Episódio 10 - A lenda da Cura
"Bem, é que não sei se você sabe, mas você é um dos convertidos do Christopher...", disse o ex-modelo Júlio.
"O que? O que é um convertido?", perguntou Bernardo curioso com o inusitado da fala.
"Eu vou te explicar. Vou te explicar bem...", disse o ex-modelo e ex-namorado de Christopher.
O ex-modelo suspirou e começou a falar.
"Eu sei que você estava casado com uma mulher, sempre se achou ou identificou como hetero e agora transou com o Christopher. Eu só queria dizer que você não foi o primeiro a passar por este mesmo roteiro na vida do Christopher. No meio gay, ele é considerado uma lenda, um mito, endeusado. Ele tem até um apelido. Ele é chamado de Cura Hetero ou o Conversor de Heteros. Ele já fez a mesma coisa que fez com você dezenas de vezes, converter um cara que se diz 100% heterossexual em gay, ou pelo menos provar que o cara transou com ele voluntariamente, por tesão. Ele já fazia isso desde jovem. Mas depois que ele conheceu o Augusto, que foi porteiro-chefe daqui, a coisa piorou muito, pois aquele porteiro safado, aquela bicha velha fofoqueira, ajuda ele em várias armações. E nesse processo, de converter heteros em gays, geralmente ele arranca muito dinheiro dos seus convertidos. Foi assim que ele ficou rico. Você deu alguma quantia grande de dinheiro para ele?", peguntou Júlio.
Bernardo ficou em choque por alguns segundos.
"Que provas você tem desses absurdos?", perguntou Bernardo.
"Não precisa de provas para algo que todo mundo sabe. Como eu disse, ele é uma lenda no meio gay. Você é gay faz pouco tempo, vamos dizer assim. Mas pergunte a qualquer gay bem informado da alta sociedade paulistana sobre o Christopher que vão confirmar tudo que eu estou dizendo", rebateu Júlio.
"Você está inventando essa história absurda porque quer comer ele. Eu sei. Mas você não vai chegar perto dele, senão eu parto sua cara, seu safado", disse Bernardo quase gritando no estacionamento.
"Eu admito que eu sempre quis voltar a namorar o Christopher, mas eu quero voltar porque eu nunca fui enganado por ele. Eu já sabia quando comecei a namorar que ele era a lenda da Cura Hetero. Eu nunca fui enganado, mas você sim. Na época que eu namorei ele, eu só não sabia que ele era tão rico. Mas depois que a gente terminou eu fiquei sabendo que ele recebeu milhões para fazer uma única conversão. E essa história agora é famosa no meio gay de elite de São Paulo", argumentou o ex-modelo.
"Eu não acredito em você. Ele nem é rico, nem existe isso de Cura Hetero", disse Bernardo.
O advogado se virou sem se despedir de Júlio e foi em direção à saída da garagem.
Ao chegar a cobertura, Christopher não estava. O arquiteto já tinha avisado antes que iria sair para fazer compras.
Quando Christopher voltou, naquela noite, o advogado resolveu não falar nada sobre o encontro com Júlio. Bernardo tratou o amado da forma mais normal possível, mas não transaram aquela noite. O que não era algo incomum, pois já não faziam sexo todos os dias, como nas primeiras semanas.
No dia seguinte, no escritório, Bernardo chamou uma das suas melhores assistentes, uma advogada jovem muito competente.
"Eu quero que você faça um levantamento completo de toda a vida financeria, empresarial e jurídica de Christopher Guedes. Pesquisa total padrão, sem limite de gastos com taxas", disse Bernardo entregando para a advogada o número do CPF de Chistopher.
A advogada estranhou, pois sabia que Christopher era companheiro de Bernardo, mas foi cumprir a ordem sem falar nada para não se intrometer na intimidade do casal. No dia seguinte, a assistente retornou.
"Bernardo, eu consegui muitos dados, muitos dados mesmo. Por onde você quer que eu comece?", perguntou a advogada.
"Quero que você responda uma pergunta simples. Ele é rico?", perguntou Bernardo inquisitivo.
"Sim, ele é muito rico", disse a assistente.
Bernardo arfou ao ouvir, tapou os olhos com as mãos.
"Então detalhe tudo que você descobriu sobre isso, por favor", disse o advogado.
"Bem, começando pelos imóveis. Atualmente, ele tem 44 imóveis no Estado de São Paulo, todos de alto padrão. Eu avaliei por baixo o valor desses imóveis e eles hoje, a valor de mercado, devem representar no mínimo 230 milhões atualmente. Bem vendidos os imóveis, fora de leilão, chegariam a uns 300 milhões", disse a assistente.
"O que?!?", quase gritando. Bernardo percebeu que só em imóveis, Christopher já era mais rico que ele. "Quais são os imóveis mais valiosos dele?"
"O mais valioso é uma laje comercial na Avenida Paulista, totalmente alugada, deve dar uma excelente renda mensal. Em segundo lugar uma mansão em Campos do Jordão e em terceiro lugar a cobertura no seu prédio onde vocês residem", disse a advogada, tentando manter ao máximo o tom profissional, pois sabia que estava adentrando a intimidade de um casal. "Ah claro, como você deve saber, no prédio de vocês, ele tem mais quatro unidades, além da cobertura", prosseguiu a advogada em tom casual.
Bernardo fez uma cara de espanto ao saber dos quatro apartamentos no próprio prédio onde morava. A advogada percebeu que Bernardo não sabia, mas evitou fazer qualquer comentário pessoal. Já estava constrangida.
"Que outros bens você detectou?", perguntou Bernardo.
"Como o senhor sabe, não temos acesso a sigilo bancário, mas eu encontrei um fato relevante na Bovespa de cinco anos atrás. As companhias listadas tem que enviar um fato relevante quando um mesmo acionista vira detentor de mais de 5% das ações. Christopher virou acionista de 5,3% das ações do banco de investimento GDM cinco anos atrás. Consultei ontem a cotação das ações e isso equivaleria a 26 milhões a preço de ontem. Ele pode ter ações em outras empresas, mas não temos acesso fácil", disse a assistente.
"Ele herdou parte desses bens dos pais?", perguntou Bernardo.
"Eu pesquisei muito isso, dos pais e parentes dele, pois não consegui detectar uma origem exata dos bens. Os bens tem várias fontes, quase sempre doações gratuitas dos anteriores proprietários no caso dos imóveis. No caso dos pais deles, eu rodei várias pesquisas seguidas em vários bancos de dados diferentes para confirmar. Eu poderia resumir tudo em dizer que o pai e a mãe dele eram pobres como Jó. Não tinham bens. Ele estudou em uma boa escola católica, mas achei uma entrevista dele de 18 anos atrás dizendo que era bolsista nessa escola e que ajudava na limpeza em troca da bolsa. Ele não tem irmãos e os pais dele já faleceram sem deixar bens, eu consegui cópias de ambas as certidões de óbito que confirmam que os pais não deixaram bens, também não houve inventário da morte dos pais", disse a advogada.
"Mais alguma coisa relevante sobre bens?", perguntou Bernardo.
"Só uma coisinha. Carros de luxo. Ele já foi proprietário de 23 carros de altissimo luxo, incluindo uma Ferrari. No entanto, sempre que o carro de alto luxo é registrado no nome dele, meses depois ele se desfaz do automóvel. Os unicos carros que ele fica longo tempo são carros mais acessíveis à classe média alta. Esses ele fica pelo menos 5 anos com cada carro", disse a assistente. "E outro ponto curioso é que ele também doou 3 imóveis de luxo gratuitamente a uma única pessoa, o senhor Augusto Souza. Eu pesquisei e ele era o porteiro-chefe do seu prédio até recentemente. Os imóveis foram doados ao longo dos anos, o ultimo há dois anos", respondeu a assistente.
"O senhor mandou eu fazer essa pesquisa para tornar ele sócio do escritório?", perguntou a assistente, fazendo a primeira pergunta pessoal, com muita delicadeza.
"Claro que não, ele nem é advogado", rebateu Bernardo irritado.
"Desculpe, Bernardo, mas eu chequei e rechequei, o Christopher é advogado há 17 anos, ele fez a faculdade de Arquitetura concomitantemente com Direito. Aparentemente ele nunca exerceu o Direito, mas paga a anuidade da OAB em dia, a carteirinha dele está ativa no site da OAB-SP", disse a assistente.
Bernardo reagiu com literalmente seu queixo caindo e abrindo a boca. Então, até a ida ao Juizado do Consumidor era uma mentira, o primeiro encontro deles.
