as mãos de seu corpo e respirando fundo. Porra, porra, PORRA!
— Só vai, Anthony... —digo, ainda com os olhos fechados, fugindo da visão que eu não preciso ter por mais nem mesmo um milésimo de segundo para saber que me fodeu. Anthony com os cabelos bagunçados, o rosto e colo quentes, com a pele ao redor dos mamilos avermelhada pelo toque exigente da minha boca, com a respiração descompassada e o vestido completamente amarrotado.
— Marcos... — seu tom é sussurrante...
— Anthony, se você não quer o que nós dois sabemos que estava prestes a acontecer, só... só vai... — abro os olhos e ignoro tudo e qualquer coisa que não sejam os seus. Piscinas escuras me puxam, selando a certeza que eu já tinha. Ele não quer, ou melhor, ele quer, mas vai fugir. E seguindo o script que me foi dado por seu olhar escandaloso, Anthony se vira e quase corre na direção das escadas sem nem mesmo colocar a roupa no lugar.
Observo a cena de longe, parado no mesmo lugar e me amaldiçoo pela minha estupidez, porra! ES-PO-SO BE-BÊ, caralho! É claro que isso ia dar errado! E, agora, eu acabei de estragar qualquer chance que tínhamos de esse casamento ser minimamente amigável! Se o menino não ficar com medo de interagir comigo, eu sei que vou estar fodido a cada vez que olhar para ele, porque tudo o que verei é a imagem que não seria lavada dos meus pensamentos nem mesmo com alvejante...
E, se antes era difícil lidar com a minha imaginação, agora que sei exatamente como é a realidade, puta que pariu! Abaixo a cabeça e levo a mão à ponte do meu nariz, apertando ali e suspirando.
— Porra, porra, porra, Marcos! Você é realmente muito bom em foder tudo! —resmungo para mim mesmo, mas franzo o cenho ao ouvir as palavras em voz alta.
Talvez seja esse o problema, afinal. Não foder ninguém e ser constantemente tentado pelo meu noivo noiva está me deixando louco. Quanto tempo faz desde que eu comi um cu? Semanas, mas que porra! É claro que eu vou ficar insano com um homem passeando de sunga na minha frente, caralho!
Um som desgostoso deixa a minha garganta.
Definitivamente, eu virei a porra de um João Pedro 2.0. Mas isso acaba aqui. Arrumo as roupas no lugar, me livro do paletó e da gravata borboleta, sem me preocupar em escolher, pego as primeiras chaves que encontro na minha frente e volto para o elevador. Não há a menor possibilidade de eu me masturbar no banheiro como a porra de um adolescente, não mesmo!
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— Isso nunca me aconteceu antes! — repito em voz alta a frase estúpida sem poder acreditar que eu realmente a falei. Puta que me pariu! A que é que eu estou me reduzindo? Primeiro, meu noivo foge de mim, agora, isso!
Bufo, puto para um caralho e esfrego as mãos sobre o rosto enquanto o elevador faz seu caminho para o lugar de onde eu nunca deveria ter saído, minha casa. Teria me poupado uma humilhação e tanto.
Revivo, pela milésima vez na última hora, o momento mais embaraçoso da minha vida. Nem mesmo o orgasmo mais rápido da minha história, quando perdi minha virgindade, poderia superar esse momento. A lembrança do olhar divertido no rosto do moreno enquanto vestia as próprias roupas e eu o observava, ainda nu, deitado na cama, e com o Marcão mais morto do que jamais esteve, apesar de todos os esforços dele, zomba do meu estado miserável.
O filho da puta se recusou terminantemente a dar qualquer resposta, não importa o quanto o cara tenha se dedicado, e, em minha mente, uma única frase se repetia como um maldito mantra: não é ele que você quer! Não era, mas ele deveria ter servido. Minha cabeça traçou o plano perfeito, mas meu corpo se recusou a cumpri-lo por algum senso estúpido de moral. Não é como se o cara também não estivesse me usando, porra! Ele era lindo, mas quanto mais perto eu chegava, mais eu constatava que ele não era Anthony.
Quando meus dedos se enrolaram em seus cabelos, lisos e escuros, minha mente fez questão de ressaltar que eles não eram loiros. Quando meus olhos devoraram os seus, os dele permaneceram silenciosos, sem me dizer uma verdade sequer, quando minhas mãos tocaram seu peito, eles pareceram ter a textura, a sensação errada sob meu toque, e quando minha boca tomou a sua, eu não precisei de qualquer ajuda para ter certeza de que não era esse o gosto que eu queria, que eu precisava sentir.
