Meu namorado mafioso - Capitulo 3 – O atentado
Pouco depois do final de semana que não podia ser mais fantástico pelo tanto que o Matteo e eu nos amamos e nos divertimos, passeando por aquelas paisagens daquela região italiana, ele me comunicou que precisava fazer uma pequena viagem de uns dois ou, no máximo, três dias, para resolver alguns negócios.
- Me leva com você, não quero ficar aqui sozinho! – pedi.
- São negócios da família, Rolf, não posso te levar comigo!
- Negócios que você quer dizer são arranjos criminosos, por isso não posso estar por perto! – retruquei contrariado.
- Vou fingir que não ouvi isso, para não me aborrecer com você! Não faz sentido que me acompanhe em algo que vai tomar todo o meu tempo sem que eu possa te dar atenção. Pelo menos uma vez, seja compreensivo e não me arrume confusão enquanto eu estiver fora! – devolveu ele, o que me deixou ainda mais irritado.
- Mais compreensivo? Não tenho feito outra coisa! E não volte a falar que eu arranjo confusão, isso não é verdade, você bem sabe, e fico puto com você quando me diz essas coisas! – revidei. – Me deixe ao menos encontrar com meus amigos, eles estão me esperando na Croácia. Fico por lá alguns dias depois combinamos de nos encontrar novamente. – sugeri.
- É assim que você se mostra compreensivo? Arrumando um pretexto para se afastar só por que foi contrariado? – rosnou ele.
- Não é um pretexto! Se você não se lembra, eu estava gozando minhas férias na companhia deles antes de você me meter em toda essa encrenca e me prender nessa casa. – de tão zangado, eu estava disposto a me impor a qualquer custo.
- Não! Você me espera aqui! Quando eu voltar, até podemos nos encontrar com eles. – lá estava aquele Matteo que eu detestava, o mandão, o ditador implacável. – Já conversei com o Stefano, qualquer coisa de que você precise ou queira, fale com ele, ele vai te atender no que for necessário, contanto que você não invente coisas descabidas. – emendou, como se estivesse dizendo a uma criança para obedecer a babá.
- Enquanto isso, Don Matteo Paolo Barzini vai cometer mais crime para a família aumentar seu poder e sua fortuna! Portanto, Rolf, obedeça, seja bonzinho e resignado, por que seu namorado te deu uma ordem que você não pode deixar de cumprir. – devolvi sarcástico, o que o deixou furioso. Ele sabia que eu estava puto com ele toda vez que o chamava pelo nome completo.
- Quer mesmo brigar comigo antes da minha partida? Não fale daquilo que não sabe! Não sou nenhum criminoso como teus amigos te fazem crer. Você conseguiu acabar com o meu dia! Parabéns! Não sei por que ainda não te mandei para o inferno quando me afronta dessa maneira. – revidou
- Pois mande! Me mande para o inferno, mas me libere de uma vez por todas para que eu possa ir embora e seguir o meu caminho longe de você, dessa sua arrogância! – ele saiu pisando firme, sem se despedir, sem olhar para trás, sem notar que meus olhos estavam úmidos.
O arranjo daquela viagem repentina tinha sido obra de Don Barzini. Ele chamara o Matteo ao escritório no dia anterior e, depois de enfiados lá dentro por mais de duas horas, ele saiu com essa novidade. O velho estava mexendo os pauzinhos para acabar com nosso relacionamento que mal estava engrenando, mas que ele queria esmagar antes de eu influenciar seu filho.
Depois que o Matteo se foi, fiquei o restante do dia amuado, arrependido de ter brigado com ele e não ter lhe dado um beijo de despedida que o fizesse voltar o quanto antes. Quando não atendeu minha ligação tive certeza de que continuava bravo comigo. Miraculosamente, o Stefano não colocou nenhuma objeção quando lhe pedi para me levar até a cidade, pois estava precisando de alguns itens de higiene e queria ficar longe daquela casa o mais que possível. Ele recrutara dois ragazzi para nos acompanhar, do que o fiz desistir.
- Nem pensar! Não sou um Barzini para andar perseguido por guarda-costas, não sou nenhum bandido que precisa se proteger dos concorrentes! – afirmei quando vi o circo montado.
- Você é uma figura, Rolf! Está bem, vamos apenas nós dois! – devolveu ele, rindo.
- Como eu vou ter privacidade para te passar uma cantada e tentar te seduzir com dois pares de olhos nos vigiando o tempo todo? Já que o Matteo me abandonou, eu posso conquistar outro pretendente! – exclamei, provocando-o, pois sabia que tanto ele quanto o Fredo e o Salvattore bem que gostariam de se saciar na minha bunda carnuda. Em resposta, ele apenas balançou a cabeça e continuou rindo.
- Se o Matteo ouve um despropósito desses, manda me capar! – exclamou, enquanto eu dirigia o Mercedes pelas curvas sinuosas da estrada.
- O que seria um sacrilégio! – continuei provocativo. – Um sacrilégio e, um desperdício! – estava me dando tesão provocá-lo, sabendo que ele não podia fazer nada, mesmo com o cacetão ficando duro dentro da calça.
Se não tivesse me apegado tanto ao Matteo, e tido aquela sensação única e forte naquela noite em que o vi pela primeira vez, talvez eu tivesse transado com os quatro, uma vez que tinha gostado do Fredo, Stefano e Salvattore que a cada dia que passava eu enxergava como amigos que valiam a pena ser cultivados.
O dia seguinte, sem uma programação, foi um tédio total. Não fossem a Catarina e a Bianca a não me darem um minuto de sossego, me requisitando para suas brincadeiras, o dia teria sido desastroso. A Priscila estava retraída depois da surra que o marido lhe deu, e acho que se sentia envergonhada na minha presença. Mesmo assim, tentei animá-la, tirá-la daquele marasmo, encorajá-la a terminar com aquele casamento se fosse de sua vontade.
- Eu gostaria de sumir daqui, como você! Queria pegar minhas filhas e me mudar para Turim onde minha família está morando agora, e me esquecer que um dia fui casada com o Angelo. – admitiu ela. – Mas Don Barzini jamais permitiria, mandaria me matar antes de aceitar que uma nora se divorciasse de um filho dele. – continuou. – Quando o conheci, o Angelo não era assim, era um rapaz gentil e muito atraente, todas as garotas da cidade queriam namorar com ele, suspiravam pelo enorme dote que tem entre as pernas. Pulei de alegria no dia em que ele me escolheu e começamos a nos encontrar, sempre às escondidas do meu pai que não queria nenhum dos filhos envolvidos com os Barzini que mandavam e desmandavam em toda região. No dia em que ele apareceu na minha casa e pediu minha mão na companhia de Don Barzini, pensei que meu coração ia sair pela boca. Eu o amava tanto que não lhe neguei a minha virgindade. Quando meu pai negou o pedido de casamento, o que por si só já era uma afronta a Don Barzini, ele não sabia que eu não menstruava há três meses, e precisei que minha mãe interviesse para não fazer daquilo uma tragédia. Desde o nascimento da Bianca, o Angelo perdeu o interesse por mim, sou apenas uma criatura que ele cobre de vestidos caros, joias e exibe para a sociedade. Sua virilidade ele despeja nas entranhas de todo tipo de vadia que o assedia, sem fazer questão me esconder sua traição. – descarregou a coitada. Senti pena daquela mulher, culta, bonita e charmosa ela podia ter o casamento dos sonhos, ao invés de amargurar seus dias naquele casarão entre aqueles mafiosos.
Nem sequer uma única ligação do Matteo naqueles dois dias, ele tinha ficado mesmo muito zangado comigo. À noite, na cama, com o corpo saudoso do toque dele, com o cuzinho desejando a rola quente e suculenta dele, fiz a ligação. Ele não atendeu nenhuma das quatro, nem respondeu a minha mensagem. Não consegui dormir. Eu não devia, mas amava aquele estrupício com todas as minhas forças e, pela primeira vez estava sentindo o que era sofrer por amor, o que era chorar por amor.
Durante o café da manhã, Don Barzini me convidou a acompanhá-lo até Roccella uma pequena comuna 160 quilômetros ao sul de Strongoli, alegando que tinha uns galpões próximos ao Porto delle Grazie que precisavam de uma reforma para a qual gostaria da minha opinião pessoal. Mais uma armação, foi meu primeiro pensamento.
- Agradecido pelo convite, Don Barzini, mas eu estou um pouco indisposto esta manhã e prefiro ficar em casa me entretendo com um livro. – respondi, o que ele não queria como resposta.
- Vai lhe fazer bem espairecer, percebo que está com saudades do Matteo e sentindo falta do contato com ele. É uma viagem ao longo do litoral, tenho certeza que vai gostar. – insistiu. Como ele sabia que o Matteo não estava fazendo contato?
- Não, Don Barzini! Obrigado, mas não! – respondi com firmeza. A Priscila olhou para mim do outro lado da mesa e seus olhos me diziam que eu não devia fazer aquilo.
- Pois bem! Não vou te obrigar! Se, por acaso, mudar de ideia, parto em meia hora. – retrucou o velho, deixando a mesa contrariado.
