Denise se levantou rindo e foi buscar um copo de água com açúcar para ela que tomou meio contrariada, mas servindo a seu propósito, conseguiu acalmá-la:
- Bem… Vamos comer?
- Ai! Eu acho que nem tô com fome. - Retrucou a Nanda, sorrindo e secando o rosto: - Devo tá toda borrada…
Fiquei em silêncio por um segundo, matutando, e elas passaram a me encarar:
- Mark, que cara é essa? - Perguntou-me a Nanda.
- Que tal se a gente saísse, os três, para jantar fora, hein? Afinal, temos uma reserva nos esperando.
(CONTINUANDO)
Elas se olharam por um momento, como se não tivessem entendido minha proposta, mas no mesmo instante ambas me encararam, com olhos arregalados e falaram juntas:
- Não!
- Ah, vamos sim, gente, estou precisando de um ar fresco.
- Mark, não! - Denise insistiu.
- Vocês parecem não confiar em mim! Só quero aproveitar um momento legal com minhas duas mulheres preferidas, depois das minhas filhas, se bem que elas não são mulheres, são só meus bebês, né! - Insisti, sorrindo.
- Você tá mal intencionado, Mark. Isso não vai prestar. Esquece disso. - Retrucou a Denise.
Nanda nos olhava como se assistisse uma partida de tênis: olho num, olho noutro. Depois de uma breve conversa entre eu e Denise sem que um ou outro cedesse, ela tomou a frente:
- Você promete que não vai brigar, nem discutir?
- Claro que não! Quero conversar com ele, cara a cara, para ter uma impressão pessoal que me dê condições de decidir melhor. Daí, se eu notar que ele não é flor que se cheire, já estaremos acompanhados de nossa advogada que ficará incumbida de colocá-lo em seu devido lugar. Certo, doutora?
Denise nos observava e ainda não parecia convencida:
- Isso não é uma boa ideia. Tem grande chance de dar merda, gente.
- Ô, Denise…
- Não, Mark, escuta. - Me interrompeu e olhando para a Nanda continuou: - Você está calmo porque está aqui conosco, mas lá é diferente, você estará de frente para o cara que se diz apaixonado por sua mulher. Aceite meu conselho: deixa que eu cuide disso, mas não lá. Amanhã, mando um convite para ele e resolvo tudo no escritório, como deve ser feito.
Eu sabia que ela estava certa, pois aquele seria o meu conselho numa situação daquelas, mas o meu orgulho de macho ferido, somado a curiosidade de conhecer melhor quem balançou o coração da minha esposa, me fez recusar:
- Eu entendo sua posição, Denise, obrigado, mas vou discordar. Não há problema algum se você não quiser nos acompanhar, mas eu vou com a Nanda encontrar esse tal Rick hoje, e vou resolver isso de uma vez por todas.
Nanda me encarava em silêncio e a Denise, depois de me olhar e balançar negativamente a cabeça, a encarou:
- Nanda, fala alguma coisa. Ele está errado, eu sei que você concorda comigo.
Nanda me encarou mais um pouco em silêncio e depois se voltou para ela:
- Denise, eu conheço o Mark e sei que ele não vai brigar. Talvez, a ideia dele seja boa.
- Deus do céu! Agora entendi porque vocês dão certo: são dois cabeças duras! - Falou Denise, gesticulando e acabamos sorrindo para ela: - Eu vou! Vou só para garantir que vocês não façam nenhuma besteira, mas olha, no primeiro sinal de problema, eu vou sair e vocês virão junto comigo, entenderam?
- Sim, doutora. - Respondi, sorrindo.
Denise pegou a Nanda pela mão e foram para sua suíte. Sentei-me no sofá e logo ouvi Denise gritando:
- Mark, traz gelo pra gente? Tem aí no freezer!
Peguei duas forminhas de gelo e levei até elas. Nanda parecia estar praticando apneia na pia do banheiro de sua suíte. Denise pegou o gelo e despejou na pia enquanto a Nanda me olhava e sorria:
- É pra desinchar…
- Ah! - Falei, recebendo as forminhas e uma ordem para esperar na sala.
Estava navegando em meu celular quando o da Nanda tocou dentro de sua bolsa. Peguei o aparelho e vi um número que não conhecia, nem estava registrado em sua agenda de contatos. Pelo fato de ser da área “11” já imaginei quem deveria estar ligando e tive que me conter para não atendê-lo. Levei o aparelho até a suíte:
- Adivinha quem é, Nanda? - Brinquei.
