Naquela mesma noite, pouco antes de dormir, recebi uma chamada de vídeo da Maryeva e me assustei porque, pelo horário, ela já deveria estar dormindo, então presumi que algo muito grave devia ter acontecido para ela, justo ela me ligar. Eu estava certa:
- É verdade o que o pai me contou? - Maryeva perguntou com um semblante seriamente assustador.
- Contou o quê, querida?
- Que vocês saíam com outras pessoas, ué!
PARTE 22 - RECOMEÇO
Aquilo me gelou de imediato, pois o Mark não havia me falado nada sobre revelar o nosso estilo de vida liberal para ela, ainda mais para ela, uma adolescente que mal começou a descobrir o mundo. Ela insistiu:
- É verdade ou não, mãe!?
- Meu Deus… - Suspirei com um aperto fortíssimo no meu peito.
- Caramba, dá pra falar comigo!?
- Mary, esse não é um assunto fácil de se tratar por telefone, nem pessoalmente acho eu.
- Tá bom então. Vou desligar. Tcha…
- Não! Espera… - Pedi e suspirei fundo: - O que foi exatamente que o teu pai te contou?
- Que às vezes vocês saíam para se divertir com outras pessoas.
- Divertir?
- Sexo, mãe! Trepar, fazer essas coisas aí… - Disse e deu uma risada constrangida: - A senhora não quer que eu te ensine essas coisas, né?
- Não, não, claro que não, querida. Por que teu pai te contou isso? Não estou entendendo…
- É verdade ou não?
- É, Mary, é verdade. Mas por que ele te contou isso?
- Porque eu estava pensando em nunca mais falar com a senhora. Eu não achava justo a senhora ter traído ele e nos abandonado, daí falei para ele que não queria mais falar com a senhora. Então, ele me chamou para conversar de noite, depois que a Mi foi dormir e contou essa história.
- Nossa! Amor, escuta, o teu pai não tem culpa de nada. Tudo o que fizemos foi porque nós dois quisemos, entendeu? Seu pai é espetacular, um ótimo homem, um pai maravilhoso e um marido fora do comum. Infelizmente, eu pisei na bola.
- Mas não entendo… Se você podia transar com quem quisesse, por que abandonou a gente? Não era só sair, transar e voltar para casa? Não estava bom assim?
- Mary, olha só… - Eu buscava palavras, mas as danadas começaram a me faltar, além de que, naquela pressão, eu suava frio: - Sim e não. Você ainda é nova, mas um dia irá entender que nós, mulheres, não funcionamos exatamente como os homens. A gente necessita quase sempre de um envolvimento mais íntimos, algo que vá além do físico, entende?
- Não! Tô entendendo não…
- Tá! Vamos lá, deixa eu ver se consigo ser mais clara… Nós mulheres somos mais empáticas, mais sentimentais que os homens, tudo bem? - Ela confirmou com a cabeça: - Então, além de uma atração física, nós também precisamos ser cortejadas, paparicadas, para criarmos um elo sentimental com o homem, entende?
- Mais ou menos…
- Então… O que aconteceu é que eu conheci o Rick e esse elo acabou sendo mais forte do que eu imaginava. Daí eu confundi as coisas e me apaixonei por ele, mas nunca, escuta bem, nunca deixei de amar o seu pai. Só que nós tínhamos um acordo para não repetir os parceiros justamente para evitar esse risco. Eu achei que podia repetir e…
- Entendi…
- Não, mas olha, eu hoje sei que errei e que o que eu senti pelo Rick nem era tão forte assim, tanto que não estamos mais juntos e não sinto a menor falta dele.
- E por que não diz isso para o pai?
- Já falei, querida, várias vezes. O problema é que quando seu pai quis tomar a frente para cortar qualquer contato entre mim e o Rick, eu me posicionei contra ele que entendeu isso como uma afronta a ele e a nossa família. Isso o magoou demais. Talvez se fosse só por ele, já teria me perdoado, mas quando coloquei nossa família em risco, ele se rebelou. E depois teve aquela situação no restaurante…
- É, lembro bem disso!
- Pois é, teve essa situação e a do blogueiro… Tudo isso piorou a minha situação com o seu pai e… Bem, estamos assim agora, praticamente separados.
