O olhar de Yelena era puro ódio, eu podia sentir as vibrações carregadas de raiva que seu corpo emanava. Eu precisava resolver todas as pendências rapidamente e colocar nosso plano em ação. A conversa com Bá e depois com Mirian, eram os últimos obstáculos que nos faziam esperar.
Yelena estava confusa:
– Mas eu dirigir. Logo na começo, polícia parar e liberar eu sem ter problema … Ter licença.
Fagundes explicou:
– É o mesmo caso do seu casamento. Sua habilitação é americana e aceita aqui, mas precisava ser revalidada em até cento oitenta dias também. A que você carrega é falsa. Muito bem-feita, mas falsa. Você não prestou nenhum tipo de exame, não é?
Yelena insistia, ainda acreditando que tudo aquilo era apenas uma confusão:
– Nau! Hélio entregar o habilitaçau. Mas eu ter passaporte, registra no academia, fazer curso, conta na banco …
Fagundes era paciente:
– Você entrou no país em voo fretado, particular, acompanhada de um homem importante. Ninguém iria parar vocês. Seu cartão é secundário, é o Hélio o titular da conta.
Sentindo-se derrotada, Yelena se resignou, olhando para mim com muita tristeza. Eu tentei consolá-la:
– Fique tranquila! Em pouco tempo, nada disso irá importar mais. Nossos planos vão resolver toda essa confusão.
Fagundes tinha mais a falar:
– Sobre o que você pediu mais cedo, a varredura na sua fábrica, eu tenho novidades também. A equipe técnica achou uma conversa importante nas gravações do sistema de monitoramento do seu pai. Vou enviar o vídeo, assista, assim que possível.
Antes de desligar, Fagundes me informou:
– Já estamos de tocaia em frente ao condomínio e vamos começar a segui-los e descobrir onde vão durante a tarde. Em breve, terei mais novidades. Por enquanto é isso, tentem continuar agindo normalmente, as aparências são o mais importante no momento. Tchau!
Minutos depois de desligar, enquanto eu tentava animar Yelena, o vídeo chegou. A gravação é da semana antes da viagem à Argentina:
"Meu pai e Mila no escritório, após mais uma sessão de sexo entre os dois, ainda nus, conversando. Mila, suada e toda gozada, diz:
– Hélio, você não tem medo de que eles descubram o que estamos fazendo?
Com cara de deboche, sorrindo, ele respondeu:
– Fique tranquila, eles são dois idiotas, nunca vão descobrir.
Desconfiada, Mila pressionou:
– Como você pode ter certeza? Eu não conheço a Yelena o suficiente, mas Toni, eu acho …
Contrariado, meu pai foi grosso:
– Como eu disse, eles são uns idiotas e nem desconfiam. Eu sei disto pois tenho tudo sob controle em casa.
Mila ainda não estava convencida:
– Mas e fora de casa?
A fim de terminar logo aquele assunto, ainda mais estressado, ele segurou Mila pelos cabelos sem nenhuma delicadeza:
– No caso da Yelena eu tenho um rastreador no carro dela. Sei exatamente aonde ela vai. E ela só vai ao shopping, à academia e salão de beleza. É uma esposinha apaixonada.
Cheia de cuidados, tentando não provocá-lo, mas ainda insistindo, Mila perguntou:
– E no caso do Toni? Você também colocou rastreador no carro dele ou tem vigilância na empresa?
Rindo, soltando os cabelos da Mila, ele debochou mais uma vez:
– Não, eu não achei que precisasse investir muito para vigiá-lo. Não coloquei rastreador no carro dele.
Mila, inteligente, o punhetava e dava beijos na cabeça do pau dele, manipulando o homem:
– Tá, mas e na empresa?
Fechando os olhos, curtindo o início do boquete, ele respondeu:
– Lá eu tenho alguns informantes que me deixam a par de tudo o que acontece.
Mila enfiava o pau inteiro na boca, sugava a cabeça mais forte e ia tirando dele tudo o que precisava:
– A secretária dele?
Meu pai, um homem que se achava mais inteligente do que todos, era facilmente manipulado pela vadia:
– Não, ela é muito apegada ao Toni. Está com ele desde o início e é uma indicação da Bárbara. Não quero mexer com ela, seria arriscado tentar cooptá-la. Para saber dos negócios eu tenho dois assistentes dele na minha "folha de pagamento" e para as fofocas, quem melhor que a "senhora do café?".
