Amor em atos - Tempo Rei

Um conto erótico de João Fayol
Categoria: Homossexual
Contém 1638 palavras
Data: 21/07/2023 01:48:34

- Voltou a escrever, vida? - ele inclinou o corpo para baixo, para encostar seu queixo na minha cabeça, enquanto apoiava seus braços no encosto da cadeira em que eu estava sentado, em frente ao computador, enquanto digitava algumas linhas de uma história que havia surgido na minha cabeça nos últimos dias.

- Eu nunca parei de escrever, Benja, as histórias tavam aqui na minha cabeça. Eu só não tinha tempo pra concatenar elas. - inclinei um pouco minha cabeça para trás, o que tirou seu apoio da minha cabeça, mas permitiu que nos olhássemos.

- Boa, meu garoto. - ele sorriu, me deu um selinho e seguiu para o seu escritório, onde entraria de plantão dali a alguns minutos.

A vida seguiu, e começo, novamente, mais um capítulo, dizendo isso. Sim, a vida seguiu. A constância natural da vida é seguir o seu curso, ainda que não seja necessariamente para onde desejemos. A vida lá fora permanecia um caos, já havia um ano desde que tudo havia se iniciado. Se você me perguntar em que ano estávamos, naquele momento, eu não saberia dizer. Tudo era confuso e, apesar dos diversos privilégios que tínhamos, ocasionalmente complexos. O vírus, que anteriormente estava longe, subitamente se aproximou.

Benja e eu perdemos colegas de profissão, parentes distantes, e vivemos o receio de perder Carol, que se contaminou e chegou a ficar em estado grave no hospital, em Miami, mas se recuperou. Já estávamos no meio daquele ano, que parecia estar se arrastando há mil anos. Nossos mais velhos começaram a se vacinar. Que alívio. A vida não estava normal, e nem teria como, mas as coisas estavam se encaminhando para um novo momento. Uma nova fase. Respiro. Alívio.

Entrar em um momento em que eu não precisava me preocupar constantemente com a imunidade dos meus pais, do Benja, nossos avós e demais familiares e amigos mais velhos, fez com que eu tivesse o mínimo de condição de olhar para mim novamente. Escrever, era uma forma de me reconectar comigo, e voltei a fazer isso através de crônicas que eu publicava em um agregador de textos. O texto que Benjamin me viu escrever, foi o primeiro depois de meses. A vida estava voltando minimamente ao seu eixo.

*

E foi tentando retornar minimamente ao eixo, que eu percebi que ele não existia mais. As coisas entre Ben e eu estavam boas. Passamos o último ano juntos, sem muitas brigas e muitos tumultos. Ele me entendia e eu o entendia. Éramos bons companheiros, parceiros e aliados em todas as situações. Eu não retornei à sala de aula, me tornei editor de cultura do mesmo jornal que ele, enquanto ele se tornou chefe de redação do jornal. Avançamos juntos. Crescemos juntos. Estávamos lado a lado. Eu sempre soube que o Benjamin estaria do meu lado em toda e qualquer situação, mas foi somente ao conseguir olhar para nós depois de toda a tempestade, que percebi que éramos como dois olhos: estávamos lado a lado, mas não nos víamos.

Nós já não éramos mais dois jovenzinhos imaturos, éramos dois adultos funcionais. Sentamos e discutimos nosso relacionamento. Montamos estratégias, tentamos nos entender, falamos sobre nossos momentos de vida, nossos planos e expectativas para o futuro. Nada batia. Nada mais batia. Nada era igual. Como o homem da minha vida planejou um futuro sem mim? Como eu planejei um futuro que não encaixava o homem da minha vida?

Foi natural. Nós nos olhamos e somente saiu um:

- Então, é isso.

Então era aquilo. Naquela noite, dormimos em quartos separados. Ao final daquela semana, Benjamin saiu de casa. Não houve choro, nem drama, nem gritaria. O ajudei a fazer suas malas, o levei até a garagem, o abracei e disse que o amava antes dele partir. Ele iria cruzar o túnel e se mudar para Copacabana, passar uns dias com alguns amigos, e depois ver o que poderia ser feito.

Eu não chorei quando subi sozinho, também não chorei quando me arrumei e deitei sozinho na cama, chorei quando, aleatoriamente, enquanto mexia no celular para me distrair, vi um vídeo e quis mostrar para ele; mas ele não estava lá. Foi a primeira de muitas vezes em que eu chorei na cama a dor de ter perdido aquele amor, a dor do futuro e dos planos que se foram, e a dor de ter perdido o controle sobre toda a situação.

- Como você tá? - a voz metálica ressoou no viva voz do meu celular.

- Tô na merda né, Benjamin. - a voz embargada - E você?

- Como que tu acha? - tô ligando pra o meu ex esse horário - o relógio denunciava que já passava das duas da manhã - porque tô de boa?

- Ficar me ligando esse horário não vai ser bom nem pra mim e nem pra você…

- Ficar sem contato nesse momento também não tá me ajudando… e eu não tava conseguindo dormir, precisava falar com você

- Precisava falar o quê, Ben?

- Qualquer coisa. Precisava te ouvir. Eu não consigo dormir sem te ouvir - ele suspirou

- Eu também não tava conseguindo dormir… - pausei no meio do caminho

- Desacostumou a dormir sozinho, né? - ele tentou disfarçar, mas estava bocejando

- Sim…

- Eu sei, ainda me pega muito dormir sem sentir o teu cheiro

Não tinha como ser amigo do Benjamin, no vão das coisas que íamos dizendo, ficava cada vez mais claro como não cabia mais sermos amigos. Eu não precisava estar ao lado dele pra saber que ele também estava pensando o mesmo. Um silêncio pairou na chamada, tive certeza que ele havia dormido, mas a voz metálica irrompeu pelo viva voz novamente:

- Você acha que a gente fez o certo?

- Por que isso agora?

- Porque dói mais do que eu imaginei, João.

- Não me faz pergunta difícil, Benjamin.

- Não é difícil. Tu que é frouxo.

- Se não é difícil, então o que é?

- Complexo!

- E qual a diferença, Ben?

- Ser difícil te deixa muito confortável pra aceitar que não tem solução e tocar a vida. Ser complexo te tira da zona de conforto, e isso você não quer.

No ponto. Que moleque filho da puta.

- Chega. 2 da manhã, não quero mais.

- Então vamo dormir. - aquela voz metálica subitamente ficou manhosa de um jeitinho que eu conhecia muito bem.

- Dorme aí, ué.

- Não, eu quero dormir contigo.

- Você não entendeu muito bem o conceito de ex-namorado, não é?

- Ex-noivo! Eu te pedi em casamento.

- Que seja. Você não captou o sentido.

- 2 da manhã, João. Eu tô com sono, tô cansado e tô com saudade. Vem dormir aqui. - a voz deixou de ser metálica, a sensação é a de que ele estava ali, comigo, sussurrando no meu ouvido.

- Eu não vou sair da minha casa 2 da manhã pra ir pra Copacabana, Benjamin. Não vou passar de carro naquele túnel nem fudendo.

- Porra, tu é chato pra caralho, né, João. Foda-se, então eu vou.

Ele concluiu e bateu o telefone na minha cara. Ele só desligou, e perigo dizer que, se estivéssemos usando linhas fixas do começo dos anos 2000, eu teria ouvido o som do telefone batendo no gancho. Eram 2 da manhã e, agora, o relógio estava mais perto das 02:30 do que das 02:00 de fato.

15 minutos após a batida de gancho na minha cara, a campainha tocou. Eu não precisei nem olhar no olho mágico; era ele. Aquele cheiro de perfume amadeirado invadiu o apartamento antes que eu abrisse a porta. Caminhei até ela, respirei fundo, meu coração estava aos pulos, como se eu não tivesse passado a última meia década em um relacionamento sério com aquele homem. Abri a porta.

Ele estava lá, de shorts, camisa branca e com chaves e capacete em mãos.

- Você quer me reconquistar. - perguntei sem deixá-lo entrar.

- Não. Eu quero dormir com você. - ele tentou entrar, mas eu o barrei.

- O que te faz pensar que eu quero dormir com você?

- Isso - com um traquejo pra ainda estar com aqueles itens em mãos, ele me puxou pela cintura e me trouxe pra mais perto. Nossos rostos ficaram colados e a minha voz ofegante. Aquele maldito perfume estava quase me inebriando o suficiente pra sentir o meu corpo amolecer. - Preciso te provar algo mais?

- Entra logo. - Ele entrou e foi deixando as coisas pelo caminho, me conduzindo até o quarto.

Nós não nos beijamos e nem transamos naquela noite. Literalmente, só dormimos. Ele se deitou na cama e me abraçou, me abraçou como se o mundo fosse acabar e dependêssemos disso para sobreviver. Seu perfume, seu toque e sua respiração junto a minha, eram tudo o que eu precisava naquele momento. E arrisco dizer que, desde que tudo aconteceu, aquela foi a noite em que eu melhor dormi.

Acordei no dia seguinte devagar, com a luz do sol que foi entrando paulatinamente pelo quarto. A cama estava vazia, e a minha cabeça cheia de pensamentos. Ele já não estava mais no apartamento. Não mais sinal de chaves e capacete, somente o perfume parecia impregnado em cada rejunte daquele apartamento. Cumprimos nossa missão e somente dormimos juntos. Não era insônia o problema? Ele não precisava me acordar para uma despedida, já que não tínhamos mais um relacionamento e já havíamos nos despedido semanas antes.

Porra, eu não era mais um juvenil, não imaginei que ainda pudesse sentir tanto a dor de uma decisão tomada com base na maturidade. Mas no fim, acho que é isso, a maturidade, na maior parte do tempo, transpassa a beleza.

Naquela manhã, em que o sol se levantava no Rio de Janeiro, me acheguei na varanda do apartamento, e ainda tentando entender o que se passava em mim, cantei uma música em forma de prece, na esperança de que me fosse entendido:

Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei

Transformai as velhas formas do viver

Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei

Mãe eterna do perpétuo, socorrei

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Comentários

Foto de perfil de Jota_

Que obra, João! Espero que o tempo possa trazer a melhor forma para o relacionamento dos dois

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