Depois dessas aventuras com o Dr Paulo, Lorena e o juiz ao longo de 15 anos, entre outros relacionamentos meramente casuais, creio que eu senti que precisava de alguém, de uma pessoa para me completar, pois ao final de cada uma dessas experiências, essas pessoas continuaram suas vidas, mas tinham alguém de uma forma ou outra e eu continuava sozinho. Sexo somente já não me completava mais, precisava de algo mais definitivo e estável.
Estávamos chegando em minha estação favorita do ano, o inverno e com ela as manhãs com névoas e anoitecer com o pôr do sol mais lindo do ano e resolvi tirar uns dias e ficar na casa de meus pais em Itapecerica da Serra. Meus pais possuíam um sitio próximo ao Vale dos Templos, e basicamente a pousada vive das pessoas que vem de longe conhecer os templos budistas e preferem ficar hospedadas em um local mais confortável. Na pousada temos 20 quartos, todos com ar condicionado com aquecimento pois as noites de inverno são frias realmente, uma piscina coberta aquecida e uma com um espelho infinito para o vale que agrada muito os hóspedes. A casa de meus pais fica mais ao fundo da propriedade, no estilo casarão colonial, com grande varanda, fogão e forno a lenha ainda funcionando. Meus pais sempre mantiveram meu quarto disponível, minha irmã já casada e com um filho, frequentava muito o local, mesmo morando no Rio de Janeiro e eu que morava cerca de 40 quilômetros vinham pouquíssimo para dormir, apenas almoçar aos domingos de vez em quando.
Cheguei numa sexta-feira à noite, meus pais já tinham jantado e me receberam muito bem com um prato reservado para mim, minha mãe é uma ótima cozinheira. Meu pai disse que haviam 8 hóspedes na pousada, dois franceses, um casal americano e demais brasileiros. No sábado iriam receber um grupo de 20 pessoas e a pousada ficaria cheia e ambos estariam bem ocupados e eu deveria fazer o café da manhã e as refeições na pousada pois estariam trabalhando intensamente lá.
No sábado de manhã, levantei tarde, parecia que haviam meses que não dormia tão bem, já era 10h e tomei um banho e encontrei uma bandeja com café na mesa da cozinha com um bilhete carinhoso de minha mãe: “Eu sabia que você iria acordar tarde e perderia o café na pousada, mas eu não deixaria isso acontecer com meu pequeno doutor lindo da mamãe”. Fiquei emocionado com o carinho dela, como sempre. Tomei o café, arrumei as coisas no lugar e fui caminhar pelo pomar e sentir o cheiro das mexericas que estavam lindas, pés carregados, depois fui no tanque de peixes que tinha próximo ao riacho aos fundos da propriedade e terminei a manhã voltando para almoçar na pousada.
Chegando lá percebi que estava uma loucura, muita gente chegando para fazer o “check in” e outros no pequeno restaurante onde eram servidos os cafés da manhã e os pratos à “la carte” para clientes que preferiam almoçar por lá mesmo, muito embora a proposta era apenas “B&B” – Bed and Breakfast. Fui até a cozinha e lá encontrei dona Julia, cozinheira e governanta da pousada, me recebeu com um abraço afetuoso, e me pediu para sentar por ali mesmo que ela já tinha preparado uma refeição para mim, a pedido da minha mãe. Disse que ficou feliz em saber que eu estava na propriedade, havia meses que não me via. Me serviu um estrogonofe divino com creme azedo conforme manda a tradição russa, que sem hesitar, eu o devorei, pois ela é uma descendente de russos e sempre fazia comidas típicas no mesmo padrão. Foi assim que fiquei sabendo há anos que o estrogonofe é um prato típico russo. Após esse banquete, e um sobremesa que adoro, doce de ambrosia, agradeci o almoço e fui para a piscina ficar de boas por lá. Peguei uma xicara de expresso, e fui me sentar em um canto da área de lazer, próximo a churrasqueira, bebi meu café e peguei meu ipad mini para retomar uma leitura que estava parada há tempos.
Fiquei distraído nisso por cerca de uma hora e meia e me senti observado, levantei os olhos procurando quem estava me observando e notei um homem bonito, traços orientais que depois vim a saber ser dos avós que imigraram para o Brasil junto com vários japoneses e formaram uma grande colônia em Mogi da Cruzes. Ele se levantou e veio em minha direção, ao perceber que eu o notei. E parou na minha frente dizendo:
—Olá, tudo bem? Você é o doutor João? Eu sou o Takeo, filho do Hashida Maragoshi, meu pai utiliza os serviços do seu escritório na empresa dele e fala muito bem de você, diz que o atendimento é de primeira qualidade igual ao da pousada do seu pai – Olhei para ele, homem bonito, corpo bem definido, lábios finos e olhos negros, encantador mesmo. Confirmei a informação e convidei ele para sentar comigo o que ele aceitou de bom grado. Me explicou que veio acompanhar os pais, que vieram trazer as cinzas do avô dele para deixar no templo Kinkaku-ji como era o desejo dele. Ele disse que não era apegado a essas tradições e resolveu ficar na pousada e aguardar o ritual e as meditações que iriam fazer no sábado e na manhã de domingo retornar para Mogi das Cruzes. Me perguntou o que o trouxe para visitar a pousada, já que ele sempre trazia os pais no templo e ficava na pousada e nunca havia me encontrado por lá.
