Ela ligou para ele e o avisou. Pela forma como conversaram, notei que ele não queria me receber, porque ela se justificava dizendo que eu não sairia dali enquanto não conversassem. Assim que ela desligou, ele abriu a porta e, vendo que eu estava apenas com ela ali na sala de espera, foi objetivo:
- Você está louca, Fernanda!? Quer sair presa daqui?
- Quero conversar com você.
PARTE 17 - REAPROXIMAÇÃO
Ele pareceu ainda mais surpreso com minha insistência e me advertiu:
- O oficial de justiça não te explicou o que é uma “ordem de restrição”? Você não pode se aproximar de mim também, entendeu agora?
- Quero… conversar… com você!
Seu olhar se transmutou e agora havia raiva. Ele estava Inconformado, bravo mesmo. Ainda assim, eu insisti:
- Ou então você pode ligar para a polícia e mandarem me prender, você é quem sabe…
Ele desviou o olhar por um segundo para sua secretária que, pálida, o encarava. Depois voltou a me encarar, deu uma risada zombeteira e foi em direção à sua sala, chamando-me para acompanhá-lo pouco depois. Assim que fechou a porta, comecei:
- Desculpa! Eu sei que você deve estar achando que eu aprontei novamente, mas juro que não foi minha culpa.
- Mas é claro que não! Deve ter sido minha culpa, afinal, a ideia de mandar você atrás dele foi minha, não foi? Porra, Fernanda, você me disse que tinha se decidido afastar dele, mas pelo jeito não durou muito, não é? Afinal, na primeira chance que você teve de se encontrar com ele acabaram se beijando novamente e sabe-se lá o que mais depois.
- Ara! Teve mais nada de nada não, sô! Não fizemos mais nada mesmo! Eu havia chamado ele no meu carro justamente para terminarmos. Só que a idiota aqui se deixou levar e aceitou dar um beijo de despedida, só isso.
- Nossa, que… ótimo! Bom, se era só isso que você tinha para me dizer…
- Não, não é! Eu quero contar só mais uma coisa.
- Se eu falar que não me interessa, não irá adiantar, não é?
- Não, não vai.
- Então fala, mas seja breve porque estou cheio de serviço.
- Comecei a fazer terapia com o doutor Galeano. Estamos conversando quase todo santo dia.
- Isso é bom! Ele é um homem muito equilibrado e pode te ensinar muita coisa.
- É. Então… Sabia que ele fez uma espécie de jogo psicológico comigo e…
- Fernanda, realmente eu estou muito ocupado. - Interrompeu-me: - Vamos direto ao assunto, por favor, vamos!?
Suspirei fundo, porque eu queria falar tanta coisa para ele, mostrar tudo o que eu sentia por ele e principalmente dizer que o Rick não significava mais nada para mim, mas ele não parecia nada disposto a me ouvir. Então, tive que resumir:
- Tá, tá bom… Resumindo, então: eu te amo, sem nenhuma dúvida e entendi que o Rick foi um grande erro.
- Que bom, aliás, que merda, né!? Duas pessoas que se amam estão… - Falou e se calou, ciente de que havia falado demais, mas não para mim.
Naturalmente, ouvindo aquela confissão espontânea não tive como não sorrir. Ele, por sua vez, fechou a cara para si próprio e encarou seu computador. Fingindo ler alguma coisa. Continuei:
- No sábado, eu saí com o Rick…
- Ah, não brinca!? Mas que novidade! Conte mais, agora fiquei curioso, afinal, isso não acontece sempre. - Zombou de mim.
- Saí mesmo, porque eu queria provar para mim mesma que não sentia mais nada por ele. Nós jantamos e transamos… - Tomei um gole de água e olhei suas reações, nada boas, por sinal: - E, sinceramente, não tive o menor prazer com ele. Nada mesmo, nadica de nada!
- Por que estamos conversando sobre sua vida sexual, Fernanda? Isso não me interessa mais.
- Interessa sim, sempre interessou! Só estou te dizendo que não tenho mais nada com ele. Inclusive, gravei uma conversa e quero que você escute.
Coloquei então o meu celular sobre sua mesa, ativando o áudio, sob o olhar atônito do Mark que, apesar de tudo, ouviu tudo sem esboçar qualquer sentimento, olhando para seu computador e, às vezes, para meu aparelho. Quando o áudio terminou, ainda complementei:
- No domingo de manhã, pouco depois de eu chegar na minha quitinete, adivinha quem chegou atrás: o Rick. Coloquei ele para correr, aliás, eu não, minha advogada, doutora Denise, por telefone, espatifou com o safado.