Ela arregalou os olhos e sacou na hora:
- O que eu falo?
- Diga que teve um imprevisto e que vai se atrasar um pouquinho, mas já está saindo.
- E se ele desconfiar?
- Se ele perguntar mais alguma coisa, diga que eu demorei para pegar no sono, mas que seu sonífero acabou de fazer efeito.
- Mor! Sonífero!? Eu nunca faria isso. - Retrucou.
- É, né!? Não é muito diferente de mentir…
- Poxa! - Resmungou, entendendo a “indireta”.
- Não reclama comigo! Foi você quem aprontou e ainda iremos conversar sobre isso. - Retruquei e ela me olhou de uma forma triste, enquanto eu continuava: - É só uma desculpa… Fala aí!
Ela o atendeu e, dito e feito, ele caiu como um patinho, com o “plus” de ter achado que, por ela supostamente ter me dado um sonífero, ela estava intencionada em não apenas jantar, mas ser jantada por ele. Voltei à sala e coisa de quinze minutos depois, um verdadeiro recorde na minha concepção, as duas retornaram, muito bem vestidas e arrumadas, lindas de verdade. Pedi o nome do restaurante e o endereço para a Nanda, chamando um Uber. Enquanto esperávamos o motorista, expliquei:
- Nanda chegará sozinha. Eu e Denise chegaremos juntos e ficaremos no bar. Ele me viu poucas vezes e acredito que estará tão encantado pela minha digníssima que não me notará. Depois de um tempinho, chegaremos na mesa e é aí que a festa começará.
- Mark… - Resmungou Denise: - Olha lá, hein!
- Relaxa, Denise. Eu sei bem o que vou fazer. Dali por diante, eu assumo, mas você fica de rebote. Se eu precisar de um apoio, te dou um sinal e você solta a doutora Denise em cima dele, ok?
Lógico que ela falou que concordava, embora balançasse negativamente a cabeça, mas concordou! Nanda apenas ouvia, mas não se conteve:
- E eu? Faço o quê?
- Seja a minha Nanda. - Falei.
As duas se entreolharam e novamente falaram quase juntas:
- Mas é claro que não!
Voltaram a se olhar e a Nanda insistiu:
- Eu não vou ficar com ele não!
Acabei rindo de seu jeito, confirmando com minha cabeça e a peguei num beijo gostoso, intenso e amassado, bem na frente da Denise. Ela ficou molinha e depois ainda disse:
- Nossa! Não sei o que fiz para merecer, mas faço de novo.
- Não precisa beijá-lo ou ficar com ele. Você sabe, quando quiser um beijo que seja mais que um simples beijo, onde encontrar.
Ela sorriu com lábios e olhos para mim, entendendo bem a mensagem e se recostou em meu ombro. Olhei para a Denise que mordia suavemente o lábio inferior enquanto nos olhava e perguntei:
- Quer um também?
- Ô… - Falou inadvertidamente e completou: - Mas não agora! Estou entrando na personagem.
Um aviso chegou em meu celular, indicando que nosso motorista estava aguardando. Descemos e fomos para o restaurante. Nanda entrou na frente e segundos após entramos eu e Denise, indo direto para um bar, ao lado do salão onde ficavam as mesas. O barman veio nos atender, mas o dispensamos, alegando que ainda estávamos decidindo o que beber. De onde estávamos, tínhamos uma bela visão lateral da Nanda e do tal Rick. Ele parecia genuinamente feliz. Denise o olhava e a mim também, não se aguentando:
- O que você está esperando?
- Estou analisando a postura dele, os sinais não verbais. Quero ter uma ideia prévia do que vou enfrentar.
Ela voltou a olhá-lo e resmungou:
- Mas o que exatamente você está procurando?
- Pequenos sinais, Denise: um tique nervoso, um esfregar intenso ou ininterrupto de mãos, postura corporal, trejeitos. Essas coisas…
- Nossa! Ninguém ensina isso na faculdade…
- Não mesmo! A psicologia jurídica passa raspando, mas ainda deixa muito a desejar.
- Vou ter que estudar muito ainda…
“Você nem imagina!”, concordei mentalmente com ela voltando a focar no meu alvo.