Mas eu insisti. Insisti porque precisava tirar Anthony da minha cabeça. Nenhum cara jamais fugiu de mim antes, mas, aparentemente, essa é a noite das primeiras vezes, porque eu jamais brochei antes, e, definitivamente, jamais tive um cheiro, um toque, ou um desejo tão entranhado sob a minha pele a ponto de julgar quaisquer outros como errados.
— Será que eu devia procurar um médico? — Só se for de cabeça, porque esse cara está fodendo seu juízo, não seu pau! Minha própria consciência responde.
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*** ANTHONY RODRIGUES ***
O copo de água diante de mim parece rir da minha cara e, por isso, quero espatifá-lo contra a parede. Achei que sair do meu quarto me faria parar de andar de um lado para o outro, mas eu estava errado, agora eu apenas o estou fazendo na cozinha. Porra, Anthony! Porra!
Me recrimino, pela milésima vez, nas últimas horas. Eu não posso acreditar em mim mesmo. Cheguei tão absurdamente perto, tão inacreditavelmente... Ainda sinto o gosto de Marcos em minha boca, seu cheiro em minha pele e, se eu fechar os olhos, ainda tenho a sensação de seus dedos passeando por meu corpo, de suas mãos agarrando minha bunda, minhas coxas, de sua boca me mamando.
Eu poderia culpá-lo, gostaria, na verdade. Mas sou tão responsável pelo que quase aconteceu quanto ele, porque isso começou muito antes de termos saído do elevador, e eu permiti. Permiti que ele me tocasse constantemente, que me mantivesse envolvido em seus braços a noite inteira, permiti que cheirasse e beijasse meu pescoço uma vez depois da outra, e, pior, permiti que meus pensamentos levassem isso a outros estágios.
A cada toque de seus dedos em meus ombros eu o imaginava descendo minha roupa. A cada beijo que ele deixava em meu pescoço eu imaginava sua língua acariciando a pele ali. A cada beijo suave que eu ele deixava em meus lábios eu desejava a sensação de assaltar sua boca com minha língua, não existia uma forma no inferno de isso acabar bem. E não acabou. Eu quase fodi tudo, literal e figurativamente.
Depois de tirar a roupa, e, pateticamente, me recusar a tomar banho, por não querer lavar o cheiro, o gosto ou o toque de Marcos da minha pele, não ainda, eu nem mesmo tentei me deitar na cama, pois sabia que não existia a menor possibilidade de eu conseguir dormir. Não depois de ter sido tocado, lambido e chupado, não aceso como estou, não quando estou reunindo tudo o que há em mim para não bater na porta do quarto de Marcos e dizer que só uma vez, só hoje, nós devíamos terminar o que começamos.
Mas eu não posso. Simplesmente não posso fazer uma coisa dessas, e, por isso, gasto minha energia andando de um lado para o outro. Penso em ligar para Grazi, mas eu, provavelmente, a impediria de fazer exatamente o que eu gostaria de estar fazendo agora, eu a vi deixar a festa acompanhada, é bom que pelo menos uma de nós realmente transe esta noite.
Puta que pariu, mas que burrada do caralho! Como é que eu deveria olhar para Marcos agora? Como é que eu deveria ignorar o desejo enlouquecedor de tocá-lo agora que eu sei exatamente qual é a sensação de tê-lo sob meus dedos? Como é que eu deveria não salivar pela sua boca agora que eu sei exatamente que gosto tem? Como é que eu deveria me privar da sensação fantástica que foi ter sua boca, sua língua, suas mãos em mim.
Deus, eu estou tão terrivelmente fodido! Esse evento foi um tiro no pé e eu deveria ter sido esperto o suficiente para saber disso! Para saber que provocar Marcos era uma faca de dois gumes e que isso me rasgaria exatamente na mesma proporção que a ele. Sento-me em uma das banquetas da ilha da cozinha, apoio os cotovelos sobre a bancada e abaixo a cabeça. E, como se respondendo às milhares de perguntas que povoam meus pensamentos, o apito do elevador soa, fazendo-me franzir o cenho.
Viro a cabeça na direção do hall de entrada e o que vejo forma palavras em minha cabeça como em um jogo de scrable.
— Porra, eu sou tão estúpido... — Eu deveria ter batido na porta de Marcos, eu teria dado com a cara nela e isso teria me poupado muito esforço e autocomiseração, porque ele não estava em casa. Não... Marcos sai do elevador com as roupas completamente desalinhadas, os cabelos bagunçados, e, conforme se aproxima, sinto o cheiro doce entranhado em sua pele. Ele fodeu alguém.
