*Sugiro fortemente pra quem não leu, que leia as partes anteriores pra entender a historia até aqui.*
Reuni todas as partes disponíveis até o momento em uma lista pra facilitar a pesquisa:
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Aula de hoje: Educação Sexual na Pratica - Parte 4
Capítulo 22 – Consequências
Lorena
Deitada na cama, Lorena escutava os pingos de chuva baterem na janela. A luz fraca da manhã cinzenta que invadia pela fresta da cortina incomodava seus olhos, fazendo-os arder. A maquiagem borrada desenhava linhas negras que desciam por seu rosto. O cabelo loiro nem de longe lembrava do lindo penteado que o cabeleireiro tinha gasto horas trabalhando. Com o rosto enterrado no travesseiro ela tentava voltar a dormir, mas o sono teimava em vir. A noite tinha sido longa, inúmeras vezes ela adormeceu, só pra acordar minutos depois.
Presa nessa tortura, sem nem saber mais se estava acordada ou dormindo, Lorena sonhou o suficiente pra semana toda, alguns sonhos bons, outros nem tanto. No pior deles ela estava no quarto de hotel com Lucas, seu jovem amante, e tudo estava perfeito como ela tinha planejado. Nua, as mãos dele a abraçavam por trás, uma agarrando um seio, a outra entre as pernas. Ela sentia beijos molhados na nuca, o peito quente dele contra suas contas, o pau duro roçando na bunda. A sensação era maravilhosa, gemendo baixinho ela sentia os dedos dele correrem pela sua pele, arrancando arrepios sempre que tocavam numa região sensível. Sozinhos naquele mundinho só deles, ela se oferecia pro adolescente saciar a curiosidade e experimentar o corpo de uma mulher.
– Me da um beijo - ela pediu.
Mas ao virar o pescoço, sedenta pelos lábios de Lucas, o rosto que ela viu foi o de Marcos. Gargalhando de sua desgraça, os olhos dele a julgavam, como se tivesse a pego no flagra cometendo um crime. O choque a fez acordar, o coração disparado, suor frio grudado na pele, a boceta encharcada. Sem medir o tempo, a madrugada parecia ter durado uma vida inteira, só quando o sol nasceu ela soube que finalmente tinha acabado.
– Maldito… – ela praguejou, a voz abafada pelo travesseiro.
Não foi a primeira vez na noite que ela amaldiçoou o ex-marido. Cada intervalo entre um sono e outro ela o fazia. Xingava Marcos e mandava uma mensagem pra Lucas. Lorena acreditava que depois de tanto tempo desde a separação, ela finalmente teria um pouco de paz e poderia seguir em frente com a vida. O encontro de ontem despedaçou essa ilusão. “Tudo por causa daquele maldito interfone”, ela repetia pra si mesmo. Relembrando o que aconteceu, ela projetava a culpa no telefone grudado na parede. “Se eu não tivesse atendido, nada disso teria acontecido” ela remoía o arrependimento.
Bastava Lorena ter ignorado o toque, não devia ser nada importante no fim das contas, era só ter aberto a porta e deixado o barulho pra trás, descer com o elevador até o estacionamento e ir de encontro com Lucas. A visita de Marcos seria só um aviso que o porteiro lhe daria no dia seguinte. Mas não. Ela não aguentou e atendeu, e isso era o mais lhe doía. O fato que ela tinha parte da culpa.
O resultado dessa escolha foi o puro caos, um ódio tão profundo que lhe doía fisicamente. A forma que ele falava com ela, despejando elogios enquanto o veneno pingava entre cada palavra. A imagem dele entrando no apartamento, sem sequer bater à porta, ainda a enfurecia, o descaramento de aparecer sem ser convidado, e na pior hora possível de todas. Um resquício da adrenalina liberada pela briga ainda corria em seu sangue, deixando-a inquieta e irritada. Sua única esperança pra se livrar dessa situação lamentável era que Lucas a respondesse. Sem se atrever a mover um músculo ela olhava de tempos em tempos em direção ao celular sobre a cômoda, desejando mais do que tudo que ele vibrasse pra avisar que uma mensagem dele chegou. A espera era agonizante, durante a madrugada ela tinha engolido todo o orgulho e implorado pelo perdão dele, fazendo mil promessas que eles se encontrariam outro dia, que ela o recompensaria pelo furo, que ela o faria delirar de tesão e o faria gozar loucamente quando se encontrassem. Nem isso foi o suficiente pra conseguir uma resposta. Deprimida por tudo que tinha acontecido, Lorena cansou de esperar e aceitou a derrota, mas não antes de tentar só mais uma vez. Esticando o braço ela pegou o telefone e escreveu uma mensagem simples.
“Desculpa, me liga se quiser conversar”
E enviou.
Largando o aparelho sobre o colchão, ela mais uma vez afundou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos. Talvez dessa vez ele respondesse, talvez o sono profundo finalmente viesse.
Lucas
Deitado na cama, Lucas escutava os pingos de chuva baterem na janela. O vento forte fazia as juntas de metal rangerem sob o esforço de manter o clima ruim do lado de fora. Galhos de uma árvore balançavam e batiam em uma chapa de plástico em algum lugar por perto. Uma goteira em seu teto pingava em um ritmo constante. O barulho do celular toda vez que uma mensagem chegava completa a orquestra. Afundado no travesseiro, olhando pra parede branca, ele não tinha coragem de pegar o aparelho. A história da noite anterior, ele sabia, já tinha se espalhado, como fogo em mato seco. Fotos e vídeos dele deitado com o membro amostra pra todos que quiserem se divertir com sua desgraça. Toda vez que o celular vibrava ele sentia um frio na barriga. Talvez fosse algum colega tentando prestar solidariedade, ou talvez fosse alguém pra debochar de sua cara. De toda forma o medo o impedia de descobrir, ele só queria se afundar ainda mais na cama e nunca mais sair, a vergonha o paralisava. Depois de fugir da festa, Lucas correu como se sua vida dependesse disso, como se pudesse fugir da humilhação da armadilha que Caio tinha armado contra ele, como se pudesse deixar aquilo tudo pra trás ao mexer as pernas. Transtornado, ele mal se lembrava de como chegou em casa, a única lembrança clara era de sua mãe destrancando a porta pra ele entrar. Preocupada com o estado do filho, ela perguntou se estava tudo bem, pra disfarçar ele respondeu que tinha bebido e fugiu pro quarto. A beira do colapso, tanto físico quanto mental, ele desabou na cama, se iludindo que ao acordar tudo ficaria bem. Mas nem essa piedade o universo lhe deu. Lutando contra seus demônios, na escuridão do velho quarto, ele se debatia enquanto as lembranças voltavam. O momento que as luzes se acenderam e a multidão invadiu, os celulares apontados pra ele, as gargalhadas e as piadas.
A noite passou devagar, como se o tempo se comprimisse pra prolongar seu martírio. Refletindo sobre tudo aquilo, Lucas percorreu os estágios do luto. A negação foi a primeira, ainda durante a corrida. A raiva veio em seguida, uma fúria assassina contra Caio e contra si mesmo por ter subido aquelas escadas enquanto Maya o arrastava pela mão. Depois a barganha, negociando com a realidade ele tentava abrir uma porta naquele beco sem saída. Talvez trocar de escola, talvez faltar alguns dias, talvez cavar um buraco bem fundo na terra e nunca mais sair. Quando os planos se esgotaram, a depressão bateu, e bateu com força. Deitado em posição fetal ele apertava o cobertor contra o corpo enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto.
Não demorou muito pra primeira mensagem chegar, depois outra e outra e outra. Quando o sol nasceu ele já tinha perdido a conta de quantas foram, ele só sabia instintivamente que não queria as ler.
Como uma casca vazia, seus olhos sem vida encaravam a parede branca, sua mente vazia tinha desistido de lutar, ele finalmente chegara ao último estagio, a aceitação. A aceitação de que estava fodido pra caralho e não podia fazer nada. Talvez se não tivesse nascido pobre, ele poderia sair ileso daquilo tudo. Bastaria uma conversa franca com o pai, uma viagem de algumas semanas pra bem longe e uma nova escola onde ninguém o conhecesse. Mas ele não podia se dar esse luxo, ele conhecia bem a situação financeira da família e sabia que ia ter de encarar essa barra pesada de frente.
O celular vibrou, mas uma mensagem tinha acabado de chegar. Lucas estava cansado demais, seus músculos rígidos doíam, a cabeça latejava, todos os barulhos lhe incomodavam. Afundado na autopiedade, durante a noite toda ele deixou o celular ligado, se iludindo que em algum momento as mensagens cessariam e tudo ia ficar bem, mas essa foi a gota d'água. Empurrando o cobertor pro lado ele esticou o braço pra pegar o aparelho e finalmente ter um pouco de paz. O relógio marcava 7 horas da manhã, 25 mensagens não lidas. O dedo dele chegou a encostar no botão de desligar, mas um breve relance na tela o fez parar. A última mensagem que tinha chegado era de Lorena. A raiva que ele tinha sentido da professora tinha se acalmado, ele sabia que ninguém além dele mesmo era o culpado por ter ido naquela maldita festa. A mensagem era curta, seis palavras o convidando a ligar pra ela.
Capítulo 23 – Lamentações
– Alô Lucas? – o número mal chamou e a voz empolgada de Lorena soou.
Silêncio.
– Alô, tá me ouvindo? – a voz insistiu.
Silêncio.
– Lucas? Ta ai? Ta tudo bem? – a voz agora tinha uma ponta de preocupação.
Lucas não sabia o que falar, na verdade ele nem sabia do porque tinha ligado, foi algo automático, um impulso. Talvez ele só quisesse desabafar com alguém, escutar que tudo ia ficar bem.
– Não – ele respondeu.
– Aconteceu alguma coisa? Fala comigo, to ficando preocupada – Lorena insistiu.
– Professora….eu fiz merda – Lucas falou, sentindo os olhos se encherem de lágrimas.
Notando o tom de voz do rapaz, Lorena ficou assustada, mas tentou o melhor possível pra não demonstrar.
– O que aconteceu? Fala comigo, a gente dá um jeito – ela pediu.
O que veio depois foi uma torrente de palavras cortadas e quase impossíveis de entender. Lucas tentou contar pra Lorena sobre a festa e tudo o que tinha acontecido, mas entre o choro e os soluços ela só entendeu por cima o problema. Quando ele finalmente terminou, os dois ficaram em silêncio, Lorena podia escutar a respiração acelerada e as fungadas do outro lado da linha. Ela não sabia o que fazer e nem o que dizer, não por telefone pelo menos. Lucas parecia a beira do colapso, em pânico.
– Quer vir pra minha casa pra gente conversar melhor? Eu posso ir te buscar – Lorena quebrou o silêncio.
Terrível, estúpida, péssima ideia, ela sabia, mas o risco era calculado. Eram 7 da manhã de um Domingo, muito cedo pra alguém levantar, e com um pouquinho de sorte eles poderiam subir o elevador direto do estacionamento e não encontrar ninguém no corredor. Mas ainda assim o risco ainda existia, e numa situação normal ela não o enfrentaria, mas algo na voz de Lucas a deixava inquieta, um pressentimento de que se ele ficasse sozinho ele poderia fazer alguma bobagem.
– Na tua casa? E os vizinhos e tudo mais? – ele perguntou, as palavras ainda embaralhadas pelo choro.
– Deixa que eu cuido disso, só se concentra no que eu vou te dizer: Vai ficar tudo bem, a gente vai dar um jeito nisso. Coloca uma roupa e me passa teu endereço.
Lucas hesitou, muita coisa estava em jogo pra sua professora, ele tinha consciência, mas, bem la no fundo, ele queria aceitar. Nem que fosse só pra ter um ombro amigo pra se apoiar, alguém pra quem desabafar e lhe dizer, mesmo que fosse uma mentira, que tudo ia ficar bem. Sozinho naquele quarto, a noite insone e a solidão cobravam seu preço, nublando sua mente e sugando sua sanidade.
– Tem certeza? – ele insistiu.
– Toda.
Lucas passou o endereço e levantou da cama pra se vestir.
– Algum tempo depois –
Dirigindo devagar pela rua enlameada e cheia de buracos, Lorena olhava pela janela procurando o número das casas que passava. Ela nunca tinha vindo pra esse lado da cidade, totalmente as cegas, o GPS lhe guiava. Ao chegar no endereço combinado, ela encontrou Lucas se abrigando sob um ponto de ônibus tão velho que parecia que o vento ia fazer a coisa toda desmoronar a qualquer momento. A chuvinha mansa do começo do dia tinha se intensificado, grandes nuvens negras cobriam o céu e tenebrosos trovões rugiam de tempos em tempos.