Por mais estranho que possa parecer, não identifiquei de imediato nenhum sinal de desvio de conduta dele. Parecia ser apenas um cara bem apessoado, tranquilo e bastante feliz por estar frente a frente com uma pessoa que ele dizia gostar tanto. Talvez, mas apenas talvez, ele realmente gostasse da Nanda e isso justificaria toda a confusão de sentimentos que se abateu sobre a minha digníssima onça branca, e se fosse esse o caso, não seria sendo rude que eu conseguiria quebrar seu encanto sobre ela:
- Vamos!? - Falei para Denise, oferecendo minha mão e tirando sua atenção de um cardápio de drinks: - Você ainda terá a chance de beber, agora ou mais tarde. Prometo.
Chegamos juntos ao lado da mesa. Nanda me olhou e arregalou os olhos, só aí ele me encarou também, reconhecendo-me de imediato:
- Mas o quê…
- Xiiiiu! - O interrompi: - Sem escândalo! Vamos ter uma conversinha hoje, agora e eu espero que seja civilizada, mas se preferir de outro jeito, também não fujo de uma bela briga.
Eu poderia dizer que ele desmanchou, afinou, amarelou, mas a verdade é que ele ficou tão surpreso e tão sem ação que simplesmente travou. Ficou um tempo me olhando sem reagir e depois olhou para a Nanda como que procurando uma resposta, talvez apoio. Ela, apesar do constrangimento, se mantinha calma, serena e não desviava o olhar dele, a não ser quando olhava para mim:
- A reserva é para um casal. - Resmungou.
Não pude evitar um sorriso de seu péssimo argumento, além de que o constrangimento em seu rosto me agradava imensamente:
- Você pode conversar comigo e com a Nanda na presença da doutora Denise, ou somente com a minha advogada. - Falei apontando para a Denise: - Enquanto isso, eu e a Nanda podemos aguardar no bar.
Ele baixou a cabeça, possivelmente tentando arranjar uma saída, mas não conseguia nada além do silêncio. Eu insisti:
- E então, cara!? Decida!
Ele suspirou fundo e fez um sinal para um funcionário local que prontamente veio atendê-lo:
- Por favor, um casal de amigos acabou de chegar e… Seria possível colocar mais duas cadeiras para eles nos acompanharem?
- Imediatamente, senhor. - Falou o garçom, pedindo licença para providenciar.
Restaurante chique é outro nível. Em segundos, não minutos, segundos, três outros funcionários se aproximaram e adaptaram a romântica mesa para dois em mesa para quatro, com cadeiras, louças e talheres. Sentamo-nos. Como Nanda já estava de frente para o Rick, assim permaneceu. Fiquei do seu lado direito e Denise de frente para mim, à sua esquerda. Ele pegou seu copo de whisky e aí vi que estava nervoso, tremendo. Havia um silêncio absurdo que só foi quebrado pelo garçom perguntando o que gostaríamos de beber:
- Vou acompanhar meu amigo. - Falei o mais falsamente possível: - E vocês, meninas?
- Quero água com limão e um Engov. - Resmungou a Denise, mas se corrigiu após ver a cara do pobre garçom: - Deixa o Engov pra depois.
- Só uma água, por favor. - Pediu a Nanda: - Sem gás, tá, moço?
Assim que o garçom se foi, encarei o Rick e fui direto:
- Certo! Vou direto ao assunto porque não quero perder meu tempo ou de minhas digníssimas aqui presente: que porra de história é essa de voltar a perturbar minha esposa?
Ele me olhou desconcertado e voltou sua atenção para a Nanda, perguntando:
- Eu te perturbei, Nanda?
- Rick, perturbou sim! Eu já te expliquei que quero tocar a minha vida com meu marido e filhas. Só que parece que você não entende ou não quer entender!
Ele se recostou em sua cadeira e a ficou olhando, parecendo meio perdido. O garçom chegou com nossas bebidas e dei uma bela golada, aguardando ele destravar. Ele ficou em silêncio por um tempo, com o dedo na boca, como se pensasse e falou:
- Posso falar com você, Mark, a sós?
Eu estranhei o pedido, mas como estava ali disposto a tudo para resolver de vez aquela situação, concordei. Pedimos licença para as duas e fomos até um canto do balcão do bar, de onde podíamos vê-las e elas a nós. Depois de ficar um tempo em silêncio, voltou-se de frente para o balcão e começou a falar:
- Maravilhosa, não é?