— Anthony... — É tudo o que diz ao passar por mim como se nada de anormal estivesse acontecendo aqui. Como se essa fosse uma cena corriqueira e completamente esperada. Não consigo me parar e um som de escárnio deixa minha garganta quando ele está prestes a alcançar a escada. Isso o faz se virar e me dignar pelo menos um olhar.
— Algum problema? — questiona, ainda distante.
— Não... — balanço a cabeça e dobro o lábio inferior para fora em uma careta, seus olhos se estreitam e ele ameaça dar um passo na minha direção. — Problema nenhum...
— Quando você mentir, Anthony, devia fechar os olhos, ou aprender a mantê-los calados. Porque a sua boca diz uma coisa e eles gritam outra! — sibila, parecendo irritado, e eu preciso me controlar muito para não lhe dizer que ele parece muito malhumorado para alguém que acabou de foder. Ao invés disso, estalo a língua e desvio meu olhar.
— E o que é que eles estão falando tão alto a ponto de incomodar seus tímpanos, Marcos?
— Que você está decepcionado... — cospe as palavras, sarcasmo escorre por elas e eu olho para ele por alguns segundos antes de lhe responder.
Eu estou? Porque eu não deveria... Marcos nunca me enganou, nunca mentiu para mim, nunca me fez promessas. Ele é um ordinário e eu sabia disso o tempo todo. Ele ter procurado alguém que estivesse disposta ao que eu não estive não deveria me surpreender... Então por que ele soa tão irritantemente certo?
Porque você estava começando a se esquecer, Anthony... E eu me amaldiçoo por isso...
— Não estou, Marcos. Eu estou grato. Obrigado, muito obrigado...
— E pelo que exatamente você está grato,querido noivo? — questiona e eu balanço a cabeça para cima e para baixo. Se eu tivesse alguma dúvida das minhas próximas palavras, elas morreriam com o tom usado por ele.
— Por me lembrar de quem você é, Marcos. Eu estava começando a esquecer...
Sua garganta arranha e seu rosto é tomado por um sorriso nada bonito que não alcança os olhos.
— Fico feliz em servir... — diz, virando-se e voltando a caminhar na direção do segundo andar, — Nós sairemos às 9. Esteja pronto! — exige e eu quero mandar que ele vá se foder. Mas não o faço. Afinal, foi para isso que ele me contratou, certo? Para parecer bonito e agradável, não para me esfregar nele ou deixar que meus mamilos fossem chupados por sua boca. Respiro fundo e fecho os olhos brevemente antes de responder.
— Estaremos.
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— Oi, Marcos! — Isabella diz assim que desce as escadas e o encontra na cozinha, — É verdade que eu vou conhecer a sua mamãe? — fecho os olhos. Ela está muito animada com isso. Isabella nunca teve avós, nunca teve ninguém além de mim e Grazi, para dizer a verdade, então, não importa quantas vezes na última hora eu tenha lhe dito que os pais de Marcos não são seus avós, ela parece mais do que disposta a me ignorar. Maldito gênio! Não sei a quem ela puxou!
Inspiro profundamente e abro os olhos, preocupado com a resposta que Marcos lhe dará, e eu juro por Deus que se esse maldito ousar tratar minha filha com uma gota a menos do carinho que ela merece, eu não respondo por mim. Mas, para minha surpresa, ao procurá-lo com o olhar, encontro-o sorridente e agachado diante dela.
— Sim, é verdade! E meu pai também! E sabe o que eles têm, Isabella? — pergunta, parecendo estar disposto a dividir um imenso segredo com minha filha. A contragosto, respiro aliviado. Na verdade, Marcos se mostrado cada vez menos reticente com Isabella. Depois que jantou conosco, ele não se escondeu no quarto nos dias que se seguiram. Não se sentou no chão para tomar chá com as bonecas, ou assistiu a bendito filme da princesa e do dragão, e eu nem espero que o faça.
Mas, pelo menos, ele não parecia mais querer sair correndo a cada aproximação da minha filha. Temi que os acontecimentos de ontem pudessem fazer com que ele a afastasse para deixar claro que eu sou apenas o que sou, uma funcionária, mas, aparentemente, lhe dei menos crédito do que deveria.
E essa, aliás, é toda a porra do problema. Marcos não me ajuda. Quando acho que sei tudo sobre ele, o maldito me revela uma nova faceta um pouco mais ou um pouco menos odiável e eu quero atirá-lo pela janela por isso.
