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Depois do banho, fomos fazer o almoço. Layla me ajudou no que podia, e sentamos para comer. Ela estava meio calada, então decidi não forçar uma conversa; só o fato de ela estar ali comigo já era muito mais do que eu esperava, depois de tudo que fiz.
Quando terminamos, ela foi para a sala, e eu arrumei tudo na cozinha, decidindo que era hora de ir embora. Ao me despedir, Layla pediu que eu me sentasse com ela no sofá.
Layla— O que você lembra daquele dia em que voltei para te falar dos resultados dos projetos?
Karla— Lembro de você me dizer que só o seu foi aprovado, e eu fiquei com muita raiva. Fui sair para brigar com a Stella, e você tentou me impedir, mas eu te empurrei. Lembro de xingar a Stella, de ser arrastada para fora da empresa e...
Não consegui continuar; um nó se formou na minha garganta ao lembrar daquilo.
Layla— Eu tentei te explicar duas vezes o motivo de a Stella ter aprovado só o meu projeto, mas você não me deixou falar. Quando tentei te impedir de sair, você me empurrou tão forte que eu caí no chão, com a mão mal apoiada. A dor foi tão intensa que eu gritei muito alto, mas parecia que você nem ouviu. Era como se nada mais existisse ao seu redor; você tinha tanto ódio no olhar que dava medo.
Karla— Sinceramente, não lembro de ter ouvido você gritar. Sinto muito.
Layla— Tudo bem. Eu só queria entender o que acontece com você. Não consigo entender como uma pessoa boa como você pode se transformar em alguém assim.
Karla— Eu também não sei, mas o ódio que eu sentia pela Stella me deixava cega. Eu me transformava em um monstro. É isso que sou: um monstro, uma pessoa ruim que machuca todos ao seu redor.
Olhei para o gesso no braço de Layla e comecei a chorar. Como pude fazer isso com alguém que amo tanto?!
Layla— Ei, você não é um monstro. Você é uma pessoa boa, de coração bom. Você me ajudou sem nem me conhecer direito. Nesse tempo em que somos amigas, nunca vi você fazer algo ruim. Aquela pessoa que me machucou não é você, Karla. Não mesmo. Eu te conheço.
Ela me abraçou, e eu só sabia chorar.
Layla— Eu vou te ajudar a passar por isso, assim como você me ajudou desde o dia em que trocamos nossas primeiras mensagens. Mas você precisa se esforçar para superar esse ódio pela Stella. O primeiro passo você já deu: aceitar procurar ajuda.
Karla— Eu não odeio a Stella. Não mais.
Layla— Como assim? Vocês se acertaram?
Karla— Descobri que o motivo do ódio que eu sentia por ela era uma mentira. A Stella nunca tentou roubar o Gustavo de mim.
Layla— Meu Deus, Karla! Me conta essa história.
Comecei a relatar para Layla tudo o que havia acontecido desde que saí da empresa até o momento em que a Stella saiu da minha casa para viajar.
Eu falava e chorava, às vezes precisando parar para respirar porque o choro tomava conta da minha voz. Layla segurou minha mão o tempo todo. Quando terminei, ela me abraçou. Chorei muito, mas finalmente consegui me controlar um pouco.
Karla— Eu preciso ir. A Sophia já deve ter chegado, e a Lúcia deve estar preocupada, pois eu disse que logo voltaria.
Layla— Por que você não liga para ela e avisa que vai passar o dia e a noite aqui comigo? Você está muito alterada para dirigir. Fica aqui que eu cuido de você.
Karla— Agradeço, mas não mereço sua ajuda. Melhor eu ir.
Layla— Você sempre me ajudou quando precisei. Não vou te abandonar nesse momento. Você vai sair dessa, sim, e vai ficar aqui. Vai ligar ou quer que eu ligue para avisar?
Karla— Eu ligo. Obrigada, Layla.
Layla— Amigos são para essas horas.
Karla— Você ainda é minha amiga?
Layla— Nunca deixei de ser. Só fiquei assustada e magoada com você pelo que aconteceu, mas nunca desisti da nossa amizade.
Eu realmente não merecia as pessoas que tinha ao meu redor. Acredito que a maioria teria me abandonado, me odiado, me julgado por tudo que fiz. E eu realmente merecia isso, mas Layla e Stella não fizeram isso; ao contrário, estavam tentando me ajudar.
Liguei para a Lúcia e avisei que ficaria na casa da Layla até o dia seguinte. Pedi para ela me ligar se precisasse de algo e avisei minha mãe também, contando que tinha ido à psicóloga. Ela achou ótimo eu ter feito isso.