- Mas você gosta dele?
- Do Rick!? Gosto, mas não amo, nem apaixonada estou, porque, como te disse, não sinto falta dele.
- Não, mãe, eu perguntei se a senhora gosta do pai?
- Eu amo o seu pai, Mary, com todas as forças do meu coração, mas não sei como reconquistá-lo, nem sei se sou a melhor mulher para ficar ao lado dele.
Ela se calou, aliás, nós duas, mas vi que ela olhava para a tela e, às vezes, ao seu redor, pensando em tudo o que havia ouvido. Tinha dúvidas, é óbvio, mas o que me assustava agora era o seu julgamento. Ao final de um tempo que não sei quantificar, ela voltou a encarar a tela:
- Tá, eu preciso pensar em tudo isso. Não sei se concordo, não sei se acho certo, não sei se quero isso para mim um dia, mas agora entendi que você tem culpa, mas não é uma culpa só sua, o pai também tem um pedaço…
- Não, não tem, Mary! Não culpe seu pai por nada do que eu fiz! Nós tínhamos algumas regras para nos aventurarmos nesse mundo, querida, que, infelizmente, eu acabei quebrando. Seu pai tentou até o último momento me ajudar, mas eu o enfrentei. Não brigue com ele porque não seria justo.
- Não vou brigar com ele, bem, acho que não. Vou pensar em tudo e voltamos a conversar depois, pode ser?
- Claro, meu amor, claro que pode! Quando você quiser, a qualquer momento, é só me ligar.
- Tá, mãe, vou desligar então. Beijo.
- Beijo… Ah, Mary, eu te amo demais, viu? Não sabe como fico feliz em conseguir ter uma boa conversa com você novamente.
Nesse momento, ela me deu um lindo sorriso:
- Também te amo, mãe. A gente se fala.
Depois disso, ela desligou. Aquela tensão que eu sentia transbordou em forma de lágrimas, mas, estranhamente, eu sorria a todo o momento em que também chorava. Uma sensação gostosa de que o Mark havia conseguido me reconectar à minha filha me tomou e senti uma imensa necessidade de falar com ele também. Aliás, eu precisava xingá-lo por ter me jogado na fogueira sem aviso prévio, afinal, não estava nem um pouco preparada para uma conversa daquelas. Tentei fazer uma chamada de vídeo para ele, mas ele não me atendeu, também pudera, pelo adiantado da hora, ele devia estar dormindo.
Decidi dormir também. Não consegui! Passei praticamente a madrugada em claro, só descansando um pouco após as quatro. De manhã, meu doce calvário com a Mrs. Thompson recomeçou e eu não podia esmorecer, afinal, era minha última semana de aula, pois na próxima segunda-feira, teria início o treinamento no escritório central e aí, o que já era pedra, viraria pedreira da pior espécie.
No dia seguinte, conversei com o Mark para entender tudo o que estava se passando lá e para contar como havia sido a minha conversa com a Maryeva. Ele me explicou que fez aquilo porque ela estava muito revoltada comigo, sem entender como eu tive coragem de abandoná-los e ele precisava fazer alguma coisa para aliviar sua barra. Daí como ele sempre teve uma ligação muito próxima dela, a chamou para uma conversa de adulto e abriu o jogo:
- Mor, mas ela é só uma criança…
- Que criança o quê, Fernanda! A Maryeva é muito mais madura do que você imagina. No começo, ela ficou surpresa e assustada com o que eu contei, mas depois, explicando para ela as sutilezas dos relacionamentos e que aquilo deveria ser só diversão, ela foi amansando.
- Mas ela não quis te culpar também?
- Quis e acho que, de certa forma, me culpa um pouco pelo que aconteceu, afinal, fui eu que propus isso lá no começo, não é? Só que quando você explicou que você havia descumprido nossas regras, ela entendeu que o erro não partiu de mim. Depois, comecei a divagar um pouco com ela sobre filosofia, psicologia e ela foi entendendo que o que aconteceu não foi exatamente culpa de ninguém. Aliás, acho que ela até culpa o Rick, porque se ele não tivesse insistido tanto e tivesse respeitado a nossa família, mesmo você em dúvida sobre mim ou ele, nada disso teria acontecido.
