Após o jantar, já em casa, Anastásia acabou aceitando uma última taça de vinho para fechar a noite. Deixando que Hélio ganhasse terreno, se mostrou solícita às investidas dele. Enquanto conversavam, na cozinha, degustando o premiado Miolo Sesmarias, um tinto encorpado, Hélio se aproximava de forma perigosa, achando que Anastásia começava também a se encantar por ele. Ela manteve a postura, encostada ao balcão, sem fugir, o encarando, enquanto o rosto dele se aproximava, sempre a elogiando:
– Foi uma ótima noite, com a companhia perfeita. Espero que tenha achado o mesmo.
Para encorajá-lo, ela olhava para a boca dele, passando a mão no cabelo por duas ou três vezes. Entendendo os sinais, ele se sentiu confiante e deu o último passo, a tomando nos braços e finalmente a beijando.
Foram poucos segundos, sem língua, mas que para Hélio, pareceu uma eternidade. Fingindo-se assustada, o empurrando, ela saiu praticamente correndo dali:
– Me desculpe, eu ainda não estou pronta para isso …
{…}
Enquanto isto, no mesmo dia, Vincenzo passou o tempo ocupado na fábrica. As modificações e a modernização nos processos de produção demandavam sua atenção. Estava há dias sem ter notícias de Anastásia, acompanhando tudo o que acontecia somente durante a noite, pelo sistema de monitoramento. Geralmente, Mirian fazia um resumo sempre que ele chegava em casa.
Com o avanço rápido de Hélio sobre Anastásia, ele tentava se manter focado nos planos acordados, mas sempre mantinha um pé atrás, uma desconfiança. A traição anterior deixou suas marcas, confiar plenamente em alguém, já não era mais possível. Ouviu o som da notificação no celular e já sabia o que esperar. Abriu a mensagem enviada por Anastásia:
"Não dá mais para enrolar, será hoje. Por favor, fique longe do notebook à noite. E se não conseguir, jamais duvide do quanto eu amo você".
O resto do expediente se arrastou. Desanimado, querendo desistir de tudo aquilo, decidiu que não iria se colocar em uma posição de sofrimento. A caminho de casa, comprou uma garrafa de whisky e se manteve longe do notebook pelo tempo que conseguiu. Tomou, sozinho, setenta por cento do conteúdo da garrafa e completamente embriagado, sem condições de pensar direito, fez o que o prometeu a si mesmo que não faria, começou a assistir o que acontecia na mansão. Por sorte, vencido pelo álcool, apagou antes do beijo de Hélio em Anastásia.
{…}
Inteligente e calculista, no dia seguinte ao beijo, Hélio saiu de casa cedo, antes de Anastásia se levantar. Se manteve longe, inventando uma viagem qualquer. Só voltando na terça-feira seguinte, logo após o almoço, encontrando uma Anastásia tensa, preocupada. Ao entrar na mansão, mal teve tempo para se preparar, pois ela o emboscou logo na entrada. Parecia nervosa, atropelando o inglês ao tentar falar:
– Precisamos conversar … aquilo que aconteceu, não pode se repetir. Você é meu cunhado, marido da minha irmã, sinto que abusei da sua hospitalidade e passei dos limites.
Hélio não esperava que a conversa tomasse aquele rumo, mas ele foi rápido ao responder:
– Eu entendo, mas eu não sou mais o marido da sua irmã, eu sou viúvo agora. Entendo que tudo foi muito rápido, mas eu também sou culpado pelo que aconteceu. Não vou negar que você mexe comigo e esse sentimento tem me deixado maluco …
Ele respirou fundo, vendo que ela o encarava sem acreditar nas palavras que saíam de sua boca. Hélio achou que era hora de ser mais ousado:
– Eu estou apaixonado por você, essa é a verdade. Por isso me afastei, para lhe dar espaço, tentar entender o que estava acontecendo comigo … não tenho outra explicação.
Mesmo que tivesse chegado aonde queria, Anastásia precisava ser cautelosa, pois estava lidando com um mestre da manipulação:
– Mas Hélio, não podemos … não me parece certo … somos muito diferentes e para mim, que sou a cópia da minha irmã, isso me parece mais uma saudade dela do que propriamente uma paixão por mim.