Fui à cozinha, tomei um copo d'água e lavei o rosto no banheiro. Layla já estava deitada na cama vendo algo na TV. Me deitei ao seu lado, com a cabeça em seu peito. Ela me abraçou e disse:
Layla— A Stella te contou por que não aprovou seu projeto e o nosso?
Karla— Não, mas disse que vai me explicar com calma quando voltar de viagem. Sei que tem a ver com uma sociedade que ela queria fazer comigo ou algo assim.
Layla— Ela me disse que os três projetos eram muito bons, que ia mandar o meu para a empresa porque achou que tinha mais a cara do que eles queriam. E que iria ficar com os outros dois porque tinha dois projetos de construção de prédios nas mãos: um de um hotel cinco estrelas e um prédio que ela queria construir sozinha.
Karla— Sério? Eu não sabia disso.
Layla— Ela disse que o nosso projeto é perfeito para o hotel e o seu é a cara do prédio que ela quer construir.
Karla— Quanto mais descubro as coisas, mais me odeio. Como sou idiota, meu Deus!
Layla— Ei, nem comece! Você não é idiota. Você tem um problema, e vamos resolvê-lo, ok?
Karla— Está bem. Vou fazer tudo que eu puder para ficar bem e ser uma boa pessoa o tempo todo, de hoje em diante.
Passamos o dia conversando. Layla conseguiu me fazer rir, e eu fiquei um pouco mais leve. Assistimos a alguns filmes e, claro, transamos de novo.
No final da tarde, fomos ao shopping fazer compras e nos divertimos bastante. Voltamos para o apartamento, jantamos e, depois, ficamos de bobeira na cama conversando. Depois, transamos de novo, tomamos um banho e dormimos. Acordei no dia seguinte muito mais feliz e animada. Decidi que ia parar de chorar e me punir pelas besteiras que fiz e focar em melhorar, sem repetir os mesmos erros.
A partir daí, passei a ir ao apartamento da Layla todos os dias, ajudando com os serviços domésticos que ela não conseguia fazer. Às vezes, ficava lá até mais tarde e a gente conversava bastante e transava. Outras vezes, voltava logo para casa para ficar com minha filha.
A Stella me ligou três vezes e só me pediu para não ficar pedindo desculpas e remoendo o passado. Eu contei que a Layla tinha me levado a uma psicóloga e que tínhamos nos acertado. Ela me perguntou se eu tinha tomado posse da empresa, e eu disse que não, que queria focar em melhorar minha saúde mental primeiro.
Ela me enviou algumas fotos do apartamento dela em Lisboa; era muito bonito. Mandou fotos da melhor amiga e da mãe dela, além de fotos do casamento do Bruno com sua melhor amiga. A Liandra aparecia em algumas, junto com ela, e realmente a Layla tinha bom gosto; a ruiva era linda mesmo.
Minhas sessões com a psicóloga estavam me ajudando muito. No início, ela achou que talvez eu tivesse passado por algum trauma na infância que pudesse ter me afetado, mas eu disse que não tive nenhum. Ela explicou que, às vezes, o próprio cérebro bloqueia essas lembranças por serem muito traumáticas. Decidiu usar uma técnica de hipnotismo para eu fazer uma regressão até meu passado e ver se tinha algum trauma bloqueado, mas não havia nada.
Comecei a entender melhor algumas coisas e a parar de me culpar tanto pelo que fiz. A Drª Luiza me disse que nem sempre temos controle da nossa mente; nosso cérebro é uma caixinha de surpresas. Como explicar pessoas que participam de suicídios coletivos por causa de uma seita? Ou pessoas que têm tudo na vida, como dinheiro, fama e uma vida amorosa perfeita, e mesmo assim se sentem tão infelizes a ponto de tirar a própria vida?
Tem muita coisa que não tem explicação; às vezes, as emoções e sentimentos nos levam a ficar cegos para algumas situações ou a fazer coisas que, com a cabeça no lugar, jamais faríamos.
Ela disse que eu tinha um problema: minha raiva me tirava a capacidade de raciocinar corretamente. Eu ficava cega, não pensava e não via mais nada além da pessoa que estava me causando dor. Provavelmente, a primeira vez que isso aconteceu foi quando o Gustavo me mostrou a conversa com a Stella; foi como um clique para o meu problema. A Stella se tornou meu gatilho: tudo que lembrava dela ou até mesmo ouvir o nome dela me deixava com dificuldade de raciocínio. Eu me tornava uma pessoa agressiva e ignorante, não pensava, não enxergava, só queria atacar de alguma forma, fisicamente ou verbalmente.