Voltei ao quarto disposto a manter minha resposta. Mas, enquanto escovava os dentes, me encarando no espelho, pensei que talvez devesse me mostrar mais amistoso; afinal, ele era um velho com toda a bagagem de seus muitos anos, e também era o pai do homem que eu amava, a despeito de seus defeitos. Peguei o que achei necessário para um dia fora de casa e me apresentei a ele quando estava se dirigindo para o carro, onde dois ragazzi o aguardavam. Não sei se aquele sorriso dele era de satisfação ou de ter me capturado em sua armadilha, creio que ambos. Ainda na Strata Provinciale 53, me dei conta de ele estar acompanhado apenas daqueles dois ragazzi, um ao volante o outro certamente armado até os dentes. Não havia aquele séquito de carros abrindo caminho e o seguindo, como era de costume quando ele deixava a propriedade. Apesar disso, resolvi não fazer nenhum comentário, que poderia ser interpretado erroneamente e acabar gerando uma discussão inútil. Ele falou pouco, limitou-se a me apresentar nomeando e discorrendo brevemente sobre os lugares por onde passávamos. Eu, na verdade, nem esperava por isso, dado que não tinha afinidade alguma com ele, e nem me interessava ter. O trintão tesudo e musculoso ao volante, Carlo, dirigia o Porsche Cayenne Turbo como se estivesse numa pista de corridas. Aliás, aqueles brinquedinhos caros faziam a felicidade daqueles ragazzi como pude perceber. Eu mesmo sentia vontade de dirigir aqueles brinquedos para homens endinheirados, mas escondia esse desejo para não parecer um pobretão deslumbrado.
Os galpões decrépitos e abandonados ficavam a certa distância do porto que podia ser avistado a algumas centenas de metros e tinham servido provavelmente de armazéns em décadas passadas. Tive uma sensação estranha quando vi os dois SUVs Sportequipe 6 pretos, com vidros fumê, parados à uma distância dos galpões; eu quase podia jurar que eram os mesmos que haviam nos ultrapassado na Strata da Statale 106 Jonica, quando passamos por Soverato e, que também estavam no acostamento antes da rotatória junto a entrada de Roccella. Depois daquele atentado em Dubrovnik eu passei a ter medo de estar na companhia de um Barzini, algo me dizia que eles estavam jurados de morte e todo e qualquer infeliz que estivesse na companhia deles era igualmente um alvo em potencial. O Matteo havia tentado me dissuadir dessa ideia que chamou de paranoia minha. Porém, eu a estava sentindo agora.
Atravessamos um pátio com capim alto até chegar ao portão metálico de correr que fechava o primeiro galpão. Foi preciso os dois ragazzi fazerem muita força para deslizar o portão enferrujado e abrir uma estreita passagem para podermos adentrar. Algumas aberturas no telhado provocadas pelas intempéries deixavam o galpão mergulhado na penumbra. Nossas vozes ecoavam pelo ambiente vazio de pé direito alto. Alguns velhos equipamentos de transporte de cargas pesadas pendiam de uma longa estrutura metálica que percorria todo o galpão.
- No que acha que um lugar como esse pode ser transformado? – perguntou-me o velho
- Um conjunto de pequenos restaurantes talvez, a visão tão próxima dos barcos ancorados no porto é um belo pano de fundo, e o pátio poderia ser transformado num jardim com árvores dando sombra. – meu comentário foi sincero, aquilo tinha potencial para uma coisa boa. Contudo, o velho ouviu minha resposta apenas por ouvir, não estava interessado nela.
Vagamos por entre os equipamentos velhos e enferrujados, eu observando tudo, ele apenas dando um tempo e refletindo naquilo que pretendia fazer. O plano estava todo estruturado em sua mente, era só executá-lo.
- Bem meu rapaz, creio que é chegado o momento de resolvermos nossas pendências, não é? Você não respeitou minha casa em nenhum momento desde que pisou nela. Só me afrontou, se intrometeu em assuntos que não lhe dizem respeito, instaurou a discórdia entre dois irmãos e, posso lhe garantir, fui tolerante como nunca com você, em atenção ao Matteo. Mas você conseguiu se superar, ultrapassou todos os limites, abusou. Nenhuma bichinha histérica que tem um faniquito e não para de gritar quando estoura uma briga numa boate é digna de me dirigir a palavra!