Se ele fosse apenas o Marcos babaca para quem trabalhei nos últimos oito meses, eu jamais teria permitido que a noite de ontem tivesse chegado ao ponto que chegou. Mas ele não é, e isso fode com a minha mente, porque começo a achar que ele tem muito mais partes interessantes do que recrimináveis. E, se eu for sincera comigo mesmo, serei obrigado admitir que, mesmo as recrimináveis, não me afastam tanto assim.
Como poderiam? Houve um tempo da minha vida em que fui uma versão adolescente de Marcos no que diz respeito ao seu caráter ordinário, e, não tenho a menor dúvida de que, se minha vida tivesse seguido aquele rumo, hoje, eu seria uma versão adulta.
— Não! O que tem lá? — Isabella pergunta animada quando Marcos deixa que o silêncio se estabeleça entre eles.
— Um cachorro! Gigante! — responde dramaticamente e eu estranho ainda mais sua forma de lidar com Isabella esta manhã, mas isso só até eu perceber o que ele está fazendo. Atuando. O filho da puta é porra de um artista e está atuando com minha filha que não tem nem ideia do que está acontecendo.
Como um raio, a sensação familiar me atinge. Eu sou um pai ruim. Um pai muito ruim. Que tipo de pai exporia a filha a uma situação dessas? Só um ruim, um ruim de verdade, e é isso o que eu sou. Meus olhos ardem, mas eu me controlo. Chorar não vai mudar nada. Me concentrar para ser exatamente aquilo que é esperado e receber aquilo que me fez dizer sim em primeiro lugar, vai.
— E ele morde? — Isabella questiona com os olhos arregalados.
— É ela, a Maya! E ela não morde! Ela é um bebê! Igual a você! — Isabela ri docemente, como se achasse que Marcos acabou de dizer uma grande bobagem e ele ergue as sobrancelhas.
— Eu não sou um bebê, seu bobo! Eu tenho três! — faz o sinal com a mãozinha — Quase quatro, assim! — levanta um dos dedos que tinha abaixado, mostrando a mão quase completa, indicando a idade que completará em pouco mais de dois meses. — Falta pouco, não é, papai? — Joga a cabeça para trás, me perguntando.
— Sim, meu amor! Falta pouco!
— Viu só?! Eu não sou um bebê... — repete, balançando a cabeça de um lado para o outro.
— E o que você é então? — Marcos pergunta ainda sem olhar para mim.
— Uma garota, ué! Eu sou uma garota! —Ele ri ao ouvir a resposta de Isabella e ela o encara como se ele não estivesse fazendo sentido algum, até, de repente, uma expressão brava tomar conta de seu rosto e ela cruzar os braços.
— Você tá rindo de mim? — questiona e eu desisto de acompanhar a interação dos dois. Hoje é a folga de Carmem, então entro na cozinha e começo a me movimentar, preparando o mingau de Bella. De costas para os dois, tento ignorá-los. Mas é impossível, logicamente.
— Não, Isabella... Eu estou rindo para você...
— E qual é a diferença? — não preciso olhar para minha filha para saber que seu cenho está franzido em desconfiança.
— A diferença é que quando eu rio para você, você pode rir comigo. Se eu estivesse rindo de você, você não poderia...
— E por que não? — Misturando a farinha e o leite em um prato para colocar no micro-ondas, seguro a risada querendo saber como Marcos babaca vai sair dessa...
— Porque você estaria rindo de você mesma...
— Mas o papai disse que a gente pode rir da gente mesmo...
— Hum... — Minha nuca esquenta e sei que o olhar de Marcos está em minhas costas. Não me viro ou dou qualquer atenção ao que pode ser um pedido de socorro de sua parte. Se vira, palhaço!
— Bem, seu pai está certo. Nós podemos rir de nós mesmos...
— Então qual é a diferença? — reforça a pergunta e Marcos fica em silêncio.
— Nenhuma... — responde, desistindo de pensar e, dessa vez, não me contenho. Rio baixinho, porque essa foi uma má escolha.
— Então você estava rindo de mim! — Isabella o acusa imediatamente e Marcos geme, perdido.
— Anthony... — me chama, pedindo por ajuda e eu me viro depois de programar o micro-ondas. Ergo uma sobrancelha e cruzo os braços. Ele respira fundo e esfrega uma das mãos na nuca, dividido entre pedir e continuar bancando o babaca autossuficiente, exceto que ele não é autossuficiente, ou não precisaria de mim para explicar para uma criança que ele não estava rindo dela.
