CAPÍTULO DOZE
“NINGUÉM AGUENTA MAIS IR RÁPIDO TAMBÉM”
Depois do banho acabei pegando num sono profundo, já que estava muito cansado do dia na praia, mas acordei com o despertador que eu inteligentemente coloquei para tocar uma hora antes do horário marcado para jantar com Thomas. Daria tempo para me arrumar.
A primeira coisa que fiz foi pegar o celular e conferir as mensagens. Pela milionésima vez avisei à minha mãe que estava muito bem e então vi algumas mensagens da Elisa:
Elisa (trabalho):
Eu estou bem...
Em casa já.
Vi a publicação que você compartilhou do senhor Orsini e dei um grito!
Vocês estão juntos oficialmente?
Não acredito, amigo!
Me conta TUDO!
Fiz uma careta tomada pela confusão. Em casa? Como assim? Ela quis dizer que estava na casa da mãe ou com o marido? Não era possível que a minha amiga tivesse voltado para aquele homem!
Bruno:
Me explica isso direito. Voltou para o marido?
Alguns minutos depois Elisa ficou online e me respondeu:
Elisa (trabalho):
A gente conversou muito seriamente e está tudo bem.
Mas me diz, como andam as coisas por aí?
E o senhor Orsini? *emogi de diabinho sorrindo*
Bruno:
Elisa, você voltou para o cara que te bateu?
Não acredito nisso, mulher
Por quê?
Ele já não deu todas as provas possíveis de que quer controlar sua
vida?
Ele já sabe do bebê?
Elisa (trabalho):
É complicado, amigo Ainda não
Bruno:
Se você não falou ainda é porque sabe que pode dar merda a
qualquer momento
Amiga, por que ficar com alguém assim?
Você é capaz de encontrar uma pessoa melhor
E de viver uma vida melhor
Não vai ser essa criança que vai mudá-lo
Você pode criá-la com todo meu apoio e apoio da sua família
Não precisa ficar presa a ele...
Elisa (trabalho):
Ainda estou pensando no que fazer.
Enquanto penso, estou aqui tentando ter paz
Bruno:
O que está pensando?
Elisa (trabalho):
Eu não sei se quero esse bebê.
Respirei fundo e me sentei sobre o colchão, desnorteado e tentando manter a cabeça no lugar para raciocinar sobre o que minha amiga queria dizer com aquilo. A coitada tinha desejado tanto uma criança, mas certamente não sob aquelas condições. O sonho de ser mãe foi desfeito a partir do momento em que ele ergueu a mão para ela.
Bruno: Pretende tirar?
Elisa (trabalho):
Não sei, amigo.
Não sei de nada.
A criança não tem culpa e me sinto horrível por pensar assim.
Mas você está me enrolando, não me contou como andam as coisas com o chefe...
Bruno:
Seja qual for sua decisão irei apoiar
O corpo é seu, amiga, as escolhas são suas
Mas não faça nada antes de eu estar aí, por favor
Vamos pensar juntos, com calma
Nós estamos namorando, acho
Elisa (trabalho):
Você acha?
Depois daquela foto tenho certeza!
Puta que pariu, Bru, Thomas Orsini!
Você fisgou o homem!!!! Kkkkkkkkk
Sorri diante do que digitou, mas ainda estava muito preocupado com ela. Precisávamos ter uma conversa séria e pessoalmente. Comecei a me sentir uma droga por estar longe de Elisa num momento tão difícil.
Bruno:
Acho que sim
Ainda é inacreditável pra mim também
Amiga, promete que vai me esperar voltar?
Não tome decisões precipitadas agora
Elisa (trabalho):
Tudo bem, não se preocupe
Nunca tenho coragem pra nada mesmo
Bruno:
Não fale assim... Você é corajosa!
Vai sair da situação da melhor forma possível
Elisa (trabalho):
Espero que sim...
Ouvi batidas na porta e, com um suspiro, larguei o meu celular sobre a cama. Vestia apenas um pijama de bichinhos, por isso coloquei um roupão por cima do corpo e fui atender, achando que se tratava do Thomas, embora ainda fosse cedo. No entanto, ao abrir a porta, um funcionário do hotel me ofereceu um largo sorriso e me entregou uma caixa branca com um laço vermelho em cima.
— O que é...
— Entrega para o senhor.
— O-Obrigado — pisquei bem os olhos, percebendo que a caixa estava meio pesada. Um segundo depois entendi que talvez aquele fosse o presente que Thomas avisou que me daria.
O homem, ainda sorrindo, foi embora e fechei a porta de novo.