- Tá, tá, tá… Olha só, Fernanda, eu não estou entendendo onde você quer chegar com isso?
- Só quero ser honesta com você. Eu sempre disse que seria só mais uma transa e acabou. Foi isso que aconteceu!
- Não vou discutir os seus motivos, as suas razões, nem nada. Eu tentei proteger a nossa família, você lutou contra mim. Você fez o que fez contra a minha vontade e desencadeou um verdadeiro inferno na nossa vida e na das meninas. O fato de você ter acordado agora não muda nada do que aconteceu. Eu sinto muito…
- É, eu… eu imaginei que você fosse dizer isso. Eu… Eu queria só que você me perdoasse, só isso. Não tenho o direito de te pedir nada além disso hoje. Até já acertei tudo e vou viajar daqui uma semana para os Estados Unidos…
- Aquele treinamento da empresa? - Ele me interrompeu.
- É. Fui ontem para São Paulo cuidar do visto e embarcarei no domingo.
- Parabéns pela decisão! Aproveite bastante essa oportunidade: pode ser uma chance única de crescimento na sua carreira.
- Vou! Vou sim. - Concordei, até que feliz pela forma honesta como ele me desejou o bem: - Sabia que ontem, durante o almoço, acabei contando para o Paulo toda essa bagunça e ele desconfiou muito das coincidências dos flagras?
- Eu já pensei nisso também, mas, lá no restaurante, ele não tinha como saber que nós iríamos. Foi uma coisa que decidi em cima da hora depois que a Tianinha teve aquele piripaque.
- É, também achei forçada a conclusão dele. - Concordei: - E ela, como está?
- Já está bem, descansando em casa agora.
- Que bom! E a do blogueiro também achei meio forçada, sei lá, porque ele não sabia que eu estaria lá. Então, poxa, sei lá, eu tô tão… tão confusa…
- É… Eu não sei, Fernanda, acho muita coincidência ou você é muito azarada mesmo.
- Acho que azarada…
Um silêncio surgiu entre nós, aliás, um estranho constrangimento que, da minha parte era mais que justificável, mas ele próprio não me encarava mais e vê-lo assim me doeu demais:
- Eu sei que não tenho direito, mas queria te pedir desculpas, perdão, sei lá. Eu… Eu só não queria que a gente virasse inimigos.
- Não vou dizer que não dói mais, porque eu estaria mentindo, mas vai passar. - Falou, olhando para mim com um olhar triste: - E eu não quero o teu mal, nunca quis! Espero, de coração, que você possa ser feliz; só que para mim, não dá mais. Desculpa.
Ouvir aquele pedido de “desculpa” dele, logo dele, me deu a dimensão de que nossa história estava realmente próxima do fim e meus olhos marejaram. Respirei fundo porque não queria mais passar a imagem de uma mulher fraca, controlando-me:
- Será que eu posso te dar um último abraço? - Pedi.
Ele me olhou constrangido novamente, mas se levantou vindo em minha direção. Abracei-me a ele e o apertei forte, como se a minha vida dependesse daquilo e daí não consegui mais me segurar e chorei em seu peito. Ele me acolheu ainda mais e deixou que eu descarregasse tudo o que trazia dentro de mim e, assim que consegui me controlar de meu papelão, ele ainda me beijou a testa. Só então notei que seu pau havia dado um sinal de vida, mas eu sabia que era só o instinto predador dele, afinal, a gente não podia esfregar para começar a queimar. Fiz-me de desentendida e me despedi, saindo em seguida de sua sala.
Voltei para minha quitinete e continuei organizando minhas coisas para a viagem. Depois de uma hora, mais ou menos, me toquei de que ainda tinha muita coisa minha na minha antiga casa com o Mark. Mandei mensagem para ele, perguntando qual seria o melhor horário para buscá-las e ele me disse que eu poderia ir naquele mesmo momento, pois eu tinha as chaves e não atrapalharia. Agradeci e fui. Em minutos, cheguei lá. Não havia ninguém, ele estava no escritório e as meninas na escola.
Peguei duas malas de viagem e coloquei quase tudo que eu tinha dentro. Depois decidi dar uma volta pela minha antiga casa e como doeu, as lembranças eram muitas e as saudades imensas. Passei no quarto das meninas e cada pequeno detalhe era uma facada em meu peito: um risco na parede, parte de um bonequinha que me representava; uma blusa que teve os braços arrancados “para ficar na moda”; um ursinho de pelúcia duplo, presente meu de dia dos namorados, divididos para que cada uma tivesse um pedaço de mim e do Mark; várias outras pequenas lembranças, me fizeram chorar novamente. Voltei para a suíte e me deitei na minha cama e o cheiro do Mark inundou meu coração de boas lembranças, e entre sorrisos e lágrimas adormeci:
- MÃE!? PAI A MÃE TÁ AQUI!
Ouvi um grito e acordei com o coração saindo pela boca. Era a Miryan sendo surpreendida e me surpreendendo com sua espontaneidade. O Mark chegou pouco depois e a Maryeva logo atrás: ele com uma expressão de surpresa, ela com uma de desgosto. Miryan pulou em cima de mim e começamos a brincar. Mary saiu pela tangente e o Mark saiu logo atrás dela:
- Pra que as malas, mãe? A gente vai viajar? - Miryan me perguntou.
- A mamãe vai, querida. Vou passar uns bons dias fora a serviço da empresa.
- Ah… Mas cê vai voltar, né?
- Claro que vou! E enquanto eu estiver fora vamos nos ver e falar praticamente todos os dias por vídeo chamada.
- Joia!
- Então, vem ajudar a mamãe a terminar de arrumar as malas porque eu tenho que ir.
Passamos a terminar a organização de umas coisas restantes. Fechei as malas e as coloquei no corredor. Pouco depois, o Mark apareceu, saindo do quarto da Mary:
- Tá tudo bem, mor… Digo, Mark! Ô caramba! - Falei e ri de mim mesma: - Eu só acabei cochilando, mas não quero atrapalhar mais.
- Fernanda…
- Pode ficar, mãe! - Ouvi a voz da Maryeva pouco atrás dela e a encarei surpresa.
- Vou pedir uma pizza e você é nossa convidada. - Ele insistiu e a Maryeva concordou com um meneio de cabeça, com ele mandando logo depois: - Então, vão tomar banho enquanto a pizza não chega.
Só então eu o olhei surpresa e ele me convidou a acompanhá-lo até a cozinha. Quando lá chegamos e nos sentamos à mesa, eu precisava de uma resposta e ele foi direto:
- Já disse que não quero o seu mal. Vamos jantar juntos, como pessoas civilizadas, acho que isso nós conseguimos, não é?
Sorri feliz para ele e meus olhos marejaram novamente. Praticamente no mesmo instante começamos a ouvir uma já conhecida discussão:
- Calabresa!
- Portuguesa!
Ele começou a balançar negativamente sua cabeça e gritou:
- VOU PEDIR UMA DE CADA, CARAMBA!
- Então tá…
- “Brigada”, pai.
- Mais ou menos civilizadas. - Ele falou, sorrindo para mim.
Não consegui me conter e segurei em sua mão. Uma lágrima já descia pela minha face e ele, com a outra mão, a pegou. Depois, olhou nos meus olhos e disse:
- Você é muito complicada!
- Eu sei! - Concordei e ri: - Mas eu vou mudar! Por vocês, eu vou mudar.
Ele se surpreendeu e retirou sua mão debaixo da minha, pegando seu celular e fazendo os pedidos para a nossa pizzaria favorita. Maryeva chegou rápido, vestida com um camisolão do Guns n’ Roses e se sentou à mesa conosco, me surpreendendo. Logo, chegou Miryan, também vestida, mas num simpático pijaminha cor de rosa da Minnie. Eu olhava para as duas e a Miryan para mim, mas, novamente me surpreendendo, Mary deixou seu celular de lado e me encarou:
- É verdade que você vai viajar?
- Vou! Vou fazer aquele treinamento da empresa nos Estados Unidos, amor, porquê?
- Nada não, curiosidade só. - Disse, sem tirar os olhos de mim: - Podia rolar de você levar a gente na Disney, né?
- OOOOOOOBA! - Concordou Miryan, com os olhos brilhando.
- Gente, eu estou indo a trabalho, mas quem sabe um dia não rola mesmo, não é!?
- Vai ficar muito tempo? - Ela insistiu.
- Um ou dois meses, acredito…
- Aproveitem bastante a sua mãe hoje, porque ela viaja no final de semana. - Mark brincou.
- Mas já!? - Miryan falou.
