Eu não queria aceitar, mas não tinha passagem garantida e o olhar da Lilly para mim, me incentivava a aceitar. Concordei e Cora me pediu meus documentos para acertar minha partida. Saiu e ficamos conversando, com a Lilly monopolizando a conversa querendo saber o que eu faria e também me dando alguns conselhos. Logo a Cora retornou e seguimos para a área de embarque particular.
Em minutos estávamos decolando. Apesar do conforto e da exclusividade, o tempo foi praticamente o mesmo dos voos convencionais. Então, quando minha ansiedade permitiu, dormi. Pousamos em Guarulhos entre dezessete e dezoito horas de sábado, sendo recebidos por um motorista que segurava uma placa com o nome do Callaghan:
- Senhor, senhoras, boa tarde. Espero que tenham feito um bom voo?
PARTE 27 - MARYEVA SURPREENDE
Callaghan, o típico rico, agradeceu sua atenção, mas não lhe dispensou mais que quatro ou cinco palavras, seguindo em frente de braços dados com a dona Lilly. Só então notei quatro homens vestidos em ternos pretos que se aproximaram ligeiramente e dois passaram a acompanhá-los, enquanto dois ficaram conosco. Coube a Cora tomar a frente, falando em inglês, com o motorista:
- Qual o seu nome mesmo?
- Jarbas, senhora.
- Sou Coraline, Jarbas. Precisamos seguir até o hotel Fasano, onde eu espero que o segundo motorista já esteja à nossa disposição…
- Certamente, senhora. - Respondeu, dirigindo-se em minha direção e se oferecendo para pegar minha mala.
Aceitei a gentileza e segui lado a lado com a Cora até a área dos veículos particulares:
- Coraline!? - Perguntei, sorrindo de uma forma divertida.
- Sim, Fernanda Mariana Branca. - Retrucou, deixando claro que não gostava de seu nome tanto quanto eu do meu.
- Ok. Só Nanda, tudo bem?
- Ok. Só Cora, tudo bem?
- Ok.
Ruivinha metida. Já estava achando que não me daria bem com ela, quando vi que seu telefone tocou e a imagem de uma criança surgiu na tela. Ela logo a atendeu e conversaram brevemente, mas consegui ouvir uma coisa ou outra e entendi que se tratava de seu filho. Assim que desligaram, ela ficou calada:
- Problema com seu filho? - Perguntei.
- Não! Bem, mais ou menos, ele vai fazer uma apresentação na escola na quarta-feira de manhã e não estarei presente…
Seu semblante denunciou sua tristeza nesse instante e sendo mãe, eu entendia bem o medo que ela sentia de decepcionar o filho por não estar presente:
- Mas por que você não volta?
- Sou a secretária particular do Callaghan. Tenho que estar disponível para ajudá-lo em qualquer assunto enquanto ele estiver aqui e ele me disse que não volta sem você.
- Quer dizer que se eu decidir ficar de vez com minha família, ele não vai mais embora?
- Não, não é isso…
- Tudo bem, eu entendi. - A interrompi: - Fica tranquila. Vou fazer de tudo para voltarmos na terça-feira. No que depender de mim, você irá na apresentação do seu filho. Prometo.
Ela me olhou surpreso e pela primeira vez, vi um sorriso verdadeiro brotar em seu rosto.
Chegamos ao estacionamento, onde uma espécie de SUV, imenso e diferente de tudo o que já havia visto, nos aguardava. Entramos os quatro, sendo que Callaghan e sua esposa lado a lado e de frente para nós. Cora já parecia habituada e mexia em seu tablet, organizando seus compromissos. Eu estava deslocada, ainda mais por ser a novata e não sair do raio de visão da dona Lilly que não parava de me encarar, curiosa.
O trânsito estava horrível e foram constrangedores trinta minutos até o hotel. Chegando lá outro motorista já aguardava. Callaghan perguntou para Cora qual segurança iria me acompanhar, mas eu me adiantei e disse que não seria necessário, mas ele insistiu e disse que não aceitaria uma recusa, inclusive, ressaltando que eles estavam à minha total disposição, para todo e qualquer assunto, frisando de uma forma bastante maliciosa a palavra “everything”. Acho que ele me enxergava como uma puta tarada que não pode ficar um dia sem trepar.
Eu queria ir logo atrás do Mark, então acabei aceitando. Despedi-me deles e fui conduzida até uma outra SUV mais modesta, mas não menos luxuosa. Acomodada atrás, com todos os paparicos de uma rainha moderna, o motorista e o segurança se acomodaram no banco da frente e partimos. Dei o endereço e o segurança o registrou no GPS do veículo. Assim que entramos na Fernão Dias, minha curiosidade falou mais alto:
- O que o Callaghan quis dizer com vocês estarem “à minha total disposição”?