Eu expliquei que queria descansar um pouco e ficaria uns dias na casa dos meus pais e aproveitar esse período de inverno, com dias quentes e noites frias para curtir o pôr do sol que me encanta. Ele riu disso, me explicou que nunca havia conhecido alguém que gostava do frio e apreciava pôr do sol, ainda mais morando em São Paulo, onde só tem prédios, frio, garoa, neblina, calor, e tudo mais em um único dia. Rimos os dois, pois São Paulo realmente é assim, todos os climas em um único dia. Ficamos conversando a tarde toda, sobre diversos assuntos, assim soube que ele era arquiteto e trabalhava com produção de cenários para estúdios de televisão e agencias de publicidades, e já tinha rodado por todas as emissoras de televisão apesar de ser novo, apenas 35 anos, mas que agora estava trabalhando em seu próprio escritório que descobrimos ser próximo ao meu escritório.
Convidei ele para ir pra piscina aquecida e continuar a conversa lá, pois já iria escurecer e a conversa estava boa para pararmos, e ele queria saber mais sobre mim, e expliquei que tinha acabado de completar 38 anos, nunca casei, já que não apareceu ninguém interessante e todos só queriam sexo casual e eu queria neste momento algo mais estável. Me perguntou quantas mulheres namorei, e expliquei que não namorei nenhuma mulher, mas tive relacionamentos casuais com homens e mulheres, o que o deixou boquiaberto ao me ouvir falar abertamente de minha bissexualidade.
Ele me disse que havia casado com uma colega de faculdade, ficaram juntos por 10 anos, porém ela o traiu com um ex-sócio e ele descobriu da pior maneira, encontrando os dois na cama da casa deles, um dia que ele retornou mais cedo para casa por estar com febre. Nem imaginou que era o carro do sócio dele na frente da casa, pois o mesmo disse que estaria visitando um cliente. A notar os gemidos vindo do quarto, ele simplesmente desabou no sofá da sala sem fazer nenhum barulho e ficou ouvindo os dois treparem. Com frieza, tomou um remédio para febre, pegou um refrigerante e aguardou por 40 minutos, e assim que o amigo saiu do quarto pelado para pegar as roupas na sala e se deparou com ele e ela veio junto e deu um grito dizendo o famoso bordão: “Não é o que você está pensando”. Ele esperou os dois gaguejarem à vontade, tentando explicar o inexplicável e quando viu que a cena era patética demais, se levantou e disse:
— Juliana, você foi meu primeiro amor e acredito que será o último. Agora que você já se vestiu depois de trepar a tarde toda, pegue suas coisas, e não deixe nada pra trás, vou sair para jantar sozinho e quando voltar, se tiver algo seu aqui, eu mesmo jogarei no lixo. Amanhã meu advogado entra em contato contigo para tratar do divórcio. Quanto a você meu amigo, não vou nem perder tempo contigo, poderia te arrebentar a cara e você sabe que sim, pois sou faixa preta em karatê e jiu-jitsu, quero que você informe para nosso contador sua parte em nossa sociedade, e amanhã mesmo eu vou providenciar seu pagamento e você sai de nossa sociedade e nunca mais quero te ver na frente. Os clientes da empresa que eu conquistei e você sabe que são todos, nunca mais receberão sua visita, pois se você fizer isso a conversa será outra.
Ele me explicou que depois de dizer isso, foi jantar em um restaurante no bairro da Liberdade, comeu tranquilamente, depois foi no cinema e assistiu “O Homem de Aço”, durante o filme chorou bastante em silencio já que o cinema estava cheio, saiu de lá, retornou para sua casa, já não tinha vestígios da esposa por lá, e no outro dia seria um homem novo, sem sócio, sem esposa.
A burocracia foi resolvida em pouco tempo, se tornando livre, depois de um tempo, ele voltou a conversar com a ex-esposa, ela tentou reatar, mas ele não conseguiu perdoar atitude dela, e o antigo sócio se mudou para Curitiba e montou um escritório por lá, foi morar com os pais.
O sol começou a se pôr e eu parei de olhar para ele e me virei para a luz do paredão de vidro do canto direcionado ao poente, fiquei por 7 minutos acompanhando a estrela vermelha se esconder nas montanhas verdes atrás dos templos, e escurecer. Enquanto eu observava o sol se pondo, ele não falou nada e nem eu, apenas ficamos ali, dentro da água quente, curtindo a cena do final do dia.