- Não tenho pendência alguma com o senhor! Eu não gritei feito um histérico por causa de uma briga; gritei por que nunca passei por um atentado onde sabe-se lá quem queria nos ver mortos, a seu filho e a quem estava com ele. No país que nasci e fui criado as pessoas não saem por aí promovendo tiroteios para acabar com os outros. Quem foi afrontado em sua casa fui eu. Afrontado, feito prisioneiro, proibido de me comunicar com quer que seja fora daquela casa e .... – antes de concluir, ele me cortou
- Cale essa boca, veado do caralho! Ninguém fala assim comigo e continua respirando! É você quem vai me ouvir, não eu! – gritou colérico.
- E eu não tenho que ouvir nada que venha de sua parte! Não pense que por ser o chefão das quadrilhas por aqui eu tenha medo de você! Agora estou entendendo este convite descabido e o motivo pelo qual afastou o Matteo, você está planejando me matar, não é seu velho decrépito e arrogante? O que vai fazer, dar um tiro na minha cabeça e mandar esses dois capangas jogarem meu corpo no mar? Quando o Matteo perguntar por mim vai dizer que eu fui embora, que o abandonei, para esconder seu crime?
- Já te mandei calar a boca, desgraçado! – o bofetão fez meu ouvido zunir.
Parti para cima dele e acertei um soco nas costelas dele antes que o trintão conseguisse me segurar. Me debatendo para me livrar daqueles braços imensos, senti o punho do velho na boca do estômago e minha respiração travou. Sufocando, lutava para que o ar entrasse em meus pulmões.
- Não pense que me importo com quem meus filhos trazem para dentro de casa. Sei que ambos sabem tirar o melhor proveito e saciar seus desejos tanto com garotas quanto com rapazes como você. Eles são machos, devem aproveitar a vida e os prazeres que ela pode oferecer. Sempre fui tolerante quanto isso. Você é o segundo ou o terceiro rapaz que Matteo já fodeu! Mas você foi o único a não seguir as regras, a nos desafiar e, isso, um Barzini não tolera. Metam uma bala na cabeça dessa bicha, e livre-se do corpo para podermos voltar para casa!
- Velho cretino! Justamente por ser um Barzini você foi o culpado pela morte da sua mulher, tendo que criar dois meninos praticamente sozinho, e querendo fazer deles uma cópia sua. O Angelo está quase lá, tornou-se um homem sem nenhum valor, que acha que o dinheiro e poder lhe garantem qualquer coisa nessa vida. Despreza uma esposa maravilhosa, não sente o menor amor pelas duas filhas lindas e meigas que a vida lhe deu, por que você o fez assim. Será o mesmo infeliz frustrado que você daqui a alguns anos. Solitário e só respeitado pelo medo que incute nas pessoas, não por elas enxergarem qualquer valor em você. Eu amo seu filho, amo como nunca amei, alguém além dos meus pais, nessa vida. Eu sei que ele também me ama, e é por isso que ele está fugindo do seu controle, e é por isso que você precisa se livrar de mim. Mas vejam só rapazes, o poderoso Don Barzini tem medo do próprio filho, não teve coragem de me matar com ele por perto, pois sabia que ele ia me proteger. Foi preciso mandá-lo para longe para poder me matar e depois inventar uma mentira qualquer. É esse o corajoso Don Barzini, que não assume seus atos. – despejei num acesso de fúria e medo, um medo que superava a razão.
De repente, sou acometido de um pavor insano ao ouvir uma rajada de metralhadora ecoando pelo espaço vazio e lúgubre. A princípio pensei que tinha sido fuzilado, mas não senti nada de diferente no meu corpo. Os dois ragazzi tiraram as submetralhadoras debaixo dos paletós e começam a revidar na direção de onde vieram os disparos, ao mesmo tempo que davam cobertura a Don Barzini, que sacara sua pistola e aguardava o momento certo para usá-la. O alvo principal não era mais eu.
- Quel figlio de puttana de Trompazzi, sono suoi uomini, ne risconnosco uno! (= Aquele filho da puta do Trompazzi, são os homens dele, estou reconhecendo um deles!) – murmurou o velho. – Gira intorno alla gru i prendili da dietro, Luca! (= Dê a volta pelo guindaste e pegue-os por trás, Luca!) – ordenou ao rapaz mais jovem que, assim que começou a empreender a corrida, foi alvejado na perna durante a rajada de metralhadora que fez ricochetear projéteis por todo lado.