- Exatamente isso, senhora. - Respondeu o segurança.
- “Isso” o quê? - Insisti.
- Estamos à sua total disposição para tudo.
- Tudo?... - Insisti, dando uma conotação mais maliciosa.
- Tudo! - Ele agora respondeu, olhando para trás, de uma forma também maliciosa.
Engoli em seco e me fiz de desentendida, mas entendi bem aquele olhar. Eu não era nenhuma menininha e, por mais “cabeça oca” que eu fosse, de malícia eu entendia bem. Continuei investigando:
- Vocês, por acaso, sabem quem é o Callaghan?
- Sim, e sabemos quem é a senhora também, Rainha de Paus. - Respondeu o motorista, olhando-me pelo espelho retrovisor.
- Oxi!... - Resmunguei e devo ter ficado vermelha no ato.
“Oxi!? Que porra de oxi é esse, Fernanda?”, perguntei em silêncio para mim mesma, irada por eu ter usado o dialeto daquela baiana safada que estava dando em cima do meu marido. O assunto morreu ali, afinal, naturalmente se eu tivesse que dar para alguém, seria para o meu marido e não para aqueles dois homens fortes, másculos, altos, taludos e certamente com um belo preparo físico para me fazerem gozar por horas. “Sossega, Fernanda Mariana!”, pensei e passei a me distrair com meu celular enquanto a viagem prosseguia.
Em pouco mais de três horas, chegamos na minha cidade e de lá fomos direto para a minha casa. Nesse momento um nervosismo me atingiu em cheio e fiquei com medo de ter exagerado novamente, mas eu já estava lá e era tudo ou nada.
Apertei o botão do videofone. Pouco depois uma Maryeva extremamente surpresa abria a porta da minha casa e depois o portão de acesso. Eu estava temerosa dela me recusar um chamego, mas ela pulou em meu pescoço. Recebi minha filhotona com o melhor e mais apertado abraço que eu poderia dar em alguém e ela grudou em mim como um carrapato, dando-me muito mais do que eu mereceria. Aliás, elas, pois senti alguém me agarrando a cintura. Olhei para baixo e vi a Miryan fazendo o mesmo que a irmã e me abaixei para pegá-la no colo, voltando a abraçar minha primogênita. Pouco depois, o Mark apareceu na porta:
- Fernanda… Mariana! Mas que caralho da porra você está fazendo aqui, mulher!?
Olhei para ele com os olhos marejados, quase chorando tamanha a saudade que sentia deles, de todos eles, mas ainda faltava algo. Pedi licença para as minhas filhas e fui até ele que começou a “voltar de fasto”, lentamente conforme eu me aproximava. Fui mais rápida e o prendi no batente da porta. Logo estávamos colados, sentido a respiração um do outro, dividindo o mesmo ar, a mesma energia, o mesmo sentimento:
- Vim consertar o que eu nunca deveria ter quebrado, mostrar que estou arrependida e disposta a qualquer coisa para ter você e as nossas filhas em minha vida novamente. Agora, vai trocar de roupa!
- Como é que…
Antes que terminasse de falar, nossos lábios se colaram. Eu pensei em segurá-lo pela nuca, mas não foi necessário, pois ele mesmo segurou a minha e me apertou forte em seus braços. Se eu fosse manteiga, teria derretido, juro, porque senti uma onda de calor tão grande que minhas pernas ficaram bambas como gelatina. Não sei quanto tempo aquele beijo durou, mas a eternidade era pouco para nós e aquilo estava bem claro para mim; eu só torcia que para ele também:
- Você é louca! - Falou assim que nossos lábios se desgrudaram.
- Sou, por você! Vai trocar de roupa, por favor.
- Ueba! Vamos passear? - Vibrou Miryan e eu a olhei chateada porque não era bem essa a minha intenção naquele momento, mas também não podia recusar a minha caçula.
- Não, Mi! - Falou Mary, chamando a atenção da irmã: - A mãe precisa acertar as contas com o pai. Eles vão resolver umas coisinhas agora e depois vem pegar a gente para sairmos.
Eu olhei surpresa para a Mary e vi que ela tinha entendido mais que bem as minhas intenções, agora, inclusive, me ajudando a ter uma chance de recuperar a nossa família. Ela continuou:
- Vamos lá pegar uns joguinhos para brincarmos lá na vó. Depois eles nos pegam lá. Aliás, vamos fazer diferente, já tá tarde, a gente dorme lá e vocês pegam a gente amanhã de manhã, que tal?