Balancei a cabeça em negativa, mas não pude deixar de sorrir feito um besta. O problema nunca foi ser presenteado. Até gostava de mimos e presentinhos românticos, indicando o quanto a pessoa se lembrou de mim. O problema mesmo era que aquele homem gastava horrores, era muito ostensivo, de forma que eu dificilmente teria como retribuir. Sem contar que ficava algo implícito quando se presenteava alguém, como uma espécie de contrato de retribuição. Por isso me sentia perdido enquanto colocava a caixa sobre a cama e puxava o laço devagar.
Ergui a face de cima da embalagem e dei de cara com um tecido azul escuro dobrado. O meu coração quase escapuliu pela boca tamanha a surpresa que tive ao puxá-lo e visualizar a linda roupa à minha frente.
— Porra, Thomas...
Ele quase conseguiria me enrolar se não fosse a pequena etiqueta da Dolce & Gabbana, superdiscreta, na parte de dentro. Caralho. A roupa não foi nem um pouco barato e nunca tive uma daquelas na vida. Soltei mais um suspiro e fui me livrando do roupão e do pijam para prová-lo. Tive até medo de minha pele cair com o tecido formidável. Era muito difícil que qualquer roupa coubesse em mim com tanta perfeição, mas aquela foi capaz e me vi maravilhado diante do espelho.
Aquela cor era linda. Uma roupa que gente rica apreciaria e pagaria horrores. Ainda assim, não me enganaria: tinha amado o presente com todas as minhas forças. Eu me senti bonito instantaneamente, bem vestido e elegante.
Não parei nem por um momento para me perguntar como Thomas Orsini sabia o meu tamanho. Ele que tinha exigido que minhas medidas fossem tiradas quando ocupei o cargo na coordenação, era certeza. Suas pretensões naquela época talvez fossem outras. Não duvidava de que estava disposto a me encher de presentes só para me fazer abrir a bunda. Ele mesmo já tinha admitido que tentara me comprar, a princípio.
Mas lá estava eu com a bunda aberta quanto o coração e sem precisar de porcaria de presente algum.
Ri de mim mesmo enquanto rodopiava na frente do espelho. Depois, o
riso passou a ficar cada vez mais nervoso ao me lembrar de todas as coisas que precisaria enfrentar por conta daquele relacionamento.
Sinceramente, estávamos indo longe e rápido demais.
Tudo bem, eu queria ir longe e rápido, mas não sabia se era o melhor a ser feito. A pior coisa sobre a maturidade era nunca saber direito como, quando ou até onde usá-la. Às vezes ela atrapalhava, às vezes ajudava, mas na maioria delas era difícil discernir. Talvez me faltasse mais pés no chão. Ou talvez me sobrasse. Viver significava conviver com uma eterna dúvida ou era impressão minha?
A única certeza que eu tinha era a de que ninguém nunca soube direito como se relacionar com outro alguém. O que me deixava mais aliviado, porque não era obrigado a ser perfeito naquele quesito e nem a obter respostas exatas. Sendo assim, só me restava sentir e eu sentia muito. Sentia tudo. Estava pulsante em meu corpo a vontade de ser daquele homem como jamais pensei que seria de alguém.
Como eu já tinha tomado banho antes de me deitar, tratei de lavar apenas o rosto, escovar os dentes. Depois, usei o secador para dar uma alisada mais uniforme, embora meus cabelos já fossem lisos, e calcei um sapato.
Por fim, lembrei-me de que tinha trazido o colar que Thomas me deu. Não me julgue e nem me pergunte o motivo por tê-lo retirado da gaveta da minha sala e colocado na minha mala. Eu não pretendia vivenciar um romance com ele durante aquela viagem, mas talvez meu inconsciente soubesse e apenas o escutei. A corrente dourada foi o toque final para o look e me senti realmente atraente.
Quando terminei de borrifar perfume foi o time perfeito para ouvir
novas batidas na porta e, daquela vez, tive quase certeza de que era o Thomas, já que ele me parecia ser do tipo extremamente pontual. Abri a porta e o encarei em um terno preto maravilhoso, todo gostoso, daquele jeito que me dava vontade de mordê-lo.
Ele soltou um arquejo, sorrindo amplamente e parecendo embasbacado.
— Uau... Que homem lindo o meu.
— E que homem lindo o meu — olhei-o dos pés a cabeça, fazendo uma expressão maliciosa. Achei perfeito quando seu rosto ficou meio avermelhado de vergonha e o puxei para dentro do quarto, dando-lhe um beijo delicioso.
Nós nos afastamos e ele sorriu de orelha a orelha, me olhando atentamente. Dava para ver a empolgação em seus olhos claros. Thomas Orsini estava emocionado comigo e não pude me sentir menos do que fantástico.