Mila já tinha tudo o que precisava:
– A senhora do Café? É, realmente você não presta.
Se sentindo o poderoso, ele finalizou dizendo:
– Nada fica fora do meu controle. Como eu disse, fique tranquila, eles nunca irão descobrir".
Mesmo me deixando apreensivo, aquele vídeo foi uma boa fonte de informação. Eu poderia me orientar melhor dentro da fábrica, saber com o que eu estava lidando. Até desconfiava de quem seriam os seus informantes: um assessor do setor de finanças, de uma sala bem próxima a minha, e que sempre tentou se tornar um amigo pessoal. E também, o meu office boy pessoal, um rapaz esperto e observador, sempre me seguindo com os olhos, me vigiando. Ainda bem que no dia da visita da Meire, por sorte, ele estava fora, cumprindo alguns pedidos meus. De qualquer forma, eram apenas suspeitas, nada concreto. Poderia ser qualquer um.
Precisei ser mais firme com Yelena, trazê-la de volta à realidade:
– Eu sei que você está destruída, triste e se sentindo abandonada. Agora você precisa fazer uma escolha, levantar a cabeça e nós seguimos em frente com o que pretendemos, ou desistimos de vez. Eu vou entender se você quiser deixar essa história de vingança pra lá. Afinal, o que você queria, nós já estamos fazendo.
Ela me encarou, prestando atenção às minhas palavras:
– Podemos deixar que eles saibam que também pagamos na mesma moeda, ou damos uma lição de verdade naqueles dois, uma que eles jamais se esquecerão. O que você quer fazer?
Ela enxugou as lágrimas, respirou fundo e disse:
– Seguir em frente. Fazer os duas se arrepender. Querer sangue. Saber que você vai cuidar eu.
Eu a abracei, nos beijamos e nos levantamos, voltamos a vestir nossas roupas, saindo decididos daquele motel. Deixei Yelena no shopping e quando pensei em voltar à empresa, Bá finalmente me ligou:
– Seu pai e a Mila saíram, podemos conversar. Estou no mercado, venha me pegar.
Cheguei rapidamente até a Bá e naquele mesmo local onde ficava o mercado, também existia uma praça de alimentação e um mini shopping. Nos sentamos em uma lanchonete mais escondida, bem no final da galeria e por duas horas e meia, Bá me contou, sem conseguir segurar as lágrimas em alguns momentos, toda a sofrida história da Mirian, minha mãe. Tudo o que o meu avô fez para ela e como ele manipulou o meu pai e destruiu aquela relação, transformando Mirian numa criminosa condenada. Confesso que também cheguei a me emocionar em alguns momentos. Deixei a Bá se recompor por algum tempo, servindo a ela um café, e depois perguntei:
– Mas por que você nunca disse nada?
Ela fez um carinho no meu rosto:
– Porque seu pai ameaçou me afastar de você. Fui obrigada a seguir as ordens dele.
Eu precisava saber mais:
– E por que agora?
Bá sorriu para mim:
– Agora você é um homem feito. Pode tomar suas próprias decisões. E assim como o seu avô fez com seu pai, Hélio está fazendo o mesmo com você. Não deixe, se liberte, destrua esse círculo vicioso.
Contei para a Bá sobre o meu encontro com a Meire e sobre a situação da minha avó. Ela foi direta:
– Dê uma chance, eles são sua família. Sei que não vou conseguir convencê-lo a abandonar esse plano estúpido que você criou, mas com eles, talvez você encontre o amor fraternal que nunca teve.
Eu a abracei bem apertado:
– Você me deu todo o amor que eu precisei.
Feliz, retribuindo o meu abraço, ela disse:
– Eu fiz o meu melhor, mas nada substitui o amor de uma mãe. Quando o tiver, você entenderá.
Ficamos abraçados por alguns segundos e por fim, ela disse:
– Eu sempre mantive sua mãe informada, desde o dia que ela entregou você para mim. Eu mandava cartas para ela na prisão. Ela jamais deixou de amar você, de pensar em você, de sonhar com o dia em que vocês se reencontrariam. Esse é o meu último pedido para você, faça por mim, vá encontrá-la.
Eu brinquei:
– Seu último pedido? Apesar da idade, você ainda é uma mulher forte, com muitos anos pela frente. Para de bobagem.
Bá me deu um beijo na bochecha e me provocou:
– Você sabe muito bem do que eu estou falando.
Deixei a Bá em casa sem me preocupar. Era normal ela me ligar para buscá-la nos dias em que fazia compras. Para não correr riscos desnecessários, nem entrei, já pensando em voltar imediatamente para a empresa.