No caminho até sua casa, Lorena não pode deixar de notar o estado do rapaz, ele nem parecia o aluno que tantas vezes ela deu aula. Grandes olheiras mostravam seu cansaço, os ombros caídos mal pareciam suportar o peso dos braços. Ela não estava nem um pouco melhor, tendo saído as pressas de casa, ela mal teve tempo de limpar o rosto e a maquiagem borrada. Sentados lado a lado eles eram a perfeita imagem da derrota. Com a cabeça no vidro, Lucas olhava pro lado de fora sem expressar nenhuma emoção, a paisagem lhe trazia lembranças da noite anterior, antes da tragédia acontecer. Mesmo com seu pessimismo, ele nunca sequer imaginou que a noite terminaria da forma que terminou. A agitação e as luzes brilhantes e coloridas da cidade tinham sumido, tudo o que restou foram ruas vazias e sua melancolia.
– A gente vai dar um jeito, não esquenta a cabeça – Lorena tentou o animar.
– Uhum – ele respondeu sem vontade.
Vendo a reação, ela não insistiu, mas, ainda assim, pegou a mão dele e apertou com firmeza, segurando-a sobre o câmbio do carro. Percorreram o resto do caminho ao som da chuva.
Dentro da garagem do condomínio, Lorena procurou a vaga mais próxima o possível do elevador, pra sua sorte a previsão estava certa, o lugar estava um deserto.
– Vamos direto pro meu andar, se por acaso alguém nos vir, você é meu sobrinho, ok?
Esse foi o melhor plano que ela conseguiu bolar, não era bom mas ia ter de servir.
– Uhum.
Subindo os andares a ansiedade dela disparava, segurando a respiração em uma prece silenciosa ela rezava pra que a porta não se abrisse e alguém entrasse. Pelo jeito alguém estava olhando pelo casal, porque quando ela se abriu, foi no andar certo. Olhando pros lados ao sair, ela constatou que a barra estava limpa e apressada arrastou Lucas pela mão até sua porta. Só quando eles entraram e a fechadura girou, ela soltou o ar que prendia.
A casa estava uma bagunça, almofadas e cacos de vidro no chão, cadeiras caídas e a bolsa dela, que com tanto carinho ela tinha organizado na noite anterior, repousava em um canto.
– Senta ali – ela apontou pro sofá – Fica a vontade, quer uma água? Acho que tenho refrigerante.
– Não, brigado – ele respondeu ao se sentar.
– Comida? Ta com fome? Posso fazer algo pra gente.
O desanimo de Lucas era palpável, atrapalhada sem saber o que fazer, ela tentava agradar.
– Não precisa não. Se puder só fechar a cortina, a claridade tá incomodando meus olhos.
– Claro claro, deixa que eu fecho – ela correu pra cumprir o pedido.
A escuridão cobriu o ambiente.
– Tá, agora me conta com calma o que aconteceu, pelo telefone eu não entendi muito bem – ela pediu, sentando-se ao lado dele e sem nem perceber segurando sua mão.
Jogando a cabeça pra trás contra o sofá, Lucas fechou os olhos e em um quase sussurro ele começou. Passo a passo, ele contou todos os acontecimentos. O trajeto de metro, a espera no ponto de encontro, a mensagem sem explicação, a raiva infantil, a decisão mal pensada, a festa que ele tinha sido convidado, a moça que o encantou, o disparo da armadilha. Como se riscasse itens em uma lista ele explicou tudo em um ritmo lento, sua voz não subindo e nem descendo de tom, só no final ela se alterou, quase o fazendo desabar nas lágrimas ao relembrar a pior parte. Lorena escutou tudo sem o interromper, cada palavra do meio pra frente a fazia se sentir mal, um embrulho no estômago, uma sensação de culpa por não ter gasto alguns poucos segundos pra explicar melhor o motivo de não ter ido. Quando terminou a história, Lucas voltou a ficar em silêncio.
