Se eu fosse seguir pelo lado racional, pediria para o Marcão sair da minha casa e trataria de esquecê-lo. Mas, em se tratando dele, não havia lado racional, só o emocional, e este não queria se afastar dele, não queria nem imaginar de ficar privado da presença dele. Assim, os dias foram passando e ele foi ficando enquanto o ombro se curava. Eu conseguia perceber a melhora através da maneira com a qual ele me pegava à noite na cama, cada vez mais firme e determinada, sem reclamar do ombro. Meu cuzinho já não podia dizer o mesmo, a frequência dos coitos o deixou tão sensível que caminhar e sentar tinham que ser feitos com cautela, quanto mais as necessidades fisiológicas, nessas eu podia gritar. Será que todo gay padece tanto assim quando dá o cu? O que somos, masoquistas, pois ainda gostamos de dar, apesar das sequelas? Como saber, se era a primeira vez que eu estava passando por isso, e a única pessoa com a qual podia falar sobre esse assunto não era lá muito confiável e fazia uma tempestade de um simples copo d’água. Na escola, já tinha ouvido boatos dos caras que foderam o cu do Fábio que ele gritava e fazia um escarcéu antes mesmo da pica entrar no cu dele, sempre exagerando ao alegar que estava sendo arregaçado.
Fazia 15 dias que o Marcão estava na minha casa desde a noite que levou o tiro. Aquelas seriam nossas últimas horas juntos, pois minha mãe estaria de volta na metade da tarde do sábado. Ele já mexia razoavelmente bem o braço do lado ferido, o curativo não passava de duas gazes dobradas sobre o local onde foi feita a sutura, que estava agendada para ser removida dentro de três dias. Com a perspectiva de não podermos mais estar tão próximos o tempo todo, havia uma necessidade irreprimível em nossos corpos clamando por contato, por fusão. O Marcão me perseguia pela casa toda, como se eu estivesse no cio; me agarrava por trás, me encoxava enquanto bolinava com meus mamilos e chupava seu pescoço, consumada a ereção, tirava-a do short ou da bermuda e a enfiava no meu rego até encontrar a portinha do cu e a metia tão fundo quanto possível, só restando o sacão de fora comprimido entre as nádegas, e não saía de lá enquanto eu não estivesse completamente inseminado.
O Fábio não deu mais as caras depois que eu lhe comuniquei que o Marcão estava para lhe dar uma lição inesquecível por ele ser linguarudo demais. Eu liguei para ele umas duas vezes, nas quais ele me perguntou quando eu ia me livrar do Marcão. Acabamos discutindo e eu não liguei mais.
Sexta-feira, início de tarde, o Marcão e eu estávamos tirando um cochilo, pelados, logo depois de um coito demorado que me deixou com as pernas bambas e muito esperma nas entranhas, quando ouço a porta da frente sendo destrancada e alguém entrando. Sobressaltado, enrolei-me no virol e fui ver quem era, pois só esperava a minha mãe na tarde seguinte. Mas, era ela, com uma cara esquisita de quem sabia de alguma coisa que não deveria ter chegado aos seus ouvidos.
- Por que está enrolado nesse lençol? Com quem você estava na cama? O que você andou aprontando enquanto eu estive fora? Me responda, Felipe! – questionou irritada.
- Nada! Não fiz nada! Quem disse que eu fiz alguma coisa? – respondi, alto o suficiente para que o Marcão pudesse ouvir no quarto e se recompor antes de ser flagrado nu.
- Essa tua cara está me dizendo que você andou aprontando, Felipe! Ou você acha que eu não te conheço? – ela estava seguindo determinada para o meu quarto, quando me interpus em seu caminho!
- Não quero que entre no meu quarto! Eu tenho direito à privacidade! – exclamei, enfrentando-a.
- Com quem você está trepando, Felipe? Você está dando o cu para um traficante da favela aí em frente, Felipe? É isso, me responda! O que deu em você, moleque? Perdeu o juízo? Trazer um criminoso para dentro da nossa casa! Quer ser morto aqui mesmo? - indagava ela, possessa; com informações demais para quem esteve fora apenas alguns dias. Fábio desgraçado, tem dedo seu por trás disso, concluí, querendo esganá-lo.
- É tudo fofoca do Fábio! É para ele que você vai dar ouvidos?
- Eu quero saber o que está acontecendo dentro da minha casa, eu tenho esse direito, Felipe! – vociferou ela
- Tem mesmo, senhora! Tem toda razão! A casa é sua e ninguém a está desrespeitando! Eu gosto do seu filho, e ele cuidou de mim por alguns dias depois que sofri um acidente com esse ombro. – disse o Marcão, chegando à sala metido só numa bermuda e mostrando o curativo. – Não se zangue com o Felipe, ele é um amor de pessoa e só estava me ajudando! Me chamo Marcos, muito prazer! – continuou, nem um pouco abalado pelo flagrante, e determinado a não se deixar intimidar. Funcionou tão bem que minha mãe ficou sem palavras.
- Hã! Sei! E o que faziam no quarto a essa hora, em plena metade do dia?
- Mãe!
- Vou ser bem direto, sem meias palavras! Estávamos fazendo amor! Eu gosto do Felipe e estou começando um relacionamento sério com ele. – eu mal podia acreditar na cara do Marcão, no jeito que ele confessava a libertinagem que acabamos de fazer, como se não pudesse haver nada mais natural.
- Você não me disse nada que estava namorando, ficando, ou seja lá como vocês agora chamam esse negócio. Você também não me disse que é gay, Felipe! Quando é que sua mãe ia ficar sabendo disso? Não significo nada para você, para ser a última a saber das coisas? – começou a chantagear.
- Sem drama, mãe! Eu sei que não é de hoje que você desconfia da minha sexualidade, ou pensa que nunca percebi que você vasculhava minhas coisas para descobrir alguma coisa.
- Eu precisava saber, só isso!
- Pois então, agora sabe! E sabe que o Marcão e eu nos amamos! – devolvi. A carinha do Marcão quando mencionei que nos amávamos foi impagável, seus olhos brilhavam e seu sorriso contido parecia querer explodir.
Não havia mais clima para o Marcão continuar em casa, e ele voltou ao morro. Fiquei de passar na casa dele, mas, junto a porta de saída, ele me pegou com força, me espremeu contra a parede e me fez jurar que jamais subiria aquele morro ou tornaria a entrar na favela, fosse lá por qual motivo, sem ele estar junto comigo. A mão dele estava esmagando meu queixo, e seu olhar penetrante parecia estar me furando.
- Jura, Felipe! Jura que vai me obedecer! Não sei o que sou capaz de fazer com você se subir aquele morro! – ameaçou.
- Ai Marcão, está me machucando! Me solta! Eu prometo, não quero te ver zangado comigo! – retruquei
- Promete, não! Jure! Jure, Felipe!
- Tá bom, eu juro!
- Se você me desobedecer, Felipe .... – ele não terminou a ameaça, só rosnou com os punhos cerrados.
- E quando eu ficar com vontade de te ver?
- Caralho, Felipe! Por nada nesse mundo você entra naquela favela, está me entendendo? Eu vou te ligar todos os dias, vamos dar um jeito de nos encontrar, fique tranquilo!
- Jura? – indaguei, fazendo uma cara de desamparado, e tateando com a ponta dos dedos sobre o cacetão solto dentro da bermuda, pois o despudorado estava sem cueca.
- Safado! Você que ouse me desobedecer! – devolveu, sem conseguir segurar o riso, e procurando pela minha boca.
A mãe do Fábio apareceu em casa logo pela manhã no sábado, estava aflita, temia pelo filho, e me pediu para interceder a favor dele.
