Quando entramos em casa, minha mãe veio ver como eu estava. Ao ver Stella e eu juntas, ela colocou as mãos no rosto e ficou nos olhando com a boca aberta, como se não acreditasse no que seus olhos viam.
Depois do espanto, ela perguntou como eu estava. Eu disse que foi só um susto e que estava bem. Então, ela foi até Stella e deu um abraço demorado nela; minha mãe estava visivelmente emocionada.
Fomos para a cozinha, onde minha mãe preparou um lanche para nós. Stella sempre com um sorriso no rosto; eu tinha me esquecido de como o sorriso dela era lindo. Eu estava mais calma, mas ainda pensava na Layla. Cheguei a considerar ligar ou mandar mensagem, mas achei melhor deixar a poeira abaixar.
Deixei Sophia no quarto da minha mãe e chamei Stella para dormir comigo. Ela ficou um pouco em dúvida, mas acabei convencendo-a. Emprestei um conjunto de moletom para ela, já que meus pijamas não serviam nela; Stella era mais alta e tinha mais corpo que eu.
Ficamos relembrando nosso passado, as coisas que vivemos ali em casa. Ríamos muito, pois aprontávamos bastante ali. Dormimos tarde naquela noite.
Quando acordei no dia seguinte, Stella ainda dormia. Fui levantar para ir ao banheiro e ela acordou, me deu bom dia com um belo sorriso nos lábios. Fui ao banheiro, tomei um banho rápido, voltei e falei para ela que tinha uma escova nova no armário, se ela quisesse usar. Ela agradeceu e foi para o banheiro.
Quando voltei, a chamei para tomar café. Ela parou, pensou por um tempo e se sentou na cama ao meu lado.
Stella— Antes de sair do quarto, preciso te contar uma coisa, mas você tem que prometer ouvir até o final antes de surtar.
Karla— Aí, meu Deus! Outra bomba! Está bem, eu prometo que vou ouvir até o fim.
Stella— Não é uma coisa ruim, fique tranquila, mas não quero que você pense coisas erradas.
Karla— Menos mal que não é algo ruim; já chega das merdas que fiz. Outra coisa ruim seria demais.
Stella— Bom, quando seu pai pediu para eu ajudá-lo com a empresa, ele também pediu que eu cuidasse de vocês, principalmente de Sophia, que nem tinha nascido ainda.Eu não podia ficar aqui no Brasil e, mesmo se pudesse, nem na sua casa eu poderia vir porque você não gostava de mim. Então, eu tinha que arrumar um jeito de ajudar sem me aproximar. Foi aí que tive uma ideia: colocar alguém da minha confiança cuidando de vocês. Eu tinha as pessoas perfeitas.
Karla— Como assim?! Que pessoas?
Stella— Por favor, me ouça primeiro. Você já está ficando nervosa e, desse jeito, fica complicado conversar com você, Karla. Poxa, você prometeu!
Karla— Desculpe, você tem razão. Não vou mais te interromper até você terminar.
Stella— Tudo bem, vou confiar. Quero deixar claro que não coloquei espiões para vigiar você e Sophia, mas sim pessoas que poderiam me avisar se algo de errado acontecesse ou se Sophia precisasse de algo. Elas estavam ali para cuidar de vocês, não para vigiar. Eu pedi para as duas pessoas que mais confiava fazer isso; Lúcia e Daniel. Estou te contando porque sei que provavelmente Lúcia vai estar aí na casa e ela não faz ideia de que estou aqui. Também não tenho mais motivos para esconder isso; acho que, daqui para frente, vocês não vão precisar mais de mim.
Karla— Então você é amiga de Lúcia e Daniel?
Stella— Sou sim. Eles são ótimas pessoas, e não quero que fique com raiva deles. Eles nunca falaram da sua vida pessoal, entendeu?
Karla— Acho que sim, mas ainda estou meio confusa. De onde você os conhece?
Stella— Daniel trabalhava como motorista para meu pai, e através dele conheci Lúcia. Eu devo minha vida a eles, Karla. Se não fosse por eles, eu estaria morta hoje.
Karla— Como assim?
Stella— É uma longa história. Prometo que vou te contar tudo, mas não agora. Por favor, tenha um pouco de paciência; é complicado para mim falar sobre isso.