Enquanto o Luca gritava de dor segurando a perna, dois daqueles sujeitos saíram de seus esconderijos e se animaram a acabar com a vida dele. O Carlo, visivelmente mais preparado, os acertou antes que pudessem chegar a ele. Eu estava para me cagar nas calças. Nunca tinha visto nada semelhante, a não ser em filmes e, desde que conheci o Matteo, era a segunda vez que me via metido num tiroteio que não tinha nada de encenado. Fez-se um silêncio que para mim durou uma eternidade. Levei a mão ao coração para me certificar de que ele ainda não tinha saído pela boca. Ouviam-se passos, mas não se via absolutamente nada se movimentando, num suspense aterrador. Os sujeitos enviados para matar Don Barzini estavam se espalhando para encontrar um lugar mais propício para acertar seus alvos. Pelo que pude constatar eles eram em cinco, dois já estavam fora de combate. Um deles correu por de trás de uma pilha de caixotes de madeira e, um único disparo de Don Barzini terminou com sua vida. Não se viam os outros dois restantes, mas eles estavam lá só esperando um vacilo para completarem sua missão. De onde eu estava, não muito distante do velho, conseguia ver o Luca se contorcendo e uivando de dor, aquilo estava acabando comigo. Ao mesmo tempo que queria correr para ajudá-lo tinha medo de ser a próxima vítima, me sentia petrificado. Dois assobios se fizeram ouvir, um código entre os sujeitos, cujo significado eu gostaria de saber. Silêncio, nada além do silêncio pesado. Os ruídos que vinham de fora pareciam estar noutra galáxia, que nem suspeitava do que estava acontecendo dentro daquele galpão em ruínas. Não sei de onde tirei coragem, mas engatinhei até o Luca, o tiro junto à virilha tinha atravessado a coxa grossa dele e fraturado o fêmur antes de sair do outro lado, o que o fez perder a sustentação e cair. Arranquei-lhe a calça e o paletó do qual à muito custo consegui arrancar uma das mangas rasgando-a para fazer um torniquete e estancar a hemorragia.
- Me ajude! Não me deixe morrer, por favor, não me deixe morrer! – dizia ele agarrando minha mão com força. Naquele momento aquele rapagão parrudo voltou a ser um menino, um menino que viu sua curta vida quase lhe ser tirada.
- Pare de se agitar, Luca! Essa região tem artérias e veias calibrosas que, se forem rompidas pelas pontas do osso fraturado podem te matar. Você me ouviu, Luca? Fique quieto, não se mexa! – afirmei, afagando seu rosto assustado.
- Não quero morrer! Me ajude! – repetia ele, sem soltar minha mão.
- Você só vai morrer se não fizer o que estou te pedindo, Luca! Promete que vai parar de se agitar!
- Prometo! – terminar aquele torniquete sentindo o caralhão cabeçudo dele e o sacão resvalando nas minhas mãos era outro desafio a ser superado.
De repente, o vulto surgiu bem diante dos meus olhos, encapuzado, metralhadora em punho apontada em nossa direção, quando os disparos começaram, me lancei para o lado; o velho quis levantar enquanto disparava a pistola, mas caiu feito um saco, com as mãos sobre o ventre que logo estavam cobertas de sangue. Me arrastei até ele e, com o restante do paletó do Luca, cobri fazendo pressão aquele orifício no baixo ventre do velho por onde saia um jorro de sangue a cada inspiração que ele dava. O trintão disparou outra rajada e o sujeito tombou, estrebuchou por alguns segundos com o rosto contraído antes do corpo ficar inerte. Na mesma fração de segundo o outro sujeito saiu detrás de uma pilastra pronto para disparar, a submetralhadora do Luca estava praticamente debaixo da minha mão, eu a apontei na direção dele e apertei o gatilho sem saber qual seria o resultado. Quando vi o sujeito dobrando os joelhos e despencando no chão e, como o parceiro, estrebuchando até o corpo ficar imóvel, compreendi o que tinha acabado de fazer; soltei a submetralhadora atirando-a longe como se fosse um pedaço de brasa incandescente que estivesse a queimar minhas mãos e. ao mesmo tempo, soltei um grito lancinante. Meu corpo todo tremia.
- Pegue isso novamente, não a solte por nada, aqui tem mais um cartucho se precisar, vou verificar se tem mais além à espreita. – disse o Carlo, enfiando a submetralhadora que eu havia atirado longe nas minhas mãos trêmulas.
- Não me deixe aqui! Não sei usar essa coisa! – gaguejei.
- Pois parece que soube usá-la muito bem agora há pouco! Não precisa ter medo, eu já volto! – retrucou ele, tentando fazer daquela expressão estampada em seu rosto um sorriso de confiança.
Os olhos do velho afundaram nas órbitas, não dava para saber o quanto de lucidez ainda lhe restava. Eu continuava a fazer pressão sobre o abdômen dele, porém duvidando da eficácia do que estava fazendo.
- Por que está me ajudando quando acabei de mandar matá-lo? – perguntou, com um fio de voz.