Naquela mesma noite, meu pai me chamou para conversar em seu escritório. Satisfeito com a minha administração na fábrica, ele pretendia criar uma holding, absorvendo várias outras fábricas do mesmo ramo para que eu administrasse. Sua intenção era mergulhar de vez no agronegócio e na indústria de base, abocanhando uma fatia grande daqueles mercados. Com uma empresa grande e sólida, a abertura de capital no mercado de ações seria um passo necessário, trazendo dinheiro novo e fortes investimentos. O projeto estava avançado, as empresas já tinham aceitado a oferta de compra e ele até já havia se preparado para a oferta pública inicial.
Lembrando que eu estava prestes a fechar ótimos contratos com chineses e indianos, trabalhando durante meses nesse processo, eu sabia que ao anunciar o acordo, as ações dessa nova holding do meu pai subiriam de valor rapidamente. Eu precisava me preparar, aquela era uma oportunidade de ouro.
Ele preparou um jantar de comemoração e anunciou orgulhoso suas grandes ideias, esquecendo que o trabalho duro era feito por mim. Yelena e eu nos mantivemos nos nossos personagens. Mila era só sorrisos para mim, meu pai parecia realmente me amar e Yelena, a madrasta amiga, feliz pelo sucesso do enteado. Ela, tentando me valorizar, quase colocando tudo a perder, despretensiosamente, disse ao meu pai:
– Esse nova holding, Toni ter participaçau? Ser sua sócio?
Mila aproveitou a oportunidade para provocar também:
– Lena tem razão. Toni trabalhou duro nisso, ele merece ser sócio.
Eu tentei parar com aquilo:
– Gente, não é hora …
Meu pai, visivelmente emburrado, falou alto:
– E por que ele precisaria de participação, de sociedade? Ele é meu único herdeiro, tudo isso será dele um dia. Decisões centralizadas, um cacique por aldeia, funcionam melhor, agilizam a tomada de decisões.
Yelena sorriu disfarçadamente, Mila engoliu o orgulho e o interesse e eu fiquei na minha. O jantar seguiu tranquilo, com cada um desempenhando seu papel. Uns mais do que os outros, como no meu caso e da Yelena.
Durante os dois dias seguintes, a vida seguiu normalmente e por sorte, Mila, menstruada, não me procurou para sexo. Eu mantive a minha atuação de namorado apaixonado, tentando não dar motivos para ela suspeitar de nada. Fortemente gripado, meu pai também deu um pouco de sossego para Yelena.
Seguindo a orientação de Fagundes, comprei telefones antigos, sem ser smartphones, para deixar no escritório e falar com Yelena durante o dia. Por precaução, trocamos apenas mensagens SMS durante aquele período. Se precisássemos conversar em casa, usávamos a área da piscina.
No terceiro dia, durante a manhã, já na fábrica, recebi uma ligação da Meire no celular:
– Antônio? Sou eu, a Meire!
Como meus planos caminhavam bem e eu estava de bom humor, apesar de tudo, fiz um agrado, brincando:
– Oi, tia. Bom dia!
Ouvi um choro abafado ao fundo da ligação e Meire, com uma leve excitação de alegria na voz, disse:
– Nossa! Já está me chamando de tia. É um sinal de que vai atender ao meu pedido?
Eu estava animado também. Adquirindo um tom mais sério na voz, Meire me informou:
– Antônio, a Mirian já está aqui e ela também quer ver você.
Eu arrisquei:
– É ela chorando ao fundo?
Com a voz trêmula pela emoção, Meire concordou:
– Sim, ela mesmo.
Sem pensar, apenas no automático, pedi:
– Passe o telefone para ela.
Segundos depois, ouvi a voz embargada, quase falhando da minha mãe:
– Antônio? É mesmo você?
Com os olhos marejados, triste por também me achar um dos culpados por tudo o que aconteceu com ela, respondi:
– Sim, mãe! Sou eu.
Ela não conseguiu segurar o pranto. Chorando copiosamente, sem ter condições de falar. Meire assumiu a ligação:
– Acho mais fácil você vir até aqui. Ela está muito emocionada.
Eu tinha uma reunião importante naquela manhã, mas não recusei o encontro:
– Agora são quase dez horas e eu tenho um compromisso, mas posso ir depois da uma da tarde. Fica bom pra vocês?
Meire foi rápida na resposta:
– Claro que sim. Por que não almoça com a gente?
Pensei um pouco e resolvi aceitar:
– Pode ser, sim. Quer que eu leve alguma coisa?
Meire brincou:
– Não, né! Somos pobres, mas conseguimos alimentar um parente sem problemas.
Mirian, falando com dificuldades por causa da emoção, voltou à chamada:
– Obrigada, Antônio! Esse é o dia mais feliz da minha vida.
Uma lágrima escorreu por minha bochecha. Nos despedimos e desligamos.
Sabendo que Yelena poderia me chamar para "almoçar", informei a ela que ficaria indisponível durante grande parte do dia, participei da minha importante reunião e logo após o meio-dia, fui ao encontro da minha nova família.
Atravessei a cidade e quando estava próximo ao endereço anotado pelo Bá, informei a Meire da minha chegada. Ela e uma mulher, pouca coisa mais velha, e muito parecida com ela, me esperavam na calçada. Estacionei, e a mulher não conseguia conter suas lágrimas, caminhando apressada em minha direção e me abraçando forte, chorando de soluçar no meu ombro.
Deixei que ela ficasse assim, agarrada a mim, por um longo tempo. Meire, também muito emocionada, acompanhou tudo sem interromper. Pela porta da casinha humilde, de paredes descascadas, iam surgindo mais pessoas. Ao olhar, eu sabia que eram mais tios e primos, pois todos compartilhavam os cabelos e os olhos negros. Alguns mais parecidos, outros menos.
Mirian finalmente se acalmou, segurou no meu rosto com as duas mãos e pediu:
– Posso te dar um beijo?
Eu me sentia tão bem ao lado dela, como se tivéssemos uma ligação inexplicável, um vínculo inquebrantável, mesmo sendo estranhos. Respondi:
– Claro que pode, mãe!
Alguns minutos a mais de choro e ela finalmente me soltou, deixando que as outras pessoas se aproximassem. Mirian se manteve próxima, segurando o meu braço.
Depois de uma sessão de apresentações demoradas, onde eu conheci Mara e Márcio, meus tios, e uma boa quantidade dos primos presentes, eles me levaram para dentro da casa. Três primas eram moças muito bonitas, parecidas com as mães, com idades próximas a minha. Duas delas filhas de Mara e uma de Meire. As três me abraçaram e me olharam com curiosidade. Principalmente para o meu carro, uma BMW série 3 320i Sport.
Dois primos homens eram mais novos, ainda adolescentes, filhos de Márcio, um sujeito realmente muito gente boa, de bem com a vida. De cara, senti que seríamos bons amigos.
Mirian, sempre me olhando sem acreditar, pediu licença a todos e me levou até o quarto, para conhecer Ondina, minha avó. Todos tínhamos seus genes, era inegável. Ela estava bastante debilitada, na cama há meses, quase sem forças. Fui apresentado e a abracei com todo o cuidado, dando início a uma nova sessão de choro, seguida pela maioria dos presentes. Ela disse baixinho, quase inaudível:
– Agora posso descansar em paz, realizei o meu último desejo.
Meire a ajeitou na cama, cobriu seu corpo cansado com todo o cuidado e antes que eu me afastasse, ela segurou em meu braço:
– Nós nunca esquecemos de você. Sua mãe principalmente.
Sob o efeito de forte medicação, ela dormiu em seguida. Saímos do quarto para que ela pudesse descansar sem o barulho e a algazarra da minha visita tão esperada.
Honestamente, eu me sentia muito bem entre aquele pessoal humilde, sorridente, de bem com a vida. Minha mãe não desgrudava de mim, Meire e Márcio estavam sempre tentando me agradar. Mara estava desconfiada, mas era gentil a todo o momento. As primas adultas me olhavam com malícia, me dando sorrisos safados. Os primos adolescentes pareciam me admirar, me olhando como um exemplo a seguir.
Mirian se sentou ao meu lado na mesa, junto com meus tios. A casa era pequena e os primos foram se distribuindo onde dava. A comida estava muito cheirosa, e como primeiro a gente come com os olhos, apesar de simples, a aparência era muito convidativa. Três formas de lasanha à bolonhesa, arroz branco e salada com vários vegetais.
Brincalhão, Márcio perguntou:
– Você tem alguma frescura para comer? Não temos caviar e nem fondue. - Ele mesmo começou a rir.
Eu entendi que era uma brincadeira, uma tentativa de criar intimidade familiar e me deixei levar:
– Na verdade, eu detesto caviar. O troço é ruim demais. - Todos riram da careta que eu fiz.
Comemos e conversamos sobre vários assuntos, eu respondi as curiosidades de todos sobre a minha vida, já que as perguntas foram bem razoáveis, sobre estudos e amizades, principalmente. Por sorte, ninguém perguntou sobre relacionamentos e eu não precisei mentir. Como os dias da Mila ao meu lado estavam contados, eu não queria falar dela para essa nova família que eu ganhava.
Foram três horas muito legais, de muita conversa boa, onde pude conhecer um pouco de cada um deles, mas eu precisava ficar a sós com Mirian e aproveitando uma oportunidade surgida, enquanto todos conversavam entre si, eu a chamei:
– Podemos ter um tempo só nosso? Acho que temos muito para conversar. Vem comigo, podemos ir a outro lugar.
Márcio ouviu a conversa e nos entregou um chuveiro:
– Podem usar a minha casa, é a mais próxima. Lá vocês dois terão privacidade.
Mirian e eu aceitamos a oferta e eu levei quase vinte minutos para me despedir de todos. Quando ia dando a volta para entrar no carro, ela apontou para uma casa do outro lado da rua e disse:
– É ali, podemos ir a pé mesmo. – Nós dois demos risadas da minha afobação.
Assim como tinha sido com a Bá, foi uma conversa tensa e emotiva. Mirian me contou tudo, com muito mais detalhes, o que tinha acontecido com ela na época, o tempo na prisão, as cartas da Bá, como, após sair da prisão, ela se escondia para me ver na saída da escola, depois na faculdade … ela me perguntou sobre Mila, se era um relacionamento sério, e naquele momento eu desabei.
Minha mãe me fez deitar a cabeça em seu colo e acariciou meus cabelos, me consolando. Só aí, eu entendi as palavras da Bá: "Eu fiz o meu melhor, mas nada substitui o amor de uma mãe. Quando o tiver, você entenderá". Ela tinha razão, aquele carinho na minha cabeça, aquela energia diferente e especial que era transmitida, me fazia bem, me animava.
Se a Bá confiava plenamente nela e eu confiava plenamente na Bá, eu faria dela minha aliada contra os planos do meu pai e da Mila.
Contei tudo, revelei a traição detalhadamente, do início ao fim, sem esconder nada. Ela me olhava sem acreditar, xingando os traidores e sentindo a minha dor. Contei também da minha relação com Yelena, o quanto aquilo estava me fazendo bem e ela me apoiou, se sentindo vingada também com a minha atitude. Após uma reflexão breve, ela disse:
– Você acha que não tem como trazer o seu pai de volta? Eu conheci um outro Hélio, muito parecido com você … uma pena que o veneno do seu avô tenha sido tão potente, matando aquele homem doce e carinhoso que eu conheci. - Ela mais se lamentava do que afirmava.
Eu fui honesto:
– Não! Ele não tem mais salvação. Ele subestima as pessoas. Ele compra, suborna, manipula, chantageia … enfim, as raízes são profundas, tudo ao seu redor é viciado, impossível de reverter.
Cheguei a imaginar naquele momento que ela ainda tinha sentimentos pelo meu pai, mas achei melhor não dizer nada. Era hora de contar a parte mais complicada, revelar o que eu faria para ensinar uma lição aos dois traidores.
Contei todo o meu plano de forma bem pragmática, já imaginando que com a presença dela, a vingança poderia ser ainda mais prazerosa, dando a ela um pouco de satisfação após tanto sofrimento.
Assim como Bá, sua primeira intenção foi tentar me fazer desistir de tudo aquilo, romper com os dois traidores e seguir a minha vida longe deles. Olhando em seus olhos, eu perguntei:
– E qual a senhora acha que seria a probabilidade do meu pai me deixar em paz, viver a minha vida nos meus termos?
Como eu havia imaginado, ela não tinha uma resposta satisfatória a dar. Concluí:
– Ele acha que todos somos sua propriedade, seus empregados, que viemos a esse mundo apenas para satisfazer as suas vontades. No meu caso, ele nem me queria …
Segurando em minha mão, ela me interrompeu:
– Não pense assim. Se não fosse o seu avô e tudo o que ele fez, seu pai teria sido um homem bem diferente …
Eu também a interrompi:
– Aquele homem que você conheceu nunca existiu para mim. Eu só conheço esse e ele jamais seria considerado o pai do ano.