— Olha só... — ergueu uma mão para tocar o meu colar. — Ele finalmente apareceu. Achei que tinha se perdido no Mercado Livre, como as flores.
Fiz uma careta.
— Como sabe sobre as flores?
— Não é todo dia que recebemos uma mensagem da floricultura perguntando se houve algum engano na entrega. Eles não gostaram muito de ter aquele vaso sendo revendido mais barato na Internet.
Soltei uma risada.
— É sério?
— Sério. Fiquei muito puto quando vi, mas confesso que te achei ainda mais incrível pela coragem.
A minha risada se transformou numa gargalhada de verdade. Thomas riu junto, analisando-me de uma maneira divertida.
— Acabou que nem as vendi — informei, piscando um olho. — Como sou um TROUXA com letras garrafais, fiquei com elas e estão até hoje na minha sala. Pedi pra Jamilson botar água todo dia em minha ausência.
Thomas pareceu muito satisfeito com a informação.
— No fundo você gostou delas, homem difícil.
— Gostei, fazer o quê? — dei de ombros e ele riu. — E amei a roupa também, mas não se acostume, viu? Chega de presentes caros.
— Você que tem que se acostumar. Quero te mimar tanto ainda, Bu — alisou a lateral do meu rosto devagar, com muita ternura, tanto que tive que suspirar diante de gesto tão carinhoso. Eu enxergava tanta verdade nele que apenas fiquei calado, sem me constranger ou me irritar com sua ideia fixa de me dar coisas caras. — Quero te mimar, te proteger, te dar muito carinho, te levar pra conhecer o mundo... — ele me puxou em seus braços e foi dizendo enquanto beijava meu pescoço. — Quero tudo contigo e nunca quis tanto alguma coisa.
Ele parou para me olhar no fundo dos olhos e pisquei, atônito, percebendo o quão longe e rápido Thomas também gostaria de ir. Estava maravilhado tanto quanto assustado. Puta merda. Era possível mesmo que estivesse apaixonado naquele nível tão intenso? Mas, como? Sempre achei meio doido os filmes e livros em que o casal se apaixonava num instante, sem qualquer explicação lógica. Bom, eu tinha os meus motivos e com certeza o Thomas também, mas realmente havia sido bastante depressa e eu não podia deixar de me assustar porque não sabia até onde tudo aquilo nos levaria.
— Você foi fisgado mesmo, hein, Senhor Orsini?
Ele riu.
— Não tive qualquer chance.
Sorri de volta.
— Eu quero tudo com você, mas calma, ok? Não vamos nos atropelar. Uma coisa de cada vez.
Ele ficou sério de repente e se afastou, colocando as mãos nos bolsos.
— Por falar nisso, tenho uma notícia boa e uma ruim para te dar.
Balancei a cabeça em negativa.
— Lá vem você. Ainda nem fiquei sabendo das últimas notícias. Você me enrolou, eu fui embora e fiquei sem saber de nada! Por sinal, pode ir desembuchando, ainda estou curioso!
Thomas me olhou com certa malícia, mas depois soltou o ar dos pulmões, parecendo meio nervoso.
— Bom, a última notícia ruim era que eu não podia ficar a sexta-feira toda trancado no apartamento, pois tinha um evento para ir.
— O evento da sua tia. — Ele assentiu em resposta. — Vi as fotos na Internet. E a notícia boa?
— Você iria comigo.
Foi a minha vez de arquejar e balançar a cabeça, negando aquela loucura.
— Mesmo?
— Sim. Queria aproveitar a chance de estar na cidade e te apresentar a ela.
— Mas tão rápido assim, homem? Estávamos apenas nos conhecendo! Aliás, nós estamos nos conhecendo ainda.
Thomas aquiesceu devagar, mas voltou a me alisar a face.
— Bu, eu bati o olho em você e soube.
— Soube o quê, homem de Deus? — resfoleguei.
— Soube que era você. Só podia ser você. — Todos os pelos do meu corpo foram eriçados, até aqueles mais escondidinhos e que o sol não tocava. — Mas, sim, fui ansioso e com muita sede ao pote. Minha tia todo dia reclama que nunca me envolvo com ninguém e me vi tão envolvido que não quis te esconder de forma alguma. Dentro de mim sabia que daria certo. Acho que por isso fiquei tão mal quando você foi embora.
— Own, meu lindo — passei a alisá-lo de volta. Thomas fechou os olhos devagar e os reabriu em seguida, deixando-me ainda mais balançado. — Mas agora estamos aqui e você vai me dizer as novas notícias, não vai?