- Do que a senhora está falando? Interceder a favor dele para quem, e por quê? – perguntei, sem entender o motivo dela soltar as frases naquele angustia toda.
- Apareceram uns caras lá em casa, o arrancaram de dentro de casa e o levaram até o alto do morro, lá tem um lugar onde eles fazem os julgamentos de quem não segue as regras imposta pela facção. Eu pensei que iam matar ele, gritei, implorei. Quando o trouxeram de volta e largaram diante da porta ele estava todo machucado. Deram uma tremenda surra nele, coitado. – revelou aos prantos.
Mais fácil do que somar dois mais dois, o Marcão havia cumprido a ameaça que fez a ele por falar o que não devia, e por ter nos denunciado à minha mãe. Eu ia ter uma conversa definitiva com o Marcão, talvez fosse a nossa última, pois eu não ia admitir que ele agisse daquela maneira truculenta, eu não ia me relacionar com um homem assim, vingativo e sem sentimentos. Eu ia terminar com ele, terminar o que nem bem tinha começado.
Embora não estivesse plenamente de acordo com meu repentino relacionamento com o Marcão, e ainda estivesse sob efeito da perplexidade que a notícia lhe causou, aliada ao fato de agora ter a confirmação da minha condição sexual, minha mãe propôs que eu convidasse o Marcão para o almoço do domingo. Essa era a sua maneira de lidar com as dificuldades, com os desentendimentos ou qualquer outra situação que a afligia, meter-se na cozinha onde era a soberana de seu reino e preparar pratos que tinham a capacidade de solucionar e superar todos os reveses da vida.
- Acho um pouco cedo e precipitado oferecer um almoço familiar, acabamos de nos conhecer, e ainda não temos tanta intimidade para isso. – ponderei, quando ela fez a sugestão que, na verdade, era mais do que uma sugestão, era uma imposição.
- Não seja ridículo, Felipe! De que falta de intimidade você está falando? Eu praticamente flagrei vocês dois trepando, o que pode haver de mais íntimo do que dois caras transando em plena luz do dia? – devolveu ela. Eu já estava prevendo que a cada desentendimento que tivéssemos dali para a frente, ela ia me jogar isso na cara. – Transmita o convite ao seu, seja lá o que ele é seu, e diga que não tolero atrasos. Isso aqui não é a casa da sogra onde cada um faz o que bem entende, é bom que ele aprenda isso desde já! – continuou, ainda melindrada pela maneira com que tudo lhe chegou aos ouvidos.
- Na verdade é! – respondi
- É o que, moleque?
- A casa da sogra! – exclamei rindo.
- Você já é bem crescidinho, Felipe, mas não me custa nada descer essa colher de pau na sua bunda, seu descarado! Vai, some daqui antes que eu me aborreça de verdade com você, e vai fazer o que te mandei, moleque! – foram raras as vezes em que vi minha mãe de mau humor, mas dessa vez eu tinha conseguido tirá-la do sério.
Como eu estava disposto a terminar com o Marcão, aquela se mostrou a oportunidade certa. Teríamos um almoço familiar e, a sobremesa, ao contrário do que aquele cacetão dele estava esperando, não seria meu cuzinho, mas tudo o que estava entalado na minha garganta, depois que ele mandou surrar o Fábio.
Do azedume da véspera à gentileza e sorrisos de quando o Marcão chegou em casa no domingo, com um buquê de flores na mão que foi direto para as mãos da minha mãe; nela não restava nenhum vestígio do mau humor do dia anterior. No fundo eu sempre soube que minha mãe era uma camaleoa, sua capacidade de se adaptar às mais diversas situações era, talvez, sua maior característica. Nem preciso dizer o quanto o Marcão gostou dela, pois estava sendo paparicado como um rei. Porém, ele não demorou a notar a minha cara de poucos amigos, e só esperou o momento certo de estarmos a sós para me questionar.
- Você ainda tem coragem de me perguntar porque estou com essa cara? Qual cara você preferia que eu estivesse, a de cúmplice de um bandido? – retroqui, ao questionamento dele
- Do que você está falando? Ontem estava se derretendo todo em meus braços com a minha pica no seu cuzinho, hoje me convida para um almoço com a sua mãe e, do nada, fica com essa cara de quem comeu e não gostou. Dá para me explicar o que foi que eu fiz? – indagou
- Ontem foi ontem! Ontem foi a última vez que você tocou em mim, porque acabou Marcão! Depois do que você fez com o Fábio não consigo mais olhar na sua cara, nunca mais vou deixar você me tocar. Nós terminamos aqui, quero que esqueça que me conheceu, quero que esqueça que um dia achei que tinha encontrado o homem dos meus sonhos. Você é a minha maior decepção, Marcão, a maior! – respondi
- Dá para me dizer o que foi que eu fiz com o veadinho do seu amigo? Pois até agora não relei num fio de cabelo dele, mas vou dar umas boas porradas na cara daquele safado assim que nossos caminhos se cruzarem. – afirmou
- Claro que não foi você! Você tem quem faça o serviço sujo para você não ter que sujar suas mãos, não é? Você mandou seus capangas darem uma surra no Fábio, pois você jamais cometeria tal barbaridade, não é, Marcão? Você só comanda, você só lidera, você só diz quem pode continuar vivo e quem precisa ser despachado para debaixo da terra, não é, Marcão? – eu estava tão exaltado que nem me dei conta de estar aos berros.
- Cala a boca, Felipe! Cala essa sua boca, antes que eu te .... – o punho cerrado dele estava a centímetros do meu rosto.
- Antes que o quê, Marcão? Se você acha que eu tenho medo dessa mão fechada está muito enganado. E aqui vai meu único aviso, não vou repeti-lo, homem nenhum vai bater em mim, nunca, nem uma única relada, pois isso vai ser o fim do relacionamento. Eu não admito que batam em mim, está me entendendo, Marcão! – despejei furioso. Ele imediatamente baixou o punho.
- Arre, que eu não sei o que faço com você! Você me deixa maluco com essas suas desconfianças! Por que é tão difícil acreditar em mim? Eu não fiz nada contra aquela bicha rameira do Fábio, nada, entendeu? Não fiz e não mandei ninguém fazer nada com ele, embora ele esteja merecendo faz tempo! Chame-o aqui agora, ele vai te dizer se eu encostei um dedo sequer nele, vai, manda ele vir aqui agora! – exigiu.
- A mãe dele esteve aqui ontem cedo pela manhã e me disse que você mandou o levarem ele até o topo do morro e dar uma lição nele. Deixaram-no na porta de casa, todo arrebentado, ele mal consegue se mexer. Por que você fez isso, Marcão? Está certo, eu também fiquei puto com ele por ter contado tudo para a minha mãe, mas daí a fazer isso com ele, é muita crueldade! – argumentei
- Caralho, Felipe! Quantas vezes vou ter que repetir, não fiz nada com ele, porra! – exclamou, esmurrando a parede.
- Bem, isso já não importa! Não quero mais te ver, Marcão! Só vou te pedir um último favor, me autorize a subir o morro para ver como ele está.
- Não! Eu já te disse que não quero que você entre na favela, seja lá por qual motivo! Eu te proíbo, Felipe! Escute bem, proíbo! – exigiu, quase colando o rosto no meu. – Além do mais, não deve ser nada tão grave, você sabe como o Fábio é melodramático, metade deve ser pura encenação.
- É por isso que estou terminando com você! Não quero um homem assim! Não te quero, Marcão! Veja se me esquece! – afirmei, encarando-o duro, numa expressão que ele nunca tinha visto no meu rosto.
