Estava tão feliz que decidi que sairia para passear pela cidade e experimentar meus novos dons linguísticos. Vesti-me de uma forma elegante, pois o frio era intenso e, pouco antes de vestir meu sobretudo, ouvi duas batidas na porta do meu “apart”, certamente Paulo tendo a mesma ideia e me convidando para passear. Fui toda serelepe atender a porta:
- Oi, Nanda!
- Rick!? O que você está fazendo aqui, caramba!
PARTE 21 - EXORCIZANDO MEUS DEMÔNIOS
- Nossa! Que acolhida, hein!? Nem parece que somos amigos...
Respirei fundo porque estava vendo tudo acontecer novamente e aquilo não me agradava nada. Estranhei que, por mais que eu gostasse dele, ali, naquele momento e circunstância, não senti nada a não ser surpresa e um certo desagrado por ele estar me cercando novamente. Ainda assim decidi ser um pouco mais “Mark” e tratá-lo polidamente para saber quais seriam suas reais intenções, não que eu já não imaginasse…
- Desculpa! Mas é que amigos costumam avisar quando vão fazer uma visita.
- Quis fazer uma surpresa!
- Aham, e conseguiu! Mas e aí, o que você está fazendo aqui?
- Ora, eu pensei que aqui, longe de tudo e de todos, a gente poderia ter um pouco de tranquilidade para se conhecer melhor.
- Ahhhh…
- Então, cá estou eu!
- Rick, você vai me desculpar, mas eu estava de saída…
- Ótimo, saio com você! Conheço vários lugares bacanas.
- Grata, mas já tenho companhia.
Ele me olhou surpreso e arregalou os olhos, não se aguentando:
- Quem?
- Isso não é da sua conta, mas, se me dá licença, realmente eu tenho que ir. - Falei, trancando a porta do meu “apart” sob o olhar atento dele.
Comecei a andar em direção ao elevador e ele começou a me seguir. Quem não aguentou agora fui eu, perguntando assim que as portas se abriram:
- Vai descer?
- Vou.
Assim que ele entramos no elevador, apertei o botão do andar da recepção, ainda segurando a porta e saí do elevador, deixando-o só enquanto me olhava:
- Tchau, Rick. - Disse e soltei a porta.
Assim que a porta se fechou, peguei meu celular e liguei para o Paulo, contando tudo o que acabara de me acontecer. Ele pediu que eu subisse até o seu “apart” e fui. Logo, ele me atendeu e depois de praticamente repetir tudo novamente, ele perguntou se eu não gostaria de companhia para o passeio. Concordei e saímos. No saguão do “apart”, sentando num sofá, quem me aguardava? Sim, o Rick, que não se abalou e veio nos confrontar:
- Então, é ele?
- Oi!?
- Esse é o cara com quem você está saindo?
- Rick! Esse é o Paulo, um grande amigo e, desculpe, eu não te devo satisfação alguma da minha vida. Agora, se nos dá licença…
- Poxa, Nanda, eu vim do Brasil só para te ver!
- Não te pedi para fazer isso! Não queira me cobrar por isso que essa dívida não é minha. - Virei-me para o Paulo e pedi: - Será que podemos ir?
Ele somente assentiu com a cabeça e voltamos a caminhar. Daí o Rick fez algo que me surpreendeu e muito, colocando-se em nossa frente e parando o Paulo com uma mão em seu peito. Fisicamente, a diferença entre eles era bastante notável e a vantagem era, sem dúvidas, do Rick; mas o Paulo tinha algo que ele não tinha, o mesmo olhar e forma madura de ser do Mark:
- Rapaz… - Paulo começou a falar com uma calma e frieza assustadora: - Tire a mão do meu peito e saia da nossa frente! Aqui não é o Brasil e se eu tiver que tomar uma providência, você não irá gostar nada…
Inclusive, nesse momento um segurança do “Apart Hotel” se aproximou e falou numa voz grave e grossa, de um inglês polido e imponente:
- Gentlemen, madam... I ask you to control yourself or I will be forced to invite you to withdraw. (Senhores, madame... Peço que se controlem ou serei forçado a convidá-los para se retirarem.)
- I appreciate your intervention, sir, but we are users of units in the building. This gentleman is the one who is pestering my young friend. (Agradeço sua intervenção, senhor, mas somos usuários de unidades do prédio. Esse senhor é quem está importunando minha jovem amiga.) - Paulo explicou calmamente para ele, mostrando sua chave de acesso.
- Sir, I ask you to withdraw immediately, or I will be forced to take action. (Senhor, peço que se retire imediatamente, ou serei obrigado a tomar providências.) - O segurança insistiu, olhando com cara de poucos amigos para o Rick.
Rick encarou o segurança e respirou fundo, falando em seguida:
- I’m so sorry! - Virando-se para nós na sequência: - Me desculpem. Eu… Eu só fiquei surpreso que você já estivesse com alguém. Só isso.
- Rick, ele é meu amigo, assim como você. Só não confunda nosso status novamente, por favor. Agora, realmente estávamos de saída. - Insisti.
Ele então se despediu e saiu porta afora. O Paulo pediu para o segurança limitar a entrada dele no prédio novamente e ele se comprometeu a adotar as medidas de seguranças para garantir que isso não se repetiria. Por questão de formalidade, pediu que eu também lhe exibisse o cartão da minha unidade, o que fiz no ato. Despedimo-nos e saímos porta afora, sem nenhum sinal do Rick por perto. Pensei que ele fosse pegar um carro, táxi, Uber, sei lá, mas, ao contrário, convidou-me para acompanhá-lo ao metrô, explicando que era muito normal as pessoas, inclusive famosos, se locomoverem assim por lá.
Entrei meio desconfiada, afinal, mineira, do interior, caipira, tem medo de tudo e eu não era diferente. Qual não foi a minha surpresa ao ver que era muito melhor do que eu imaginava: tudo muito limpo, organizado e, pelo horário, relativamente vazio. Sentamo-nos pois demoraria algumas estações até a que utilizaríamos para mudar de linha. Sem surpresa alguma, mudamos de linha e quando entrei, esbarro em quem? Keanu Reeves. Gente, que homem! Barbudo, alto, cabeludo, simpático, respeitador e que fez questão de se levantar para que eu sentasse. Em virtude da idade, deixei que o Paulo se sentasse, pois já havia reclamado mais cedo de uma dor do ciático que o incomodava. Em pé, ao lado daquele homenzarrão um pouco mais alto que eu, não pude deixar de sentir um perfume amadeirado, mas marcante. Acho que minha postura, levantando a narina enquanto sentia o delicioso odor o deixou curioso:
- Sorry! Is my perfume bothering you? (Desculpa! Meu perfume a está incomodando?)
- What!? No, no way! I actually liked it a lot! He's... different.(O quê!? De jeito algum! Na verdade, eu gostei muito! Ele é... diferente.)
- A good different, then? (Um diferente bom, então?)
- Oh, yeah! Very much… (Ah, é! Muito mesmo…)
E não é que a gente engatou uma conversinha mole durante o meu curto trajeto sob o olhar surpreso e curioso do Paulo. Acabei pedindo desculpas pela minha pouca familiaridade com a língua inglesa, contando ainda que era do Brasil e descobri que ele acha nosso país lindo, as mulheres então deslumbrantes (olhando bem em meus olhos), mas que considerava muito perigoso viver lá. Concordei com ele, mas expliquei que eu era do interior do interior do Brasil, de uma cidade pequena e bem pitoresca, com baixíssimo índice de criminalidade:
- Who knows, maybe one day I won't have the pleasure of meeting her in person? (Quem sabe um dia eu não tenha o prazer de conhecê-la pessoalmente?) - Falou, olhando para mim e fiquei vermelha.
Bem nesse momento, chegamos à estação em que iríamos descer. Agradeci sua companhia e lamentei não ter tirado uma fotografia com ele que me surpreendeu, descendo junto de mim só para tirar uma fotografia. Descobri nesse momento como um homem respeitador age de verdade, pois ele, ao se aproximar de mim, ao invés de colocar uma mão por trás da gente, que é o que se espera, colocou o braço atrás de suas próprias costas, apenas se aproximando para a foto:
- Want me to send you or tag you on Facebook, Instagram?... (Quer que eu te envie ou te marque no Facebook, Instagram?...) - Perguntei.
- There's no need, Fernanda. It was a pleasure to meet you. I hope we meet again. (Não há necessidade, Fernanda. Foi um prazer conhecê-la. Espero que a gente se reencontre novamente.)
Despedimo-nos quando outro trem já se aproximava e o vi indo embora. Não consegui deixar de encará-lo um pouco mais e o Paulo notou:
- Terra para Fernanda! - Brincou: - Vamos, minha cara? Ou você quer pegar o próximo trem.
- Ah, Paulo, eu queria ter pegado aquele… - Apontei para o trem já saindo com a minha mais nova paixonite galopante indo embora.