— Bom... — Thomas prendeu os lábios. — A má notícia é que minha mãe me ligou avisando que estava em Los Angeles e marcando um jantar para hoje. Veio comemorar o aniversário de casamento com meu pai, mas acho que no fundo eles estão me seguindo para sondar o andamento da InterOrsini.
Fiquei bem surpreso com a informação.
— Eita! Caraca... E agora? Você vai ter que ir lá vê-los, não é?
— Infelizmente, sim.
— E a boa notícia? — Thomas prendeu os lábios com mais força e ficou me encarando. Pisquei os olhos várias vezes, fazendo-me de desentendido, mas no fundo sabendo exatamente o que aquela nova conjuntura significava. Por fim, como ele não disse nada e eu não era de me esconder por muito tempo, perguntei: — Você quer que eu vá, não é?
Thomas fez que sim com a cabeça.
— Sei que é cedo, que talvez seja desconfortável pra você, mas não queria te deixar aqui estando tão lindo desse jeito. E de quebra quero provar que o que sinto é sério e que o que quero é algo duradouro.
— Não precisa me provar nada... — sussurrei, ainda muito admirado, pensando e repensando naquele convite inusitado.
Sinceramente, não queria dar de cara com os pais de Thomas tão depressa. Eu não sabia se estava pronto para lidar com o julgamento deles. Uma coisa era ser avaliado por um desconhecido na Internet e outra totalmente diferente era ser rejeitado pelas pessoas que aquele homem mais amava, e que eu necessariamente precisava ter uma boa relação. Sim, infelizmente pensei logo na possibilidade de ser rejeitado. Sabia que estava errado quanto a isso, que deveria me pôr em melhores condições, mas só consegui prever uma catástrofe, nada além disso.
Eu realmente precisava melhorar minha autoestima.
Senti sua mão voltar ao meu rosto e o encarei.
— Tudo bem não querer ir. Entendo — murmurou, mas percebi que estava um pouco entristecido. — Estamos indo muito depressa, não é?
Assenti porque era a mais pura verdade. Alguém precisava nos colocar freios.
— Thomas... Não é que eu não queira algo sério e duradouro, mas... — arquejei, rindo um pouco, embora não sentisse graça. — São seus pais. Não faço ideia de quem eles são porque você ainda não me falou muito sobre eles. Não saberia como agir, como me portar e não consigo tirar da cabeça a ideia de que me odiarão.
— Seja você, Bu. Sem frescuras. A minha mãe é uma pessoa agradável e com certeza vai te amar. Ela só não gosta muito de palavrões e tento evitá-los na frente dela. Já meu pai detesta tudo e todos, então ele não gostar de você vai ser o normal e esperado.
Meu coração congelou instantaneamente. Merda. O todo-poderoso Othon Orsini, pelo visto, era duro de roer. Deveria ser um daqueles riquinhos arrogantes e de cara amarrada. As fotos que vi dele deixaram isso claro e Thomas só me comprovou.
— Meu Deus, Thomas. Eles já sabem que vou?
— Não... Queria saber sua opinião primeiro.
Assenti lentamente, satisfeito. Eu esperava que ele continuasse me perguntando antes sempre. Olhei ao nosso redor, reflexivo, sem saber o que fazer ou dizer. Até que ele me deu um beijo na testa e murmurou:
— Não precisa ir. Desculpe por te deixar. Prometo passar aqui assim que terminar lá.
— Está bem.
Thomas segurou a minha mão e a beijou, depois se virou na direção da porta e a abriu. Antes de ir, ainda se virou para me olhar uma última vez. Não parecia triste e nem insatisfeito, apenas conformado com a situação. De repente, abriu um leve sorriso e piscou um olho para mim, então o meu coração se encheu de um sentimento diferenciado e muito impulsivo.
Eu havia prometido a mim mesmo ter coragem e ir atrás do que queria. Se eu queria o Thomas, então que tivesse forças para carregar o peso que significava ser dele e tê-lo para mim.
— Espera, lindo, vou pegar a minha carteira!
O seu sorriso se ampliou.
— Tem certeza?
— Absoluta!
Ainda que eu não tivesse muita certeza de nada da vida, ao menos sabia absolutamente que era ele quem eu gostaria de ter ao meu lado. Queria seu cheiro, seus beijos, suas novas palavras amorosas direcionadas a mim. Queria que me mimasse, me protegesse e fizesse tudo o que falou que gostaria de fazer comigo.
E isso tudo exigia de mim coragem.
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“NINGUÉM AGUENTA MAIS CONHECER OS SOGROS”
A velha dor de barriga causada pelo nervosismo voltou com força total enquanto nós seguíamos rumo ao restaurante onde os pais de Thomas marcaram o tal jantar. Parecia que o meu estômago estava desfilando numa escola de samba em pleno carnaval, de tanto que chacoalhava e fazia barulho. Ainda bem que ninguém ouvia nada, nem mesmo o Roberto, que dirigia no banco da frente.
No meu íntimo não via motivo em convidar o filho para comemorar uma data que deveria ser festejada a dois, mas enfim... Quem era eu na fila do pão para julgar alguma coisa?
Quanto mais pensava em encontrar aqueles dois mais louca me parecia a ideia. Nós deveríamos mesmo ir com calma. E se depois descobríssemos que não era nada daquilo o que queríamos? Tudo podia acontecer, certo? Inclusive Thomas e eu sermos incompatíveis em quesitos que consideramos importantes. Não havíamos tido muito tempo para nos conhecer e, embora eu estivesse adorando cada coisa nova que encontrava sobre ele, ainda era muito cedo para definir qualquer coisa.
Intimamente eu estava cavando milhões de justificativas para dar para trás e não encarar as feras, mas sabia que de nada adiantaria. Já devíamos estar perto do nosso destino e seria cruel com Thomas desmarcar, principalmente porque ele havia ligado para a mãe avisando de minha presença e a mulher, por incrível que pareça, tinha ficado bem animada com a notícia.
Eu queria enfiar a minha cabeça embaixo do chão feito um avestruz.
Quando chegamos ao restaurante o meu corpo passou a responder de formas ainda piores. O lugar tinha uma estrutura ampla, luxuosa e ostensiva logo na entrada, o que me fez pensar que eu provavelmente não conseguiria pagar nem por um copo d’água que vendessem lá dentro. Era um ambiente que eu não me sentiria confortável porque não tinha nada a ver comigo e com o estilo de vida que levava. Será que me acostumaria com os lugares para onde Thomas me levaria? Porque com certeza estávamos habituados a frequentar locais bem distintos. Enquanto eu preferia um botequinho de esquina ele com certeza adorava restaurantes chiques.
Roberto estacionou numa vaga e, assim que deixamos o veículo, sob seu monitoramento implacável, Thomas segurou a minha mão com força, dando-me certo suporte. Apertei seus dedos entre os meus e ele sorriu.
— Você está bem nervoso, não é?
Fiz uma careta enjoada. Eu realmente sentia que colocaria para fora qualquer coisa que estivesse em meu estômago, embora já fizesse um bom tempo desde minha última refeição.
— Nervoso não, me amostrando! Estou quase tendo um piripaque, Thomas. — Soltei o ar dos pulmões e ele nos parou no caminho bonito entre o estacionamento e a entrada do restaurante. — Tem certeza de que é isso o que quer? E se eu te fizer passar vergonha na frente dos seus pais? E se cometer alguma gafe? E se me odiarem amargamente? Merda, por que você me bota nessas situações doidas, hein? — dei um tapinha de leve em seu ombro e ele riu, segurando o meu pulso em seguida e me puxando para si.
Thomas me deu um beijinho suave na ponta do nariz.
— Não importa o que aconteça essa noite, Bu, eu não vou desistir de você. Fique tranquilo.
Eu ri de nervoso. Ao mesmo tempo que considerava o que ele falou
algo bonito e romântico, também me deixara ainda mais perturbado.
— Só espero que você não se arrependa de ter me trazido — dei de ombros. Ainda que soubesse que aquela frase soava patética demais, não pude deixar de proferir tais palavras, que traduziam todo o meu desconforto. Sim, eu tinha medo de que Thomas, sei lá, de repente acordasse e percebesse que éramos diferentes demais para continuarmos juntos.
Aí eu ia tomar no rabo num sentido bem ruim.
— Não irei — daquela vez ele me beijou na testa e me ofereceu o braço de uma maneira antiga e elegante. Cruzamos nossos cotovelos e voltamos a andar com elegância rumo ao meu sacrifício.
Othon e Elizabeth Orsini já estavam presentes, ocupando uma mesa num canto aconchegante do estabelecimento. O restaurante estava cheio, mas era tão espaçoso e refinado que nada parecia fora do lugar ou bagunçado. Quando paramos em frente a eles a mãe de Thomas abriu um sorriso amplo e se levantou de imediato para nos cumprimentar. Naquele instante eu já estava suando frio.
— Oh, vocês chegaram, que bom! — a mulher loira, embora eu desconfiasse de que pintasse os cabelos, alta e esbelta se aproximou e abraçou o filho bem apertado. Depois, ainda sorrindo, me deu dois beijinhos no rosto, espalhando seu perfume doce por toda parte. — Que prazer conhecê-lo. Bruno, não é? Você é tão lindo!