- Como!?
- Ela! A Nanda é maravilhosa, não é?
Eu não tinha como negar e fui sincero:
- Sim, ela é.
- Sabia que ser rico é uma benção e ao mesmo tempo uma maldição? - Perguntou, olhando-me de canto de olho: - A gente nunca sabe qual o interesse da pessoa que se aproxima. Isso é um in-fer-no!
- Rick, onde você quer chegar com isso?
- Sou um pouco mais novo que você, acho que até mais novo que ela, mas nunca tive uma mulher comigo que não fosse por interesse, sabia? A Nanda foi a primeira.
Comecei a ficar curioso com o rumo daquela prosa. Tomei um gole de meu whisky e ele não parava:
- Sabia que ela resistiu para ficar comigo, mesmo eu sendo rico e mesmo ela sendo liberal?
- Dinheiro não é tudo, cara, e ser liberal não significa viver na bagunça. Nós temos sentimentos, família, vida social… A diferença é que vivemos nossa sexualidade de uma forma mais leve e, às vezes, com parceiros externos.
- Pois é… Ela não quis no começo e isso me intrigou e mesmo depois que ficamos, ela nunca me pediu nada… Nada, Mark! - Falou e riu de alguma lembrança: - Aliás, até pediu! Pediu para eu parar de levá-la em restaurante cheio de “rique-foque”, acho que foi assim que ela disse.
- Ahamm… - Falei e só aí me dei conta de que eu já estava conversando demais com ele e precisava retomar as rédeas da conversa ou teria sido um tempo em vão: - O que isso tem a ver com a situação que estamos tentando resolver aqui hoje, Rick?
Ele me olhou com um semblante que eu só poderia classificar como triste e continuou:
- Eu me apaixonei por ela! Simples assim! Agora, me fala como não se apaixonar por alguém assim, simples, invocadinha, desapegada, bonita, inteligente e… - Calou-se, tomando uma golada de sua bebida.
- Gostosa? Safada? - Perguntei, já imaginando o motivo de sua freada.
- É você quem está falando. - Falou, sem me olhar, mas concordou baixinho, quase inaudível: - Mas não dá pra negar, né!
Dei uma olhada para a mesa e as duas já deviam estar roendo os punhos, tamanha a ansiedade e curiosidade. Voltei-me para a direção do balcão e, sinceramente, também não sabia bem o que falar. Desde que cheguei ali não notei nada de anormal em sua postura, nenhum trejeito ou algo que pudesse indicar algum desvio da parte dele. Ao contrário! Ele foi de uma objetividade e sinceridade que me deixou sem chão. Ele parecia estar sendo honesto, genuíno e isso dificultava uma solução mais enérgica de minha parte, justamente porque eu já estive numa situação parecida e sabia bem que não era fácil:
- Rick, você tem ideia do que está em jogo aqui?
Ele suspirou fundo e falou sem me olhar:
- Eu sei que não estou sendo legal ou direito, Mark, mas… Poxa! Como convenço o coração a desistir de algo tão precioso?
- Você já pensou que tirando ela da sua família, você a estaria condenando a uma morte lenta? A tristeza iria consumi-la. Eu sei disso porque a conheço bem e sei como ela é sentimental, cara.
Ele chacoalhava seu copo, fazendo o gelinho tilintar, mas eu ainda tinha mais a dizer:
- E se as meninas ficassem com ela, você já imaginou a tristeza que causaria a elas estarem longe de mim? Não estou nem pedindo para pensar em mim, foque somente nelas! Já imaginou que a tristeza das filhas, mais cedo ou mais tarde, contaminaria a Nanda e depois seu próprio relacionamento?
- Eu sei, eu sei… - Resmungou baixinho e depois ele próprio se perguntou: - Como você pode ser tão cafajeste assim, Rick? Destruir uma família para se satisfazer é uma vergonha, para dizer o mínimo…
Ele ficou em silêncio, mas eu queria resolver logo aquela situação:
- Olha, a respeito daquele absurdo final de semana que você pediu para ela, eu…
- Fica tranquilo. - Ele me interrompeu: - Não vou mais insistir nisso. Seria ótimo, mas, pelo motivo errado, poderia ser péssimo também.
- Isso! Concordo totalmente. Irá deixá-la em paz?
Ele não respondeu, mas balançou a cabeça afirmativamente, olhando para seu copo. Olhei novamente para a mesa e elas nos encaravam com os olhos arregalados. Então, o convidei para retornarmos. Elas estavam duas pilhas de nervos, ambas com os olhos ainda arregalados e mais brancas que o normal: Nanda tremia apesar de sentada e Denise com unhas roídas, mastigadas:
- Calma vocês duas! Nós conversamos, estamos vivos e bem.
Rick sorriu, tentando passar calma e brincou:
- Somos adultos, moças, relaxem.
Elas ainda nos olhavam e eu expliquei:
- Conversamos civilizadamente, ponderamos as situações envolvidas e o Rick concordou em te deixar em paz, Nanda.
- É, mas eu poderia te pedir uma coisa, Mark? - Perguntou, olhando-me nos olhos.
- Diga. - Falei, estranhando.
- Será que eu poderia manter contato com a Nanda, sei lá, cultivar só uma amizade? Aliás, com ela e com você?
Meu estranhamento aumentou e vi que aquilo seria descabido, pois não cortaria o laço entre os dois:
- Já que você está sendo sincero, também serei com você: hoje, não! - Respondi também sem tirar os olhos dele: - Você está muito ligado a ela e ela a você. Acho que seria bom vocês dois se afastarem por um bom tempo, colocarem a cabeça no lugar antes de qualquer…
- Espera um pouquinho aí! - Nanda interrompeu: - Ninguém quer saber a minha opinião? Será que os machistas aí vão querer decidir tudo sem me ouvir?
- Nanda, o que é isso? - Perguntou Denise, insistindo: - Já está tudo certo, resolvido, acabou!
Nanda literalmente a ignorou e me encarou, cobrando respostas às suas perguntas:
- Uai, diga Nanda!
Ela suspirou fundo e passou a falar, olhando para mim:
- Não vejo problema algum sermos amigos, mor. Nós somos adultos e podemos muito bem conviver, desde que ele saiba o seu lugar e respeite nosso relacionamento. Não é assim que funciona com a Denise? E olha como tem dado certo! Ela é uma grande amiga nossa e vocês curtem bastante. Por que não poderia funcionar com o Rick?
- Nanda, parou! - Denise agora protestou, enfaticamente, chamando a atenção dela: - Você está bem errada em nos comparar. Gosto muito de vocês, muito mais do Mark é claro, mas ele nunca me prometeu nada ou disse que queria mais que sexo comigo. Não é a mesma coisa.
Eu fiquei surpreso com aquilo e meio sem reação. Ainda assim após a fala da Denise, achei que precisaria dizer algo:
- Estou aqui tentando resolver essa situação que já passou do limite do aceitável e provavelmente estejamos aqui justamente porque você não demonstrou efetivamente o que quer da sua vida.
- Olha, gente, eu também acho que a Nanda deveria opinar e decidir sobre isso. Afinal, manteríamos contato apenas para cultivar uma amizade saudável. - Insistiu o Rick.
- Obrigada, Rick! Pelo menos, alguém aqui concorda comigo.
- Eu nunca te proibi de nada, Nanda! Só que a sua indecisão deixou a situação chegar onde chegou. Ele talvez tenha desenvolvido esse sentimento por você justamente por você nunca ter deixado claro que queria apenas sexo e nada mais.
- Talvez você esteja certo, mas quando você toma todas as decisões, praticamente me colocando de lado, sinto como se me tratasse como uma criança ou uma retardada.
- Uai, então haja como uma mulher e decida: o que você quer da sua vida?
- Eu quero você, mor, todos os dias, sempre. - Falou olhando nos meus olhos e completou: - Mas não vejo porque não poderia ter o Rick uma vez ou outra também.
- Um amigo com vantagens… - Resmungou o Rick.
- É! Quem sabe? Desde que você saiba o seu lugar. - Retrucou a Nanda.
Não pude esconder meu incômodo com a proposta. Não era o que eu queria e sabia que aquilo não acabaria bem, porque existindo essa ponte, mais cedo ou mais tarde, eles acabariam se envolvendo novamente:
- É essa a sua decisão? - Perguntei, olhando em seus olhos.
- Se você concordar…
- E se eu não concordar?
- Vou ficar chateada, triste talvez, mas vou respeitar. Você é o meu marido e até hoje não errou comigo.
Eu não queria tomar uma decisão por ela, me sentia um machista, um abusador. Eu imaginava que ela estivesse de acordo que eu tomasse providências para afastá-la do Rick, mas vi que estava errado. Ela não queria se afastar, talvez quisesse apenas respeito e controle sobre a situação. Não conseguia entender o intuito da minha esposa e depois de um bom tempo a encarando em silêncio, o Rick falou:
- Por que não fazemos os pedidos? Podemos resolver essas divergências no decorrer do jantar.
Nanda correu os olhos por ele, mas voltou sua atenção para mim novamente. Decidi ser o que eu não queria e fui objetivo:
- Não, Rick! Não para o jantar e não para a amizade. - Falei para ele e voltei minha atenção para a Nanda: - Sinto muito, mas eu não concordo com isso.
Seu semblante se fechou e ela respirou fundo, como se quisesse se controlar:
- Tá bom, Mark. - Ela me respondeu, balançando negativamente a cabeça e se voltou para o Rick: - Não me ligue mais, Rick. Vou cuidar da minha vida, da minha família e você não faz parte dela. Obrigada pela água.
Ela se levantou e me encarou, convidando em silêncio para acompanhá-la. Chamei Denise e saímos os três, deixando o Rick para trás. Pedimos um Uber e a Nanda foi enfática:
- Quero ir para o hotel! Não estou com fome ou clima para jantar. Desculpa, Denise.
Pessoalmente, eu também não estava e acredito que nem a Denise. Concordamos em deixar o jantar para outro dia e levamos Denise para seu apartamento, rumando após para o hotel. Já no elevador, Nanda começou:
- Do que você tem medo, Mark? Sexo!? Se eu der para o Rick ou para qualquer outro, é a mesma coisa!
- Não é! Você sabe que não é.
Chegamos ao nosso andar e ela saiu pisando alto. Entramos no quarto e ela se trancou no banheiro para sair só minutos depois, visivelmente perturbada. Ainda achei que deveria tentar remediar a situação:
- Eu ouvi a gravação de vocês…
- É! E tinha alguma coisa demais?
- Não, você foi muito bem, mas ele não foi respeitoso quando me chamou de frouxo, coisa e tal…
- E o que eu fiz? Eu te defendi! Discuti, briguei e terminei a ligação.
- Isso! É só isso que eu quero. Que você termine de vez essa ligação entre vocês.
Ela não falou mais nada. Apenas tirou sua roupa e se deitou na cama, pedindo que eu apagasse a luz para que ela dormisse, pois precisava descansar para voltarmos no dia seguinte para nossa cidade. Concordei e assim fiz. Dormimos juntos, mas separados por um muro invisível nessa noite e nas próximas também, sentidos com as decisões tomadas. Por dias, não fomos um casal, nem amigos, talvez apenas conhecidos, vivendo a rotina do dia a dia em função das filhas em comum.
Nosso “relacionômetro” estava perto do zero: não havia contato, calor humano, paixão, amor, nada! No Natal, como de costume, com as meninas ao pé da árvore natalina, entregamos uns aos outros os presentes. Por coincidência do destino, no sorteio, coube a ela entregar o meu, o que fez sem pestanejar, e após me dar o pacote, segurou-me a mão e me olhou com os olhos marejados. Acariciei aquela mão que tanto me fazia falta, aceitando o contato e ela me abraçou, choramingando em silêncio:
- Por que você tá chorando, mãe? - Perguntou Miriam.
- Nada não, amor. É Natal e a mamãe fica emotiva. - Respondeu assim que me soltou.
Eu beijei sua boca com carinho e ela retribuiu, cochichando logo após:
- Obrigada por não desistir de mim.
Sorri apenas, mas esse sorriso valeu por um discurso todo. Ainda não transamos nessa noite, mas já conseguimos dormir juntos, de conchinha, compartilhando nosso calor, respiração, aspirações, sentimentos… Na virada do Ano Novo, comemoramos com a família e tivemos nossa nova primeira noite de amor, ainda meio frios, desconectados, parecendo querer apenas “cumprir tabela”, mas no outro dia já melhoramos e no outro mais ainda, e a constância nos fez voltar a sermos o que nunca deveria ter deixado de ser. O Rick não voltou a entrar em contato pelo que eu saiba e até hoje me pergunto como ele conseguiu abalar tanto assim nosso relacionamento em tão pouco tempo. Se iríamos continuar nesse meio, precisaríamos aprender a blindar melhor nossos corações.