- Acho que você gostou de andar de metrô mais do que eu?
- Você acha!? Eu nunca mais ando de táxi. Putz, Keany Reeves! Ah, deixa o Mark saber disso.
Ele me olhou e me toquei do que havia feito: estava passeando com ele, sem saber quais seriam suas atenções, mas o meu marido não saía da minha cabeça. Pedi desculpas, mas não sabia exatamente porquê:
- Fica tranquila, Fernanda. Sei que ainda é muito recente e, sinceramente, ainda acho que você vai lutar por ele. Só não sei como fará agora que terá que mudar de cidade.
- Então, essa é uma coisa que eu queria conversar com o senhor, digo, você. Será que não teria alguma forma de eu continuar na filial da minha cidade, Paulo? Poxa, eu não fiz nada que prejudicasse a empresa ou a boa fama dela.
- Lamento, Fernanda, mas já foi difícil convencê-los a aceitarem sua transferência; a permanência lá é praticamente impossível.
Aquilo me derrubou, mas a palavra “praticamente” não eliminava totalmente a possibilidade. Preferi não continuar aquele assunto por enquanto.
Fomos caminhando por umas duas quadras e então vi que estávamos indo rumo a um prédio imponente que depois ele me explicou ser o Metropolitan. Bem, resumo da ópera (sem redundância): passeamos pelo ambiente enquanto o Paulo conseguiu e depois decidimos almoçar num restaurante no próprio local. Aliás, decidimos nada, porque o Paulo já havia feito reservas, senão nem teríamos entrado. Teria sido um dia espetacular não fosse o Rick e uma pulguinha que começou a saltar atrás da minha orelha: por que o Paulo estaria sendo tão gentil assim comigo?
Assim que retornamos ao nosso “Apart”, de metrô mas sem o prazer da companhia do meu Keanu, subimos diretamente e me despedi dele ainda no elevador. Cheguei em meu cafofo e mandei minha foto para o WhatsApp do Mark, contando da novidade. Ele me mandou uma “exclamação” gigante e aproveitei para fazer uma chamada de vídeo:
- Cê viu aquilo!? - Perguntei, sem nem cumprimentá-lo, assim que ele me atendeu.
- Tá pouca coisa não, hein? Daqui a pouco vai estar fazendo filme por aí.
- Mor, que cara cheiroso! Mas mais que isso, ele é super gente boa. Acredita que ficamos conversando um tempão no metrô? Dá nem pra acreditar que ele é ator.
- Tá animadinha, hein!? Vai rolar pelo jeito, né?
- Rolar!? Cê tá louco, mor? - Comecei a rir: - É só o que me faltava, eu e o Keanu pelados numa cama…
Pior é que a ideia começou a me deixar excitada apesar da total impossibilidade. Naturalmente, quando estou excitada, isso fica estampado na minha cara e o Mark pegou no ar:
- Falei!? Olha a cara da safada aí…
- Não! Tem nada disso não, sô! Imagina… Ele nem quis receber a foto numa rede social, celular então, nem cogitei pedir.
- Estou brincando, né! Só o que falta era você começar a se engraçar com atores por aí. Daí é que não volta mais mesmo…
- Oi!?
- “Oi” o quê?
- Eu senti uma pontada de ciúme da sua parte, mor?
- Eu!? De mim? Você está viajando, literalmente, né! Vou chamar as meninas…
Pouco depois as meninas assumiram a chamada e ficamos um bom tempo interagindo. Soube pela minha caçula que o Mark continuava se encontrando com o “acarajé de saia”, mas a Mary explicou que eles só se encontraram para conversar, mas que ela havia voltado para São Paulo. “Uai! Então, não é tão sério como eu imaginava.”, pensei e sorri feliz. Pela diferença do horário, logo o Mark encerrou nossa interação e mandou as filhas se arrumarem para dormir. Precisei tirar minhas dúvidas:
- E você e a Iara…
- Não tem nada de mim e a Iara! Não estamos juntos. Só nos encontramos no sítio dos meus pais e nada mais.
- Nem deu vontade?
- Já estou tendo trabalho demais para consertar uma baita cagada que a senhora aprontou na cabeça das meninas. Eu não tenho tempo, nem disposição para namoros agora.
- Ah tá… Você sem disposição! Me engana que eu gosto… - Brinquei e insisti: - Mas a Denise me disse que vocês andaram ficando…
- Sim, trocamos alguns beijos, mas foi só isso e deixei bem claro para ela.
Aquela informação deixou-me muito feliz, mas estranhamente preocupada também. O Mark não era de negar fogo para ninguém e não negaria para uma loira linda e chique como a Denise, nem mesmo para uma mulata estonteante como a Iara. Ou o problema com minhas filhas era maior e mais grave do que eu pensava, ou então eu tinha causado um baita na cabeça do meu marido e isso me doeu demais. Agora e ainda mais dele, eu não conseguiria nenhuma resposta. Decidi esperar e conversar com alguém que poderia talvez me ajudar: o doutor Galeano.
Não ajudou! Ético como eu sabia que era, negou me falar sobre o Mark, mas disse que estava conversando com ele também, pois queria ajudá-lo e as minhas filhas a superarem essa má fase. Isso ficou bem claro na nossa sessão virtual do dia seguinte:
- Doutor, eu estou com medo que o Mark possa estar ficando meio, sei lá, desinteressado em mulheres, entende?
- De onde você tirou isso, Fernanda?
- Uai, doutor, eu… É que eu sei que duas interessadas no Mark e ele me falou que só andou trocando uns beijos com uma delas. Eu conheço o meu marido, ele não é homem de trocar beijos sem tirar a roupa da mulher. Sei lá, tô com medo de ter danado a cabeça dele.
Ele deu uma alta e debochada gargalhada de meu temor que durou um bom tempo, só voltando a conversar comigo quando se fartou de rir. Eu já estava a ponto de brigar com ele, mas seu equilíbrio me trouxe de volta ao chão:
- Fica tranquila, querida. O Mark é um cara extremamente racional e o foco dele hoje é reequilibrar as filhas. Ele não tem pressa, tem prioridades e simplesmente o sexo não é uma delas. Tão logo ele coloque a casa em ordem, tenha certeza de que ele vai “passar o rodo geral”.
- “Passar o rodo geral”!? Isso é um termo técnico? - Perguntei, bem mais leve e rindo de sua conclusão.
- Olha, não é, claro. Mas é que, conhecendo um pouco do Mark, sei que é isso que ele irá fazer: namorar várias, sem se apegar a ninguém.
- Ah… Tá…
- E você, volta quando para reconquistar seu grande amor?
- Não sei bem, doutor, o negócio aqui acho que irá durar uns dois meses e o Mark, bem… - Suspirei fundo: - Não sei se sou a melhor para estar ao lado dele.
- Fernanda, minha querida paciente impaciente, vocês se amam, sua boba. É recíproco! Vocês realmente são muito, muito diferentes, mas é isso que fez dar certo: cada um complementa o outro naquilo em que o outro é fraco: Mark é racional, falta impulsividade e emoção; você é impulsiva, e bota impulsiva nisso, mas falta raciocínio e sutileza. Um é a tampa da panela do outro, minha cara, juntos vocês se equilibram.
Não aguentei e comecei a chorar na frente do computador, enquanto ele me olhava mas sorria feliz com o efeito causado. Quando pensei que já estivesse desidratada, parei e o encarei, seu sorriso aumentou:
- Está vendo? Você ama ele, minha querida. Não desista.
- Eu desequilibrei meu casamento, doutor… Eu desequilibrei, quando deixei de ouvir meu marido. Ele só queria nos proteger e eu ignorei.
- Sim, mas se você conseguiu abrir essa cabecinha dura, enxergando isso e compreendendo a importância de ouvi-lo, é possível reconstruir, desde que você não desista, entendeu?
- Poxa, por que o Mark não é ponderado como o senhor, doutor? O senhor fala de uma forma tão simples…
- Querida, é muito mais fácil nos posicionarmos quando enxergamos um problema de fora dele. Por mais equilibrado que o Mark seja, ela está envolvido, então isso dificulta um pouco, entende?
Eu ainda não entendia muito bem, mas compreendia o bastante para saber que ainda tinha uma chance, dependendo apenas de mim ou, pelo menos, a maior parte. Conversamos mais um pouco e, por fim, nos despedimos.
Naquela mesma noite, pouco antes de dormir, recebi uma chamada de vídeo da Maryeva e me assustei porque, pelo horário, ela já deveria estar dormindo, então presumi que algo muito grave devia ter acontecido para ela, justo ela me ligar. Eu estava certa:
- É verdade o que o pai me contou? - Maryeva perguntou com um semblante seriamente assustador.
- Contou o quê, querida?
- Que vocês saíam com outras pessoas, ué!
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DA AUTORA, SOB AS PENAS DA LEI.