Assenti e me limitei a rir, sem graça e me sentindo um bobo completa. A mulher já era uma senhora com mais de sessenta anos, mas não parecia ser tão mais velha que eu. Estava dentro de um vestido rosa-chá muito bonitinho e mais parecia uma Barbie de tão linda e graciosa. Seus olhos claros, como os do filho, me avaliavam positivamente e então passei a me sentir um pouco mais tranquilo. Confesso que achava que ela seria a primeira a me detonar, porém, graças aos céus, me enganei.
Othon Orsini finalmente se levantou da cadeira que ocupava e cumprimentou o filho só com um aperto de mão e um tapinha besta nas costas, fazendo-me lembrar de quando Thomas me contou que ele era bastante frio. Depois, o homem me ofereceu a mão para um cumprimento formal e não falou nem uma palavra sequer. Na verdade, mal olhou para mim. Ele era grisalho e alto, mas parecia bem mais descuidado do que a esposa e por isso sua imagem realmente revelava os setenta anos que possuía.
Nós nos sentamos ao redor da mesa grande e redonda, montada com uma variedade absurda de taças e talheres. Um arrepio de angústia cruzou o meu corpo e fiquei meio tonto assim que me sentei na cadeira, que tinha tudo para ser confortável se não fosse o tamanho pequeno demais para caber meu bundão.
Imediatamente me senti naqueles filmes clichês onde o personagem nunca sabia onde enfiar a cara ou colocar as mãos. Pense numa pessoa com zero noção de etiqueta? Era eu. E pelo visto ainda teria que suportar ser imprensado ali a noite toda e terminar com a bunda quadrada.
— Foi uma surpresa quando Thomas nos avisou que você viria, Bruno — Elizabeth Orsini foi falando, com um sorriso aberto, enquanto um garçom se aproximava e colocava um cardápio refinado nas mãos de cada um. — Para ser sincera foi uma surpresa conhecê-lo primeiro através de uma rede social. Eu nem sabia que meu menino estava namorando.
Sorri para ela, ciente de que ainda não tinha falado absolutamente nada desde que cheguei e isso poderia soar bem antipático, mas era só que eu simplesmente não estava conseguindo abrir a boca para nada. E olha que sempre fui extrovertida!
— É recente, mãe — Thomas se explicou e voltou a olhar o menu. Othon estava bastante concentrado na escolha do prato, tanto que nem deu a menor bola para o que estava sendo dito.
— Imaginei que sim... — Elizabeth prosseguiu. Ela não parava de me olhar com certa admiração. Ou era impressão minha? Juro que parecia feliz em me ver, mesmo que eu não tenha dado qualquer motivo até então. — Faz quanto tempo que estão juntos?
— Hum... — murmurei mecanicamente, tentando raciocinar, mas foi difícil. Eu nem sabia direito responder àquela pergunta. Racionalmente falando, mal fazia vinte e quatro horas da oficialização do namoro e me parecia imbecilidade dizer a verdade. — Quase um mês, eu diria — enfim, respondi e Thomas me olhou com um sorriso de lado. Senti sua mão esquerda pressionar a minha coxa, dando-me mais calma.
— É realmente recente. Onde se conheceram?
— Mãe — Thomas resmungou, mas Elizabeth apenas riu.
— Desculpa, querido, só estou curiosa. Não quero fazer um interrogatório, mas é inevitável, não? Gostaria de conhecer melhor seu namorado, se me permite! — ela tomou um gole da bebida que estava numa taça grande e brilhante, depois voltou a me olhar. — Espero que não se importe, Bruno.
— Não, não, imagina — menti. A verdade era que eu me importava e muito. Principalmente porque a maioria das respostas seriam constrangedoras para mim. Era difícil colocar na minha cabeça que Thomas era o meu patrão e que havíamos nos conhecido na porcaria de uma festa de empresa. — Foi num evento.
— Mesmo? Qual evento?
Devagar, para que ninguém percebesse meu desconforto, fui soltando o ar dos pulmões. Eu precisava ter mais confiança para sobreviver àquele jantar. Porém, antes que tomasse coragem para responder, fomos interrompidos.
— O que vai querer beber, meu lindo? — Thomas se referiu a mim
de forma carinhosa e vi quando Elizabeth olhou para o filho de maneira confusa, visivelmente chocada.
— Esse vinho que pedimos antes de vocês chegarem é muito bom, por que não experimentam? — Othon Orsini finalmente abriu a boca e os meus nervos se espatifaram diante da voz rígida do velho. Meu Deus do céu, eu oficialmente estava morrendo de medo dele.
— Pode ser, sim — Thomas disse, em seguida voltou a me observar. — O que acha, Bu?