Hélio se aproximou, colando seu corpo ao dela:
– Não! Não tem nada a ver com a minha falecida Yelena. Vocês podem ser fisicamente idênticas, mas são completamente opostas no jeito de ser, na forma de enxergar a vida, é muito fácil diferenciar as duas. O que eu sinto por você é real, não uma forma de substituir alguém que já se foi. Sendo honesto, acho até que …
Era hora de Anastásia testá-lo:
– Não diga isso, não nos compare. Eu não sou o tipo de mulher que o faria feliz. Não sou como minha irmã. Existem vários motivos para a gente não entrar nesta relação, desistir seria …
Impaciente, mas sem ser grosseiro, Hélio a interrompeu:
– O que você quer dizer com não ser como a sua irmã? Quais são os motivos que me fariam desistir?
Ela foi direta, atuando como uma profissional, com lágrimas escorrendo pelos olhos para passar credibilidade:
– Você é um homem que pode ter a mulher que quiser, e a minha fé me proíbe de me entregar a um homem que não seja o meu marido. Você jamais aceitaria isso em mim. Eu sei como o sexo é importante para vocês brasileiros, um povo muito sexual …
Hélio a interrompeu novamente:
– Eu jamais teria outra intenção com você. Eu a quero como minha esposa, como minha parceira. Não vou mentir, pois já tive muitas mulheres sim, já vivi esse lado da vida. Por que não fazer do seu jeito? O que eu teria a perder?
Ela percebeu que ele estava muito curioso e se adiantou:
– Eu sei o que você quer me perguntar e a resposta é não. Vincenzo e eu nunca … ele respeitava a minha fé, por isso iríamos nos casar tão rapidamente.
Hélio não conseguiu disfarçar um sorriso de satisfação:
– Então … você ainda é …
Confiante, mas precavida, ela resolveu não arriscar:
– Não, eu não sou virgem … mas só aconteceu porque eu era uma inocente idiota e acabei seduzida na adolescência. Por isso busquei conforto na religião e encontrei meu caminho. É importante para mim.
Um safado hedonista como Hélio, jamais se daria por vencido com uma coisa tão insignificante. Apaixonado como estava, virgindade era irrelevante para ele, ele nunca a colocou como uma variável da equação, uma possibilidade. Ele fez o seu movimento, buscando em sua pasta um envelope pardo e o entregando a Anastásia:
– Para provar que eu falo sério, que minhas intenções são as melhores, aqui estão os papéis para passarmos a clínica para o seu nome, para que você possa ajudar sua família e ser a herdeira da sua irmã.
Anastásia não podia acreditar, estava fácil demais. Ela passou os olhos rapidamente pelo documento e para se manter no personagem, disse:
– Está tudo em português? Eu não entendo.
Hélio pegou seu notebook, e usando um aplicativo do celular, fotografou, escaneou e traduziu todas as páginas para o russo, enviando o arquivo para ela. Aproveitou a ocasião para entregar também o visto definitivo para que ela pudesse ficar e trabalhar de forma legal no Brasil:
– Sei que você é europeia e apenas papéis não a convencerão. Por isso, fique à vontade para encontrar seu próprio advogado e ver que tudo foi feito corretamente. – Ele a encarou, bastante sério. – Pense sobre o que conversamos, pois meus sentimentos são verdadeiros e se me der a chance, tenho a certeza de que posso fazê-la feliz.
Anastásia não podia se render facilmente, e usando a fé como desculpa, foi direta:
– Você se casaria comigo? É isso o que quer dizer? Faria as coisas de acordo com a minha religião?
Tentando se mostrar decidido, Hélio respondeu de bate pronto:
– Eu faria qualquer coisa por você. Eu me casaria amanhã se você quisesse.
Era hora do último movimento, do ultimato. Anastásia, tentando parecer nervosa, esfregando as mãos, andando de um lado para o outro, disse:
– Mas e aquelas casas de sexo? Eu não posso me casar com alguém que explora esse tipo de comércio. Você estaria disposto a abrir mão de tudo aquilo apenas para estar comigo?
