Eu estava certa! O meu Mark não havia me esquecido e ainda se achava responsável por mim, mas a que ponto esse “querer meu bem” era realmente “querer bem”? Peguei-me olhando apaixonada em silêncio para ele e só notei isso quando ele desviou o olhar do meu, constrangido com a forma com que eu o encarava. Fui até ele e o abracei, não querendo sexo, apenas querendo agradecê-lo por ele ser ele. Ele também me abraçou e apertou forte:
- Vou arrumar o quarto de hóspedes… - Disse, pouco depois.
- Não! Faz amor comigo, nem que seja pela última vez, por favor…
PARTE 28 - O HOMEM SEM MEDO
- Não! Não somos mais um casal. Se você acha que pode chegar a qualquer momento que vou estar a sua disposição, então você não me conheceu nada nesses anos de convivência.
- Mark!? Sou eu: Nanda, a sua esposa, a mulher que dividiu uma vida com você por mais de quinze anos. Será que isso não conta nada?
- Boa pergunta! Por que não pensou nisso em São Paulo quando me ridicularizou na frente do riquinho?
- Rick, você quer dizer…
- Não falei o nome dele, só disse que ele tinha dinheiro. Está vendo? Até agora você defende aquele filho da puta que acabou com o nosso casamento. - Ele suspirou, chateado: - E você ainda vem aqui querendo transar comigo? Você só pode estar brincando, né, Fernanda!?
Aquela pancada foi maior do que eu poderia imaginar que levaria, aliás, eu sequer supunha que ele fosse me tratar daquela maneira. Engoli tudo a seco, meu orgulho, meu amor próprio, minha autoestima e me joguei a seus pés, implorando:
- Por favor, eu só quero o meu marido e as minhas filhas novamente. Eu estou perdida.
Comecei a chorar e logo a Miryan apareceu na área social, preocupada com o barulho, seguida pouco depois da Maryeva. Quando me viram chorando ficaram chocadas e começaram a discutir com o Mark, como se ele tivesse culpa de alguma coisa. Eu não poderia deixar que elas o responsabilizassem. Então, assim que consegui me controlar, falei:
- Não, não, meninas, seu pai não fez nada. O erro foi meu! Eu já devia saber que ele não me perdoaria tão fácil. - Enxuguei as últimas lágrimas, enquanto elas me acariciavam: - Vou… Vou para um hotel ou pousada, sei lá.
- Não, mãe, dorme no meu quarto. - Miryan se adiantou.
- Não, querida, eu tenho mesmo que ir. - Insisti.
- Não, não tem. Você vai ficar, porque a nossa conversa ainda não acabou. - Mark falou e já olhou para as duas: - E vocês vão já para a cama ou eu ligo para o seu avô vir buscá-las.
Elas resmungaram mais um pouco, mas obedeceram, após a promessa dele de que não iríamos discutir novamente. Depois que saíram e ele se certificou de que elas haviam se deitado, voltou e fechou a porta que separa a área reservada da social da nossa casa. Eu ainda estava no chão e ele me ajudou a levantar, sentando-me no sofá:
- Peça demissão!
- Oi!?
- Você não está bem. Agora, é hora de você colocar a cabeça no lugar e tudo o que está acontecendo tem um grande potencial de te levar para o buraco. Peça demissão, volte para cá e eu vou te ajudar a se reestruturar. Hoje, é o máximo que eu consigo fazer por você.
- Você quer que eu volte, mas não para ser sua mulher, é isso!?
- Mais ou menos… Quero que você volte para colocar a cabeça no lugar, enxergar de vez quem é a sua prioridade para depois recomeçar.
- Mas eu não quero isso! - Resmunguei: - Principalmente porque, se a gente for se divorciar, precisarei do meu emprego para me sustentar. Não posso pedir demissão.
- Então, você precisa aprender a falar não, ou, no mínimo, a estabelecer seus limites para os outros. Você não é uma adolescente, Fernanda, será que não entendeu isso?
Eu o olhava e sabia que suas intenções eram nobres, mas também sabia que, se eu pedisse demissão, jamais conseguiria outro emprego igual em nossa cidade. Aliás, talvez eu nunca mais conseguisse emprego ali depois que meu nome caiu na boca do povo.
- Mor, eu não posso. Eu não posso pedir demissão.
- Então ok. Vamos para a outra hipótese: acha que vai conseguir se manter longe dessa história de Rainha de Espadas?
- Rainha de Paus…
- Foda-se a carta! Acha que vai conseguir ficar longe deles?
- Acho que sim. Eu só tive um encontro com o Callaghan e nunca prometi nada para ele.
- Muito bem, iremos amanhã para São Paulo. Vou fazer minha audiência e você me aguardará no fórum. Você tem o contato desse Callaghan, não tem? - Perguntou e confirmei com a cabeça: - Então, ligue para ele amanhã cedo e diga que eu quero conversar com ele. Se a esposa quiser estar junto, ótimo, se não quero falar com ele.
- Tá bom.