— Seu pai vai explicar para você, Isabella... — acha uma terceira saída e eu balanço a cabeça, negando. Covarde. Espero que meus olhos, segundo ele, escandalosos, gritem a palavra quando os fixo nos seus. Me aproximo da minha filha e a pego no colo, levando-a para a bancada. Deixo um beijo em sua bochechinha, coloco-a sentada em uma das banquetas e acaricio levemente sua testa, desfazendo a ruga que se formou ali.
— Marcos não estava rindo de você meu amor, ele estava rindo para você, ele ficou feliz por você ser muito esperta e saber que não é mais um bebê, mas sim uma criança. — Isabela forma um pequeno “O” em sua boca pequena, o micro-ondas apita e eu a deixo apenas por tempo o suficiente para colocar seu café da manhã à sua frente.
Independente, como precisou se tornar muito rápido, ela começa a comer sozinha com seu prato e colher da Minnie. Marcos observa tudo atentamente, parecendo inconformado ao descobrir que isso era tudo o que bastava para satisfazê-la.
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— Vocês chegaram! — Dona Giovanna exclama no momento em que abro a porta do carro e salto para fora dele. Ainda de costas para ela, me dou um segundo para fechar os olhos e respirar fundo, então, os abro, colo um sorriso no rosto e visto o personagem de noivo feliz.
Fiz todo o caminho até aqui em silêncio e Marcos não me deu um olhar sequer. Ele escolheu dirigir, então veio sozinho no banco da frente enquanto Isabella estava em sua cadeirinha, entretida com joguinhos em meu celular, e eu ao seu lado, no banco de trás.
Ela tagarelou sem parar sobre o maldito cão gigante que é um bebê e eu não sabia se agradecia a Marcos por isso, ou se o amaldiçoava. A mudança de assunto foi bem-vinda, já que nos últimos dias tudo sobre o que minha filha vinha falando era sobre quando voltaria para a creche, e, hoje pela manhã, depois de eu lhe dizer para onde viríamos, sobre os “avós”. Agora, pelo menos, apesar da insistência, ela não estava falando sobre algo que não vai acontecer.
Para surpresa de um total de zero pessoas, Marcos dirigiu para o Jardins, bairro com a maior concentração de mansões por metro quadrado na cidade de São Paulo. Alguns minutos após entrarmos no bairro, ele reduziu a velocidade do carro ao nos aproximarmos de um portão gradeado preto, e aqui estamos.
Solto o cinto de segurança de Bella e seus olhinhos se arregalam.
— O que foi, meu amor? — pergunto, ajeitando o lacinho em seus cabelos.
— Nós chegamos, papai?
— Unhum... — confirmo e aliso a gola de seu vestido. Isabella abaixa os olhos, de repente, parecendo tímida, apesar da empolgação anterior. Sorrio. Bella é uma criança como eu jamais vi, e não é porque ela é minha filha que digo isso. Tudo bem, talvez haja sim um pouquinho de orgulho paternal nesse pensamento. Mas o fato é que minha Bella é carinhosa, alegre, expansiva e, ao mesmo tempo, tímida.
Às vezes tenho a sensação de que, mesmo tão nova, ela tem medo de que suas expetativas nos outros a machuquem. Já vi isso acontecer antes com amiguinhos da creche. Uma vez, ela ficou extremamente animada ao comprar um presente de aniversário para uma coleguinha, deixei que ela escolhesse e, por todo o tempo em que ficamos no shopping, ela não conseguia parar de falar sobre o quanto era maravilhosa a boneca que compramos para sua amiga. Na manhã seguinte, no entanto, toda essa animação foi subitamente substituída por cara de choro e uma recusa absoluta em ir para a creche.
A princípio, achei que ela poderia não estar querendo dar a boneca como era a ideia inicial e eu estava pronta para fazer um discurso sobre generosidade e cuidado com o próximo, porém, quando lhe perguntei o motivo de ela não querer ir à escola, fui completamente surpreendida por sua resposta. Ela me perguntou o que aconteceria se Júlia, sua coleguinha, não gostasse da boneca e eu entendi qual era o problema. Minha filha estava insegura. E é exatamente isso que vejo em seus olhinhos amarelados. Acaricio suas bochechas e deixo um beijo na ponta de seu nariz antes de levar a boca ao seu ouvido.
— Eles vão amar você! — sussurro e seu rosto assume uma expressão preocupada. Ela estende os bracinhos para mim, pedindo colo, e eu sei que deveria dizer que ela está grande para isso. Mas não resisto ao rosto que busca uma fonte de segurança e a envolvo em meus braços. Isabella prende as pernas ao redor da minha cintura e quando estico o braço para pegar sua mochila, percebo que não está lá.
Do outro lado do banco, Marcos tem a porta aberta e a cabeça para dentro do carro com o cenho franzido.
— Ela está bem? — pergunta, parecendo genuinamente preocupado e noto que a mochila de Isabella está em suas mãos. Eu apenas aceno com a cabeça, concordando, então, me viro para seus pais, que nos aguardam sorridentes na entrada da casa imensa.
— Olá! — Sorrio. Bella se remexe em meus braços, apertando-se ainda mais contra mim.
— Olá! Sejam bem-vindos! — Dona Giovanna se aproxima e beija meu rosto. — E quem é essa mocinha linda aqui? — Isabella afrouxa seu aperto ao meu redor e gira o corpo pequeno, finalmente, olhando para frente, mas permanecendo em silêncio.
— Essa é a Isabella... — apresento.
— Que menina linda você é, Isabella! — minha filha sorri timidamente, aceitando o elogio, e o pai de Marcos se aproxima de nós. Bella inclina o rosto de lado, analisando-o. Ela passa algum tempo desviando o olhar entre Marcos e Joaquim e, quando finalmente fala, faz todos nós gargalharmos.
— Você é ele velho! — aponta.
— Sim, eu sou! — Joaquim responde aos risos e minha filha se volta para mim. A timidez de antes, agora, substituída pela alegria de ter feito uma grande descoberta. Ser criança é tão simples... Beijo sua testa e, depois desse momento, todos entramos na casa.
Após o primeiro contato, Isabella não leva muito tempo para se soltar e, antes que o almoço seja servido, Giovanna já está de mãos dadas com ela lhe dando um tour pela casa. Eu não queria me afastar da minha filha, porque, afinal, não conheço os pais de Marcos, não importa o quê. Por isso, aceito o tour também, deixando meu noivo e seu pai para trás, na sala, conversando.
A casa da infância de Marcos não é uma casa, é uma mansão e, a cada cômodo que entramos Isabella parece mais encantada enquanto eu me torno mais nostálgica. Eu já tive uma casa como essa, mais de uma, aliás. Festas do pijama, tardes de filmes e festas na piscina foram algumas das conveniências que aproveitei ao longo da minha infância e adolescência e que, se não estivéssemos aqui hoje, Bella, provavelmente jamais aproveitaria também.
Respiro fundo, aliviando no peito a sensação que insistia em apertá-lo desde quando me dei conta de que Marcos estava fingindo que minha filha lhe era uma enteada querida. Vai valer a pena. Eu não sou um pai tão ruim, só quero o melhor para ela. Só isso. E, vendo também a maneira deslumbrada como Giovana está tratando minha menina, talvez, não seja exatamente uma coisa tão ruim que Isabella a tenha pelos próximos dois anos.
É melhor por apenas dois anos do que por nenhum, certo? Eu não sei... Eu realmente não sei... Suspiro, só me dando conta de que retornamos à sala de estar quando ouço as vozes do meu noivo e de seu pai.
— Papai, eu posso ir ver a Maya? — a voz de infantil pergunta e eu encontro sua dona parada próxima às minhas pernas, mas sem nem mesmo me tocar. Ela balança o corpo todo, ansiosa, a criança tímida e insegura de minutos atrás completamente esquecida.
— Quem? —franzo as sobrancelhas.
— O cão gigante bebê! — responde como se estivesse me explicando algo óbvio e eu me lembro. O nome do cachorro é Maya. Procuro Giovanna com os olhos e a encontro sorridente, completamente focada em minha filha, sua expressão de admiração é tão grande, que é difícil não me sentir grato a ela. É como diz aquele ditado, quem meus filhos beija, minha boca adoça...
— Por que você não deixa para depois do almoço? Nós acabamos de voltar, deixa a dona Giovana descansar?
— Imagine, meu filho! Eu não estou cansada! — Ela rebate imediatamente e eu, sem saber o motivo, procuro Marcos com os olhos, ele observa a interação do nosso trio, mas não se intromete, nem me pressiona, deixando-me livre para decidir o que eu quiser sobre os limites das interações da minha filha com seus pais. Respiro fundo.
— Ela morde? — pergunto à Giovanna, que ri alto.
— Não! Aquilo é um gato, gordo e dorminhoco preso no corpo de um Mastiff Inglês. É um bebe gigante de verdade...
— Tudo bem... — Estou prestes a dizer que vou junto outra vez quando o pai de Marcos fala.
— Vamos lá, papai coruja. Deixe essa vovó corujar um pouquinho também... Ela espera por isso há muito tempo...
Arfo. Meus olhos se arregalam e embora eu queria dizer muitas coisas, nada sai pela minha boca. Outra vez, procuro Marcos com o olhar, mas, agora, toda a sua atenção está focada em Isabella, na reação dela às palavras. E, de novo, seu raciocínio infantil preenche a sala com gargalhadas. Agora, exceto pela minha, que respiro com alívio.
— O meu pai não é coruja, é gente! — vira-se na direção de Joaquim, parecendo não ter se dado conta de que ele disse que Giovanna era sua avó e, depois, volta a olhar para mim. — Papai, posso ir?
— Pode, meu amor... Pode... — permito e ela sai saltitante até pegar a mão da mãe de Marcos. Observo as duas de afastarem e é o chamado do meu noivo que me distrai do espaço vazio que deixaram.
— Thony? — encontro seu braço estendido para mim. Me aproximo e, exatamente como fez uma e outra vez durante o baile de ontem, como se essa fosse uma reação natural à minha proximidade, seu braço envolve minha cintura e seu nariz se encaixa em meu pescoço, puxando uma inspiração profunda. Meu corpo reage ao seu toque, acendendo-se, estremecendo levemente e por instantes, levando minha mente de volta ao hall da cobertura, noite passada. Eu o amaldiçoo por isso, traidor!
Me convenço a voltar ao presente e encontro Joaquim nos observando com uma expressão curiosa, mas, ao mesmo tempo, satisfeita no rosto. Um silêncio constrangedor toma conta do espaço entre nós até ser preenchido por palavras constrangedoras quando Marcos fala.
— Pai, você está deixando Anthony constrangido... É feio encarar, lembra? — Joaquim ri e desvia os olhos, finalmente, mas o estrago já está feito. Ele gira o copo de uísque que tem na mão e, depois, volta a olhar para nós.
— Me desculpe, Anthony, mas um neto não foi a única coisa que Giovanna e eu esperamos por muito tempo...
— Pai! — Marcos o repreende e eu sorrio de verdade, mesmo que a percepção de que seu pai não sabe que nosso relacionamento é de mentira me pegue de surpresa. Quer dizer, não é algo relacionado a ele que motivou tudo isso? Ele não deveria saber?
Deveria, provavelmente, deveria. Mas a satisfação em seus olhos, a forma como seu olhar praticamente venera o aperto de Marcos ao meu redor, nada disso deixa dúvidas de que ele não sabe.
— Me fala de você, Anthony. Marcos disse que você faz faculdade de direito? — olho para homem ao meu lado, que tem uma expressão tranquila no rosto.
— Eu faço. Com a correria do casamento e o imprevisto com a creche de Bella, não sei se Marcos chegou a comentar sobre isso? Precisei trancar esse semestre, mas no próximo, estarei de volta... — afirmo e ele sorri.
— Não! O que houve com a creche?
— Isabella sofreu um pequeno acidente enquanto estava sob os cuidados deles... Ela já estava lá há quase um ano, mas agora não consigo confiar neles, não mais...
— Eu entendo... — responde, acenando afirmativamente com a cabeça. — Quando Marcos era pequeno também tivemos dificuldades... Até que Giovana encontrasse e passasse a confiar em Carmem, ela parou de trabalhar...
— É difícil... — murmuro.
— Ter filhos é uma jornada e tanto. Mas cada passo dela vale a pena... — declara, e seu olhar orgulhoso mexe até mesmo comigo e eu começo a entender o que Marcos quis dizer semanas atrás quando afirmou que não era apenas pelo cargo que estava orquestrando tudo isso. Era por seu pai... Como será a sensação de ter um pai como esse? Não consigo evitar me fazer essa pergunta silenciosamente...
— Mas daqui a pouco as coisas se ajeitam e, em breve, nós teremos mais um advogado na família... — comenta sorridente, me fazendo sorrir também, apenas até sua próxima pergunta. — E seus pais? O que eles fazem? — meu corpo endurece imediatamente e eu não perco o rápido franzir de cenho de Marcos ao sentir minha reação. Engulo em seco antes de responder.
— Nós não nos falamos... — me limito a dizer e o sorriso de Joaquim morre em seus lábios lentamente.
— Eu sinto muito por isso... — Suas sobrancelhas se unem, como se ele tivesse acabado de se dar conta de alguma coisa. — Deve ter sido muito difícil criar Isabella sozinho até aqui... — Ele nem faz ideia, apenas balanço a cabeça, concordando, porque eu realmente não quero me estender nesse assunto, — Bom, mas agora você tem ao Marcos. Meu filho tem muitos defeitos, Anthony, eu sei, porque, muitos deles, são os mesmos que os meus. Mas ele sabe o que família significa, e é isso o que você é agora, família! Giovanna e eu também estaremos aqui para o que você precisar, qualquer coisa!