Elizabeth deixou o queixo cair, mas continuou calada, embora em seus olhos ficasse nítido que queria fazer um comentário a respeito daquilo. Eu nem sabia direito como me sentir. Foi legal da parte do Thomas me tratar da mesma forma de sempre na frente de seus pais, mas, por outro lado, aquilo levantava algumas questões, não? Enfim, eu não soube discernir minhas próprias emoções.
Olhei para o balde dourado de gelo, com uma garrafa de vinho fincada nele, e logo pensei que seria uma péssima ideia ingerir bebida alcóolica. Eu me conhecia. Aquela não era a situação para ficar alegrinho e vinho me fazia perder a compostura mais depressa do que qualquer outra bebida.
— Vou ficar no suco mesmo — respondi, e a mãe de Thomas foi ficando vermelha.
— Você não bebe, Bruno? — perguntou, intrigada.
— Não. Quero dizer, sim... Mas vou ficar no suco mesmo.
— Bom, me desculpe — ela deu de ombros, mas depois abriu um sorrisão. — Estou feliz por você, filho. Estamos felizes, não é, amor? — chamou a atenção de Othon ao seu lado esquerdo. O homem apenas soltou um ruído emburrado, mas chacoalhou a cabeça positivamente como que por obrigação.
Ele não estava feliz, não.
— Já escolheu o que vai querer comer, lindo? — Thomas murmurou para mim, ignorando os pais, e dei de ombros.
— O mesmo que você — respondi em um tom ameno, encarando-o com certo desespero. Eu não queria parecer um homem sem a menor opinião na frente dos sogrinhos, mas não estava em condições de escolher nada no meio de tanto prato caro e com nomes em inglês que eu mal conseguia traduzir. — E um... coquetel de frutas vermelhas sem álcool.
— Está bem.
Um garçom veio anotar os nossos pedidos e passamos alguns minutos distraídos naquele processo automático. Se a minha família estivesse reunida em um restaurante gringo bacanudo de jeito nenhum que estaríamos tão sérios e frios. Era muito estranha a maneira mecânica como todos os três se comportavam.
Quando voltamos a ficar sozinhos, meu estômago deu mais um chacoalho e tive quase certeza de que precisaria de um banheiro, no entanto, tentei adiar o inevitável o quanto pude. Dei um gole na água que foi servida, aparentemente de graça, e passei um tempo observando a beleza do restaurante.
— Como andam as coisas na filial da InterOrsini? — Othon questionou ao filho e os dois tiveram uma objetiva e prática conversa sobre a empresa. Achei que demorariam mais tempo no assunto, porém logo pararam e o silêncio incômodo, ao menos para mim, retornou.
— Você trabalha, Bruno? Ou estuda? — Elizabeth perguntou depois de um minuto completo sem ninguém dizer nada.
— Trabalho, sim — forcei um sorriso. Eu não queria que eles soubessem que...
— Ele é meu coordenador de criação, por isso estamos fazendo essa viagem a trabalho — Thomas soltou justamente o que eu não queria. Contudo, pensando bem, uma hora eles teriam que saber, não? Quanto mais cedo melhor. — Bruno é um dos melhores profissionais que temos.
Ele sorriu para mim e, nervoso, devolvi o sorriso. O coitado estava tentando vender o meu peixe como podia, disso eu não tinha a menor dúvida.
— Ah, você trabalha para ele — Othon comentou com um resmungo e na pequena troca de olhar que demos percebi que, sim, ele havia me odiado amargamente.
— Pois é — defini, resmungando também.
— Essa sua roupa é tão lindo, Brunp — Elizabeth, creio que percebendo o clima pesado, comentou, sorrindo. Achei o máximo ela tentar aliviar a barra para o meu lado. — É Prada?
Encarei o Thomas, impassível. Ele deu de ombros, então voltei a olhar para a sua mãe.
— Dolche & Gabbana.
— Ah... — pareceu satisfeita com a resposta. — É de muito bom gosto.
— Vocês pretendem passar quanto tempo na cidade? — Thomas perguntou, desviando o assunto talvez por saber que eu estava me sentindo um cu.
— Voltamos na terça. Seu pai tem reunião, então não vamos nos demorar — Beth falou, sem empolgação e até meio chateada. — Quase que passávamos nosso aniversário em branco.
— Depois do trigésimo ano já não tem mais muita graça comemorar, não acha, querida?
Eita. O velho foi bem rude mesmo. Prendi os lábios enquanto via o semblante da Beth mudar da água para o vinho. A mulher fechou a cara e se encostou na cadeira com a taça em mãos, dando alguns goles generosos. Tive pena dela, tanto que, depois de um minuto com todos em silêncio, e enquanto eu analisava se valia ou não a pena, falei:
— Acho que passar tanto tempo com alguém é motivo para ser comemorado, sim. — Todos me olharam com espanto. — Trinta anos é bastante coisa. Uma vida. Na verdade, acho que cada segundo com quem a gente ama deve ser festejado.