A situação era pior do que Lorena imaginava. A princípio ela achou que fosse alguma pegadinha boba e talvez Lucas estivesse exagerando, mas ao entender o que tinha acontecido, ela não se atreveu a minimizar o problema. Professora a alguns bons anos, não era a primeira vez que ela via esse tipo de situação ocorrer, e ela sabia muito bem as repercussões. Não era o fim do mundo, é claro, logo a coisa toda ia perder tração e eventualmente morrer, mas jovens nessa idade vivem mais o presente do que enxergam o futuro. Ela podia mentir, mesmo que sem malícia, e afirmar mil vezes que tudo ia magicamente ficar bem, mas o fato era que, pelo menos, por um tempo a vida dele seria um inferno. Mas ela obviamente não lhe diria isso, não naquele momento pelo menos, agora ele precisava de apoio e alguém pra lhe tranquilizar. Sentando mais perto de Lucas, ela a envolveu em um abraço por sob ombros e recostou a cabeça dele sobre os seios.
– Você ainda acha que vai ficar tudo bem professora? – ele perguntou.
A pergunta fez o coração dela se partir, o desespero dele em se agarrar a qualquer fio de esperança.
– Vai, a gente vai dar um jeito – ela mentiu, balançando lentamente pra trás e pra frente enquanto acariciava seu cabelo – Pode ficar tranquilo, só descansa.
No silêncio e na escuridão, o ninar de Lorena surtiu efeito, a respiração de Lucas aos poucos foi se acalmando e suas pálpebras se fecharam. Antes dele dormir, Lorena pegou uma almofada e colocou no colo pra ele apoiar a cabeça e poder se deitar. Repetindo como um mantra que tudo ia ficar bem ela fazia cafuné em seu cabelo. Não demorou muito pra ele finalmente cair no sono. Um sentimento quase materno tomou contra dela, uma vontade de fazer tudo ao seu alcance pra proteger aquele rapazinho tão vulnerável e frágil que cochilava sobre suas coxas.
Capítulo 24 – Energia
– Horas depois –
Quando Lucas acordou, por um breve momento ficou assustado, a confusão de dormir durante o dia e acordar em lugar estranho. A sala estava um breu que ele não enxergava um palmo a frente, em volta do seu peito um braço descansava, os seios de uma estranha contra suas costas, a respiração quente em seu pescoço. Reorganizando os pensamentos ele aos poucos foi se lembrando de tudo o que tinha acontecido e de como chegou ali. Em algum momento ela tinha se deitado de conchinha junto dele, ele presumiu. O braço dela o apertava, como se tivesse medo que ele fugisse. Se dependesse dele, ele continuaria ali, confortável, escutando a respiração dela, no escurinho. Mas ele não podia. Primeiro por uma vontade insana de ir ao banheiro, e segundo, por que tinha de dar um jeito de voltar pra casa. Foi preciso reunir muita força de vontade pra levantar, mas com todo cuidado ele moveu o braço da professora e se soltou. A cortina estava fechada, mas estava tão escuro que ele imaginou que já era noite, arrastando os pés com cuidado pra não fazer barulho ele andou até o corredor e chegou a cozinha, onde encontrou um interruptor e ligou a luz. O banheiro, ele precisava achar o banheiro, urgentemente. Não era um apartamento muito grande, dois quartos, sala, cozinha e banheiro, seguindo pelo corredor ele foi conferindo cada cômodo até o encontrar na última porta. Aliviado, parecia que um peso tinha sido tirado de suas costas, bastava agora dar um jeito de ir embora. Ao passar por um dos quartos, o qual Lorena dormia, ele viu pela janela que realmente já era noite, a chuva que caiu o dia inteiro em vez de diminuir tinha aumentado e virado uma verdadeira tempestade, grandes nuvens negras tampavam as estrelas e de tempos em tempos um raio ao longe iluminava o horizonte. Um mal estar veio de repente, uma agulhada no fundo da mente, o lembrete de ele teria de ir pra aula no dia seguinte e encarar seu problema. Mas dessa vez foi diferente, talvez o descanso tenha ajudado, ou as palavras de Lorena, mas a angustia que ele sentia mais cedo parecia ter se dissipado. Ele ainda tinha consciência da situação, e de forma alguma se iludia, mas agora, cheio de energia, ele sentia que, pelo menos, tinha capacidade de encarar de frente. Revitalizado, ele deixou isso de lado por hora e continuou o que tinha de fazer, e nesse momento era ligar pra casa e avisar que estava bem. Ao sair de manhã ele tinha deixado um bilhete, mas sabia que provavelmente a mãe estava preocupada. Tirando o celular do bolso, ele encontrou o número de casa e ligou.