Karla— Tudo bem, eu vou ter paciência. Só preciso saber de uma coisa: você pediu para eles serem meus amigos? Tipo, se aproximar de mim?
Stella— Não, jamais. Se vocês são amigos, não tem nada a ver comigo. Eu só pedi para eles cuidarem de vocês e me avisarem caso acontecesse algo grave, só isso.
Karla— Então está tudo bem. Eu ficaria chateada se a minha amizade com Lúcia fosse algo falso, algo planejado. Eu acho que entendi, está tudo bem.
Stella— Só mais uma coisa— foi Daniel que salvou você quando ligou para sua mãe pedindo ajuda. Vou te explicar tudo com calma depois, mas só quero que saiba disso.
Karla— Você vai me matar de curiosidade, mas tudo bem. Vou esperar você me contar e explicar tudo. Agora vamos tomar café, que estou com fome.
Stella— Nossa, você reagiu muito melhor do que eu esperava.
Karla— Se tem algo que eu aprendi, foi que preciso confiar em você. Infelizmente, aprendi tarde demais, mas aprendi.
Stella— Você não sabe o quanto fico feliz em ouvir isso!
Karla— Stella, eu não quero que a gente seja um nada uma para a outra, como você falou ontem ali no portão. Sei que não tenho direito de pedir nada, mas queria muito que você voltasse a frequentar a minha casa. Sei que minha mãe ficaria muito feliz com isso, e eu também.
Stella— Eu falei aquilo porque, sinceramente, tinha desistido de você. Mas você me fez voltar atrás indo ao aeroporto se desculpar. Vou pensar no assunto com carinho; eu gosto muito da sua mãe. Provavelmente, eu voltarei a frequentar aqui, sim.
Karla— Obrigado!
Fomos para a cozinha tomar café. Quando entramos, Lúcia estava de costas, lavando alguma coisa na pia. Eu dei bom dia e, ao se virar e ver Stella em pé perto de mim, levou um baita susto e acabou deixando um copo que segurava cair. Eu comecei a rir, fui até ela e a abracei.
Karla— Calma, eu já sei que vocês são amigas. Está tudo bem, e obrigado por cuidar da gente, tá?
Ela me abraçou forte e, quando se afastou, já tinha um pequeno sorriso nos lábios. Foi até Stella e as duas deram um abraço demorado. Depois, fomos tomar café. Lúcia se sentou conosco e ficamos conversando um bom tempo.
Eu fui com Stella até seu hotel. Ela tomou um banho, trocou de roupa e a gente foi até o aeroporto. Pegamos meu carro e passamos na escolinha de Sophia. Quando a aula acabou, eu a busquei e avisei o motorista da van que ela iria comigo. Apresentei Stella a Sophia, que até então só a conhecia por fotos.
Chegamos em casa e almoçamos com minha mãe, que já nos esperava. Sophia se deu muito bem com Stella; na verdade, Sophia se socializava fácil.
Depois do almoço, minha mãe voltou para o trabalho e Sophia ficou com Lúcia. Eu e Stella estávamos no meu quarto conversando.
Karla— Será que algum dia vamos voltar a ser amigas como éramos?
Stella— Eu, sinceramente, não sei. Tenho medo às vezes porque você é uma bomba-relógio. Tenho medo de que, a qualquer momento, você exploda por algum motivo e coloque tudo a perder de novo.
Karla— Eu te entendo. No seu lugar, eu teria o mesmo medo. Por que eu sou assim, meu Deus?! Eu sempre estrago tudo.
Stella— Acho que você precisa de ajuda. Isso em você não é normal. Você normalmente é uma pessoa incrível. Olhe ao seu redor; todos gostam de você porque você é uma pessoa boa, de coração bom. Nunca vi você fazer uma maldade sequer quando está no seu normal.
Karla— Mas quando eu surto, machuco todo mundo, e o pior é que não enxergava meus erros. Pelo menos agora eu enxergo, só que alguns desses erros não têm como consertar.
Stella— A maioria tem. Os que não têm, você tem que aprender a conviver e aprender com eles.
Karla— Será que eu tenho algum problema na cabeça? Será que esses surtos são psicológicos?