- Pois bem, melhor assim! Uma preocupação a menos para mim! No entanto, meu aviso continua em pé, se você entrar na favela, vai se haver comigo, entendeu bem? – ameaçou ao me virar as costas e me deixar. Tinha contido as lágrimas o quanto pude na frente dele, mas agora elas escorriam abundantes e quentes pelo meu rosto.
Por duas semanas o Fábio não foi à escola, eu estava tão apreensivo imaginando o estado em que deveriam tê-lo deixado, pois os boatos que se ouvia diziam que mutilações e até incapacidades permanentes eram impostas a quem não segue as regras estabelecidas pela facção que controlava a favela. O Fábio não atendia o celular e nem respondia minhas mensagens, talvez por imaginar que eu ia cobrar explicações por ter me dedurado para minha mãe. Angustiado com a falta de notícias, fui até o bar do Juninho, perguntar se podia ir visitá-lo.
- Você é o garoto que mora do outro lado da rua, não é? Você está proibido de circular por aqui, moleque! Volte para sua casa e não apareça mais por aqui! – foi o que me respondeu.
- Foi o que o Marcão mandou você fazer, não foi? Todos aqui não passam de paus mandados dele, não é? Você sabia que tudo isso aqui é uma área pública e que todo cidadão tem o direito de ir e vir em liberdade, isso está na Constituição, se te interessa saber! – retorqui.
- Vaza, garoto! Vaza antes que eu perca a paciência você! A Constituição que eu conheço é essa aqui! – exclamou autoritário, tirando um bastão debaixo do balcão e o acenando na minha direção. – Vaza, moleque, não vou repetir! – com todos que estavam assistindo a cena me encarando e, apesar das pernas bambas, dei meia volta e fui para casa.
Não fosse eu tinhoso, teria esquecido e tocado o barco em frente, mas eu precisava saber do meu amigo, um aleivoso é bem verdade, mas de quem não conseguia sentir raiva por muito tempo. Como minhas férias tinham acabado, não podia ficar de plantão esperando a mãe do Fábio ou o irmão dele darem as caras, embora todo o tempo que passava em casa quase não desgrudava a cara da janela para ver se os via entrando na favela. Dei sorte num final de tarde, assim de desci do ônibus na volta para casa, encontrei o irmão dele.
- Como está o Fábio, faz um tempão que ele não aparece na escola?
- Está bem melhor, já não mija mais sangue e até consegue caminhar. A cara ainda está bem feia, mas já era feia mesmo, então não faz muita diferença. – o Fábio sempre me disse que ele e o irmão tinham lá suas diferenças, por ele não aceitar muito bem o fato de ele ser gay.
- Mandei um monte de mensagens para ele, e não me canso de ligar, por que ele não me responde? Fala para ele passar lá em casa, tenho um monte de anotações do curso para passar para ele, senão periga de ele perder a bolsa. – revelei.
- Ele comentou com a minha mãe que você não vai mais querer ser amigo dele, depois do que fez contigo.
- É eu estou puto com ele, confesso. Mas, estou mais preocupado com o estado de saúde e espírito dele nesse momento. Me leva com você para eu poder ver como ele está?
- Não posso! Vai dar merda se eu fizer isso! Melhor você ficar na sua, vou falar que você quer vê-lo, ok?
- É sério? Você também! Cara, vocês não podem se comportar como carneirinhos sem vontade própria perante esses bandidos que dominam a favela. Vocês são em muito maior número, não precisam acatar ordens de um bando de criminosos. Denunciem, vão à polícia exigir que os tirem de lá, enfim, façam alguma coisa e não se submetam sem reagir. Aquele espaço é de todos, não deles. – eu não me conformava com tanta passividade.
- Ficou maluco! Quem se atreve a abrir a boca amanhece com ela cheia de formigas, não vive para contar o que aconteceu! Polícia? Que polícia, aquele bando de caras que passa por lá uma vez por semana para recolher a parte deles no lucro dos crimes? Cara, você não sabe o que é viver numa favela, a sua vida não vale um centavo lá dentro! – retrucou
- Então, tá, pede para o Fábio ir lá em casa, ou melhor, leva ele lá! Preciso falar com ele, e diga que não estou com raiva dele. Faz isso, por favor! – pedi
- Ok! Quando?
- Hoje se possível!
- Ok, valeu! Você é um cara legal!
Pouco tempo depois, o Fábio me ligou, perguntando se era uma boa hora para conversarmos. Em seguida, apareceu em casa. Quase tive um treco quando vi a cara dele, coberta de hematomas arroxeados, parte do cabelo raspado formando uma clareira no topo onde havia sido suturado o couro cabeludo. Mesmo arrebentado como estava, ainda mantinha aquele jeito atrevido e despudorado quando ergueu a camiseta e baixou a bermuda para me mostrar os hematomas pelo corpo todo.
- Tá parecendo um dálmata, cheio de manchas! – exclamei, quando ele expôs aquela bunda magricela.
- Tripudia, bicha! Aqueles babacas quase me mataram e você acha graça, veado! – pelo palavreado, dava para perceber que o pior havia passado, que o Fábio espalhafatoso estava de volta.
- Eu terminei com ele! – soltei, de repente.
- O quê?
- Eu terminei com o Marcão no dia seguinte ao que ele mandou dar essa surra em você! Não dá para continuar gostando de uma cara desses! – revelei
- Bicha, quem foi que disse que o Marcão tem alguma coisa a ver com isso? Não foi ele, nem os capangas dele! – fiquei estarrecido com a resposta dele.
- Mas como? Você nos dedurou para a minha mãe, e o Marcão estava de saco cheio por você ficar fazendo fofoca dele. Ele disse que ia te dar uma lição para você nunca mais esquecer. Sua mãe veio aqui me pedir para interceder por você, temendo que fossem fazer coisas ainda piores.
- Não foi ele, vea....! Tá, me esqueci que não é para te chamar assim, acho que levei muita pancada na cabeça, fiquei meio leso! Não foi o Marcão, posso te garantir!
- Como não foi? Quem foi então?
- Jonas!
- Quem raios é Jonas? Você nunca me falou de um Jonas? – perguntei
- É um cara de uma facção lá da favela do Córrego do Aluísio que está infiltrado na favela para desbancar o chefão, o Marcão e os outros dois caras braços direitos dele. Ninguém ainda sabe que ele e outros carinhas estão infiltrados lá para descobrir quem é quem e que tipo de armamento está escondido na favela. – revelou
- E você faz o que se envolvendo com um sujeito desses? Não é você mesmo quem fica me dizendo para não me envolver com bandidos? – questionei
- Já sentiu sirica no cuzinho? Se você visse o tamanho da rola do Jonas, ia sentir sirica no cu e não ia ter sossego até sentir ela todinha dentro do teu rabo. Só descobri que ele era um safado quando meu cuzinho já estava viciado na piroca dele. – eu não sabia se dava risada ou se o chamava de puta.
- Puta! Fábio, você é uma piranha, uma bicha piranha! Nunca vi um veado com tanto fogo no rabo! E por que ele te deu essa surra, se está te enrabando?
- Porque acho que sou mesmo uma piranha! Fui fazer uma visita surpresa na construção onde ele trabalha e como ele não estava, conheci um colega dele que me levou para tomar umas cervejas e que é dono de uma rola cabeçuda irresistível. O Jonas descobriu por que algum dedo-duro deve ter falado demais, e ele juntou a gangue e o resultado é esse que você está vendo. – revelou. Foi aí que comecei a rir.
- Você não presta! O Marcão estava certo, você é um boquirroto! Experimentou do próprio veneno, não foi? Também é um traíra! Viu no que dá trair os amigos, ou nesse caso o bofe com quem estava saindo? – argumentei
- Fiz cagada, eu sei! Não precisa ficar tacando isso na minha cara!
