Ceci chegou à estrada de terra que levava até a fazenda. Ela havia controlado suas lágrimas, não queria que ninguém a visse chorar. Caminhou de cabeça baixa, olhando as botas baterem no cascalho que se acumulava nos cantos da estrada. Seu peito doía, seus pensamentos estavam confusos. Tentava não lembrar da cena que presenciara há pouco e que lhe causara aquela dor, mas era quase impossível não recordar.
Saiu de seus pensamentos com o barulho de um pequeno caminhão que parou ao seu lado. O motorista chamou seu nome, e ela levantou a cabeça. Era o moço que sempre ia à fazenda levar ração para o gado. Ele perguntou se ela estava indo para a fazenda, e ela confirmou. Ele ofereceu uma carona, e ela aceitou, pois era alguém conhecido e levaria muito tempo se fosse a pé.
Ela entrou e se sentou. O caminhão voltou a se movimentar e seguiu rumo à fazenda. O moço era muito simpático, e trocaram algumas palavras durante o caminho. Assim que o caminhão chegou, Ceci agradeceu e desceu. Não entrou em casa; foi até uma pequena construção onde ficavam as celas e pegou um pequeno cabresto. Seguiu para o paiol, pegou uma espiga de milho e seguiu para um dos pastos da fazenda.
Evitou ao máximo ser vista, mas, com tantas pessoas que trabalhavam ali, era quase impossível. Ela não se importou, continuou e avistou o animal que desejava: uma égua branca que Ceci gostava de montar. Aproximou-se da égua, que, ao vê-la com a espiga de milho na mão, veio em sua direção. Ela estendeu o braço, entregando a espiga na boca do animal, jogou o cabresto em seu pescoço e logo colocou-o. Montou nela ali mesmo, à pelo, e começou a seguir em direção contrária à casa.
Depois de cavalgar por alguns minutos, Ceci estava perto da divisa da fazenda com uma das propriedades vizinhas. Entre as duas, havia uma mata e um pequeno rio no meio. Ceci desmontou e soltou a égua; não ia deixar o animal preso por tanto tempo, e ela planejava ficar sozinha por muito tempo. Começou a caminhar pela beirada da mata, atravessou uma cerca de arame farpado que dividia os pastos e seguiu por mais alguns metros. Ceci conhecia bem o lugar; já estivera ali várias vezes, campeando alguma rês perdida ou juntando o gado solteiro que ficava naquele vasto.
Logo, Ceci viu o lugar que buscava: uma grande árvore de óleo que ficava no meio da mata. Entrou entre os arbustos e seguiu até a sombra da grande árvore. Dali, localizou a pequena trilha que encontrara há alguns anos. Seguiu pela trilha até chegar à beira do rio, desceu por um barranco e pisou na areia que cobria o local. Seguiu pela beirada, entre pedras, galhos de árvores e raízes, até chegar onde queria: um poço maior e mais calmo do rio. O lugar era bonito, cercado por grandes árvores, com uma praia de areia e várias pedras no meio. Tirou suas botas e seguiu descalça para sentir a areia nos pés.
Sentou-se em uma pedra e escorou-se no barranco. Ali, desabou a chorar. Todas as lágrimas que havia segurado até chegar naquele lugar saíram pelos seus olhos e molharam seu rosto. Ela ainda não entendia o motivo daquela dor tão grande que a fazia chorar; sua cabeça estava confusa, seus sentimentos todos misturados: raiva, tristeza, decepção, ciúmes, inveja...
Inveja!?!
Inveja de Henrique, que tocou os lábios de Clara. Entre esses pensamentos confusos, ela percebeu o que tinha acontecido: ela se apaixonara por sua irmã. Amava Clara de uma maneira diferente do que pensara.
Não, isso não podia ser verdade. Clara era sua irmã. Certo que não de sangue, mas era sua irmã e, além de tudo, era uma mulher.
Ceci —Meu Deus, por que isso está acontecendo comigo?!?
Ceci falou, olhando para o pedaço de céu azul que aparecia entre as árvores.
Claro que não obteve resposta; provavelmente, ninguém poderia responder a essa pergunta com exatidão.
O choro de Ceci só aumentou; se alguém estivesse ali por perto, provavelmente teria ouvido. Era um choro desesperador, faltava ar em seus pulmões. Era o choro de alguém que acabara de descobrir que amava alguém impossível de ter ao seu lado.