Expliquei para a psicóloga que já não tinha mais ódio pela Stella, e que, provavelmente, estava livre disso. Ela me alertou que não era tão simples assim; isso poderia voltar a acontecer caso a Stella fizesse algo que me deixasse irritada. E isso poderia acontecer com outra pessoa, não precisava ser exatamente a Stella, mas alguém por quem eu tivesse um sentimento muito forte.
Eu disse que, no caso da Stella, ela nunca faria algo para me deixar com raiva ou me magoar, mas ela explicou que isso poderia acontecer sem querer ou até mesmo por algo que nem fosse verdade, como aconteceu. O trauma que sofri quando li aquelas mensagens provavelmente fez meu cérebro criar uma defesa. A Stella era quem me causava dor, e o Gustavo era meu protetor naquela situação. Meu cérebro se condicionou a ver a Stella como algo ruim e o Gustavo como o bem. Tudo dele era bom, e tudo da Stella era ruim. Por isso, eu não pensava nem raciocinava direito; na minha cabeça, eu só estava me protegendo do mal, da dor, de alguém que queria me fazer sofrer.
Aquilo me deixou preocupado, pois ela tinha razão. Eu não pensei direito quando vi a conversa da Stella com o Gustavo; não conferi o número. E mesmo depois de descobrir tudo sobre o Gustavo, continuei odiando a Stella. Eu não pensei corretamente; para qualquer pessoa, ficaria óbvio que aquilo poderia ser uma mentira, mas na minha cabeça era uma verdade e ponto.
Perguntei por que isso acontecia, se havia uma explicação mais plausível. Ela disse que provavelmente eu estava em um conflito de sentimentos: minha melhor amiga se afastou de mim por causa do meu namorado. Eu sentia falta dela e queria que ela voltasse para a minha vida, mas ela não voltaria se eu continuasse com meu namorado. Como eu o amava, terminar seria muito doloroso. Não era fácil fazer uma escolha. Eu sofria com aquilo. No momento em que li as primeiras mensagens, a dor foi muito forte, e meu cérebro inconscientemente ativou um mecanismo de defesa para me proteger.
Perguntei se isso tinha cura ou tratamento. Ela disse que tratamento sim, e talvez até cura, mas que eu provavelmente não saberia se estava curada ou não. O certo era continuar o tratamento, que era simples: manter as sessões com ela ou outro psicólogo, evitar ao máximo momentos de estresse e fazer alguns exercícios de relaxamento.
Eu me comprometi a fazer tudo o que pudesse para ter uma vida normal, sem surtos, sem ferir as pessoas que amava. Nenhum sacrifício seria grande o suficiente para mim; estava decidida a ser uma pessoa boa o tempo todo.
À noite, quando estava na minha cama, me bateu uma depressão. Era complicado lidar com as coisas ruins que vinham à minha mente. Eu feri tantas pessoas por ter cometido um erro tão idiota. Era só ter olhado o número do celular; era tão fácil evitar tudo isso.
Peguei o celular e enviei uma mensagem para a Stella:
<< Por que eu não olhei aquele maldito número de celular? Era tão fácil ter evitado o mal que te causei. Sinto muito por ter sido tão idiota.>>
Me arrependi assim que enviei. A Stella pediu para eu não ficar remoendo o passado, mas agora era tarde; eu já tinha enviado a mensagem.
Logo chegou uma resposta dela, e eu imaginei que seria uma bronca por causa da minha mensagem.
Troca de mensagens:
Stella— Qual é a pessoa que você mais ama nessa vida? Se você pudesse salvar só uma pessoa nesse exato momento, quem seria?
Karla— Sophia, com certeza. Minha filha é tudo para mim.
Stella— Se você olhasse o número do celular aquele dia, onde estaria a Sophia agora?
Karla— Ela não existiria, porque eu não iria querer ver a cara do Gustavo nunca mais, e o ódio que eu peguei de você eu teria pego dele.
Stella— Tem males que vêm para o bem. Não chore pelo que você perdeu ou pelos erros que cometeu. Agradeça pelo que você tem e pelas escolhas certas que fez! Tudo nessa vida tem um propósito.
Karla— Você tem razão, obrigado!
Stella— Por nada. Te vejo amanhã. Boa noite, Ká.
Karla— Que bom! Boa noite, Lala.
Dormi com um sorriso no rosto; ela era uma pessoa incrível!
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper