Tomei um café preto com um pãozinho retorcido que eu não sabia o nome. Insisti várias vezes e das mais variadas formas contatar o Mark, mas eu continuava não sendo atendida. Decidi ligar para os meus sogros para pedir que tentassem intermediar um contato. A notícia que recebi foi pior do que eu imaginava:
- Ele passou aqui faz um tempinho, Fernanda. Pegou as meninas e já foi embora. Disse que tinha um compromisso e que elas precisavam ir para a escola.
PARTE 3 - FERIDAS PROFUNDAS
- Ah…
- E a cara dele estava horrível... Vocês brigaram outra vez?
- Mais ou menos isso.
- Olha, eu não deveria dizer, mas… - Meu sogro se calou, comentando algo com alguém, provavelmente minha sogra e continuou: - Ele pediu para a gente não se meter e não atender você. Falou que, dessa vez, não tem volta…
- Eu… Eu… Gente, eu só preciso conversar com ele. Ele não pode me negar isso!
- Vem para cá. Eu ligo e chamo ele aqui e vocês dois conversam na nossa frente. Eu vou tentar ajudar vocês a consertarem sei lá o quê.
- Eu… Eu… - Calei-me porque não havia a menor possibilidade daquilo acontecer, mas agradeci a gentileza: - Obrigada. Vou voltar hoje e ligo para vocês mais tarde.
Rick me encarava sem esboçar reação alguma. Expliquei o que havia acabado de conversar com meus sogros e, naturalmente, ele entendeu que não daria para conversarmos lá. Pedi que me levasse para o hotel e eu pegaria um ônibus de volta, mas ele se dispôs em me levar. Eu estava nervosa demais e aceitei. Depois de uma viagem que parecia não ter mais fim, chegamos em minha cidade e pedi que me levasse diretamente ao escritório do Mark.
Sua secretária ficou assustada ao me ver entrar, ainda mais acompanhada. Acredito que o Mark não tivesse proibido minha entrada, mas certamente já havia comentado algo com ela. Perguntei por ele e ela me disse que estava em sua sala, atendendo um cliente, com quem sairia em seguida para uma audiência. Sentei-me lá e fiquei aguardando pacientemente por intermináveis dez minutos. Quando a porta se abriu, seu semblante denunciava seu estado, que piorou ainda mais ao me ver ali, junto do Rick.
Ele me ignorou! Virou-se para sua secretária, dando algumas instruções e só depois, vendo que não teria como sair sem causar um estrago a sua imagem, falou comigo:
- Estou ocupado e não vou falar com você agora.
- Eu te espero. Fica tranquilo.
Ele não aparentava estar bravo e esse era o meu medo, pois ele, racional, seria difícil de convencer. Ele olhou para o celular, aparentemente fazendo algum cálculo mental e pediu que eu voltasse depois das dezoito horas, assim, poderíamos conversar em paz. Pediu que eu, no horário de costume, fosse até a escola, buscasse nossas filhas e as deixasse com seus pais:
- Eu vou, fica tranquilo. - Disse e depois lhe peguei a mão: - Eu vou te explicar e você vai ver que não há motivo algum para isso.
Ele puxou sua mão e vi em seus olhos que minhas chances de recuperarem meu marido eram poucas, quase nenhuma. Não consegui ver um único resquício daquele amor que nos uniu por tantos anos: agora, só havia ressentimento e indiferença.
Não achei certo levar o Rick até a nossa casa, então, ficamos em uma padaria próxima ao escritório até dar a hora de buscar minhas filhas. Pedi um Uber, porque não poderia ser vista chegando com outro na escola sem causar um burburinho local, isso certamente o Mark não gostaria que acontecesse. Miryane fez festas; Maryeva me olhou contrariada. Certamente, o Mark não havia contado nada, mas ela já imaginava que algo não ia bem. Depois de deixá-las na casa de meus sogros, retornei e fui direto para o escritório. O Rick me alcançou antes de eu entrar, mas, dessa vez, pedi que me esperasse fora dali.
Toquei o interfone e o Mark destravou a porta para mim. Entrei e, querendo abraçá-lo, fui direto para cima dele, mas ele me bloqueou com a mão em meu peito, não deixando que eu me aproximasse. Isso, além de me surpreender, doeu demais porque me senti rejeitada:
- Só vamos conversar porque temos que resolver sobre a guarda das meninas e a divisão de patrimônio. Não temos mais nada um com o outro, Fernanda.
Desmontei na poltrona em frente a sua mesa enquanto o olhava dar a volta para se assentar em sua poltrona de couro preta. Havia um silêncio naquele momento e a primeira coisa que pensei em falar, falei:
- Água?
Ele não se abalou com meu semblante abatido, saindo até o bebedouro e retornando pouco depois com um copo que colocou a minha frente, voltando para sua poltrona. Depois que bebi dois belos goles, olhando para ele, falei:
- Precisava de tudo isso?
- Isso o quê, Fernanda? Aliás, não quero discutir seus motivos, nem mesmo os meus! Ontem, eu tomei uma decisão que visava te proteger, proteger o nosso casamento, a nossa família e você cagou para mim, me desautorizando e ficando com aquele filho da puta! Sem problemas… Não sou seu dono e nunca tive a pretensão de ser. Sua decisão foi contra a minha e a vida é assim, feita de decisões, algumas boas, outras nem tanto, umas péssimas... Na minha opinião, a sua foi da do último tipo, mas como não te prejudicou, só a mim e a nossa família, acredito que não tenha te abalado tanto, não é?
- Mor, eu só queria que você entendesse que eu poderia ter resolvido tudo sozinha. A sua presença lá era importantíssima para me dar força, mas eu queria ter resolvido. Queria que você tivesse orgulho de mim por saber que eu posso…
- Orgulho!? Você desautoriza uma decisão que tomei, vou repetir, para nos proteger, você propõe continuar se encontrando com o cara que disse estar apaixonado por você e vice versa, você decide ficar com ele quando eu te chamei para ficar comigo, e vem me falar em orgulho? Ah, vá se foder, Fernanda!
Ele estava fora de si, mas mesmo assim, sua educação o impedia de falar tudo o que estava sentindo, nem gritar comigo ele conseguiu: até para discutir, ele era educado! Eu não via chances de conseguir convencê-lo ali e decidi usar a ideia do Rick:
- O Rick decidiu se afastar definitivamente de mim! Falou que nunca mais vai se aproximar e queria te contar isso pessoalmente, até mesmo pedir desculpas por todo esse mal entendido. Por isso, ele veio aqui, sabe?
- Tô nem aí pra ele: ele não me deve satisfação alguma! Eu não me casei com ele. Ele é só um filho da puta que bagunçou a cabeça da minha esposa, aliás, ex-esposa. Você é quem me devia respeito e consideração.
Aquelas palavras me atingiram em cheio:
- Parou! Pode parar, Mark. Eu nunca quis me divorciar de você, nem quero!
- Suas vontades não me interessam mais! Conheço a lei e não sou obrigado a continuar casado com você, ainda mais depois do que me fez ontem. Não existe mais nenhuma razão para a gente continuar juntos. Se você achou que conseguiria me convencer a te permitir viver essa sua paixão arrebatadora por aquele lá, errou feio. - Parou e me olhou em silêncio, falando: - Não, aliás, acertou em cheio porque agora você vai poder viver tudo o que quiser ao lado dele.
- Calma, calma, por favor… Você está nervoso e com razão. Talvez eu devesse ter ouvido você, ter feito de outra forma, sei lá, mas a gente pode resolver isso. Ainda dá tempo… - Pedi, quase em pânico por vê-lo tão duro e decidido contra mim: - E existe uma razão muitíssima forte para continuarmos juntos: nossas filhas!
- Não me casei com nossas filhas, mas sim com você! Elas foram frutos de momentos mágicos que vivemos, mas que você fez questão de sepultar ontem.
- Mark, para! Eu tô aqui tentando pedir desculpas. Tô arrependida, me dá uma chance. Eu juro que faço o que você quiser. Juro! - Insisti e beijei meus dois indicadores em cruz.
- Olha, não perca o seu, nem o meu tempo! Arrume um advogado e peça para ele me ligar. Vamos tentar resolver logo isso e de uma forma que não prejudique tanto as meninas, ok?
Eu tentava explicar para ele que não havia necessidade para aquilo, mas quando estava prestes a falar novamente, ele me calou com uma mão levantada e prosseguiu:
- Quando decidimos entrar nessa vida liberal queríamos justamente viver momentos quentes, intensos, não é? - Falou para mim e eu concordei com um meneio de cabeça: - Então… Acho que você deveria viver essa sua paixão por ele, o mais intensamente possível! Divirta-se, passeie, faça tudo o que tiver vontade. Dinheiro ele tem e parece disposto a te proporcionar isso. Ah, e não se preocupe com as meninas: eu cuido delas! Quando quiser visitá-las, venha e será muito bem vinda, eu não vou proibir você de vê-las. Você é a mãe delas e sei que as ama demais.
- Vocês todos! Amo vocês todos.
- Não! Elas, eu até acredito; mas, eu certamente você não ama, não depois do que me fez ontem.
Eu estava brava com tudo e todos, com ele e comigo mesma. Não entendia como ele não conseguia compreender que aquela reação era demasiadamente exagerada e danosa a todos ao nosso redor. Respirei fundo, controlando toda a minha fúria interior e tentando manter um mínimo de dignidade, falei:
- Eu não vou discutir meus sentimentos por você: eu sei o que sinto por você e você também sabe, só não quer admitir porque está machucado! Você pode estar bravo, ofendido, irado, mas sabe que eu te amo. Eu vou para casa e depois a gente vai conversar com calma, pode ser?
- Quer dizer que não vamos conversar sobre a guarda das meninas, nem sobre a divisão das nossas coisas? - Ele me perguntou, seco como uma cepa de madeira ao sol.
- Não! Eu não quero me divorciar de você. Nós vamos respirar fundo, vamos nos acalmar e conversar depois, ok? Por favor!?
Ele não me respondeu, virando-se para seu computador. Eu insisti:
- Você busca as meninas? - Perguntei.
- Pode deixar.
Saí de seu escritório, triste, mas ainda esperançosa, e Rick veio ao meu encontro. Pedi que me deixasse em minha casa e ele o fez. Então expliquei que ele não poderia entrar, porque a tensão havia atingido limites horríveis entre eu e meu marido, deixando nosso casamento por um fio. Além disso, se o Mark o pegasse ou alguém contasse que ele esteve ali, estaria tudo acabado. Ele disse que ficaria num hotel da cidade para me apoiar e que viria correndo se eu ligasse. Entrei em casa, deixando minhas malas na suíte e uns quinze minutos depois, o Mark entrou, sozinho:
- Uai, cadê as meninas!? - Perguntei, estranhando o silêncio.
- Só vim buscar umas roupas, porque estou saindo de casa. Depois, eu vou buscá-las, fica tranquila.
- Sair!? Não! Claro que não…
- Não fico debaixo do mesmo teto que você, Fernanda. Acho que você não entendeu, então vou ser mais claro, ok? Acabou! A-ca-bou. - Insistiu e, pela primeira vez na vida, foi realmente grosso comigo: - Aliás, vou embora nada, vai você! Já está até de malas prontas. Vai ficar com o teu amante que você ganha mais e assim eu não bagunço a vida das minhas filhas.
- Nossas, você quer dizer, né!? Você está me pondo para fora de casa, mor?
- Não sou seu amor e não também, não vou usar de violência, aliás, nunca usei e não vou começar agora. Estou só pedindo que você tenha a decência de sair. Só isso… Agora, se você ficar, eu saio. Sem discussão alguma.
- E para onde eu vou?
- Nanda, digo, Fernanda… Vai para onde você quiser, até para a puta que te pariu, mas saia de perto de mim! - Falou, rangendo os dentes e com os olhos vermelhos que, embora marejados, estavam assim de ódio.
Peguei minhas malas e saí porta afora. Liguei para um Uber e ele me levou para a casa da minha mãe. Naturalmente, ela ficou surpresa, sem entender nada e quis saber o que havia acontecido, mas eu não tinha o que falar, aliás, até tinha, mas resumi tudo em uma única frase: “foi tudo minha culpa, minha!”. O Rick me mandou mensagem por volta das dez da noite, mas preferi ignorar, pois não estava bem para conversar com ninguém, nem mesmo com ele.
No dia seguinte, vesti minha melhor e mais dissimulada cara, e fui trabalhar. Eu estava mal e foi uma péssima ideia! Cometi alguns erros de gestão que causaram alguns prejuízos à empresa, mas eu sabia como revertê-los e não me preocupei. Na quarta, expliquei toda a situação para o Rick e pedi que se afastasse, pelo menos até eu conseguir conversar com calma com o meu marido novamente. Ele negou e disse que alugaria um apartamento para ficar por perto, conseguindo um mobiliado e pronto para o uso. Como imaginado, reverti o prejuízo causado à empresa, mas não sem antes levar uma bela advertência dos diretores superiores.
Passei a semana toda tentando conversar com o Mark em meus intervalos, mas a única coisa que conseguia tirar dele era o pedido para que eu procurasse um advogado. Nesse meio tempo, combinamos de eu buscar as meninas para almoçarem comigo e levá-las à escola. Não estava mais aguentando as cobranças da minha mãe e agora até do meu pai, um grosso e adúltero que só me causou decepção e, sem querer, naquele momento, vi que eu era mais parecida com ele do que eu própria gostaria de ser. Não sei se eu já me via como uma traidora, mas um sentimento de culpa já me assolava
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