Meu ressentimento, ódio e desejo de vingança, eram merecidos por ele e nada nesse mundo me faria recuar. Se tudo desse certo, se o caminho que eu escolhi fosse de triunfo, ele seria merecedor de cada consequência dos meus atos. Olhei as horas e o final do expediente na fábrica se aproximava, era hora de voltar para a minha vida. Dei um abraço apertado e demorado em Mirian:
– Mãe, posso contar com a senhora? Vai fazer o que eu pedi?
Voltando a chorar, ela respondeu:
– Sim! Vou dizer a todos que você não quer manter contato. Sei que eles vão ficar tristes, mas é para o próprio bem de todos eles. – Ela voltou a segurar o meu rosto com as duas mãos, olhando dentro dos meus olhos. – E nós, como ficamos? Eu não quero mais ficar longe de você. Vinte e cinco anos foi tempo demais, chega!
Eu voltei a abraçá-la e disse:
– Eu entro em contato em breve, preciso colocá-la em segurança. Você fique tranquila, nossa relação de mãe e filho está apenas começando.
Ficamos abraçados por mais alguns minutos, ela não queria me soltar. Saímos de casa e ela me levou até o carro. Parti antes que o pessoal percebesse, deixando Mirian à espera de um novo contato. Ela agora, uma nova aliada, de volta a minha vida, teria que lidar com a sua parte do plano.
Apesar de tudo, foi um dos dias mais emocionantes e difíceis da minha vida. Aquelas eram pessoas do bem, humildes e batalhadoras. Me senti feliz e realizado por ter sido tão bem recebido por todos eles. Pensei: "No futuro, quando as coisas forem mais simples, quando toda essa merda de vingança acabar, eu, definitivamente, vou querer todos eles na minha nova vida".
Nada de mais relevante aconteceu durante duas semanas. Apenas algumas ligações da Meire durante o dia, duas a três vezes na semana, me deixando falar um pouco com a minha mãe. Yelena e eu nos encontrávamos em dias alternados para "almoçar." Para manter as aparências, tanto Yelena, quanto eu, voltamos a ter relações com nossos "parceiros". Dei novas instruções a Bá, informando como usar o dinheiro que eu passei para a conta dela e com a ajuda de um corretor, ela fez tudo o que eu pedi.
A Kouris Holding foi lançada com absoluto sucesso e o seu ”debut” na bolsa de valores foi acima do esperado. Assim que o anúncio dos contratos internacionais começou a aparecer na mídia, as ações dispararam.
Na terceira semana de calmaria, uma nova viagem de negócios do meu pai e da Mila foi anunciada, agora para a Índia, a fim de estreitar as relações com nossos clientes. Eu, o responsável pelo contrato, nem fui lembrado, o que até foi bom, pois Yelena e eu poderíamos passar mais tempo juntos, sem preocupações ou tendo que nos esconder.
Na noite anterior à viagem dos traidores, enquanto corria pelo condomínio, senti o celular vibrar. Era uma chamada do Fagundes. Atendi:
– Fagundes, algum problema?
Sempre direto, ele não fez rodeios:
– Já temos material suficiente para apresentar. Meus colaboradores já sabem de toda a rotina do seu pai e da sua namorada durante as tardes. Podemos nos encontrar?
– Amanhã, no horário do almoço, pode ser? Assim eu tenho tempo de avisar a Yelena também.
Fagundes, apesar de tenso, brincou:
– Você paga, você faz o horário. Vou conseguir um local discreto e te mando o endereço por mensagem. Como sabemos que existem olhos na sua empresa, melhor não facilitar.
Como meu pai e Mila viajariam cedo na manhã seguinte, não era necessário que Fagundes tivesse tanto trabalho:
– Não precisa! Podemos ir até a agência. Meu pai e a Mila viajam amanhã cedo. Podemos ir logo pela manhã, antes do trabalho. – Fagundes agradeceu e nós nos despedimos.
Naquela noite, meu pai praticamente não saiu do quarto com Yelena. Mila fez a mesma coisa comigo. Todos acordamos cedo para levá-los ao aeroporto. Somente na volta, quando estávamos a sós, informei a Yelena sobre a ligação de Fagundes e para onde estávamos indo.
Aquele encontro com Fagundes marcaria a última semana de paz na vida dos desgraçados traidores. Aquela viagem à Índia, feita para enganar e humilhar Yelena e eu, ficaria marcada para sempre, pois ao voltar, Hélio e Mila teriam suas vidas viradas do avesso.
Continua.