- Porque malgrada sorte você ainda é o pai do homem que eu amo, e eu não poderia deixar sua vida se esvair sem ter feito nada. Eu sei o quanto isso faria o Matteo sofrer e eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para nunca o ver sofrer. Sei que não consegue entender como alguém pode amar tanto assim outra pessoa, mesmo que a conheça há apenas três semanas. Mas, o que sinto pelo seu filho é imenso e não tem explicação. Agora trate de ficar calado e não fazer esforço, enquanto peço socorro. – ele me encarava de um modo estranho, talvez o cérebro já estivesse sem oxigênio e ele já estivesse antevendo a morte.
- O Matteo disse que você é tinhoso, ele estava certo! – essa frase comprovava minha suspeita, o velho já não sabia o que estava falando.
- Sei que a essa altura do campeonato não adianta mais te falar nada; mas, mesmo assim, preciso soltar tudo o que está entalado na minha garganta, mesmo que isso possa parecer cruel diante do seu estado. Eu lhe pergunto: Toda essa fortuna que você acumulou e o poder que conquistou passando por cima das pessoas ou tirando-lhes a vida compensou a morte de sua esposa, alvejada por um de seus inimigos só por estar no lugar e na hora erradas ao seu lado? Agora que sua vida está em risco, que não vai participar do crescimento das suas netas que talvez tenham o mesmo destino no futuro que sua esposa, tudo o que fez durante a vida compensa esse futuro? Quanto ao Angelo e Matteo, que você insiste em transformar em mafiosos como você, o que será deles num próximo atentado, perderão suas vidas em nome da ganância e do poder? E esse espetáculo abominável pelo qual acabamos de passar, vale tudo isso? Cinco homens mortos num único confronto, só um aparenta ter mais de 40 anos os outros estavam no auge de suas vidas. Olhe para o Luca, ali jogado urrando de dor com um fêmur fraturado, um rapagão que poderia estar fazendo algo de produtivo em seu extenso vinhedo que está abandonado e do qual você faz um péssimo vinho, ou dos olivais cobrindo colinas e mais colinas que estão deixados às traças, ou ainda sua empresa de importação e exportação que só existe de fachada e que serve para cobrir suas transações fraudulentas de contrabando, não seriam esses os lugares onde o Luca deveria estar construindo sua vida, ao invés de portar uma metralhadora sob as vestes? E para que, para dar sua vida protegendo mafiosos como você, Dons Trompazzi, Dons Corleones, Dons do caralho que vivem no luxo esbanjando dinheiro que foi arrancado de outros? Sua avareza e estupidez só ceifa vidas. – a cabeça dele pendia para o lado, eu sabia que sua vida estava por um triz, e me sentia mal por estar recriminando aquele moribundo, mas despejar aquilo na cara dele estava me fazendo bem.
- Como está o Luca? – a voz dele saiu entremeada por uma tosse seca.
- Perdendo sangue, como você! Deus queira que o socorro chegue logo! – respondi.
- Vá cuidar dele! Peça-lhe perdão em meu nome. – foi a primeira vez que ouvi aquele homem falar algo sensato.
Fiz o que ele me pediu. O Luca estava em estado de choque, nem tanto pelo sangue que perdia, mas por ter vislumbrado a morte de perto. Quando me aproximei dele, voltou a me perguntar se ia morrer. Coloquei a cabeça dele no meu colo e garanti que não. Ele segurou minha mão e a levou ao rosto sensualmente másculo com aquela barba por fazer. Era um marmanjão carente sob aquela montanha de músculos e aparência de bravo.
- Talvez isso lhe ensine a procurar outro modo de ganhar a vida. Andar armado até os dentes por aí não dá futuro a ninguém! – aconselhei
- O tiro só atingiu a perna, não é? Você tem certeza? – estranhei a pergunta, mas não demorei a entender a razão dela.
- Sim, foi só na perna! Por que, achou pouco? Fique tranquilo, essas duas bolonas continuam intactas, e ainda vão permitir que você faça muitos filhos na sortuda que te fisgar. – respondi. Ele abriu um sorriso ladino e gostoso.
Quando o Carlo voltou, tinha uma expressão de alívio.
- Acabou! Não tem mais ninguém atrás de nós. – avisou. – Don Barzini está mal, não é?
- Sim, bem mal! Já chamei por socorro, e a polícia também! – informei
- Não, a polícia não! Você não deveria ter feito isso! Vou avisar o Angelo! – respondeu de pronto. – Não seria melhor levarmos Don Barzini ao hospital, não fica longe daqui?
- Se o movermos, a hemorragia pode se complicar e ele nem chegar vivo até lá! Uma equipe de socorristas vai saber o que fazer! – respondi.