Ceci chorou por muito tempo, às vezes com menos intensidade e outras em desespero. Sua garganta doía; já não tinha mais lágrimas para sair. Tentou respirar e acalmar-se um pouco para colocar os pensamentos em ordem.
Levantou-se, tirou suas roupas, ficando apenas de calcinha, e se jogou na água. Não havia perigo de alguém a ver ali; o rio era cercado por uma mata fechada e, provavelmente, poucas pessoas conheciam aquele lugar.
Ceci ficou na água durante muito tempo, sentindo-se um pouco melhor. Parecia que as águas tinham levado um pouco de sua dor. Saiu do rio e ficou sentada em uma pedra onde o sol batia. Não sabia que horas eram, mas, pelo local onde o sol se encontrava e pela fome que sentia, já era mais de duas horas da tarde.
Depois que seu corpo secou e o sol começou a arder em sua pele, Ceci voltou para o local onde estava, vestiu sua roupa e se sentou novamente à sombra. Agora mais calma, resolveu decidir o que fazer e não viu outra saída a não ser esconder aquele sentimento, guardá-lo só para si. Se alguém ficasse sabendo disso, ou pelo menos desconfiasse, traria muitos problemas para ela e sua família.
Ceci sempre foi uma garota forte, passou por muita coisa nessa vida; ela também passaria por isso. O tempo a ajudaria a tirar aquele sentimento proibido de seu coração.
Ela sabia que Clara iria embora no fim do ano para estudar na capital. Provavelmente, quando voltasse, arrumaria um namorado; talvez já voltasse com um da capital. Clara era linda, e com certeza pretendentes não iriam faltar. Talvez fosse namorar com Henrique mesmo; não tinha como fugir disso. Ceci já se preparava para tudo que viria a seguir.
Ceci sabia que sua vida não seria fácil dali para frente, mas ela iria superar. Não iria pôr tudo a perder por causa desse sentimento proibido. Não podia causar nenhum dano à família que a acolheu e lhe deu a oportunidade de ter um futuro melhor; não iria atrapalhar a felicidade de Clara.
Ceci ficou ali repetindo isso em seus pensamentos, como se tentasse se convencer de que era o certo a fazer e que o tempo apagaria aquele sentimento que tinha pela irmã e que tudo ficaria bem.
Ceci percebeu que o sol tinha sumido, mas não havia passado tanto tempo assim. Saiu de onde estava e viu que várias nuvens escuras estavam tomando conta do céu; provavelmente, iria chover forte em pouco tempo. Ela não podia ficar ali, pois, se chovesse com força, poderia ser arrastada por uma enchente, algo comum naquele rio.
Então, resolveu sair dali o mais rápido possível. Quando chegou ao fim da trilha, já sentiu os primeiros pingos de chuva caírem. Poderia se esconder debaixo da árvore de óleo, mas, ao ouvir um trovão ecoar forte, achou melhor não ficar ali, já que a árvore poderia atrair um raio.
Ceci seguiu para o pasto e caminhou em direção à casa. A chuva já estava muito forte, e a distância até chegar à casa não era curta; seria quase uma hora de caminhada, já que a chuva atrapalhava um pouco a locomoção.
Provavelmente, levaria um sermão de sua mãe quando chegasse, já que, a essa altura, provavelmente todos a estariam procurando. Talvez até levasse um castigo; se isso acontecesse, não reclamaria, pois realmente estava errada em ter sumido assim.
Depois de meia hora caminhando, Ceci escutou alguém gritar seu nome. Era Jorge, um dos peões que trabalhava e morava na fazenda. Ele era um rapaz novo, mais ou menos da idade dela, e eram amigos. Ele já morava ali há alguns anos com os pais, que também trabalhavam na fazenda. Jorge veio em sua direção montado em um cavalo, parou e perguntou se ela estava bem. Ceci respondeu que sim. Ele tirou o pé do estribo e esticou a mão; Ceci montou em sua garupa. Jorge disse que todos estavam preocupados com ela e seguiu rumo à fazenda.
Jorge contou que a mãe de Ceci tinha colocado quase todos os peões para procurá-la, que todos estavam muito preocupados. Ela se limitou a dizer que sentia muito, mas que estava tudo bem e só queria ir para casa.