Stella— Eu não sei. Só sei que normal não é. Você não enxerga nada nem ninguém quando está com raiva. Naquele dia no banheiro, quando olhei nos seus olhos, eu não te reconheci. Seu olhar era de dar medo. Não era só raiva, era muito ódio. Acho que você poderia ter feito uma besteira pior se não tivessem te segurado.
Karla— Eu sinto muito.
Stella— Já disse que te perdoei faz muito tempo. Só disse isso porque quero que você pense no que falei. Você precisa de ajuda. Acho que ir a um psicólogo ou até mesmo a um psiquiatra seria bom.
Karla— Eu vou pensar nisso, eu prometo.
Ficamos conversando sobre isso um tempão, e Stella tinha razão: eu precisava mesmo de ajuda. Eu tinha um problema e precisava resolver, ou poderia machucar mais pessoas ou até mesmo tirar a vida de alguém.
Passamos o dia todo conversando. No início da noite, ela se despediu e foi para o seu hotel. De lá, iria para o aeroporto e só voltaria depois de 9 dias. Trocamos números de telefone e ela disse que manteria contato.
Fui para o meu quarto, peguei meu celular e escrevi um texto para Layla. Talvez ela tivesse me bloqueado, mas resolvi arriscar assim mesmo, já que provavelmente não iria me atender.
<< Eu sei que não mereço seu perdão e, provavelmente, você não quer me ver na sua frente nunca mais, e com toda razão. Mas eu preciso dizer que sinto muito mesmo, que amo você de todo meu coração e, se algum dia você precisar de mim, estarei aqui sempre pronta para te ajudar. Por falar em ajuda, vou procurar ajuda; Stella me convenceu que eu preciso e acho que ela tem toda razão. Vou correr atrás disso amanhã mesmo! Se a gente nunca mais se ver, quero que saiba que você sempre será minha melhor amiga e que, se tivesse uma forma de conseguir seu perdão e sua amizade de volta, eu faria! Bj.
Ps: Liandra é lésbica e tem uma queda por você; pode investir.
Boa sorte.>>
Esperei alguns minutos e olhei novamente; vi que a mensagem foi entregue e visualizada, mas Layla não me respondeu. Já esperava por isso e fui tentar relaxar um pouco a mente; tinha acontecido muita coisa de uma só vez.
Não sei quanto tempo fiquei ali pensando em tudo que aconteceu. Aí me toquei que nem tinha perguntado para Stella sobre o lance de sociedade que ela falou com minha mãe e também que agora minha mãe e eu éramos donas de uma empresa de construção civil.
Fui tirada dos meus pensamentos com uma mensagem que chegou no meu celular. Olhei e era de Layla.
<< Passa aqui no meu apartamento amanhã às 9 horas. Venha no seu carro porque não consigo dirigir, graças a você. Preciso te levar a um lugar.
Obs: não te perdoei, não sou mais sua amiga; é só um favor.
Obrigado por me avisar sobre Liandra.
Boa noite.>>
Só mandei um "ok" e um "boa noite".
Fiquei curiosa para saber onde ela ia me levar e muito feliz dela ter me respondido. Mesmo ela dizendo que não era mais minha amiga, eu ia vê-la, e isso era meio caminho andado. Talvez, com o tempo, eu conseguisse ter minha amiga de volta.
Acordei no dia seguinte, tomei um banho e conversei com Lúcia um pouco durante o café. Quando deu o horário, fui para o apartamento de Layla. Subi e chamei por ela. Ouvi-a gritando para eu entrar. Entrei e ela gritou do quarto para eu esperar na sala, que já iríamos. Sentei e olhei na direção da cozinha; tinha um monte de coisa suja na pia.
Levantei e fui lavar, imaginando que ela não conseguia por estar com a mão machucada. Estava terminando quando ela apareceu. Ela estava com a mão e metade do braço engessados. Quando vi, só consegui abaixar a cabeça de vergonha. Voltei a lavar as coisas, e ela ficou ali parada, sem dizer nada. Terminei e ela só disse "vamos", e eu fui.
Ela entrou no carro e disse que iria me explicando qual caminho seguir. Eu só concordei com a cabeça baixa, com muita vergonha pelo que fiz com ela, e saímos.
"Será que onde ela vai me levar?!"
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper