NARRAÇÃO JIMMY:
Trevor está sentado ao nosso lado. Faz uns 20 minutos que ele não solta nenhuma piada ou ofende alguma minoria. Eu menti para o meu melhor amigo. Menti justamente para evitar esse momento. Não existe um momento da minha vida em que não fossemos nós dois. E se eu perder a amizade dele?
O pôr do sol desce lentamente por trás das montanhas geladas do parque. O frio começa a apertar, mas ninguém toma a iniciativa de ir embora. O coitado do Ethan está verde, não sei se pelo flagra ou pela temperatura. É uma situação horrível e não sei como agir.
— Tá, vamos lá. — solta Betty, se levantando e limpando o casaco. — Brian, o James é o teu melhor amigo. Vocês se conhecem desde sempre. Então, por favor, não vai ser um babaca homofóbico. Os dois se gostam e não há nada que possamos fazer. A vida é deles, ou seja, não é um problema teu — ela explica de uma maneira grossa, mas sincera. O Trevor não tem nada haver.
— Eu homofóbico? Eu não sou homofóbico. Eu só tô puta da vida, porque o meu melhor amigo escondeu esse segredo de mim. — diz um exalado Trevor, que se levanta e fica andando de um lado para o outro. — Nós sabemos "quase" tudo um do outro. — usando aspas na palavra quase. — Tipo, teve aquela vez que eu quebrei o vaso da mamãe, quem foi a primeira pessoa que eu pedi ajuda?
— Eu. — digo.
— E naquele dia em que eu caguei nas calças durante a aula do Sr. Diaz. Quem foi até minha casa pegar uma bermuda? — o questionamento de Trevor faz Ethan e Betty se olharem.
— Eu. — respondo novamente.
— Quando os meus pais se divorciaram, hein, quem dormiu uma semana na minha casa?
— Eu, Trevor. Ok. — falo, levantando e andando na direção dele. — Desculpa, se eu não te contei, ok. Eu fiquei com medo. Fiquei com medo de perder o único amigo que eu tenho. Tem tanta coisa na minha vida que você não sabe. E eu não te conto, pois eu te conheço. Sei que não vai medir esforços para me ajudar. — de repente, as lágrimas começam a descer pelo meu rosto.
— Coisas que eu não sei? — ele questiona me olhando. — Do que você tem medo?
— Sabe porque eu passei duas semanas de molho? Não foi uma maldita cirurgia de apêndice qualquer. O meu pai me deu uma surra porque esqueci as ferramentas de sua oficina fora do lugar. Ele rompeu o meu baço depois de me dar 10 chutes. É disso que eu tenho medo. — caio de joelhos no chão. — Eu tenho medo que ele possa te machucar também....
— Jimmy, desde quando isso acontece? — ele questiona, mas eu não consigo falar, pois começo a chorar igual um idiota.
— Desde sempre, Brian. — solta Ethan e fico com mais vergonha ainda. — O Sr. Robinson tortura o Jimmy desde sempre. O corpo dele está cheio de hematomas e cicatrizes por...
— Por isso, que você não tira a camisa em público. — o Trevor olha para mim. — Como eu nunca percebi isso antes? Irmão. — ele se ajoelha na minha frente e me abraça. — Sinto muito, Jimmy. Eu sou o pior amigo do mundo. Eu sinto muito.
— Que fofo. — solta Betty de maneira debochada. — Se não tivesse trocado meu coração por outro figado, eu estaria chorando agora.
— Betty, para. — Ethan briga com ela, que pede desculpas.
— Isso significa que eu não preciso mais ficar vigiando o Trevor? — pergunta Betty me fitando com seus olhos castanhos.
— Pera aí. — Trevor para de me abraçar. — Você estava me vigiando?
— Sim, o casal arco-íris queria um tempo a sós. E eu estava ajudando nessa missão. Ah, e não fica bravinho eu descobri sem querer e acabei entrando neste vórtice amoroso. Sou tão vítima quanto você. — ela se defende e faz todo mundo rir.