Confirmei com um momento de cabeça, pois a voz me faltou, embargada com a conclusão inevitável de minha partida, não somente para a viagem, mas para sempre daquela casa. Mark, sagaz, passou a direcionar a conversa para assuntos mais agradáveis e ficamos conversando vários assuntos até que a pizza chegou. Comemos, brincamos, conversamos muito e foi uma das melhores noites da minha vida. Parecia que tudo havia voltado ao normal, mas conforme as fatias sumiam, meu tempo também diminuía. Assim que terminamos, elas se foram para a sala e eu me dispus a ajudar o Mark com a louça:
- Vai para a sala ficar com elas. Eu dou um jeito aqui. - Falou.
Fui mesmo e ficamos brincando, conversando enquanto passava um programa infantil qualquer na televisão. Até a Maryeva estava mais desarmada comigo e eu não sabia porquê, mas certamente era novamente obra do meu amado Mark. Quando ele, enfim, chegou na sala, entendi que minha hora havia terminado. Miryan foi a primeira a reclamar:
- MAS JÁ!?
- Eu tenho que ir, querida. Já é tarde.
- Poxa…
Até a Mary parecia ter se dado conta da separação iminente e não parecia disposta a se separar de mim. Isso ficou muito claro quando, após receber um abraço da caçula, ela também se pendurou em meu pescoço e disse um simples:
- Por quê, mãe?
A pergunta me doeu, mas a dor aumentou exponencialmente quando olhei em seus olhos e vi o tamanho da decepção que eu havia causado à minha primogênita. Não aguentei e chorei, aliás, choramos ambas, as duas, depois as três e, mais no finzinho, até mesmo o Mark derramava suas próprias lágrimas. Quando, enfim, nos controlamos, foi dele uma ideia que nos surpreendeu a todas:
- Por que você não dorme aqui hoje com elas, na cama de casa, algo tipo uma noite das meninas?
Elas, ambas, me olharam como que pedindo para eu concordar e, se para ele estava tudo bem, para mim também: concordei. Depois de mais um bom tempo na sala, perguntei para o Mark se poderia tomar um banho e ele me autorizou. Fomos as três para a suíte, onde peguei um “baby doll” da minha mala e tomei um banho refrescante. Quando saí, as duas já haviam se mudado para minha antiga cama: Miryan trazia seu elefantinho de pelúcia e Mary uma galinha de pelúcia que brincava quando criança, o que me deixou um pouco preocupada com uma possível regressão da minha filha mais velha.
Mark entrou pouco depois e pegou suas roupas para tomar banho. Depois que terminou, desejou boa noite para nós que já estávamos aninhadas com cada uma delas aos meus lados e saiu em direção à sala. Apesar de toda a tensão, apreensão, enfim, de tudo o que havia acontecido, elas dormiram rápido. Quando me certifiquei disso, levantei-me e fui até a sala, pois eu queria conversar um pouco mais com o Mark e agradecê-lo por aquele maravilhoso e inesperado presente que havia me dado. Infelizmente, ele também já havia apagado. Ajoelhei-me à sua frente e fiquei admirando aquele homem que nunca mediu esforços para me fazer feliz. Depois de um tempo, dei-lhe um selinho, desejei boa noite e voltei para a suíte. Dormi pouco depois.
Na manhã seguinte, logo cedinho, o Mark já estava de pé e nos colocava a todas de pé também, afinal, a vida tinha que seguir e a rotina impunha que elas se aprontassem para a escola. Descemos para um gostoso café da manhã e eu as ajudei a se arrumarem, também me arrumando. Depois, fui junto com eles levá-las, porque não queriam me deixar. Despedi-me delas e notei, pela primeira vez, os olhares de reprovação de muitas das mães ali presentes. Retornei com ele para nossa casa e tive uma imensa vontade de me jogar aos pés dele para implorar uma nova chance, mas, não sei, algo me convenceu que eu talvez não fosse a melhor mulher para ficar ao seu lado. Ele me ajudou a colocar minhas coisas em meu carro, enquanto eu externava minhas preocupações com a Mary:
- Fica tranquila. Já estou em contato com uma psicóloga que irá atende-la. Se houver necessidade de uma terapia, ela fará.
- Obrigada. - Falei: - Depois eu te mando as malas.
- Pode usá-las, você vai precisar delas para a viagem.
Voltei a abraçá-lo e o agradeci por tudo com um beijo honesto em seu rosto. Ele sorriu para mim, parecendo satisfeito comigo. Entrei em meu carro e dei a partida, olhando uma última vez para a minha casa. Para ele não seria a última, porque eu voltaria a vê-lo muito em breve, prometi para mim mesma.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
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