- Sabe qual é a minha vontade agora? É dar mais umas porradas em você, por ter me induzido a pensar mal do Marcão, e a acusá-lo de algo que ele não fez! Fui injusto com ele por sua causa, nunca vou te perdoar!
- Ele passou lá em casa depois que você o acusou, veio ver como eu estava e queria saber quem tinha feito isso comigo. Contei toda a verdade para ele. E, pedi que te perdoasse e não deixasse de te ver. Fiz o que pude! – afirmou. – Ele me disse que você terminou com ele, e que achava bom isso ter acontecido, pois longe dele você não corre riscos.
- É, foi bom a gente terminar! Nunca ia dar certo, acho que nunca confiei nele, sempre penso que ele tem culpa quando algo de ruim acontece. – retruquei. – Você abriu meus olhos quando disse que ele é um criminoso, e isso nunca vai mudar.
Poucas semanas depois houve outra madrugada tensa na favela. Os primeiros tiros podiam ser ouvidos nas primeiras horas do novo dia, algo a que toda a vizinhança já estava acostumada. Porém, no decorrer das horas, o tiroteio se intensificou, mais se parecia com um país em guerra. Na escuridão da noite, as rajadas de uma artilharia pesada cruzavam o céu como se fossem cometas deixando um rastro luminoso atrás de si. Era impossível dormir, alguns vizinhos mais imprudentes saíram à rua para ver do que se tratava, pondo suas vidas em risco, os demais, acompanhavam tudo por detrás de estreitas frestas abertas nas janelas. Fui um desses quando percebi que seria mais uma madrugada insone. A guerra estava sendo travada dentro da própria favela, como se viela após viela estivesse sendo reconquistada. Fui tomado de uma inquietude desconcertante ao imaginar o Marcão, de fuzil em punho, correndo por aquelas ruelas sinuosas e podendo levar um tiro a qualquer esquina, pois ele certamente estava participando daquele tiroteio. Eu já devia ter esquecido esse sujeito, pensei comigo mesmo, mas até então não tinha conseguido. Estava quase amanhecendo quando o grosso do tiroteio cessou. Ao primeiro clarão do alvorecer só se ouvia um tiro ou outro espaçado, ou uma rajada solitária quebrando o silêncio. Minha agonia era tamanha quando vi o caminhão da morgue recolhendo os corpos que iam sendo descidos do morro e largados próximos ao bar do Juninho que acabei perdendo o juízo. Eu precisava saber se o Marcão estava entre eles, e me dirigi para lá, onde já havia uma aglomeração de curiosos tecendo comentários sem sentido a cada corpo inerte que ia sendo depositado na calçada. Viaturas policiais iam chegando aos poucos, sem pressa, só para fazer o registro das ocorrências que seriam prontamente esquecidas numa pilha de papeis em alguma delegacia ou repartição da Secretaria de Segurança. Os policiais se limitavam a fazer perguntas vagas às pessoas aglomeradas que não tinham informação alguma, apenas emitiam seus palpites, pois não passavam de curiosos. Apesar de ainda estar escuro, o movimento de entra e saí da favela já tinha começado, com as pessoas saindo para o trabalho ou regressando dele, após o turno noturno. Foi desse entra e sai e da aglomeração desordenada de pessoas que me vali para entrar na favela sem ser impedido e, mesmo sem me recordar exatamente do caminho entre as vielas, procurei encontrar a casa do Marcão. Acabei me perdendo no meio delas, e quando perguntava a algum morador em passagem, ou não recebia resposta, ou simplesmente me apontava para alguma direção que me fazia embrenhar mais a fundo naquele labirinto. Por fim, comecei a identificar algumas construções das quais me lembrava quando fui pegar as roupas dele, e cheguei ao meu destino. Bati na porta algumas vezes antes de ela ser ligeiramente aberta e um sujeito com um fuzil nas mãos me perguntar o que eu queria.
- O Marcão está? – perguntei com a voz ofegante, e inibida pela maneira desconfiada com a qual o sujeito me encarava.
- Quem é você? O que quer? – questionou
- Quero falar com o Marcão!
- Fala sério, cara, você é um nóia ou o quê, para aparecer aqui no meio dessa porra toda? – indagou
- Quero saber se ele está bem! Ouvi os tiros! – retruquei
- Ah, ouviu os tiros! Porra cara, será que foi só você quem ouviu os tiros? Cê tá chapado, meu irmão, ou só tá tirando uma onda com a minha cara? – perguntou o imbecil.
- Ele está ou não? Se tem algum nóia por aqui deve ser você, que não consegue me dar uma resposta tão simples! - exclamei, perdendo a paciência. – Marcão, você está aí? – perguntei, elevando o tom de voz, uma vez que tinha desistido do sujeito.
- Que porra está acontecendo aí, Tião? – indagou a voz do Marcão que logo se materializou atrás do sujeito.
- É esse sem noção perguntando por você! Posso dar um jeito nele agora mesmo se você quiser!
- Não, pode deixar, eu mesmo cuido dele! – sentenciou o Marcão, me encarando com uma expressão truculenta. – Vocês, podem ir fazer o combinado! Me avisem quando o serviço estiver concluído! – ordenou se dirigindo ao sujeito e mais dois que até então eu não tinha visto, e que passaram por mim também armados de fuzis e uma metralhadora AK-47 que reconheci de alguns filmes que havia assistido.
- Oi! Ouvi os tiros a madrugada toda e vim ver se você está bem! Fiquei preocupado! – exclamei com um sorriso tenso, assim que ele me puxou para dentro e fechou a porta.
- Qual é a dificuldade que vocês veadinhos têm de cumprir uma ordem? O que pensa que está fazendo aqui? Eu não te proibi de entrar na favela seja lá por que motivo fosse? Por que não me obedeceu, Felipe? – ele estava furioso, ainda não tinha soltado meu braço e a mão vigorosa estava me machucando.
- Eu só queria sabe se você está bem. – respondi.
- Não, você veio aqui xeretar! Caralho moleque, eu não sei o que faço com você! Estou tão puto que podia arrebentar a tua cara, sabia? É isso que faço com quem me desobedece, é isso que você está merecendo! – despejou, agarrando meu queixo e o esmagando em sua mão.
- Estúpido! Eu todo preocupado com você e é assim que você me trata? Dane-se então, vou definitivamente terminar com você! Não estou mais nem aí com você! – afirmei
- Você já terminou comigo uma vez, está lembrado? Ninguém termina duas vezes com alguém, se já está tudo acabado! – vociferou, ao mesmo tempo em que seu olhar penetrava fundo no meu, e eu via claramente que o que ele dizia não correspondia ao que estava sentindo.
- Me solta, você está me machucando! Eu te avisei que não vou permitir que homem nenhum bata em mim, seu estúpido! – devolvi, tentando me livrar daquela mão potente.
- E vou te machucar muito mais, para você aprender a me obedecer, para aprender a obedecer quando o macho manda! – exclamou autoritário.
No mesmo instante, ele me virou de costas para ele, com um braço me deu uma gravata que estava me sufocando, enquanto a mão livre arrancava meu jeans e minha cueca expondo minha bunda. Como nem com as duas mãos eu consegui afastar o braço que me estrangulava, dei uma mordida nele, o que o fez soltar meu pescoço.
- Ai, puta merda! – berrou ele, quando cravei os dentes nos músculos dele.
Ele voltou a me agarrar, dessa vez sua mão se fechou na minha nuca e ele me empurrou contra o espaldar do sofá, onde fiquei de bruços, lutando para me safar, enquanto ele abria a braguilha e tirava o caralhão quase duro para fora. Ele lançou o corpão pesado dele sobre mim e me encoxou com força. Senti o cacetão se encaixando no meu rego e parei de me debater. Ele arfava quando meteu de uma só estocada o caralhão no meu cuzinho que, não sei porque, empinei contra a virilha dele.
- Aaaaiiii, Marcão! – gritei desesperado quando a dor do meu ânus se rasgando aumentava à medida em que o cacetão entrava em mim. – Para, tira, tira! Está me machucando, seu bruto! – continuei gritando.
- Eu te avisei! Da próxima vez você vai pensar duas vezes antes de me desobedecer! Não quer que eu dê umas porradas em você, tudo bem. Mas, eu tenho outros meios de fazer você me obedecer, seu veadinho sem juízo! – retorquiu, socando sem dó meu cuzinho apertado que ia se destroçando à medida que o caralhão o distendia.
- Estúpido! Eu te odeio, sabia! Tira Marcão que está doendo muito, não estou aguentando mais! Tira, por favor! – supliquei, completamente subjugado.
- Se me odeia tanto, por que veio aqui, me desobedecendo para saber se estou bem?
- Não sei! – respondi, pois já não tinha mais certeza de nada.
Ele abraçou meu tronco, grunhia feito um animal selvagem no meu cangote, mordendo-o de vez em quando, enquanto suas estocadas brutas entravam fundo nas minhas entranhas, onde reinava uma dor tão intensa que me roubava todas as forças. Estar sendo dominado daquela maneira brutal me fazia sentir submisso e aviltado como nunca me senti. Pela respiração excitada dele dava notar que ele estava tomado pelo prazer. Não sei se era por me ter submisso em seus braços ou se era por estar completamente atolado no meu cu apossado, onde sua verga era encapada pela maciez úmida da minha mucosa anal com a qual ele não conseguia parar de sonhar.
- Vai me desafiar mais uma vez, vai, Felipe? Vai desobedecer seu macho de novo? – indagava ele, bombando meu cuzinho sem dó.
- Não! Me solta, Marcão! Está doendo muito! – respondi. – Você não é meu macho, eu terminei com você! – continuei mesmo sabendo que isso não era verdade. Como nenhum dos meus apelos estava funcionando, invoquei um último recurso, comecei a chorar.
Foi muito mais eficaz do que eu havia imaginado. O Marcão não tirou o caralhão do meu cuzinho, pois já sentia o gozo se materializando sob a forma de espasmos que lhe percorriam todo o períneo. Com o corpo todo estremecendo e, arfando e rugindo com os lábios úmidos percorrendo minha nuca, ele começou a esporrar. Eu sentia os jatos mornos escorrendo dentro do ânus e aplacando um pouco daquela ardência que estava queimando minha mucosa. A abundância era tamanha, que logo senti o visgo pegajoso extravasando e escorrendo pelo rego até as coxas, enquanto o ar ganhava o cheiro de sexo. Ele parecia estar fora de si, envolto nos prazeres carnais mais primitivos, e demorou para notar meu choro resignado.
Quando sacou a pica ainda à meia-bomba do meu cuzinho, eu mal conseguia me firmar sobre os pés. Meu corpo tremia da cabeça aos pés, a sensação de estar na iminência de ver meus órgãos se esvaindo pelo rombo no meu cu me levou a procurar apoio no espaldar do sofá. Ao juntar as coxas empapadas de sêmen e sangue, só consegui olhar desolado na direção dele, que continuava ali parado, com a calça embolada aos seus pés e o cacetão se projetando em riste da virilha pentelhuda. O Marcão se recompôs, passou o braço ao redor da minha cintura e me levou até o banheiro, onde terminou de me despir e me colocou debaixo da ducha. Eu me segurava nele, o rosto coberto de lágrimas, quando sua mão deslizou para dentro do meu rego e lavou meu cuzinho arregaçado. Nenhum dos dois falava nada, como se qualquer coisa dita naquele momento desmantelasse o que estávamos sentindo. Depois ele me enxugou, passava a toalha carinhosamente sobre a minha pele, enquanto eu o observava calado.
- Quero ir para casa! – afirmei, quando vesti minhas roupas.
- Claro! – respondeu, pegando o celular e fazendo uma ligação.
- Estou com dor! – disse, para que ele soubesse que seu castigo tinha funcionado.
Não demorou e alguém bateu na porta, era o irmão do Fábio.
- Ei aí, tudo bem? Parada sinistra essa madrugada, hein! – disse ele, quando o Marcão o fez entrar
- Oi! – cumprimentei, ainda estático e com receio de me mexer para não exacerbar aquela dor no cuzinho.
- Preciso que me faça um favor, acompanhe esse moleque até a casa dele, e assegure-se de que fique por lá, até tudo se acalmar. – pediu o Marcão.
- Claro! Sem problema! Vou falar para o meu irmão ficar com ele.
- E como foi o lance lá na empresa, deu tudo certo? – perguntou o Marcão.
- Estava mesmo para vir te agradecer, deu tudo certo, começo na segunda-feira! Valeu, cara! – respondeu o irmão do Fábio.
- Estou torcendo por você! Vamos combinar um chopp uma hora dessas, aí você me conta como são as coisas por lá. – sugeriu o Marcão
- Com certeza! Valeu! Valeu muito! – retrucou. – Estou levando ele para casa, até mais!
- Até! Me liga quando deixar ele lá! – devolveu o Marcão, enquanto para mim nem sequer olhou.
- Não sei se consigo andar! Estou muito machucado! – revelei.
- Mais tarde passo por lá para te ver! Se não tivesse me desobedecido, não estaria passando por nada disso! – sentenciou
- Bruto! – devolvi. Ele não respondeu. Podia ser apenas impressão minha, mas parecia que ele queria me pegar no colo e me apertar em seu peito como quem garante que aquele é o lugar mais seguro onde eu podia estar.
A caminho da saída da favela, passamos pela casa do Fábio e ele nos acompanhou até a minha casa. Uma viatura da morgue recebia as últimas duas cubas com corpos sem vida sob o olhar impassível das pessoas aglomeradas ocupando parte da faixa da avenida, entre elas mulheres com bebês no colo, velhos aposentados a procura de acontecimentos, crianças indiferentes à barbárie que presenciavam, e desocupados que encontraram um motivo para apressar a passagem do tempo. Para aquela gente, aquilo era a coisa mais natural, já não comovia, já não impressionava, era o resultado de uma sociedade desigual e desestruturada, onde os peões daquele tabuleiro não tinham valor algum.
O Fábio passou o dia comigo me fazendo companhia, mais por imposição do Marcão do que por vontade própria dele, disso eu estava certo. Não mencionei o que o Marcão fez comigo; primeiro porque ele mais do que eu conhecia todos aqueles sinais de quem teve o cu arrebentado por uma pica; segundo porque ainda estava melindrado com todas aquelas coisas que ele me fez, e compartilhar algo tão íntimo não fazia sentido naquele momento.
- Melhor teria sido se ele tivesse batido em você, não é? – questionou ele, a certa altura.
- Nunca, jamais, vou admitir que um homem, ou seja lá quem for, bata em mim! – exclamei com firmeza. – E não quero falar sobre esse assunto! – impus.
- Nem sempre se consegue o que se quer com esses machos! Temos que aceitar como são, ou viver na solidão! Já apanhei de tanto macho que já perdi a conta, e ainda estou aqui!
- Se você consegue viver aceitando isso, problema seu! Por mais que um dia venha a amar um homem, o meu amor por mim mesmo sempre estará em primeiro plano! Amar é uma relação de equilíbrio, não de vencedor e perdedor!
- Ao que parece você já encontrou esse homem a quem ama, pois só um maluco faria o que fez, entrando na favela enquanto reinava aquela batalha toda. Podia ter levado um tiro, sabia? E seria mais um daqueles corpos que ficaram estendidos na avenida. Eu faço ideia de como o Marcão ficou quando você apareceu na porta da casa dele. Aquele é o tipo do macho que não perdoa, que não poupa ninguém que o contrarie. Você abusou da sorte! Milagre que ainda esteja aqui e só com o cu rasgado! – ponderou.
- Falei que não quero falar sobre isso! Você fala dele como se o conhecesse a fundo, e eu já percebi que não é bem assim. Portanto, trate de mudar de assunto. – ele se retraiu e, por um bom tempo cada um ficou imerso nos próprios pensamentos. – Às vezes, é daquela pessoa que menos se espera, que vai fazer as coisas que ninguém imagina! – afirmei, depois um longo silêncio.
- O que você quer dizer com isso? Não entendi!
- Que você não conhece o Marcão! Que faz suposições sobre ele sem nenhum fundamento! – afirmei
- E você acha que o conhece só porque ele meteu aquela estrovenga algumas vezes no meio do seu cu? – questionou petulante
- Não, não por isso! Por que vejo nele o que ninguém parece enxergar!
- E o que você enxerga nele, além do corpão musculoso ao qual você não consegue resistir, e daquela benga que deixa seu cuzinho piscando?
- Sabe como foi que seu irmão conseguiu o emprego no qual vai começar na segunda-feira?
- Sei lá! Meu irmão não fala muito comigo, acha que sou uma bicha puta.
- O Marcão, não me pergunte como, está por trás dessa história. E seu irmão me pareceu bastante agradecido pelo emprego. – revelei, deixando-o estarrecido. – Sabe aquela puta, vizinha dele, que lava as roupas do Marcão? Coloco a minha mão no fogo se ele um dia trepou com ela, ao contrário do que você insinuou.
- E o que te leva a essa conclusão?
- Porque não acredito que ele se interesse por uma mulher como aquela, sem nenhum atrativo, até feia e gorda. Aposto que ele só a está ajudando ao lhe entregar as roupas para lavar e certamente pagando muito bem por esse serviço, a fim de ela poder colocar alguma coisa na boca daquelas crianças. O tal do marido, com toda certeza, não está suprindo as necessidades dela, enquanto se esbalda por aí nessa vida errante de caminhoneiro.
- E como você sabe disso, só a viu uma única vez?
- Pela maneira como ela trata o Marcão, não como um de seus clientes, que certamente devem ser bem poucos dispostos ou a perigo para encararrem um corpo disforme como o dela. Ela o trata com respeito e admiração, com gratidão! – afirmei
- Todos o tratam assim na favela, mas sabe por quê? Porque ele é um dos comandantes da favela, porque ele carrega uma pistola na cintura que não precisa de muito para disparar contra o primeiro infeliz que ousar desafiá-lo. – retrucou
- Isso é outra coisa que eu duvido que seja verdade! Não creio que o Marcão tenha tirado a vida de alguém.
- Viva seu sonho, afinal, não custa nada! Só não se esqueça que o preço a pagar por ele é caro. A decepção é uma arma poderosa! – nem me dispus a responder, o Marcão dele era diferente do meu.
Ele apareceu quase no final da tarde, eu tinha despachado o Fábio porque tinha me cansado da conversa dele e porque minhas entranhas continuavam com aquela cólica terrível e refratária à medicação que tomei. Já tinha faltado no estágio e, naquele estado, também não conseguiria enfrentar as aulas na escola técnica, uma sexta-feira perdida.
- Oi! – ele já estava diante da porta, cruzara o jardim sem tocar a campainha.
- Oi! Não quero falar com você! Não quero te ver nunca mais! – exclamei, assim que abri a porta, e ele foi entrando e acercando seus braços na minha cintura.
- Vim saber como meu meninão lindo está! – devolveu ele
- Não me chame de meninão, o fato de ter seis ou sete anos mais do que eu, não lhe dá o direito de me tratar como uma criança. – retruquei
- Mas o seu comportamento dessa manhã e essa carinha linda dá! Está sozinho? Aonde está aquele veadinho do seu amiguinho, eu não mandei que ele ficasse com você?
- Mandei-o embora há pouco! Estava de saco cheio da conversa dele! Além do que, não preciso de nenhuma babá controlando minha vida!
- Aposto que ele estava metendo o pau em mim e você me defendendo, por isso a conversa dele estava te irritando. – o petulante tinha razão, mas não confirmei a suspeita dele para que não ficasse se achando. – Como você está, já não devia ter ido à escola?
- Você me machucou muito! Foi bruto! – afirmei. Ele tornou a se aproximar de mim e me abraçou, puxando-me contra si.
- Espero que tenha aprendido a lição! Não me desobedeça da próxima vez! – disse com o tom de voz brando e carinhoso.
- Você não é meu pai para mandar em mim, sou bem crescidinho para me sujeitar a obedecer os outros sem questionar. Também não é nada meu, porque faz algumas semanas que terminei com você, justamente por você ser mandão demais para o meu gosto. – retorqui, sem me desvencilhar daquele corpão quente e maçudo ao qual gostaria de ficar enrodilhado pelo resto da vida.
- Deixa eu ver se te machuquei tanto assim, como você está falando! – sem esperar pela resposta, as mãos dele já entravam dentro da minha bermuda arriando-a impudicamente.
- Para quê? Para se sentir dominador? Não quero que me toque!
- Não preciso provar que sou dominador, você está sentindo na carne quem domina nessa relação.
- Não tem relação nenhuma, eu terminei com você, quantas vezes vou ter que repetir?
- Você sabe que isso não é verdade! Você me ama, e é tão apaixonado por mim que é capaz de colocar sua vida em risco por minha causa! Não foi isso que fez esta manhã, meu meninão sem juízo? – questionava, enquanto me carregava no colo até o meu quarto, e me deitava terminando de tirar minha bermuda e minha cueca.
- Por que fica repetindo essa ladainha de eu colocar a minha vida em risco?
- Porque é o que você faz cada vez que entra na favela! – respondeu de pronto. – Eu não quero que você faça mais isso! E, vou te explicar porque, mas você vai me prometer que não vai falar nada sobre o que vou te contar para ninguém, está me ouvindo bem, Felipe, para ninguém? Especialmente para o seu amiguinho fofoqueiro. Se não cumprir a promessa, vai acabar sendo o responsável pela minha morte. Quer se sentir culpado pelo resto da vida por ser o responsável por terem me matado? – questionou sério, o que me deixou profundamente abalado.