— Ei, — o Trevor limpa as minhas lágrimas, mas eu não tenho coragem de fazer contato visual, então, ele vira o meu rosto na sua direção. — eu te amo, cara. Você é um irmão para mim. Desculpa, pelo o que o seu pai fez e, também, por você sentir que não poderia ser 100% verdadeiro comigo. — afirmou Trevor sorrindo. — Mas me fala, você tava louco para tirar um pedacinho do Trevor, né? Eu sabia que você tinha ciúmes de mim. Eu sei, eu sou irresistível. Tenho meio que um magnetismo para garotas e garotos.
— Idiota. — bati na cabeça dele e o abracei.
— Agora a gente pode se levantar. O meu joelho tá congelando. — ele pediu se levantando e me ajudando.
O vento fica mais gelado e ouvimos sons estranhos de animais, então, decidimos voltar para as nossas barracas. Apesar de tudo, sinto que tirei um peso enorme dos meus ombros. O medo foi em vão, pois o Trevor se mostrou um verdadeiro irmão. Tudo bem, que ele xingou o meu pai dos mais variados nomes, mas isso é o de menos.
Os alunos se preparam para sentar ao redor da fogueira, porém, eu só queria dormir. O Ethan ficou todo o trajeto calado. Será que ele tá puto comigo? Afinal, mais uma pessoa sabe sobre nós. Entramos na barraca e ficamos em silêncio. Ele troca de roupa e deita no saco de dormir.
— Ethan, me desculpe. O Trevor descobriu sobre nós e a culpa foi minha. — lamento, deitando perto dele.
— Ei, — ele acaricia meu rosto. — não estou com raiva. Apenas fiquei preocupado com você. Pensei que o Brian ia ser um idiota, mas você tem um ótimo amigo, graças a Deus, e sei que arrumamos mais um aliado.
— Você se importa de ficar comigo? Eu não tô afim de socializar. — eu deito ao lado dele.
— Tudo o que o meu príncipe quiser. Hoje, meu querido, você pode tudo. — ele diz acariciando meus cabelos.
— Assim eu fico mal acostumado. — brinco, antes de adormecer.
NARRAÇÃO ETHAN:
Acordei de madrugada para fazer xixi. Coloquei o caso e segui para o banheiro que fica em uma área ao lado das barracas. Senhor, que frio horrível. Olhei o celular e o termômetro marcava 7 graus. No caminho, escutei os alunos cochichando em suas barracas. Os meus colegas estavam falando sobre sexo e garotas bonitas. Eles nem desconfiam, que eu já transei na barraca antes deles. Héteros escrotos.
O aquecedor do banheiro não estava dando conta. A maçaneta da porta estava geladíssima. Fiz o número dois e voltei para a barraca. Encontrei o Jimmy dormindo. Eu deitei ao seu lado e ele nem se mexeu. Esse menino parece uma pedra.
É a primeira vez que vou dormir com alguém, quer dizer, tirando a época do colégio interno, porque eu era obrigado a dividir o quarto com o Galvin Wiltson, babaca. Eu fico agarradinho com o Jimmy, pois quero aproveitar todos os momentos. Pareço um polvo agarrado nele. Passo a perna direita por cima dele e acho uma posição ideal para dormir.
— Diz que eu estou sonhando, por favor. — escuto a voz do Jimmy, então abro os olhos. — Bom dia, dorminhoco. Você é a coisa mais linda dormindo, sabia?
— Jimmy. — solto, limpando os olhos. — Eu estou horrível.
— Para com isso, Ethan. Você é o cara mais lindo do universo. — ele se declara e sorri. — Desculpa, eu sei que tenho um sono profundo. Eu quando durmo não escuto nada.
— Eu percebi. Fui ao banheiro e você nem acordou. — conto.
— Você foi ao banheiro? Puxa, amor. Toma cuidado. Tem coiotes na região. Eles me orientam a ir em grupo aos banheiros. — ele me alerta, mas toca no meu rosto com carinho.
NARRAÇÃO JIMMY:
Eu menti para o Ethan. Eu não tenho sono pesado. Eu não durmo. Mas ao lado dele, eu tive a primeira noite de sono da minha vida. Em casa, estou sempre alerta com o meu pai, ou seja, dormir é impossível. Quando deitei na noite anterior, o meu corpo relaxou e apaguei. Despertei no dia seguinte com o ronco leve do Ethan.
Fomos ao banheiro e estava um frio do cacete. O céu anunciava uma forte chuva ou quem sabe nevasca? O clima aqui é bipolar. Tomamos banho e seguimos para o refeitório do Parque. O Sr. Adams orientava um grupo de alunos sobre a programação do dia.