- Ah, mas a gente não vai sair hoje então? - Miryan insistiu.
- Baixinha… - Chamei sua atenção para mim, pensando em justificar minha saída com o Mark, mas desisti: - Vão os três trocar de roupa. Vamos sair sim, passeio em família!
Ela me olhou por um momento, em silêncio e perguntou:
- No shopping?
- Shopping não dará tempo, querida, vamos em algum restaurante.
- Ninguém pergunta se eu quero não? - Mark resmungou.
- Hoje, a sua vontade é a minha! Se resmungar novamente, mando o meu segurança te amarrar e jogar no porta-malas, mas hoje, senhor Mark, hoje, o senhor vai sair conosco, por bem ou por mal… - Respondi, encarando-o maliciosamente.
Ele deu uma olhada para em direção à rua e viu os dois brucutus que estavam me aguardando e depois olhou para mim, cobrando uma explicação. Fui até eles e os dispensei, dizendo que ficaria com a minha família:
- Posso dormir aqui, né, Mark?
- Pode, uai! - Ele respondeu, ainda olhando para o SUV, impressionado: - Você vai explicar?
- Vou, vou sim! A gente tem muito o que conversar e preciso do meu melhor amigo para me ajudar a entender.
Nesse instante notei que os dois ainda permaneciam no mesmo lugar, sem se moverem. Insisti que fossem embora e o segurança foi bastante objetivo:
- Desculpe, senhora Fernanda, mas tenho ordens de segui-la onde quer que vá para garantir sua segurança. Inclusive, o Benjamin também ficará à sua disposição. - Disse, apontando para o motorista que balançou afirmativamente sua cabeça.
Mark os olhava curioso e não se limitou a apenas ouvir:
- Ordens de quem?
Eles se entreolharam, sem saber se respondiam ou não e então decidi vestir de vez a carapuça de rainha, pelo menos ali:
- Ele é meu marido! A deferência que devem a mim, devem a ele. Um pedido dele, como o meu, é ordem!
Eles se olharam novamente e deram de ombros, encarando o Mark em seguida:
- Dos senhor e senhora Callaghan.
- Mas quem é esse, Fernanda?
- Eu vou te explicar tudo, mor, mas entra e vai trocar de roupas. Tô com fome e estou mesmo querendo sair com vocês.
- Você está aprontando alguma coisa e é melhor abrir o jogo, hein!? Se eu descobrir uma mentira sua…
- Não vai ter mentira alguma! - O interrompi: - Vou te contar tudo, “tudin mes”. Eu prometo.
Ele me surpreendeu, pegando minha mão e me puxando para dentro, e lá para a nossa suíte. Eu adoraria ficar ali, mas precisava apressar nossas filhas e o avisei. Saí para ajudá-las e pouco depois retornavam as três mulheres do meu rei, prontas para uma noitada em família; ele estava terminando de colocar o seu Ferrari Black, seu perfume favorito. Saímos e ele abriu o portão da garagem. Quando ligou o motor de seu carro, o segurança se aproximou e orientou a usarmos a SUV “por questões de segurança”. Depois que ele me explicou, fui falar com o Mark:
- Fernanda, em que merda você se meteu? Carro blindado com motorista e segurança!? Poxa…
- Fica calmo! Eu já disse que vou te explicar. Só não vejo problemas em irmos com ele. A SUV é bem espaçosa, confortável e assim podemos aproveitar sem medo, até beber um pouquinho juntos que é algo que nem me lembro quando foi a última vez que fizemos.
Ele desligou o carro e me encarou, extremamente preocupado:
- Olha só, você se colocar em risco é um problema seu, e apesar disso ainda fico preocupado, mas você colocar nossas filhas em risco, eu não admito!
- Não há risco algum. - Falei, mas depois eu mesma fiquei me questionando se realmente não havia: - Pelo menos eu acho que não…
- Tá vendo!? Como eu posso confiar neles, se nem mesmo você tem plena confiança? - Insistiu, descendo do carro e indo diretamente até os dois: - Muito bem, rapazes, quero o nome completo e um documento de cada um: vou pesquisar sobre vocês antes de entrar nesse carro.
Eles se surpreenderam, mas entregaram seus documentos de identificação para o Mark que acessou um aplicativo em seu celular e fez pesquisas rápidas sobre eles, aparentemente nada encontrando. O segurança, vendo que meu marido ainda não parecia convencido, pegou uma pasta de documento e tirou um “curriculum vitae”, dando várias referências das empresas para quem trabalhou. Mark decidiu testá-lo:
- Aham… - Resmungou enquanto lia seu “curriculum”: - E quais pessoas você assegurava enquanto trabalhava nessas empresas?
- Doutor, eu infelizmente não posso dar essa informação por uma questão de sigilo profissional. Meus clientes contam com minha discrição. Caso o senhor queira maiores informações, terá que entrar em contato com as empresas em que trabalhei.
- Boa resposta, mas ainda não me convence. - Disse, dobrando e guardando seu “curriculum” no bolso: - Eu e as meninas iremos no meu carro, Fernanda.
- Então tá! Eu vou com vocês também. - Falei e disse para o segurança que, se ele insistisse em me vigiar, teria que nos acompanhar.
O Mark tirou o seu carro da garagem já com as meninas e saímos rumo a nossa pizzaria preferida, sendo seguidos de perto pelo SUV. Descemos e comemos como uma família perfeita de propaganda de margarina, entre risos, sorrisos, brincadeiras e deliciosas interações. O que menos aproveitou foi o Mark que interagia com as meninas, mas, sempre que me olhava, eu via um certo temor ou nervosismo dentro dele. Assim que terminamos, voltamos para a nossa casa e avisei ao segurança que não sairia mais até o dia seguinte, só então se foram.
Lá dentro, após apaziguar a ansiedade das minhas filhas, coloquei-as para dormir como fazia quando eram bebês. Dediquei-lhes todo o tempo necessário que uma mãe zelosa deve fazer e só quando tive certeza de que dormiam, voltei para o meu marido. Agora toda a minha atenção, tensão, tesão, euzinha inteirinha, seria dele até o dia seguinte. Pelo menos eu pensava isso até ele me jogar um balde de água fria:
- Pode parar, Fernanda! A gente vai conversar, não transar. Vamos lá pra sala porque tenho a impressão de que você tem muita coisa para me contar.
Eu tinha mesmo e contei, contei, contei, contei… Tudo, “tudin mes”, do início ao fim. Não escondi um único detalhe sequer, nem mesmo a história de eu ter me tornado uma Rainha de Paus. Ele me ouviu tudo em silêncio, sem interromper, alterando apenas sua expressão conforme eu lhe falava os detalhes mais pitorescos de minha recente experiência. Ele ficava pasmo, assustado, curioso, até excitado pareceu em alguns momentos:
- E é isso!
- Cara, onde é que você está se metendo?...
- Olha, eu sei que parece estranho. Eu também estava preocupada, mas vou te falar a verdade, depois que eu conheci a Lilly, esposa do Callaghan, e vi que ela parece ser uma pessoa do bem, acabei ficando mais tranquila, foi por isso inclusive que eu aceitei vir de carona com eles, senão teria ficado esperando uma chance de voltar num voo convencional. Ah, e ela sabe de tudo e veio junto com a gente no jatinho…
Ele se calou por um momento, pensando em tudo, organizando suas ideias, provavelmente, posicionando aquelas peças no seu tabuleiro de xadrez imaginário e depois me falou:
- Amanhã, eu tenho um compromisso em São Paulo…
- É, eu já tô sabendo. - O interrompi, inadvertidamente: - A Mary me contou… É com a Iara ou com a Denise?
- Nenhuma delas, Fernanda! Eu tenho uma audiência no fórum central, só isso. - Respondeu, incomodado: - Mas já que eles estão aqui, eu quero conhecê-los. Preciso entender direito essa história antes de permitir que você volte para os Estados Unidos…
- Permitir!? Mas quem que você pen… - O interrompi, inconformada com sua ousadia, mas me toquei no mesmo instante que ele queria me proteger: - Você está querendo me proteger, mor!?
- É óbvio, né, afinal você é a mãe das minhas filhas. Não vou te deixar cair nas garras de nenhum gavião abusador ou um maluco dominador, sei lá.
Eu estava certa! O meu Mark não havia me esquecido e ainda se achava responsável por mim, mas a que ponto esse “querer meu bem” era realmente “querer bem”? Peguei-me olhando apaixonada em silêncio para ele e só notei isso quando ele desviou o olhar do meu, constrangido com a forma com que eu o encarava. Fui até ele e o abracei, não querendo sexo, apenas querendo agradecê-lo por ele ser ele. Ele também me abraçou e apertou forte:
- Vou arrumar o quarto de hóspedes… - Disse, pouco depois.
- Não! Faz amor comigo, nem que seja pela última vez, por favor…
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DA AUTORA, SOB AS PENAS DA LEI.