- Claro que não! Eu jamais poderia viver com essa culpa! Você está me assustando! Quem está querendo te matar, por quê, o que ainda faz metido no meio desses bandidos quando eu sei que você não é um deles? – indaguei aflito
- Porque essa é a única maneira de eu e minha família termos meu irmão de volta, são e salvo! – eu tinha um enorme ponto de interrogação na expressão, pois ele logo continuou. – Faz oito anos que meu irmão está preso numa penitenciária na Espanha, por ter entrado no país com 15 quilos de cocaína, que a facção o obrigou a entregar a um traficante de lá. Ele nem sabia o que estava levando, e muito menos quanto. Por conta de um roubo besta no qual ele estava presente, quando tinha mais ou menos a mesma idade que você, um membro dos traficantes o acusou de ter sido o responsável pela polícia tê-los apanhado. Como castigo pela cagada, eles o arregimentaram como mula para transportar a droga até a Espanha. Desde então ele está preso lá, e para pagar todos os custos com advogados para acompanhar o caso dele na Justiça espanhola, eles exigiram que eu me aliasse a eles. Foi assim que vim parar na favela, tive que abandonar a faculdade de engenharia, e para provar que estava disposto a colaborar com eles para que continuassem a bancar os custos do processo do meu irmão, fui me tornando um líder e braço direito do chefão da favela. Não sou um criminoso, nunca matei ninguém, como seu amiguinho fofoqueiro fica espalhando por aí; mas, essa fama me dá status dentro da facção, me faz ser temido entre eles e na comunidade toda. Eu preciso continuar fazendo isso até meu irmão ser libertado. A Justiça espanhola está revendo o caso dele, os advogados caros e competentes estão pleiteando uma diminuição da pena, que está prestes a ser analisada por uma corte e provavelmente favorável a ele. Tão logo isso aconteça, e ele esteja de volta ao Brasil e à minha família, minha dívida estará paga e eu livre dessa encrenca toda., é o acordo, o pacto que fiz com eles. Então posso voltar a tocar a minha vida como antes. Vou poder ficar com você, te dizer o quanto te amo, que quero ser seu marido, que quero passar o resto da minha vida ao seu lado. Mas, para isso, você precisa ser um bom menino, precisa ficar calado, precisa me esperar sem chamar a atenção sobre si; caso contrário, eles terão mais trunfo nas mãos para me chantagear, pois saberão que sou capaz de tudo para que ninguém faça nada com você. – eu o ouvia com os olhos atentos nele e, à medida que ele narrava a situação, eles se enchiam de lágrimas. Todo o tempo eu estava certo, ele não era uma pessoa ruim, ele não era nenhum criminoso, ele me ama e só está me protegendo.
Eu já não sentia raiva por ele ser tão autoconfiante, por me manipular com toda aquela facilidade sem que eu me sentisse em condições de reagir, pois nada do que ele fazia comigo podia ser taxado de ofensivo ou degradante. Ele só me tinha completamente em suas mãos porque o amor que sentia por ele me colocou nessa situação. A condição dele não era muito diferente da minha; ele sabia que estava à mercê dos meus desejos e vontades e, embora tivesse momentos de rompante nos quais queria se desvencilhar desse jugo, em outros queria que meus grilhões jamais o libertassem, pois eram a representação fiel do amor que eu sentia por ele, e do qual já não podia prescindir.
Com o final do entardecer, o quarto começava a entrar na penumbra. Fazia um tempo que estávamos deitados lado a lado na cama, eu de bruços, ele de lado, apoiado num dos cotovelos, percorrendo com o dedo indicador e médio colados o contorno da minha bunda, desde a dobra com a coxa até o cóccix, o que estava me fazendo sentir um arrepio que se manifestava na pele lisinha e clara. Ele revezava o toque sutil dos dedos de uma nádega para a outra e, quando cruzava o rego estreito e profundo, deslizava-os até encontrar a rosquinha anal ferida. Ao mais leve toque eu reagia com um gemidinho que atiçava sua ereção enclausurada no jeans.
- Meu meninão lindo e perfeito! Nunca vou me cansar de olhar para esse corpo que foi moldado só para mim, para esse seu rostinho de moleque que me fascina desde o primeiro dia em que te vi. – murmurava ele, deixando-se conduzir pelo tesão que minha nudez tão próxima e tão exposta lhe inspirava. – Fala que me quer, que quer que eu seja seu homem, fala, Felipe!
- Você é um bruto desalmado! Estou todo machucado!
- Está lindo com esse cuzinho todo vermelho e inchado, parecendo a vulva de uma fêmea no cio pedindo para acasalar. Sabia que em muitas espécies animais é assim que a fêmea sinaliza que quer e aceita o macho. Teu cuzinho está exatamente assim agora, pronto e pedindo por mim. – sussurrava ele.
- Não sou fêmea! Sou um homem, nem tão macho como muitos, mas continuou sendo um homem, e não sinalizo que quero trepar. – revidei. Ele riu.
- Para mim você sempre vai ser a minha femeazinha! – exclamou
- Sacripanta! – exclamei, quando ele tirou o jeans e libertou o cacetão enrijecido pelo tesão, e aquele brilho em seu olhar me dizia que ela estava prestes a entrar em mim novamente. – Não, Marcão!
- Não o quê, meu tesão? Fala para mim que não me quer, que não quer que eu entre aí! – disse, acariciando as minhas preguinhas rotas e sensíveis com a ponta dos dedos, enquanto tirava da gaveta da mesinha de cabeceira o frasco de lubrificante.
- Você é engraçado, depois que estoura e arregaça meu cu se lembra de usar lubrificante. A essa altura não vai me ajudar muito, de tão machucado que estou. – argumentei
- Você fica ainda mais lindo quando teu cuzinho está assim sensível, não quero judiar de você, só quero que sinta prazer por me ter inteiro lá dentro.
- Também quero te proteger, cuidar de você, e só conheço um jeito de fazer isso; sentindo você dentro de mim, guardando e aninhando você dentro de mim! – devolvi afetuoso. Um sorriso de orelha a orelha se abriu em seu rosto.
Aos poucos, ele foi montando em mim, o caralhão duro feito uma rocha e babando se encaixou no meu rego, seus braços envolveram meu tronco e ele me beijava e lambia minha orelha enquanto falava essas coisas para amansar meu espírito rebelde. Agora que conhecia toda a história dele, me sentia ainda mais apaixonado. Empinei a bunda e me ofereci. Ele lambuzou o cacetão com o lubrificante e colocou outro tanto no meu cuzinho ao meter dois dedos dentro dele, me fazendo gemer de tesão ao reavivar a dor instalada nele. Afastei ligeiramente as pernas quando senti a cabeçorra apontada sobre o ânus e esperei angustiado pela penetração que ia rasgar mais algumas preguinhas do meu cu. Ele notou como meu corpo estava tenso e contraído.
- Você precisa relaxar, meu meninão, ou vai sentir muita dor! Relaxa e abre teu cuzinho para mim! – ronronou no meu ouvido.
Eu estava tentando relaxar, mas com ele novamente montado sobre mim, não conseguia esquecer como aquele caralhão tinha me arregaçado naquela manhã. Pedi a ele que fosse devagar, que metesse a pirocona com cuidado. Ele ficava cada vez mais excitado com meu receio, arfava de tanto tesão por eu estar tão disponível. A pressão do cacetão sobre meu anelzinho só aumentava, ele ia se distendendo, abrindo as pregas feridas e entrando obstinado na fendinha quente que o encapava à medida que entrava em mim. Meus gemidos se transformaram em ganidos agudos com a dor ganhando força. Mesmo sendo gentil e cuidadoso não tinha como ele fazer passar sua jeba grossa e colossal pelos meus esfíncteres sem os arregaçar.
- Calma, calma meu meninão tesudo, só mais um pouquinho e vai estar todo ele dentro de você! – sussurrou no meu cangote, enquanto me apertava em seus braços para me conter, e terminar a penetração.
Era o calor do corpo dele, aquele roçar dos pelos do peito dele nas minhas costas, aquele arfar rouco entredentes que escapava de sua boca que me levaram a entrega total, fazendo a dor se dissipar lentamente dando lugar apenas ao prazer de sentir meu macho engatado em mim. Ele bombava meu cuzinho, o caralhão me estocava num vaivém contínuo, sua respiração se acelerava com o prazer que eu lhe proporcionava. Quando virei meu rosto na direção dele, sua boca cobriu a minha, o beijo libidinoso fazia a língua dele se enrodilhar com a minha, eu gemia de tanto prazer enquanto meu pinto deixava o gozo sair em jatos fartos. Assumi que a dor fazia parte do coito, que na condição de passivo precisava aprender a lidar com ela, a sublimá-la em nome do prazer que era infinitamente maior e mais gratificante. Empinei novamente a bunda contra a virilha dele, o caralhão inteiro estava alojado dentro do meu cuzinho, o sacão batia cadenciadamente contra meu reguinho aberto, meus gemidos e os dele soavam sincronizados quando o corpo todo dele estremeceu.
- Felipe, meu meninão, minha paixão! – grunhiu ele num urro gutural ao despejar seu gozo no fundo do meu cuzinho. Só balbuciei o nome dele, e encaixei os dedos das minhas mãos nos dele.
Passamos a noite e o final de semana juntos. Pude ver o olhar de desaprovação da minha mãe quando o encontrou esparramado sobre o sofá comigo em seus braços na tarde do sábado quando voltou para casa. Para ela ainda estava sendo difícil assimilar essa história, assimilar que seu filho que, até há pouco ela achava ia se casar e lhe dar netos, estar nos braços de outro homem, e ser constantemente enrabado por ele. Na cabeça dela ainda pairavam muitas dúvidas quanto ao caráter e as intenções do Marcão para comigo, mas eu não podia lhe dar a tranquilidade que ela tanto procurava, pois tinha jurado manter em segredo o que ele havia me revelado.
- Esse sujeito vai ficar o tempo todo dentro da nossa casa agora? Ele não tem mais o que fazer da vida? Não se tem mais nenhum minuto de privacidade nessa casa! – resmungava ela, embora se derretesse toda quando o Marcão lhe trazia algum presente, quanto elogiava os pratos que ela fazia, quando a abraçava e a cobria de beijos. – Sai para lá com esses beijos melequentos! – reclamava, só para manter a posse, pois no fundo gostava de os receber.
Eu me divertia com as querelas entre os dois, nunca tinha vivido nada semelhante, e amava tanto esses dois que constituíam tudo o que eu tinha de mais valioso na vida.
A soltura do irmão do Marcão aconteceu poucas semanas depois de eu ter findado o curso técnico e conseguido um emprego numa das empresas que recrutava os alunos com melhor desempenho. Estávamos apenas ele e eu esperando o pouso do avião que o trazia da Espanha no aeroporto de Guarulhos, numa manhã de nevoeiro. Assegurar que chegaria até a família são e salvo foi a maior preocupação do Marcão. Ele estava impaciente no saguão de desembarque abarrotado de gente, só se acalmava e me sorria quando eu pegava na mão dele.
- Obrigado por vir comigo! Você vai gostar dele, vocês têm praticamente a mesma idade. Ele vai gostar de você, eu sei, tenho certeza! – dizia ele naquela inquietude que o consumia. – Me prometa que nunca vai se deixar levar pelas cantadas que ele vai te fazer! Não se esqueça, seu macho sou eu! – eu precisava rir das preocupações tolas e infundadas dele, homem algum nesse mundo me faria deixar de amá-lo.
- Bobão! Será que ainda não está convencido do quanto eu te amo? – indaguei, afagando o rosto tenso dele. – O máximo que pode acontecer é eu me entregar para vocês dois! Tipo, ménage à trois, com dois irmãos tesudos! Falando nisso, ele é tão tesudo quanto você? – provoquei, ele fechou a cara e quase esmagou a minha mão.
- Você é meu, só meu, enfia isso nessa cabecinha desajuizada! – rosnou, de forma tão engraçada que precisei rir.
Apesar dos reflexos de quase uma década numa penitenciaria estarem bem visíveis no corpão atlético do irmão do Marcão, ele era um homem bastante atraente e, como o Marcão já havia previsto, ele não deixou passar batido um exame bastante minucioso do meu rosto e corpo.
- Que olhar de peixe morto é esse para cima do que é meu? Quer levar uns cascudos agora mesmo? – vociferou o Marcão, dando um tapa na cabeça do irmão assanhado, enquanto se abraçavam depois de mais de nove anos sem se verem.
- Você mencionou que ele é lindo, só não disse o quanto! – devolveu o irmão, se abaixando para não levar o segundo tapa.
Naquele mesmo dia o Marcão o levou até a cidade do interior a pouco mais de uma centena de quilômetros da capital, para onde a família tinha se mudado depois da prisão dele e do pacto que o Marcão fez com a facção. Foi a maneira que ele encontrou para mantê-los fora de perigo, inclusive nunca indo visitá-los, nem mencionando para onde tinham se mudado até para os parentes. Constatar como ele se preocupava com todos, como queria proteger a todos só me fazia sentir mais amor por ele, só me fazia querer ficar mais junto dele.
O Marcão havia convencido minha mãe a vender a nossa casa e se mudar para outra cidade, onde ele e eu poderíamos levar uma vida longe de todo esse passado nebuloso dele. Como tinha se aposentado há pouco, minha mãe gostou da ideia de mudar de ares. Ainda seguia diariamente para o trabalho na casa da família onde sempre trabalhou, e que teve um papel importante na minha formação e educação. Éramos gratos a eles, por terem nos acolhido no pior momento pelo qual minha mãe passou com um filho pequeno para criar. Não foi difícil vender a casa, pois já havia alguns vizinhos que moravam de aluguel nas redondezas querendo comprá-la.
O Marcão deu continuidade ao curso de engenharia numa faculdade na cidade para onde nos mudamos. No início de nossa vida juntos, foi o meu emprego numa empresa de equipamentos eletrônicos, onde passei a trabalhar após a mudança, que garantiu o sustento da casa que ele comprou com as economias que fez ao longo dos anos que viveu na favela. Ele me garantiu que nada era fruto de alguma coisa ilegal, de crimes ou do tráfico de drogas, era tudo resultado de pequenos negócios que ele mantinha dentro da comunidade. Eu não tinha porque não acreditar nele, sempre me disse a verdade, sempre se mostrou um cara íntegro, apesar das aparências indicarem o contrário, e fazer muita gente acreditar que ele era um bandido qualquer. Minha mãe ficou morando conosco, tinha seu espaço privativo, recomeçou uma vida social que a mantinha ocupada e feliz. Resmungava, de vez em quando, reclamando comigo e com o Marcão que nunca teria netos, o grande sonho da vida dela.
- Está na moda fazer cirurgia de mudança de sexo, dona Lucinda, quem sabe já não tenham inventado uma cirurgia que podemos mandar o Felipe fazer para ficar grávido? Eu e meu parceiro aqui debaixo nos encarregamos de deixá-lo bem grávido! Já imaginou, estou até vendo, ele todo delicinha com um barrigão carregando nosso filho dentro dele! – troçava o Marcão com ela.
- Virgem Santa que você é mesmo um safado daqueles! Virou a cabeça do meu Felipe e agora ainda quer engravidar ele, minha nossa, desconjuro! Que mundo é esse? – exclamava ela, abismada com a safadeza do Marcão.
- Como íamos chamá-lo, dona Lucinda? Felipinho ou Marquinho? – provocava
- Nenhum dos dois, prefiro Tiago, ia ser o nosso Tiaguinho! – devolvia ela, como se o absurdo já a estivesse atentando. O Marcão apenas ria.
- Ouviu isso, amor? Sua mãe quer que você faça cirurgia para mudança de sexo e que eu te engravide para ela poder batizar nosso filho de Tiaguinho! Podíamos começar tentando desde já, antes mesmo da cirurgia! – atiçava ele em meio as risadas.
- Vocês dois não tem nada de melhor para falar, não? – questionava eu nessas ocasiões, sentindo que minha felicidade estava completa, que eu tinha tudo o que sempre sonhei, que eu tinha o homem mais maravilhoso que o destino podia me dar.