Hélio balançou, não esperava aquele tipo de exigência. Entretanto, por mais que o negócio fosse lucrativo, era apenas uma ínfima parte de seu patrimônio. Se desfazer daquilo não traria nenhum impacto substancial em suas finanças. Anastásia o pressionou:
– Está entendendo agora? Somos muito diferentes, não daria certo. Meu coração jamais ficaria calmo ao saber que mulheres são exploradas e que é esse dinheiro que me sustenta …
Hélio resolveu arriscar:
– Tudo bem, eu me desfaço do negócio. Na realidade, é apenas um entre vários, não tenho nenhum apego àquilo.
Vendo um sorriso se formar no rosto de Anastásia, um sorriso de vitória, ele também resolveu ser direto, precisava saber:
– Eu já confessei meus sentimentos, mas ainda não tenho certeza dos seus. Você já esqueceu o italiano? Está pronta para fazer isso? Eu sinto que estamos cada vez mais próximos, mas também, vejo que você se afastar às vezes, e isso me preocupa. Eu não quero ser a segunda opção de ninguém, também tenho o meu orgulho.
Anastásia se aproximou dele, era hora do xeque mate. Colocou as mãos em seu rosto e olhando bem no fundo de seus olhos, disse:
– No começo, eu te achei lindo, senti até um frio na barriga, mas me lembrei do seu luto, do quanto estava sofrendo pela minha irmã e seu filho, por isso, apenas por isso, eu sempre me afasto, tento não parecer oferecida, querer tirar vantagem. Mas então, você chega perto e eu não consigo esconder.
Anastásia se afastou, virando de costas, mas continuou:
– Quando você me revelou a verdade sobre o Vicenzo – Hélio tentou falar, mas ela se virou novamente e não deixou. – Eu sei que foi você, não precisa negar, sou grata por isso, me livrou de cometer o maior erro da minha vida.
Anastásia o fez sentar com ela no sofá, pegou em suas mãos e voltou a falar:
– Estar aqui nesses últimos meses, só me fez enxergar o homem maravilhoso que você é. Você cuidou da namorada do seu falecido filho, a manteve perto, não a desamparou. Quem faz esse tipo de coisa? Sei que ainda é cedo, que amor vem com a convivência, mas eu também estou apaixonada por você, nossos sentimentos são os mesmos. E eu sei, aqui dentro do meu coração, que você irá cuidar muito bem de …
Hélio não deixou que ela terminasse de falar, o golpe foi certeiro. Ele a puxou para um beijo apaixonado, que foi plenamente retribuído. O beijo foi demorado e Anastásia não conseguiu segurar o choro novamente. Hélio ficou preocupado:
– O que foi? Não gostou?
Ela, sentindo nojo, vontade de vomitar, precisou mentir e se recompôs:
– Não! Longe disso. Me desculpe, são lágrimas de felicidade.
Hélio se levantou e buscou uma pequena caixa de joias em sua pasta. Se ajoelhou na frente dela e com um anel de noivado, com um único diamante gigante, propôs:
– Anastásia, você quer ser a minha esposa?
Ela precisava manter o sorriso e a surpresa, parecer genuinamente feliz. Ela o abraçou e disse um sim entusiasmado, deixando Hélio nas nuvens. Ele novamente aproveitou a situação e deu mais um beijo demorado nela e disse:
– Agora não tem mais motivos para você não aceitar o carro. Não precisa ficar andando nesses carros de aplicativo. Você será minha esposa e eu quero que você esteja sempre segura. Se preferir, podemos vender aquele e comprar outro que seja do seu gosto.
Realmente, ele tinha razão. Ela aceitou:
– Não precisa, eu fico com aquele mesmo. Assim, até me sinto mais próxima da minha irmã, sabendo que foi ela que escolheu.
Ela tinha um último pedido a fazer:
– Eu não quero que você me entenda mal, mas preciso ser honesta. Eu não estou acostumada a tanta intimidade, esse jeito brasileiro de ser. Como sua futura esposa, prometo me entregar completamente a você, mas até lá, precisamos ir com calma, devagar, nos conhecer melhor?