- Ah! Ok! E você, está bem? – perguntou, me examinando.
- Estou bem, sim! Parece que ultimamente não faço outra coisa que não me borrar medo! Não sei como vocês aguentam uma vida dessas, sempre aos sobressaltos, sempre metidos em tiroteios! Num mundo como o de hoje isso é inconcebível! – ele só me ouviu, provavelmente concordava comigo, mas não tinha argumentos para se opor.
A polícia chegou antes do socorro. O Carlo foi se esconder dentro do Porsche Cayenne, enquanto eu respondia às perguntas dos Carabiniere. Expliquei que era arquiteto e que fui chamado pelo senhor Ugo Barzini para um projeto de reforma e reestruturação dos galpões abandonados.
- O senhor, Sr. Rolf Jurgen Broeder, é amigo do Sr. Barzini? – questionou o carabiniere, examinando meu documentos.
- Certamente não! Como eu disse, fui chamado profissionalmente para fazer um projeto, só isso. – respondi, pois sabia onde ele queria chegar com aquela conversa.
- O senhor sabe quem é Don Ugo Barzini?
- Como assim? Um empresário, eu imagino.
- Don Ugo Barzini comanda uma das famílias mafiosas mais atuantes e poderosas da Calábria, pode-se atribuir a ele inúmeros títulos, menos o de empresário. – retrucou o policial. – O senhor teve alguma participação nesses corpos espalhados pelo galpão?
- Bem, como pode ver pelos meus documentos, sou cidadão alemão, desconheço as atividades do Sr. Barzini, até porque é a primeira vez que me encontro na Calábria. Infelizmente sim, eu lamento muito, mas aquele ali tinha a arma apontada para a minha cabeça quando instintivamente apontei essa metralhadora na direção dele e disparei. Eu não queria matar ninguém, só protegi minha integridade. – minha resposta parece ter convencido, ele apenas me informou que eu teria que acompanhá-los até a chefatura para registro da ocorrência.
Quando o socorro chegou, Don Barzini já havia perdido a consciência e o médico socorrista achou por bem acionar um helicóptero ambulância para levá-lo ao hospital. Eu segui com o Luca numa ambulância, sem que ele soltasse da minha mão.
- Vai dar tudo certo! Estarei aqui quando você voltar da cirurgia. – afirmei, quando ele me perguntou se eu ia abandoná-lo no hospital.
Quando descemos em frente a porta de emergência do hospital, vi o Porsche Cayenne estacionado do outro lado da rua e, por uma fresta aberta do vidro, o Carlo me acenou. Horas depois, quando eu aguardava tanto o Luca quanto Don Barzini saírem das cirurgias, meu celular tocou, era o Angelo me perguntando se havia algum Carabinieri no hospital; quando respondi que não ele levou alguns minutos para estar ao meu lado me enchendo de perguntas.
- Vá você fazer as perguntas aos médicos e enfermeiras que atenderam seu pai, eu já fiz muito para quem, a essa hora, deveria estar morto e com o corpo afundando no mar. – respondi ríspido.
- Deixe de ser dramático, guarde sua viadagem para outra ocasião! – retrucou ainda mais ríspido.
- Você sabia de tudo, não é? Sabia que seu pai armou tudo isso para me trazer até aqui e dar fim a minha vida enquanto o Matteo estava longe. O que vocês não previram, foi que Don Trompazzi tinha as mesmas intenções de acabar com a vida do seu pai. Diga-me Don Angelo Barzini, agora que está prestes a se tornar o chefão da família, o que devo dizer quando tiver que me apresentar na chefatura de polícia dentro em breve? – questionei irônico.
- Você foi chamado a chefatura? – perguntou abobado
- Óbvio, seu cretino! Com cinco corpos espalhados no galpão e dois feridos, o que você acha que a polícia ia fazer, me dar uma festa por ter sobrevivido? – eu sentia uma raiva daquele sujeito como nunca senti por qualquer pessoa.
- Não diga nada! – foi a brilhante sugestão dele
- Ah, que conselho sensato! Você é bem mais idiota do que eu imaginava. Eu vou responder o que me perguntarem, pois pretendo salvar a minha pele não a de vocês. Mas, fique tranquilo, na medida do possível, vou omitir tudo que possa comprometê-los. E faço isso não por você, nem por seu pai, mas pelo Matteo, o homem que eu amo. – asseverei. – Contudo, eu tenho uma exigência! Quero que me deixe ir embora assim que tudo isso aqui terminar. Quero a sua palavra, se é que você tem alguma!