Levantamo-nos e fomos arrumar o quarto de hóspedes para eu ficar. Assim que abrimos a porta, duas curiosas estava com a orelha grudada na madeira. Mark lhes repreendeu de forma dura e disse que só por essa tentativa de invasão ambas ficariam de castigo, por uma semana sem celular e tablet. Não adiantou os resmungos e pedidos de desculpas, porque uma coisa que ele sabia fazer era se fazer respeitar. Depois de arrumado o quarto, dormi. De madrugada, as duas me acordaram, dizendo que queriam me fazer companhia e dormiram comigo. Elas dormiram, eu aproveitei para velar seus sonhos, dormindo muito mal.
No outro dia de manhã, um Mark assustado surgiu na porta do meu quarto. Quando viu que as meninas estavam comigo, respirou aliviado. Acordou-as e foi arrumar o café da manhã. Logo, o cheiro de um cafezinho recém passado inundou a casa. Fomos para a cozinha e nos banqueteamos com um delicioso café, leite, bolo de aipim, pão e manteiga caipira. A cara dele não era das melhores:
- A gente não pode ir com vocês? - Maryeva perguntou: - Sei lá, a gente podia aproveitar para passear depois.
- Shopping!? Uhu, shopping, éééééé! - Disparou Miryan, sorrindo.
- Não! Hoje, eu preciso estar muito concentrado para resolver dois problemas. Sinto muito, mas vocês não irão. Vou deixá-las na escola e seu avô virá buscá-las depois. Já combinei com ele.
Elas tentaram de todas as formas dissuadi-lo: brincadeiras, conquista, chantagem, chororô, mas nada o demoveu. Na hora de costume, fomos levá-las à escola e de lá saímos para São Paulo. Ele ligou para seu pai e confirmou com ele o horário para buscá-las. Meu motorista e segurança a todo o momento me seguiam de perto, sob o olhar atento do Mark que me indicou o SUV atrás da gente. Liguei para o Callaghan e expliquei que o Mark queria conversar com ele, que, por sua vez, se surpreendeu e não queria aceitar, aliás, só aceitou porque eu ameacei nunca mais olhar na cara dele:
- Ah, e quero que a dona Lilly também esteja presente. - Falei.
- Mas para que isso, Fernanda? - Perguntou naquele inglês tipicamente americano.
- Porque ele quer e eu também!
- Ok. Eu vou, mas não garanto que a Lilly vá.
- Sem ela, sem Rainha de Paus.
- Vou tentar, Fernanda. Eu vou tentar! - Bufou e desligamos pouco depois.
Mark sem tirar os olhos da estrada, falou o óbvio:
- Está vendo? Essa história toda está muito mal contada. Ele não parece ser tão bonzinho assim.
- Mas ele já combinou comigo, disse que aceitará conversar com você. Eu pedi a presença da Lilly porque ela parece ser mais equilibrada que ele. Assim, evitamos uma discussão, sei lá.
Ele concordou comigo. No restante da viagem, o assunto girou apenas em torno da história do Callaghan e seu jogo de cartas, afinal, ele não entendia o porquê de tudo aquilo e, sinceramente, nem eu. Chegamos em São Paulo e fomos para um restaurante, almoçar. Depois, seguimos para o fórum central, onde ficamos aguardando o início de sua audiência que atrasou quase uma hora. Assim que ele entrou, a Cora surgiu sei lá de onde:
- Fernanda, o que está acontecendo? O Callaghan está uma fera, dizendo que seu marido quer colocá-lo contra a parede. Eu não entendi nada… - Falou no inglês, chamando a atenção dos que estavam ao nosso redor.
- Como você sabia que eu estava aqui, Cora?
- Ora, o motorista, claro!
- Ah tá… - Sua resposta não me convenceu e ela viu isso em minha face, mas aceitei naquele momento: - É o seguinte, o Mark quer conhecer o Callaghan e entender direito essa história de Rainha de Paus. Ele não entendeu nada e não está convencido que eu esteja em segurança. Só isso.
- Mas o que ele quer saber? Eu posso explicar tudo.
- Não! Eu já combinei com o Callaghan e vamos encontrá-lo mais tarde no hotel. Eu espero que ele esteja lá ou o Mark irá ficar muito, muito, muiiiiito desapontado.
Ela se levantou e fez uma ligação, conversando certamente com o Callaghan. Depois, voltou até onde eu estava e confirmou a reunião. A audiência do Mark demorou mais de uma hora, quando saiu, ele continuava com um semblante tenso, carregado. Veio em nossa direção:
- Podemos ir…
- Ah, mor, essa é a Cora, a… - Olhei para os meus lados e cochichei: - A Rainha de Ouros.
- E o que ela está fazendo aqui?
- É um prazer conhecê-lo, doutor Mark. - Falou num português extremamente carregado e artificial, virando-se para mim para falar no inglês: - Fernanda, eu realmente estou autorizada a explicar tudo o que ele quiser saber sobre seu “status” e dos demais membros da Casa de Cartas…
- Só um instante! - Ele a interrompeu, falando em inglês, o que a surpreendeu no ato, pois devia imaginar que ele não fosse um letrado: - Quer dizer que o tal Callaghan não vai conversar comigo?
- Não, não, ele vai. - Ela respondeu em inglês, agora tomando muito cuidado com as palavras: - Ele só pediu para eu adiantar qualquer resposta que o senhor queira saber.
- Obrigado, moça, mas o que eu quero saber, saberei da boca do próprio Callaghan. - Ele retrucou também em inglês, olhando-a com intensidade, olho no olho.
- Ah, é… Ah… Ok, ok!
O Mark me pegou pela mão e saímos para o estacionamento do Fórum. De soslaio, vi que a Cora entrou na SUV do motorista e segurança. Dali fomos até o hotel. O Mark parou seu carro na frente da entrada principal e desceu, todo cheio de si, lindo, imponente, certo do que queria, uma pena que não era eu, porque eu estava muito excitada com toda a virilidade que ele estava demonstrando. Ele exalava testosterona. Ele deixou a chave com o “valet” e entramos de mãos dadas, e claro que eu abusei um pouco, segurando fortemente em seu braço, ao ponto dele me olhar e sorrir como se fosse nos velhos tempos.
Fomos direto ao balcão de atendimento, onde ele se apresentou e disse ter uma reunião agendada com o senhor Callaghan. A moça estranhou a palavra reunião, porque Callaghan havia avisado no balcão que nos esperaria no bar da cobertura, o que também surpreendeu ao Mark que não parecia disposto a fazer uma social, mas aceitou a explicação e pediu para lhe indicarem o caminho. A atendente chamou um “boy” para nos acompanhar. Logo, chegamos à cobertura, onde funcionava um exclusivíssimo bar e restaurante dançante que estava com quatro mesas ocupadas:
- Há-há-há! - Resmungou Mark, jocosamente e me apontou uma mesa ocupada por três caras num canto: - Duas ou três mesas de hóspedes e aquela recheada de seguranças. Acho que o “seu” Callaghan está com medo de mim.
- Para Mark! Viemos só conversar, entender melhor tudo isso, ok? Não vai arrumar uma briga, tá bom?
- O que é isso, Fernanda, você me conhece: dou um boi para não entrar numa briga, mas também dou uma boiada para não sair de uma antes de derrubar o meu oponente.
- Para… com… isso! Pelo amor de Deus, Mark, para!
- Tá, tá bom. Relaxa! Eu estou bem. Quem é o seu novo queridinho?
- Para! Ele não é nada disso! É o… Ali! Naquela mesa ali. - Indiquei um casal sentado numa mesa num canto: - São eles.
Mark apertou o passo, puxando-me, enquanto eu tentava freá-lo um pouco, pedindo que se acalmasse. Ele praticamente me rebocou até a mesa deles e notei que uma mesa com três caras fortes não tirava os olhos da gente, certamente os seguranças a que ele havia se referido.
Callaghan fazia de conta que não havia nos visto, mas certamente viu, mesmo porque a Lilly havia me visto e sorrido, comentando algo com ele. Assim que chegamos à mesa, ela se levantou e veio me cumprimentar com beijinhos no rosto. Apresentei o Mark e ela o cumprimentou, cordialmente também. Na sequência, Callaghan também se levantou e encarou o Mark, olhos nos olhos, o que não foi difícil pois ambos eram praticamente da mesma altura, com vantagem para ele:
- Então, você é o meu novo Rei de Paus? É um imenso prazer! - Falou num inglês, enquanto uma tradutora se aproximava junto da Cora e repetia tudo em português.
- Eu falo inglês, senhor Callaghan. - Disse o Mark, causando espanto no Callaghan: - Por favor, dispense a moça porque acho que nossa conversa interessa apenas a nós, não é mesmo?
- Ah, sim, sim, claro… - Concordou e pediu que Cora a dispensasse.
Convidou-nos então a nos sentar e vi que a Lilly comentou algo com ele ao pé do ouvido, sorrindo, mas deixando-o ainda mais inquieto. Sentamo-nos eu e Mark, lado a lado e eles idem. Cora, por fim, se sentou à esquerda do Callaghan, chamando a atenção do Mark:
- Ela precisa participar? - Mark perguntou.
- Quem? Cora!? Ela é a minha Rainha de Ouros e além disso está aqui como minha convidada. Não vejo porque não possa.
- Ok, ok… - Mark concordou: - Eu queria entender melhor essa história de…
- Por favor, doutor Mark. - Lilly o interrompeu: - Eu gostaria de, antes de qualquer coisa, brindar esse momento, afinal, vocês estão…
- Por favor, digo eu, dona Lilly! - Mark a interrompeu num tom repreensivo, inclusive levantando uma mão e fazendo referência a mim continuou: - Ainda não tenho nenhum motivo para brindar, nem sei se terei, afinal, já degustaram o prato principal sem sequer me convidar. Quero entender melhor essa história toda de Casa de Cartas. Quem de vocês irá explicar?
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DA AUTORA, SOB AS PENAS DA LEI.PARTE 28 - EXTRAPOLANDO OS HORIZONTES DELE