— Você tem uma ideia bem romântica das coisas, não? — Othon Orsini rebateu, amargo e muito sério, pela primeira vez se dirigindo a mim diretamente.
Meu coração passou a bater forte na minha garganta. Ao menos foi aquela a sensação que tive enquanto ele voltava a me fuzilar.
A mão de Thomas me apertou a coxa mais uma vez.
— Na verdade, não, senhor, sou bem pé no chão.
— Imagino que sim — e me olhou em detalhes, como se tivesse repugnância completa. Eu não soube o que ele quis dizer com aquilo, mas foi realmente bem esquisito. — Para seduzir o chefe precisa ser bastante calculista quanto aos sentimentos.
Acredito que a Elizabeth e eu abrimos a boca no mesmo instante diante daquelas palavras ultrajantes, soltadas sem a menor cerimônia. Eu imaginava que o homem fosse bizarro, mas não a ponto de ser tão maleducado e arrogante.
— Pai — resmungou Thomas. — Que coisa indelicada de se dizer.
— Estou velho demais para essas tolices, Thomas. Não vamos fingir que seu funcionário está com você por amor, não é?
— Othon! — Beth interveio enquanto até o Thomas estava passado, com os olhos arregalados e sem acreditar no que tinha ouvido. — Não fale assim com o garoto, nem o conhecemos para que o trate dessa forma! O que pensará de nós? — e então se virou na minha direção. — Somos pessoas decentes.
— Sinto muito que pense assim de mim, senhor — reuni toda a coragem e paciência para dizer. Eu podia armar o maior barraco ou sair chorando para longe dali, e realmente qualquer uma das duas opções eram ótimas, mas me obriguei a ficar em nome da expressão desolada que o Thomas estava fazendo. — Não estou aqui por nada além do que sinto pelo seu filho.
Mas o velho apenas soltou um risinho.
— Com certeza o dinheiro ajuda. E eu nem fazia ideia de que ele tinha fetiche por gordinhos.
Thomas soltou o guardanapo de tecido sobre a mesa.
— Vamos embora — definiu, mas eu o segurei pelo punho e ele me olhou.
Abri um sorriso meio debochado para o seu pai.
— Não vá, Thom... — Beth implorou, meio chorosa. — Bruno, desculpe o... — mas suas palavras morreram. Ela estava totalmente sem jeito.
— Não sou nenhum desesperado e nem tenho interesse em fazer parte de qualquer mesquinharia — comecei, eloquente, encarando o sogro mal-educado dos infernos fixamente e recebendo seu olhar azulado de volta. — O senhor não me conhece, mas como pretendo permanecer por um tempo, vai precisar compreender as minhas intenções. Eu realmente preferia estar num botequinho pé sujo a estar neste lugar. — apontei. — Gosto também de pagar minhas contas, sou independente e detesto levar desaforo pra casa. Mas, apesar de tudo, tenho educação e sei me comportar. Definitivamente não preciso namorar qualquer pessoa por causa de dinheiro. Não sou do tipo que o senhor está acostumado e pode ter certeza de que não vou permitir que me trate mal.
— Ora... — Othon Orsini sorriu, carregado de desdém, e se apoiou no encosto da cadeira. — Muito bem, mocinho. Não quero confusões. Vamos jantar em paz.
— Com certeza iremos jantar em paz — assenti, tomado pela firmeza, ainda que as minhas pernas estivessem cambaleantes.
— Perdão, Brunl, eu... — Beth tocou a minha mão e, no impulso, toquei a dela de volta.
— Não se preocupe. Vou ao sanitário, quer ir comigo?
A mãe de Thomas abriu um sorriso tímido.
— Sim, claro. Vamos.
Nós dois nos levantamos da mesa.
— Tem certeza que... — Thomas começou, levantando-se também, mas tratei de segurar suas duas mãos e de olhá-lo firme.
— Está tudo bem. Volto já, lindo — e plantei um selinho em seus lábios.
Fui me distanciando na companhia elegante de Elizabeth Orsini, um homem que eu mal podia acreditar que me prestaria algum apoio em um instante como aquele. Porém, vi verdade em seus olhos, além de simpatia e bondade, e ela me pareceu só mais uma vítima do patriarcado. Quero dizer, em minhas pesquisas descobri que não trabalhava, era toda dondoquinha e provavelmente vivia à mercê daquele macho chato do caralho.
Sendo assim, eu poderia ser para ela um ponto de apoio também.