Hélio tentou entender:
– Você diz em relação a sexo? Eu já disse que respeito sua religião, que quero fazer do seu jeito. Pode continuar no seu quarto até nos casarmos, eu entendo.
Ela foi mais específica:
– Eu sou muito tímida, diferente de Yelena. Não estou acostumada a beijar o tempo todo, ficar abraçada, esses gestos de afeto tão normais entre os brasileiros. Isso ainda é muito estranho para mim. Aos poucos, eu vou me acostumando. Gostaria que você respeitasse esse meu lado.
Hélio a tranquilizou:
– Eu entendo. Eu sei que sua irmã saiu de casa muito cedo, que logo foi para fora em busca de uma vida melhor, diferente de você. Eu prometo respeitar sua vontade. Mas também tenho um pedido.
Anastásia ficou preocupada, não sabia o que esperar. Ela não se manifestou, apenas aguardou ele terminar de falar. Hélio disse:
– Eu quero me casar o mais rápido possível, você concorda?
Anastásia precisava jogar o jogo:
– Eu até concordo, mas por quê?
Ele não fez rodeios:
– Porque eu quero você, simples assim. Eu concordei com todos os seus pedidos, esse é o único que eu faço.
Anastásia aceitou e ainda completou:
– Tudo bem, eu concordo. Entendo o seu lado e essa é a melhor forma de respeitarmos a minha religião e não precisarmos esperar eternamente. Mas eu não quero um casamento cheio de gente que eu não conheço e nem uma coisa gigantesca. Eu sei que você é um homem importante, mas eu gostaria de uma coisa mais íntima, apenas família e amigos.
Hélio achou que era uma boa ideia:
– Aqui no Brasil, os trâmites legais levam em torno de noventa dias, podemos dar a entrada amanhã, o que acha? Podemos também ir ao meu advogado, preparar o acordo pré-nupcial.
Anastásia, visivelmente irritada, protestou:
– Acordo pré-nupcial? Por quê?
Hélio, da forma mais delicada que conseguiu, tentou explicar:
– Eu sou um homem muito rico, com o dobro da sua idade, eu preciso me proteger. Ninguém espera que coisas ruins aconteçam, mas precisamos estar preparados …
Anastásia, fingindo estar muito contrariada, se levantou e saiu dali, deixando-o sozinho, indo buscar abrigo em sua casa nos fundos, trancando a porta e fechando as janelas ao entrar. Hélio até tentou ir atrás dela, bateu várias vezes na porta, a chamou, mas não obteve resposta. Ao retornar à sala, Mila o aguardava:
– Tudo estava indo bem, mas …
A vontade dele era xingá-la, descontar nela a frustração, mas sabia que talvez precisasse dela. Resolveu ser inteligente:
– O que você achou disso tudo? Acha que é um golpe? Por isso ela reagiu assim?
Mila pensou um pouco antes de responder, estava pouco se lixando se Anastásia era uma golpista. De saco cheio de tudo e de todos, só queria ver Hélio se foder um pouco na vida:
– Nesses poucos meses que a conheço, nos aproximamos muito. Ela é diferente de nós, é pura, sem maldade e malícia. Resumindo, ela é ingênua, boba, acho que você a assustou. Na cabeça dela, você praticamente a chamou de interesseira.
Hélio também pensou antes de formular uma resposta:
– Se pensarmos em Yelena, eu apenas a iludi, ela nunca precisou assinar nada, pois nosso casamento era de fachada. Mas como Anastásia já tem visto, eu preciso me casar de verdade. E outra, se ela pisar na bola, existem outras formas de resolver.
Mila sorriu para ele:
– Ela é completamente diferente de Yelena. Ela só fala de você, está completamente apaixonada. Só depende de você ser um marido de verdade.
As palavras de Mila, ditas honestamente ou não, deram a Hélio o empurrão final. Ele novamente voltou à porta de Anastásia:
– Me desculpe, só agora eu entendi o que falei, Mila me explicou. Eu não estou desconfiando de você, acordos pré-nupciais são muito comuns por aqui. Podemos recomeçar? Esquece o que eu disse.
Hélio já estava desistindo, quando finalmente, Anastásia abriu a porta:
– Na minha cultura, isso é muito rude. Propor casamento e desconfiar de quem diz amar.
Hélio se lamentou:
– Eu já disse que errei, me desculpe. Entendi a besteira que falei, não precisa me torturar.
Anastásia deu o golpe final:
– Diferente das ocidentais, nós, russas, não nos casamos pensando em se separar. O casamento é sagrado e para sempre. Se você jamais me trair e jamais me agredir, independentemente das dificuldades, eu sempre estarei ao seu lado, devotando a minha vida a você.
Completamente de quatro por ela, ele novamente a beijou. Mas daquela vez, foi repreendido:
– Não faz isso. Não assim, de repente. Eu sei que é natural para você, não me entenda mal, mas eu não estou acostumada a tantos beijos o tempo todo.
E o pegando desprevenido, ela deu um selinho em seus lábios. Hélio não entendeu nada. Para encerrar o teatro com chave de ouro, ela disse:
– Preciso voltar à clínica, aproveitar os últimos meses.
Hélio, novamente, não entendeu nada:
– Como assim? Aproveitar os últimos meses?
Se fazendo de desentendida, Anastásia o provocou:
– Já que iremos nos casar, acredito que você me queira em casa, submissa e obediente.
Hélio chegou a se assustar:
– E por que eu iria querer isso? A clínica é sua, você pode continuar trabalhando normalmente.
Anastásia estava ficando boa naquele jogo:
– Você vai me deixar continuar trabalhando? Jura?
Hélio achou que aquilo era uma conversa de doidos:
– Claro! Por que mais eu daria uma clínica a você se não fosse para você trabalhar?
Ela novamente deu mais um selinho nos lábios dele e agradeceu. Anastásia o confundia com aquela demonstração de afeto que dizia não estar preparada. Ela pediu licença, agradeceu por ele ser tão generoso e voltou a fechar a porta, dizendo que iria se arrumar. Hélio voltou para a casa grande sem entender nada. Minutos depois, Anastásia entrava na casa, já arrumada. Ela mostrou o anel para Mila, se despediu dos dois, recebeu de Hélio a chave do carro, e saiu, com o sorriso mais lindo possível no rosto.
Naquele momento, Hélio se deu conta do quanto estava apaixonado por aquela mulher. Percebeu que faria de tudo no mundo para sempre ver aquele sorriso em seu rosto. O que sentiu por Yelena, se alguma vez sentiu, não era nada comparado àquilo. Se alguma vez se sentiu assim, foi há muitos anos atrás, pela mulher que destruiu seu coração, o transformando naquele ser abjeto, sem empatia ou consideração pelos outros. Anastásia devolveu a ele sua humanidade, sua fé nas pessoas. Hélio voltava a sonhar com planos normais, a querer ter filhos, a dividir tudo com alguém. Naquele momento, se entregou ao amor abertamente, confiando nos sentimentos de Anastásia.
{…}
Do outro lado da cidade, preocupada com o que assistia, Mirian mandou uma mensagem para o filho na fábrica:
"Ela está noiva. Tem certeza disso? Acredita que esse é o melhor caminho? Não tem dúvidas da lealdade dela?".
Ao sentir o celular vibrar, Vincenzo o pegou e leu a mensagem. Pensou um pouco, mas respondeu:
"E o que mais eu posso fazer além de confiar? Eu já dei esse salto de fé, não tenho como voltar atrás".
Mirian leu a resposta e achou melhor parar. Se deu conta de que poderia criar discórdia, colocando aquela pulga atrás da orelha do filho. Preferiu ser solidária:
"Você tem razão. Bá está lá e disse que ela continua firme e forte no propósito de vocês. Eu também preciso acreditar, parar de ser essa pessoa pessimista. Me desculpe, esquece o que eu disse".
Tarde demais, pois a preocupação de Vincenzo era crescente e alheia as mensagens ou desconfianças da mãe. A bagagem emocional que o fez trilhar aquele caminho de vingança, o impedia de ser completamente otimista, de acreditar cegamente. Aquelas eram as escolhas de Yelena e a ele, cabia apenas aceitar e respeitar. Torcer para que ela se mantivesse na mesma sintonia que ele. Decidiu que para não ficar sofrendo de véspera, pararia de acompanhar o sistema de monitoramento todas as noites. Anastásia, para cumprir bem o seu papel, precisava de proximidade com Hélio. O que os olhos não veem, o coração não sente.
{…}
Dois meses passaram rapidamente e Mila foi realocada para um dos apartamentos de Hélio. Ela começou a cumprir expedientes normais na holding, em cargos altos e de confiança, tendo ainda mais liberdade e melhor acesso para trabalhar em seus próprios planos. Anastásia sabia que aquele era o desejo dela e dessa forma, seria mais fácil para Vincenzo descobrir alguma forma de atingi-la. Era hora de Fagundes, o detetive, voltar à cena.
Como forma de mexer com Hélio, disposta a pressioná-lo, durante o jantar, ela foi direta:
– Estamos na reta final, faltando um mês para o casamento. Você fez o que me prometeu? Se livrou daqueles antros de devassidão?
Hélio esperava surpreendê-la um pouco mais à frente, mas vendo como aquele era um assunto importante para ela, foi ao escritório buscar a documentação, um contrato de venda das três casas. Como os compradores eram americanos, uma das cópias autenticadas era em inglês, fato que agradou muito a Anastásia e provou a ela o cumprimento da promessa.
Mais uma vez, ela precisou recompensá-lo com um beijo, coisa que já fazia sem muito alarde, pois aquilo se tornara uma obrigação, não tinha como mantê-lo preso sem demonstrar afeto. Pelo menos uma ou duas vezes ao dia, ela precisava encontrar forças para aquele ritual.
O último gesto grandioso de Hélio, naquela mesma noite, foi informá-la da compra de uma casa no litoral sul do Rio de Janeiro, especificamente em Angra dos Reis, num condomínio luxuoso. A casa tinha sua própria praia privativa. Era o presente de casamento dele para ela e o destino da lua de mel.
Nada mais impedia o casamento e o último mês passou voando. O fatídico dia chegou rapidamente. A cerimônia seria discreta. Apenas os dois, mais Mila e Bá como testemunhas, além do juiz de paz.
Hélio alugou uma pequena pousada inteira em Angra para aquele dia. Cada um teria seu próprio chalé para se arrumarem e logo após a cerimônia, iriam de Helicóptero para Angra. Tudo estava perfeito e a hora havia chegado.
{…}
Naquele mesmo dia de manhã, após falar com a Bá ao telefone, enquanto ela se arrumava para ir ao encontro de Hélio, Anastásia e Mila na pousada, Vincenzo não estava bem. A culpa e o remorso o consumiam. Desesperado, ele pensava: "Como pude aceitar essa ideia tão estúpida? Por que apenas não fui embora junto com Yelena? Como fui convencido a deixá-la fazer isso e principalmente, como aceitei a mudança proposta por ela? Isso não pode acontecer, de forma alguma. O risco é inaceitável".
Decidido a acabar com tudo aquilo, a recuperar sua mulher, o seu verdadeiro amor, Vincenzo pegou as chaves do carro, saindo de casa apressado, assustando Mirian, que o esperava para o café:
– O que deu você? Vai aonde?
Vincenzo não se virou, apenas continuou saindo:
– Vou buscar minha mulher, acabar com essa palhaçada, confrontar aqueles filhos da puta … está na hora de eu fazer a minha parte no plano.
Mirian, tentando segurá-lo, implorou:
– Você não pode. Tudo o que você fez, tudo o que passou, será motivo o suficiente para o seu pai jogá-lo na cadeia por muitos anos. Você não vai estragar apenas a sua vida, mas a de Yelena também.
Vincenzo estava decidido, incapaz de ouvir a voz da razão. Ele se livrou das mãos de Mirian e entrou no carro, precisava correr, pois a cerimônia seria em menos de doze horas e a viagem levaria no mínimo dez.
Continua …
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