"Obrigado por tudo, foi mais que excelente o seu trabalho", disse Bernardo sem levantar a cabeça para encarar a assistente. Ela se retirou em silêncio constrangida, pois tinha conhecido Christopher no escritório, apresentado por Bernardo, tendo ficada maravilhada com ele. Ela torcia muito pelo novo casal.
Bernardo ficou transtornado. A primeira parte da fala de Júlio tinha sido confirmada. Christopher era muito rico, mais que ele próprio e tinha escondido isso dele. Será que ele estava sendo vítima de um golpe e não estava percebendo? Mas ele tinha oferecido dinheiro várias vezes para Chrsitopher e ele sempre tinha recusado. O arquiteto nem mesmo usava o cartão de crédito sem limite que tinha dado. Bernardo ligou para o irmão mais velho de Melisa e disse que precisava conversar urgentemente com ele. O ex-cunhado no mesmo dia atendeu o pedido, marcaram num café tranquilo perto da casa do ex-cunhado.
Bernardo sentou e sem rodeios despejou tudo que Júlio, o ex-modelo, falou e tudo o que descobriu na pesquisa financeira.
"Eu não acho que seja um golpe financeiro, pois vocês já estão transando por quase um ano e ele nunca te pediu dinheiro. Um golpe financeiro desses não demora tanto", disse o ex-cunhado, que era considerado um irmão.
"E como eu faço para descobrir se a outra parte é verdade? Que esse dinheiro todo veio da conversão de héteros?", perguntou Bernardo.
"Na verdade, deixa eu te dizer, eu já ouvi essa lenda em um jantar, que um cara muito bonito aqui em São Paulo tinha o poder de converter qualquer hétero em gay. Foi falado uma vez num jantar com amigos como piada, mas várias pessoas na mesa juraram ser verdade a história", disse o ex-cunhado.
"Você tem contato com essas pessoas?", perguntou Bernardo.
"Na verdade, minha esposa é amiga de um deles até hoje. Um diretor de teatro famoso. Eu vou te passar o contato dele", disse o ex-cunhado.
Já dois dias depois, Bernardo se reunia em um restaurante com o diretor de teatro. O pretexto foi a possível captação de patrocínio para uma peça. Após amenidades, Bernardo abordou o assunto.
"Você conhece o arquiteto Christopher Guedes?", perguntou Bernardo.
"Sim! Eramos muito próximos no passado. Ele namorava um dos meus protagonistas numa peça de muito sucesso. De quinta a domingo durante uma temporada jantavamos sempre todos juntos após as peças, conversamos muito", disse o diretor.
"É verdade que ele é conhecido como a Cura Hetero? O que isso significa?", perguntou Bernardo.
"Bom como isso não é segredo, já que tanta gente sabe, eu vou te contar tudo. Realmente, ele tem esse apelido. Na verdade, é mais um título honorífico que um apelido. Ele é uma lenda, um mito, reverenciado no meio gay. Quando ele ainda ia numa boate gay, as bichas se ajoelhavam e prestavam reverência como se ele fosse uma rainha. E realmente, ele converteu, por assim dizer, muitas pessoas que se diziam heteros, mas depois de transar com ele viravam gays. Mas que eu me lembre ele só ganhou esse apelido de Cura Hetero depois que ele foi remunerado em 5 milhões para fazer uma unica conversão", disse o diretor de teatro.
"5 milhões ?! Como foi isso?", perguntou Bernardo espantado.
"Ohhh isso foi muito comentado no meio gay na época porque o contratante fez questão de espalhar tudo", disse o diretor de teatro, que citou uma empresa grande e famosa desfeita 7 anos atrás por rompimento entre os dois sócios, de forma rumorosa, mas sem os jornais explicar o motivo. Bernardo lembrava de ter lido sobre o fim da empresa, na época.
"Bom haviam dois sócios principais nessa empresa como você se lembra. Um deles era casado com mulher, tendo três filhos adolescentes. O outro era um gay não assumido, um enrustido. Acontece que o sócio gay meio que se apaixonou pelo sócio casado e começou a se insinuar e assediar. O sócio gay, não sei se você se lembra, nem era um cara bonito, era um tipo até feio. Mas a paixão do sócio gay pelo sócio casado só aumentava. O sócio casado rejeitava os constantes assédios até físicos com palavras ríspidas. Até que um dia, o sócio casado explodiu, chamou o outro sócio de viado e outros nomes mais baixos na frente de toda a diretoria, disse que tinha nojo de viado, que jamais transaria com outro homem na vida e que se aquele assédio não acabasse, ele iria expulsar o sócio da empresa na base da porrada. Bem, foi um baita escândalo na empresa, claro", explicou o diretor de teatro.
"O sócio gay ficou uns meses afastado da empresa até a poeira assentar e quando voltou parou de assediar o sócio. Na verdade, parou até de falar com o sócio, só se comunicavam por secretárias e intermediários, nunca se falavam diretamente. O Christopher nessa época já era conhecido por seus dons de converter héteros. O sócio gay chefiava um departamento e contratou o Christopher como arquiteto para um longo projeto. O outro sócio não reclamou, pois na época o Christopher já era um arquiteto famoso e o contrato dele era um valor ínfimo, quase simbólico. Como o suposto projeto era grande, o Christopher teve direito a uma sala no andar da diretoria, do lado da sala do sócio casado...Bem, agora vem a parte difícil, apenas dois meses depois, o sócio gay apareceu na casa do sócio casado, sem avisar. Só estavam a esposa e os três filhos adolescentes deles. O sócio gay foi com eles até a sala, colocou um pen drive na TV principal e começou a rodar um video. O video era o Christopher e o sócio casado na sala dele, sala que a familia conhecia muito bem, por ter ido lá várias vezes pessoalmente. O video começava com os dois vestidos. Mas terminava com o sócio casado e o Christopher nus, em cima da mesa de trabalho do sócio casado, com o sócio casado por cima se refestelando com o pau gozando bem no fundo do cu do Christopher. E o video estava em Full HD !!! Após o gran finale do video, o sócio gay retirou o pen drive da TV e foi embora, sem dizer uma palavra para a esposa e os três filhos adolescentes que estavam ainda em choque após assistir o video", relatou o diretor de teatro.
"Puta que o pariu", exclamou Bernardo espantado com o relato.
"O sócio gay pagou a Christopher 5 milhões pelo serviço de converter o sócio casado. E eu sei disso porque ouvi da boca do próprio sócio, ninguém me contou. O sócio gay fez questão de espalhar a história aos quatro ventos. O pior foi que a esposa e os 3 filhos adolescentes também confirmavam tudo para quem perguntasse. Ninguém negou a veracidade da história. Só existe um mistério, ninguém mais viu esse video. Tinha gente que chegava a dizer que tinha cópia desse video lendário e que queria vender, mas o video nunca apareceu. Mas depois disso, Christopher ganhou esse título de Cura Hétero e virou um mito, uma lenda, na comunidade gay de elite de São Paulo. Lógico que a empresa sendo encerrada abruptamente houve um grande prejuízo financeiro. Além disso, o sócio gay gastou 5 milhões remunerando o Christopher, mas sobre isso ele dizia sempre que foram os 5 milhões mais bem gastos de sua vida. E não tiro a razão dele, o sócio homofóbico acabou transando com homem sim. Não teve nojo coisa nenhuma, ao contrário, gostou bastante. E o sócio casado não teve como reclamar, pois não tinha como dizer ter sido forçado ou coisa assim, pois o video em Full HD deixou bem claro a todo o momento que ele era apenas o ativo da relação e que era ele que tomava todas as iniciativas, digamos assim. Bem, dizem que ele fez um sexo violento com o Christopher nesse video", disse o direito de teatro.
Bernardo seguia espantado com a história.
"Essa história eu tenho certeza que ocorreu, mas depois começaram a circular muitas lendas sobre o Christopher. Que ele tinha sido contratado para outros serviços como esse e ganhado mais milhões, que ele estava riquissimo só sugando o dinheiro dos ex-héteros. Que ele fazia apostas para converter héteros em gays. Enfim, muitas lendas não verificadas, que não sei se são verdade", complementou o diretor.
Bernardo confirmou o patrocínio do escritório para a próxima peça do diretor e saiu desnorteado do restaurante. Em seguida, ligou para o irmão mais velho de Melisa e contou todo o relato. O ex-cunhado também ficou sem palavras diante de tantas revelações bombásticas. Após caminhar uma hora sem rumo, Bernardo decidiu ir para o condomínio e enfrentar Christopher e finalmente descobrir quem era de verdade o homem que amava.
Ao adentrar na cobertura, encontrou Christopher sorridente, arrumando a mesa para um novo jantar especial. A cara de Bernardo, contudo, seguia transtornada.
"Por que você mentiu tanto para mim?", perguntou Bernardo, já chorando.