- De acordo! Não nos comprometa mais do que já estamos e eu te deixo ir embora. Mas, você que se acerte com o Matteo depois, ele não vai gostar nem um pouco do que pretende fazer.
- Com ele eu me acerto depois! Por hora, só quero sumir daqui!
O Luca voltou bem antes da cirurgia, ainda estava ligeiramente dopado pela anestesia, mas ficou feliz ao me ver e ter atendido ao seu pedido de não o abandonar. Antes de sair para chefatura, dei-lhe um beijo na testa; como se faz com um menino quando se o coloca na cama para dormir. Ele sorriu; se muito, tinha uns dois anos de idade a menos do que eu, mas naquele momento não passava de garoto feliz por estar vivo.
Meu depoimento na chefatura foi breve, logo ficou evidente que eu não tinha nenhuma relação comprometedora com aquela família, que tinha agido em legítima defesa, que a estória que inventei era mais do que plausível, embora apenas eu soubesse ser totalmente falsa.
O Angelo determinou que o Carlo me levasse de volta para Strongoli e me deixasse partir quando eu assim o decidisse. Passava das 21:00 horas quando chegamos ao casarão. A Priscila me esperava, ansiosa por notícias. Jantamos e fui ter uma conversa com o Stefano, pedindo que me levasse logo pela manhã para Crotone onde pegaria um voo até Munique e, de lá, outro para Stuttgart. Pouco antes de me deitar, chegou a notícia de que Don Barzini sobrevivera à cirurgia e, apesar do estado crítico em que se encontrava na UTI, o prognóstico era favorável. Nem eu, nem a Priscila tínhamos algo a comemorar.
- Vai mesmo fazer isso, Rolf? – perguntou-me o Stefano quando saímos pelo portão do casarão.
- Eu preciso, Stefano! Não suporto mais isso! Eu não sei viver assim, aos sobressaltos, podendo levar um tiro a qualquer esquina, a qualquer minuto de distração. – respondi
- E o Matteo, você falou com ele? Sabe que ele vai ficar desesperado quando não te encontrar aqui. – argumentou
- Se ele sabe lidar com esses atentados, saberá lidar com a minha ausência!
- Isso eu duvido! Conheço-o há anos, crescemos praticamente juntos, e nunca o vi tão apegado a alguém quanto a você. Ele te ama, Rolf! Pode não demonstrar a todo momento, mas ele te ama muito. – afirmou. – Ele não é de se abrir muito, mesmo comigo, Fredo e Salvattore que somos mais chegados a ele; porém, nunca antes ele confessou que estava apaixonado por alguém. Nós até gozamos da cara abestalhada dele quando admitiu sua paixão por você.
- Se ele realmente sente algo verdadeiro por mim, sabe onde me encontrar! O que não dá mais, é eu me submeter resignado aos desmandos dessa família. Vou te dar o mesmo conselho que dei ao Luca, procure outra ocupação que não coloque sua vida em risco, não vale a pena morrer pelos outros, Stefano, muito menos por qualquer membro dessa família. O mesmo vale para Fredo e o Salvattore, diga isso a eles por mim, pois me afeiçoei tanto a vocês três que não quero que nada de mal lhes aconteça. – sugeri
- Dá para entender porque o Matteo te ama tanto! Saiba que não só ele vai sentir sua falta, eu e os rapazes também! – confessou.
- Até posso imaginar do que vocês sentirão falta em mim! – exclamei libidinoso, para descontrair, dando um afago na nuca dele que se arrepiou ao primeiro toque dos meus dedos.
- Disso também, é claro! Somos, como você diz, maschi, e você é um tesão! Que o Matteo não me ouça, ou serei o próximo defunto.
Despedi-me dele no saguão do Aeroporto di Crotone-Sant’Anna, com ele me envolvendo fortemente em seus braços e me desejando felicidades. Como fiz com o Luca, beijei-o na testa, e pedi que seguisse meu conselho. Meu último aceno em sua direção foi dado da porta do avião, meu coração estava oprimido. O voo estava vazio, apenas alguns poucos passageiros distribuídos a certa distância pela cabine. Acho que o fato de não haver nenhuma testemunha ocular, me permitiu deixar as lágrimas rolarem assim que o avião começou a correr a pista e embicar a fuselagem em direção ao céu num ângulo acentuado. Tinha sido a decisão correta? Eu não tinha a resposta. Tudo o que eu tinha era a certeza de nunca ter amado alguém como amava o Matteo e, por alguma razão, quis o destino que não ficássemos juntos. Eu precisava aceitar isso. Como? Eu ainda não sabia.
Esta é uma obra de ficção, qualquer localidade, nome ou situação mencionada ligada a fatos reais, é mera coincidência.