O Trevor correu na minha direção e contou sobre a noite horrível que teve. Segundo o meu melhor amigo, o professor ronca.
— Sério, ele espantou todos os coiotes e lobos da região. Eu não dormi, Jimmy. — ele disse, de maneira dramática. — Eu não dormi.
— Se quiser cochilar na nossa barraca...
— Negativo. — corto o Ethan, que estava sendo bonzinho com o Trevor. — Ele que lute.
— Eu tive uma ideia! — exclama, Ethan. — Eu já volto. — saindo em direção a área das barracas.
— E ai, Don Juan. Alguém teve uma noite melhor do que a minha, né? — questiona o Trevor, levantando a sobrancelha.
— Que nada. Eu dormi. Apaguei. Eu estava tão cansado. Em casa, Trevor, eu não posso me dar ao luxo de dormir. Às vezes, o meu pai chega bêbado. Nos últimos dias, coloquei a cômoda para segurar a porta do quarto. — explico e vejo a surpresa no olhar do meu melhor amigo.
— Jimmy. Se você quiser ficar lá em casa. Eu falo com a mamãe. Posso usar a carta do divórcio e...
— Relaxa, irmão. Eu dou conta. — pego no ombro dele e mudo de assunto. — E já tem a nossa programação?
— Sim. A gente vai fazer rapel usando fantasias e mergulhar no lago McDonald. Tinha outras coisas, mas agora alguém está namorando...
— Quem está namorado? — questiona Katy, uma de nossas colegas. Ela espera a resposta com ansiedade.
— Me metem! — exclama Betty, que senta perto de nós. — Não quero fazer trilha!
— A Betty e eu! — grita Trevor desesperado. — Betty e eu estamos namorando!
— O quê? — a Betty levanta na hora e olha para nós.
— Que legal. — afirma Katy, que sorri. — Vocês combinam mesmo.
— Trevor, — Ethan grita e corre na nossa direção. — eu trouxe protetores auriculares. — chega ofegante e entrega uma caixinha para Trevor.
— Ethan, meu amigão. Você está me devendo muito mais do que isso. — murmura Trevor, que sorri sem graça.
— Ethan, a Betty e o Trevor estão namorando — anuncia Katy.
— Katy, querida, acho que o Sr. Adams está te chamando. — solta Betty indo na direção da nossa colega.
— Eu acho que não.
— Tá, sim. Vai lá, vai! — Betty praticamente empurra Katy para longe. — Que porra é essa, Trevor?
— Desculpa, a gente estava falando sobre o relacionamento deles. — explica Trevor apontando para o Ethan e eu. — Do nada essa fofoqueira aparece e entrei em curto-circuito. Desculpa.
— Ela é a garota mais fofoqueira de Montana. Eu tenho que manter a minha fama de fácil. — Betty parece chateada com a situação, mas age como uma atriz.
— Desculpa. Desculpa. — implora Trevor se ajoelhando e agindo de maneira mais 'diva' que a Betty.
— Gente, parece que estou assistindo uma novela. — Ethan fala para mim, segurando o riso.
— Pior. — digo e sorrio, pois eu estou adorando o desespero de Trevor.
NARRAÇÃO ETHAN:
Entre aulas e aventuras, o final de semana passou muito rápido. A Betty nos transformou em seus súditos, afinal, sempre damos um jeito de metê-la em confusão e fofocas. O Jimmy aproveitou bastante também. Até pelado ele nadou em um dos lagos do Parque. Nem preciso dizer que recebemos bronca dos professores.
O Jimmy me levou para uma última caminhada pelas trilhas do parque. Graças a Deus, que as nuvens deram um espaço e o pôr do sol mostrou toda a sua glória. Dei vários beijos no meu namorado. É tão bom. De repente, um raio brilha no céu, mas ele não faz barulho. Olhamos para trás e vemos alguém escondido nas moitas.
— Isso não foi um raio, né? — questiono para o Jimmy.
— Acho, acho que não. — ele levanta e vai na direção da moita, mas não tem ninguém.
— E agora, isso foi o flash de um celular. Quem fez isso? — penso, pois não quero passar o meu nervosismo para o Jimmy.