Saímos da piscina e nos secamos, e combinamos de sair para jantar no centro da cidade, eu queria mostrar para ele uma pizzaria forno a lenha que era maravilhosa, e poderíamos conversar mais. Ele aceitou, avisou os pais que não jantaria com eles e as oito da noite eu o aguardava na recepção para descermos ao centro.
Fomos no meu carro, conversando e cantarolando as músicas que tocavam no rádio, até que ele disse que a música que estava tocando embora falasse de garotas, era como ele estava se sentindo, por reviver o passado tão abertamente e ainda assim, estar tranquilo com isso:
This girl is on fire
This girl is on fire
She's walking on fire
This girl is on fire
Everybody stands, as she goes by
Cause they can see the flame that's in her eyes
Watch her when she's lighting up the night
Nobody knows that she's a lonely girl
And it's a lonely world
But she gon' let it burn, baby, burn, baby
This girl is on fire
This girl is on fire
She's walking on fire
This girl is on fire
Eu conhecia bem aquela música da Alicia Keyes, realmente Girl is on fire era bem apropriado, pois ficamos uma tarde conversando e parece que o fogo não apaga e ainda temos lenha para queimar. Ninguém sabe o quanto somos solitários, e tampouco quanto queima uma traição, um amor não correspondido ou a confiança quebrada. Realmente éramos duas garotas pegando fogo. Rimos disso, foi engraçado.
Jantamos uma pizza divina e bebemos uma garrafa de vinho que eu levei, pois queria tomar um vinho Cabernet Sauvignon que trouxe de casa e aquele momento era apropriado. Retornamos perto de onze da noite, parei meu carro no estacionamento da pousada e ficamos lá dentro, até que ele pega minha mão e pergunta como era se relacionar com outro homem. Eu respondi: “não sei como é ter um relacionamento Takeo, até hoje eu tive encontros casuais que normalmente terminam em sexo, sem envolvimento emocional, e estava farto disso, agora queria alguém para viver um relacionamento”. Ele olhou nos meus olhos, que estavam molhados, e disse: “você merece ser feliz, seu amor está chegando, confia”. Deu uma piscada e me deu um abraço e agradeceu a noite agradável, desceu do carro foi para dentro da pousada descansar.
Eu o acompanhei com os olhos entrando e depois liguei o carro e direcionei para o casarão dos meus pais aos fundos da pousada, estacionei junto com o Jeep Willis que é o xodozinho do meu pai, entrei e fui até a cozinha fazer um chá de camomila. Enquanto a água fervia meu pai apareceu de pijama e mexeu com meus cabelos e disse: “Johnny que bom que você veio passar uns dias conosco, sentimos tanto sua falta. Não fique sem vir aqui de vez em quando, nem que seja para tomar um café com seu velho pai”. Abracei ele e disse que melhoraria isso, e ofereci um chá para ele também que recusou, só veio tomar água mesmo e me ver, pois sei que ele sempre tinha um jarro de água ao lado da cama.
Peguei minha xicara de chá e fui para varanda toma-lo no escuro, apenas com a luz da lua que estava radiante. Terminei e fui dormir, estava calmo e feliz pelo dia e por ter conhecido o Takeo, homem integro e excelente companhia. Antes das seis da manhã eu estava de pé, queria caminhar até um morro e contemplar o nascer do sol com a neblina típica do inverno, coloquei uma roupa bem confortável de moletom e fui caminhar. Assim que passei pela frente da pousada notei que Takeo estava colocando umas coisas no carro, fui até ele e perguntei se ia fugir na calada da madrugada sem falar nada. Ele riu e disse que não era isso, um cliente mandou mensagem e queria se encontrar com ele no domingo para ver um projeto em Aldeia da Serra, mas que ele estaria de volta no almoço e poderíamos comer juntos. Acenei concordando e fui caminhar, enquanto via o carro dele partir no escuro, passando pelo portão de acesso ao Sitio e Pousada Alvorada, assim é o nome do meu local, da minha família.
Voltei antes das dez e meia e fui procurar dona Julia para comer alguma coisa de café da manhã, estava faminto. Ela já tinha deixado separado um muffin de Blue Berry, meu favorito, pão de queijo e croissant. Peguei um expresso no salão e acrescentei leite cremoso e fiz um delicioso Machiatto. Café tomado, fui até o casarão e troquei de roupa, colocando roupas de banho e retornei para piscina aquecida.
Takeo não retornou aquele dia, seus pais foram embora em um taxi contratado pelo filho pois um imprevisto o impediu de retornar. Não tive nenhum contato dele nos dias que fiquei em Itapecerica, e de certa forma fiquei decepcionado, mas não poderia exigir nada de alguém que havia conhecido no dia anterior. Ao final de cinco dias, retornei para a capital paulistana com promessa de retornar mais vezes a casa de meus pais. Chegando em São Paulo, encontrei um envelope na minha caixa de correios com um cartão de visitas do Takeo, pois esquecemos de trocar número de telefones.
Continua...na parte 2
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