– FILHO? Onde se tá moleque? – a mãe atendeu na hora.
– To na… casa de um amigo, mas eu já já to indo pra casa – Lucas inventou.
– To a horas atrás de você, olha a toró que tá caindo, pensei que você tava na rua.
– Ta tudo bem, daqui a pouco eu to em casa – ele tentou tranquilizar a mãe.
– E como se vai fazer isso? É muito longe onde você tá? As ruas tão alagadas, ouvi no rádio agorinha.
Lucas não tinha considerado essa variável, ele estava do outro lado da cidade, a noite, o céu desabando, e agora essa notícia.
– Eu dou um jeito, pego o metro, sei la.
– Ta maluco moleque? Quer pegar uma pneumonia? Não, fica ai – a mãe deu a ordem.
Ficar aqui?
– Passa o telefone pra mãe desse teu amigo, eu peço pra ela se você pode passar a noite. Ai moleque atentado! Juro que vo te dá uma surra quando você chegar em casa.
– Não não, não precisa mãe, eu já falei com o Renan, ele falou que tá tudo bem, pode ficar tranquila – um amigo imaginário foi criado pra sustentar a mentira.
– E aula amanhã?
Nenhum detalhe passava batido.
– Eu vou daqui, pego um uniforme emprestado, relaxa. De tarde então eu chego em casa.
– Ta bom então, vai com Deus, volta direto pra casa depois da aula. Beijo – ela se despediu.
Ao terminar a ligação, Lucas nem acreditava no que tinha acontecido. Com o celular na mão ele tentava descobrir se aquilo era mesmo real ou ele ainda estava sonhando. Passar a noite ali, naquele apartamento, com Lorena… ele sentia um friozinho na barriga, uma empolgação, uma felicidade indescritível. Saindo do transe ele voltou a realidade, ele ainda precisava falar com ela sobre isso e confirmar se ela concordava.
De volta a sala escura, ele procurou o interruptor e acendeu a luz. Lorena, que dormia um sono tranquilo, na hora abriu os olhos e um sorriso. O rapaz que ela via nem parecia o mesmo de antes, todo alegre e cheio de vida.
– Já acordou? Dormiu bem? – ela perguntou, ainda bocejando e piscando pros olhos se acostumar com a claridade.
Lucas sentou-se junto dela.
– Quem ganhou a guerra? – ele perguntou, olhando em volta.
– Hum?
Lucas apontou pra bagunça, as almofadas espalhadas, os cacos de vidro no chão, os moveis derrubados.
– Ah – Lorena entendeu a piada – Nem me fala. Meu ex-marido apareceu aqui bem quanto eu tava saindo. Acabei me exaltando um pouco.
Foi só então que Lucas finalmente soube o motivo dela não ter aparecido no dia anterior.
– Que horas são? – ela se sentou, o cabelo loiro todo bagunçado, parecendo um ninho de passarinho. Com a mão ela tentava ajeitar, mas só piorava.
– Já passa das 7 – ele respondeu, achando graça na insistência.
Os olhos dela se esbugalharam.
– 7 HORAS? Nossa, dormi igual uma pedra. – em uma grande espreguiçada ela esticou os músculos amortecidos – Tenho de te levar pra casa.
– Então… quanto a isso… Liguei pra casa e minha mãe falou pra eu passar a noite onde eu estou, parece que a cidade tá uma bagunça com a chuva. Se você não se importar, é claro.
Lorena sentiu um arrepio subir pela espinha, por um segundo ela perdeu o fôlego.
– Sem problema – ela não conseguia disfarçar o sorriso – Nenhum problema.
– Certo então.
CONTINUA
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Nota: Quando comecei a escrever esse conto, fiz com a ideia de escrever a ultima parte da historia. Digitando e inventando, perdi as contas e quando fui ver, já estava com quase 7 mil palavras e longe do final desejado. Esse é de fato só a metade do que tenho preparado, resolvi dividir em duas pra não ficar uma muralha de texto e desanimar o leitor desavisado. Sim, esta meio monótono, mas é o necessário pra preparar o terreno pro final. Estarei publicando a outra metade o mais cedo possível, só falta revisar e dar uma polida. Abraço e até a próxima!