- Nunca tive dúvidas a seu respeito, Mark. Você pode até não acreditar, mas eu nunca deixei de te amar um único segundo sequer. Eu queria que você pudesse entrar no meu coração para entender o tanto que te quero comigo e como está sendo difícil estar longe de você e delas.
- Pois é, mas esse amor não foi suficiente para você…
- Para, por favor, para! Eu errei, eu sei. Eu nunca deveria ter te enfrentando, pois eu sabia, no fundo do meu coração, que você só queria proteger a gente, mas eu sou eu e precisei tomar essa pancada para entender o quanto você me amava e só queria me proteger, aliás, a mim e as meninas. Desculpa, pelo amor de Deus!
- Eu já te desculpei faz tempo, Fernanda.
- De coração?
- Claro!
- Posso voltar, então?
- Como assim?
- Você me receberia de volta em seu coração e em nossa família?
Ele se calou, olhando para a tela, e havia uma imensa interrogação em sua face. Não era justo pressioná-lo, mesmo porque eu mesma não tinha certeza se queria insistir naquele casamento. Ele precisava de uma mulher especial e eu já não me sentia mais “a tal”:
- Desculpa! Esquece dessa pergunta. - Falei.
- Acho que a Mary está namorando?
- Como assim?
Ele passou a me explicar sobre um tal Leonardo que não parava de mandar mensagens para ela, fato que ele só descobriu porque compartilhou com ele. Meu marido, mais que pai era seu melhor amigo e confidente, e foi a primeira pessoa que ela procurou para saber como agir. Imaginei que ele fosse ficar enciumado, mas qual não foi minha surpresa ao saber que ele deu a maior força para que ela experimentasse, mas sem abusar daquela possibilidade. Aliás, saber disso por ele, fez com que eu me sentisse parte novamente daquela família, mesmo que a distância.
A semana passou rápida e sem nenhuma novidade. O Rick desapareceu, o que me causou uma certa estranheza e até medo de que ele poderia estar armando alguma coisa. Nesse meio tempo, às vezes, eu me encontrava com o Paulo para almoçarmos e conversarmos sobre a vida, mas dentro de um respeito enorme, inclusive, ele me aconselhou e ensinou como proceder ali nos Estados Unidos caso o Rick voltasse a aparecer e ele não estivesse por perto. Ele me lembrava bastante o meu Mark, só que uns dez ou quinze anos mais velho e com cabelo, mas também bastante calmo, maduro, cordial, intenso. Sua companhia me fazia bem, mas ele também tinha seus afazeres e já havia me avisado que teria que voltar para o Brasil em alguns dias. Quanta inveja tive dele, pois eu adoraria voltar também.
Minhas conversas com a Mary continuaram e fiz questão de responder todas as suas dúvidas sobre o nosso estilo de vida, naturalmente sem entrar nos detalhes mais explícitos. Teve um dia que ela quis saber se apenas eu “pulava a cerca” ou se seu pai também. Respondi com uma pergunta:
- Quando você virou mocinha, com quem você teve sua primeira conversa sobre sexo?
- Oxi, com ele, né!
- Mary, eu não entendo de onde você tirou esse “oxi” até hoje! Você é mineira, menina, deveria falar “uai”, “sô”, “ara”, “nóó”, “nu”, mas não, tem que vir com esse “oxi”. De onde você tirou isso?
- Ah, sei lá, mãe. Devo ter ouvido em algum lugar.
- Tá, sei… Mas então, voltando, seu pai é muito mais safado que eu e sempre teve facilidade para conversar sobre sexo! Eu aprendi quase tudo o que sei com ele. Então, querida, acho que você já tem sua resposta, né!?
- A Barbie Sonserina?
- Denise!? Sim, algumas vezes.
- Mas e aquela história de repetir? Você disse que não podia…
- Sim, é verdade. Só que seu pai é homem, e ele consegue separar muito bem o sexo do sentimento; mas eu, pessoalmente, também não gosto dessa ideia de repetir, acho que pode dar errado, tanto que deu no meu caso, né?
- A Iara?
- A Iara também e para piorar, ela é ex-namorada do seu pai, muito anterior a mim. Você acredita que ela chegou a me ligar e disse que iria lutar pelo seu pai. Ô baianinha abusada…
- Melhor cê “amarrar as calça”, mãe, ela é um mulherão! Não tem onde ela não passa que não chama atenção de todo mundo.
- Obrigada, Mary, agora estou me sentindo muito mais confiante para reconquistar o seu pai. Sua cachorrinha…
Ela deu uma gostosa gargalhada, mas explicou na sequência que seu pai não tinha saído das conversas com a Iara, tanto que ela havia voltado para São Paulo, porque seu trabalho necessitava de sua presença:
- Mas ela não tem cara de que vai desistir, porque, enquanto esteve aqui, ela praticamente assumiu o seu lugar na casa, ajudando na limpeza, cozinhando, lavando, brincando com a gente.
- Aí em casa!?
- É! Mas não foi o pai que chamou não! Ela simplesmente chegou e foi tomando conta de tudo. O pai até tentou brecá-la, mas, vixe, ela é mais espaçosa que a senhora e não dava tempo: quando o pai tirava da cozinha, ela ia pra lavanderia, o pai tirava de lá e ela ia pra sala… Não foi fácil não, mas ela é uma figuraça, boa de conversa e divertida pacas.
- Ah, que bom que você gostou.
- Ah é… Não tenho como negar que ela seja legal e mãe, o vô e a vó tão fazendo a mó torcida por ela. Então, se a senhora quiser garantir seu lugar é melhor dar seus pulos. Inclusive, o pai disse que vai para São Paulo na semana que vem…
- Para vê-la?
- Bem, ele disse que é a trabalho, né, mas sabendo desse lado liberal de vocês, eu não duvido nada que eles se encontrem por lá.
- Mary, é impressão minha ou você está fazendo força para eu me acertar com o seu pai?
- Uai, se vocês se amam, por que não tentarem se acertar novamente, né?
Não aguentei ouvir aquilo e acabei chorando de felicidade por saber que minha filha já me queria de volta. Ela ficou preocupada, mas fiz questão de explicar:
- Tá tudo bem, querida. Não sabe o medo que tive de te perder. Agora, sabendo que você está comigo, me ajudando, não consegui evitar umas lágrimas, mas são de felicidade, tá bom?
- Você é muito esquisita, mãe! - Disse sorrindo.
- É, sou mesmo! Ah, fiquei sabendo que tem um certo senhor Leonardo arrastando suas asas para cima da senhorita. Juízo, hein!?
Ela deu um delicioso sorriso, mas não tive como não ver uma pontinha de malícia em seus lábios. Conversamos um pouco a respeito e o Mark estava certo, pois minha filha parecia interessada no garoto:
- Fico feliz por você, por vocês, mas Mary, se tiver alguma dúvida, qualquer dúvida, mesmo se achar que chegou a hora de se entregar de verdade para esse rapaz…
- O que é isso, mãe!? Tem nada a ver, cara!
- Tem sim! Eu já tive a sua idade e sei como são essas coisas. - Retruquei, sem recriminá-la e voltei a pedir: - Se você achar que chegou a hora, converse com o seu pai. Ele é a melhor pessoa desse mundo para te orientar. Tenho certeza que ele irá te ajudar a se preparar para o grande momento.
Ela começou a rir de sair lágrimas de seus olhos e, ao parar, confidenciou:
- Mãe, o pai estava me ensinando a colocar camisinha em banana ontem! Nunca ri tanto na minha vida. Ele ficava fazendo palhaçada, brincando com a banana e me ensinando. Cara, que mico…
- Mas aprendeu?
- Tive que aprender, né? Ele me obrigou a encapar uma banana!
Ri de chorar com ela contando da experiência e desligamos pouco depois. Eu estava com o coração leve, feliz, quase saltitante, tanto que me permiti explorar a noite americana acompanhada da Suzy, uma típica americana loira e peituda, amiga que havia feito no escritório da empresa. Entretanto, o que aconteceria nesse dia mudaria completamente a minha forma de me ver como mulher, inclusive para o Mark.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
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