Sua declaração provoca uma reação imediata em meus olhos. Pisco, sentindo a ardência súbita, e tento engolir, mas há um bolo em minha garganta. Olho para Marcos, procurando, o que, eu não sei. Seus lábios tocam a minha bochecha, antes de sussurrarem em meu ouvido para que apenas eu ouça.
— Calma! Respira, Anthony, respira... — Obedeço, mas não funciona. Não até Isabella entrar correndo na sala, chamando-me e tagarelando sem parar sobre o quão incrível é o cão gigante e, apenas olhar para ela, me ancora de volta como nada jamais foi ou será capaz de fazer.
O restante da tarde passa tranquilamente, pelo menos, até anunciarmos a data do casamento, pouco mais de quinze dias adiante. Giovana quase repete a cena do baile, mas, dessa vez, consegue engolir a bebida antes. Os pais de Marcos nos olham atônitos por algum tempo antes de compreensão tomar o rosto de Joaquim e ele assumir uma expressão séria, então, ele passa a nos observar ainda mais atentamente e, depois de algum tempo, relaxa, como se, qualquer que fosse a resposta que estivesse procurando, a tivesse encontrado, e é em minha testa que essa constatação deixa uma ruga.
A mãe de Marcos não alcança a mesma tranquilidade. Giovanna me bombardeia com perguntas sobre o casamento, perguntas para as quais eu não tenho respostas, pois não faço ideia do que está sendo organizado, e eu as invento, torcendo para me lembrar de cada uma delas depois. Bolos, doces, decoração, local, falamos sobre tudo e nada a respeito da recepção e da cerimônia antes de finalmente conseguirmos pular para outro assunto.
Horas se passam, quando dou por mim, já escureceu e os olhinhos de Bella, que passou o dia se dividindo entre jogar joguinhos de celular, assistir televisão e brincar com tudo o que Giovana pudesse transformar em brinquedos, além da boneca que trouxemos, estão pesados, não deixando dúvidas de que ela chegará dormindo em casa. E, apesar de a tarde ter sido muito mais tranquila do que eu imaginei que seria, com exceção, é claro, de alguns momentos de tensão em assuntos específicos, o cansaço de Isabella é a justificativa perfeita para irmos embora. Surpreendendo-me mais uma vez hoje, é Marcos quem diz as palavras.
— Pai, mãe, Isabella precisa descansar. Nós já vamos... — os olhos de ambos os seus pais brilham com sua aparente preocupação com minha filha e eu respiro fundo, obrigando-me a colocar de lado o incômodo de saber que ele está fingindo.
Nos despedimos com a promessa de que voltaremos antes do casamento e, confirmando minha previsão, assim que termino de passar o cinto de segurança pela cadeirinha, Bella já está adormecida, mesmo assim, sento-me ao seu lado no banco de trás. A viagem de volta para casa é feita ainda mais silenciosamente, já que não há os sons dos joguinhos de Isabella ou sua tagarelice sem fim sobre o cachorro, há tempo e espaço demais para que meus pensamentos se espalhem, cresçam e rodopiem dentro de mim, deixando-me irritado comigo mesmo, com Marcos, com toda essa situação.
Eu quero gritar com ele. Quero exigir que nunca mais coloque minha filha em uma situação como essa. Que jamais volte a dar a ela esperanças de ser tratada como foi hoje apenas pelas aparências. Quero lhe dizer que está sendo injusto com seus pais e quero gritar comigo mesmo por me sujeitar a fazer parte de algo assim. Eu quero muitas coisas, mas nenhuma delas ecoa para fora da minha própria cabeça.
Quando o carro estaciona no subsolo do prédio, é impossível impedir que lembranças me tomem de assalto e a velocidade com que meu corpo esquenta leva-me de irritado a furioso. Com um cuidado que não condiz com meu estado de espírito, solto o cinto de Bella e a retiro do carro. Em passos rápidos alcanço o elevador sem me importar em estar deixando Marcos para trás, mas tudo o que eu não preciso é me fechar junto com ele dentro dessa maldita caixa de metal outra vez.
No instante em que as portas se abrem, eu entro e, ao me virar, o vejo ainda parado ao lado do carro. Ele não faz qualquer movimento em minha direção, continua, sem se mover, exatamente no mesmo lugar, parecendo ter em sua cabeça o mesmíssimo pensamento que tenho na minha. As portas se fecham, meus olhos também.