Logo que se aproximou da casa, Ceci viu Sebastião no galpão do curral. Quando ele a viu, pegou seu berrante e tocou várias vezes, avisando os outros peões para voltar. Assim que entrou no curral, Ceci desceu do cavalo com a ajuda de Sebastião, que disse estar feliz em vê-la bem. Ceci agradeceu a ele e a Jorge e seguiu rumo à casa, onde sua mãe já a esperava na porta.
Ceci subiu as escadas já esperando pela bronca que viria, mas recebeu primeiro um abraço de sua mãe, logo seguido de um monte de perguntas:
Mãe —Onde você estava?
— Você está bem?
— Por que você fez isso?
— O que aconteceu?
Ceci disse à mãe que se chateou no colégio porque não gostava de estudar e uma professora pegou no pé dela. Então, ficou com raiva, resolveu fugir para vir para casa, mas ficou com medo da bronca da mãe e se escondeu à beira do mato. Aí começou a chover e ela ficou com medo, estava voltando quando Jorge a encontrou.
A mãe de Ceci ficou muito brava, falou um monte e também deu conselhos. Ceci se desculpava o tempo todo e prometeu que nunca mais faria isso.
Depois que a mãe se acalmou, disse para ela ir tomar banho e que pediria para Ana preparar uma sopa quente para ela não pegar uma gripe por causa da chuva que tomou. Disse também para não fazer barulho no quarto, pois Clara chegou em casa chorando com as coisas dela do colégio. Contou que ela tinha sumido e não parou de chorar o tempo todo; por fim, tiveram que dar um calmante para ela, só assim ela se acalmou um pouco e estava dormindo no momento.
Ceci perguntou à mãe como sabiam que ela estava na fazenda, e a mãe disse que um dos peões a viu entrar no pasto onde ficam os cavalos com um cabresto nas mãos. Aí imaginaram que ela tinha pegado um animal e saído sem rumo pela fazenda.
Ceci confirmou que era isso mesmo que tinha acontecido. Depois, seguiu para o quarto. Estava escuro porque as janelas estavam fechadas e estava chovendo, então parecia que já era noite. Ceci conseguiu achar sua toalha e algumas roupas, saiu e tomou seu banho. Foi até a cozinha e tomou a sopa, comendo também alguns pedaços de frango, pois estava com muita fome.
Ouviu mais sermão de sua mãe, conselhos dela e de Ana. Mais uma vez se desculpou, voltou ao quarto e entrou sem fazer barulho para não acordar a irmã. Estava cansada e com os braços e pernas doloridos de tanto nadar e caminhar, precisava descansar e se deitou.
Mesmo no escuro, depois que os olhos se acostumaram, dava para ver mais ou menos o corpo da irmã na cama ao lado. Ceci tinha que se desculpar com ela; faria isso no dia seguinte. Não iria comentar nada com a irmã sobre o que viu, queria evitar aquele assunto.
Mesmo cansada, Ceci não conseguia dormir. Ficou ali deitada de lado, olhando o corpo da irmã na cama. Viu que a irmã se mexeu, logo a viu levantar o corpo e olhar para o lado da cama de Ceci. Ela fechou os olhos, mas não completamente, deixou um pouco aberto para ver onde Clara estava. Desistiu quando ouviu um suspiro de Clara bem perto dela; então, imaginou que a irmã tinha se ajoelhado em frente à cama e estava com o rosto muito perto do seu.
Suas dúvidas se dissiparam quando sentiu os lábios de Clara beijando seu rosto. Foi um beijo suave, porém demorado. O coração de Ceci quase saiu pela boca, mas ela conseguiu se manter imóvel.
Os lábios de Clara se afastaram do rosto de Ceci e, mais uma vez, ela ouviu sua voz baixinha e meio manhosa:
Clara —Se você soubesse o quanto eu te amo, nunca fugiria de mim, Ceci.
Ceci ouviu aquilo e mais uma vez escutou um suspiro, porém esse foi mais longo. Sentiu a respiração de Clara perto do seu rosto, imaginou que receberia outro beijo no rosto, mas isso não aconteceu. Ceci sentiu os lábios macios de Clara beijarem os seus.
Continua...