A cara de surpresa do maitre foi impagável. Ele não sabia se sorria, chorava, ficava ou saía correndo. Ele se aproximou do Callaghan e disse alguma coisa que não entendemos, mas que o fez sacar sua carteira e exibir um cartão que presumi ser de crédito, assombrando ainda mais o pobre homem. Ele pediu licença por um instante e saiu, deixando-nos a sós. Lilly já dava ordens a um dos garçons, pedindo um determinado vinho para as mulheres. Assim que o garçom saiu com seu pedido, o maitre retornou, agora acompanhado de outro sujeito que se apresentou como o gerente geral do restaurante. Callaghan repetiu a ordem, exibiu orgulhosamente seu cartão novamente e o deu na mão daquele homem, determinando que verificasse se ele dizia a verdade ou não. Ele saiu rápido:
- É só um mal entendido, meu caro Mark. Pedi que reservassem essa delícia para nós, mas acho que ele não entendeu ou pensou que eu não pudesse pagá-lo. Não sei bem ainda… - Justificou Callaghan, tomando outro gole.
- Mas é só um whisky…
- Sim, aliás, não! - Callaghan interrompeu o meu marido: - É que a garrafa dessa preciosidade aqui custa só dois milhõezinhos…
- De reais!? - Perguntou o Mark, surpreso.
- Não, meu caro, de dólares.
Mark de surpreso ficou assombrado com o preço do whisky e certamente com um cartão de crédito que pudesse comprá-lo. Olhou para mim e, pela primeira vez em minha vida, vi preocupação em seu olhar, confirmada quando me confidenciou ao pé do ouvido:
- Acho que, dessa vez, você meteu a gente numa fria, Nanda…
PARTE 34 - MARK CONTRA-ATACA
Nem bem terminou de falar e o gerente retornou, sorrindo como se tivesse acertado na loteria. Devolveu o cartão de crédito ao Callaghan, pedindo mil desculpas e determinou que um segundo garçom também ficasse à disposição de nossa mesa. O maitre retornou com um garçom que trazia um vinho e, depois de toda uma apresentação e formalidade para abrir a garrafa, serviu um mínimo para a degustação do Callaghan que aprovou. Fomos então servidas e depois de reabastecidos os copos do Mark e dele, fez um brinde:
- Para que as novas amizades sejam duradouras e que os mal entendidos sejam superados em nome da paz de nosso grupo.
Mark levantou seu copo, aliás, todos nós, mas eu conseguia ouvir os pensamentos do meu marido de onde estava e digo sem sombras de dúvidas, que boquinha suja que o Mark tem! Pouco depois, Callaghan começou a falar de seus vários negócios, propriedades, investimentos, numa clara tentativa de nos subjugar. Mark ouvia a tudo e não se manifestava até o Callaghan falar:
- Você, com certeza, já deve ter formado seu primeiro milhão, não é mesmo, meu caro Mark?
Mark fez uma expressão por um instante, olhando para o teto como se pensasse e respondeu, seriamente:
- Não costumo falar de meu patrimônio com estranhos, senhor Callaghan, mas como o senhor se acha íntimo da gente, sim, já tenho algum patrimônio estabelecido.
O Callaghan se surpreendeu, recostando-se um pouco mais em sua cadeira; Lilly também pareceu ficar surpresa, mas um sorrisinho disfarçado havia demonstrado que a reação do Mark havia causado uma impressão diferente nela. Cora e Hana pouco falavam, mas notei que a surpresa causada pelo Mark a elas foi ainda mais diferente, pois deveriam imaginar que ninguém falaria daquela forma com o Callaghan:
- Fernanda, você é administradora? - Perguntou-me a Lilly.
- Sim, sou diretora em treinamento de uma multinacional.
- Uma mulher determinada. Adorei! Cada vez mais entendendo porque o meu marido se encantou com você. - Falou e complementou, agora olhando para o Mark: - Aliás, ambos são muito determinados, um casal verdadeiramente instigante.
Mark levantou seu copo em homenagem a ela que retribuiu com o seu. Notei um certo flerte entre os dois e não entendi exatamente a razão, mas temi que o Mark pudesse levar a cabo a ideia de ficar com as rainhas e o que mais me incomodou é que, com a Rainha de Espadas também ali, talvez ele pudesse querer me deixar de fora da jogada.
Continuamos conversando, mas o assunto agora se tornou mais ameno. Acredito que o Callaghan tenha entendido que bater de frente com o Mark seria uma péssima ideia. Passaram a conversar sobre a situação política e jurídica do Brasil, assuntos em que o Mark se dava muito bem, causando uma bela impressão nele:
- Talvez eu possa te indicar alguns conhecidos como clientes… - Falou Callaghan.
- Será um prazer atendê-los. - Mark retribuía sem temor algum.
- Sabe que favores merecem outros favores, não é? - Falou, dando uma olhada sutil para mim.
- Na verdade, o senhor ainda está em débito comigo. Então, não lhe devo nada!
Callaghan, apesar de todo o seu poder, não conseguia penetrar nas defesas do Mark e isso parecia encantar cada vez mais a Lilly que não perdeu tempo:
- Por falar nesse débito, por acaso você pensou em minha proposta, meu querido Rei de Paus?
- Proposta!? Mas que proposta? - Disfarçou Mark e entendi que ele queria humilhar um pouco o Callaghan, fazendo sua esposa se oferecer novamente para ele.
- Ora, meu querido, a minha proposta de compensá-lo da mesma forma como Callaghan recebeu: três rainhas para um rei.
- Sabe que pensei, dona Lilly, mas…
- Por favor, querido! - Ela o interrompeu, levantando-se e vindo em nossa direção: - Dance comigo! Há tempos não tenho um homem que tenha me despertado tanto o interesse como você.
- Mas, dona Lilly, pensei que fôssemos jantar?
- Por favor, só uma dança e, por favor novamente, não me chame de dona: quando faz isso, sinto todo o peso dos anos em minhas costas. Apenas Lilly, chame de Lilly, ou minha querida, minha rainha, mas não de dona. - Insistiu, enquanto já lhe esticava uma mão.
Mark me olhou e piscou sutilmente um olho. Depois, deu-me um gentil selinho e disse que já voltava, levantando-se e cedendo ele sua mão para ela que o puxou para o meio de um salão. Ali, ele a envolveu em seus braços, praticamente colando-a em si e passaram a se movimentar lentamente, enquanto continuavam conversando. Minha curiosidade me roía por dentro, mas entendi também que a única forma de manter um homem poderoso como Callaghan sob controle, seria ter um parceiro à altura, e por que não sua parceira? Certamente o Mark já havia antecipado essa conclusão e a estava cooptando nesse exato momento.
Curiosamente, aquele casal dançando lentamente no meio do salão, o único em todo o restaurante, chamou a atenção de todos os presentes em nossa mesa. Hana e Cora olhavam surpresas, com os olhos arregalados. Callaghan parecia inconformado ou talvez já tentando se conformar que sua Rainha de Copas estava encantada com meu marido e aparentemente cada vez mais próximo de se entregar a ele de corpo e alma. Meu marido não era o melhor pé de valsa do mundo, mas certamente sabia envolver uma mulher e isso ficava cada vez mais claro nos sorrisos que estampavam seguidamente os lábios da Lilly. Se antes ela estava impressionada, encantava-se cada vez mais com ele.
Após uma ou duas músicas, retornaram para a mesa e Mark, gentilmente, a levou até sua cadeira, assentando-a cavalheirescamente, para depois retornar ao meu lado. Assim que ele se sentou, deu-me uma leve apertada com a mão na minha coxa esquerda e disfarçadamente sorriu para mim:
- O quê? - Perguntei, cochichando.
- Depois conversamos. - Disse e bebeu um gole de seu whisky, aparentemente mudando de ideia pois me olhou e perguntou: - Aliás, quer dançar comigo, minha rainha?
Aceitei, é óbvio. Seria uma oportunidade de conversarmos e eu estava me roendo de curiosidade, afinal. Ele se levantou, deu-me a mão e me conduziu ao meio do salão, ignorando tudo e todos enquanto uma suave música instrumental era ouvida. Tomou-me em seus braços, apertando-me gentilmente em si, fazendo com que meus seios fossem apertados em seu peito e passamos a dançar lentamente:
- Fala, mor! O que aconteceu?
- Você nem imagina…
- O quê?
- Bom… Ela naturalmente me convidou outra vez para uma transa, é óbvio.
- Há, não brinca! Nem imaginei isso…
- Pois é. Começou com aquele mesmo papinho de reparação, etc. e tal, mas eu ainda me mantive firme, dizendo que quem deveria ser reparada era você. Daí ela me perguntou o que eu queria para reparar o mal que haviam feito a você.
- Hummm… E o que você disse?
- Disse que queria uma garantia de que ninguém atentaria novamente contra você quando voltasse para Nova Iorque e por todo o tempo que precisar ficar lá. - Deu um sorriso e pela posição em que estávamos, certamente era para a Lilly: - Daí, fui claro e disse que o meu maior medo era que o Callaghan tentasse algo novamente contra você, principalmente se eu aceitasse ser “reparado” por ela.
- Tá, e o que ela disse?
- Ela disse para eu ficar despreocupado porque o Callaghan era um safado, mas não um louco a ponto de queimar dinheiro. Como eu não entendi, num primeiro momento, sua fala, ela explicou que o dinheiro deles é na verdade dela.
Entendi de imediato o alcance daquela informação e ri, encostando-me ainda mais nele e falei:
- Safado!
- Isso! Ele é safado, mas a ricaça é ela. Por isso, ele é tão mansinho na presença dela. Acredito que não sejam casados com comunhão de bens, então, se ele der uma mijadinha fora do penico, ela corta as asinhas dele.
- Nu!
- Acabei de descobrir que é bem provável que a gente tenha mais dinheiro que o caríssimo senhor Callaghan, vulgo Rei de Copas.
- Mark ainda assim não vale a pena arrumar briga, né?
- Não quero briga alguma! Só não quero que ele ache que tem algum poder sobre você. Você querer transar com ele é uma coisa, mas a impressão que eu tive é que ele queria te subjugar, e isso eu não aceito.
- É, então… Teve umas coisinhas que eu não te contei daquele dia para não te chatear ainda mais…
- Qual é, Nanda!? Já vai começar a me esconder as coisas novamente?
- Não, não! Eu não fiz nada de errado! Mas, agora, ouvindo você falar, lembrei que o Callaghan deu realmente a entender que cada rainha exercia um papel na vida dele: a Lilly, Copas, dominava seu coração…
- Acho mais certo falar que domina o bolso. - Ele me interrompeu.
- É, então, que seja. A Cora, Ouros, é a secretária que o ajuda a administrar os bens…
- Cora!? Que nada! Quem manda mesmo é a Lilly. - Interrompeu-me novamente.
- Mas quem trabalha é ela! - Falei e ele concordou com a cabeça: - E tem a Hana, Espadas, que chefia a sua segurança.
- Tá, mas e qual seria o seu papel nisso tudo?
- Eu seria a Rainha de Paus, a… Como é que ele disse mesmo? - Dei um tempo para encontrar uma forma mais suave de falar, mas decidi usar o próprio termo que o Callaghan havia utilizado comigo: - A metedeira de estimação dele!
- Tá de palhaçada!? - Disse o Mark, fechando a cara e olhando seriamente para o Callaghan, chamando a atenção da Lilly.
- Acho que ele realmente queria me ter a sua disposição para suas farrinhas, aliás, dele e dos amigos que ele quisesse curtir comigo. Mas agora, depois dessa sua descoberta, acredito que ele não vá querer abusar de mim.
- Disso eu tenho certeza! A Lilly garantiu para mim que vai cuidar pessoalmente do seu bem estar enquanto estiver lá em Nova Iorque. Só que tem uma condição…
- Condição!? Que condição?
Ele me olhou de uma forma séria e entendi no ato o que ela queria:
- Ah, qualé!? Chantagem para ficar com você?
- Não é chantagem, porque eu posso recusar; mas ela disse que se eu aceitar passar pelo menos uma noite com ela, eu poderei ficar despreocupado que você será a mulher mais protegida e paparicada de toda a Nova Iorque.
- Essa história das rainhas com você de novo! - Resmunguei, bufando disfarçadamente: - E você disse o quê?
- Nada a ver com a história das rainhas. A proposta dela foi eu passar uma noite com ela, apenas com ela, o Rei de Paus com a Rainha de Copas, mano a mano, entendeu?
- Safada filha de uma puta! Agora quer me colocar para escanteio, é isso?
- Acho que sim, mas talvez eu consiga convencê-la a aceitar que você participe também, se você fizer questão…
- Então, você aceitou? - O interrompi.
- Não! Bem, ainda não. Também não posso negar que ela tenha me deixado… assim… De certa forma curioso. - Falou e notando meu desconforto, propôs: - Vamos fazer assim: jantamos, conversamos um pouco mais e deixamos para decidir isso depois, pode ser?
Concordei com um meio de cabeça e voltamos para a mesa. Nossa chegada fez um assunto qualquer, certamente relacionado a nós, ser interrompido. Assim que nos sentamos, o Callaghan perguntou se poderia pedir os pratos, com o que concordamos. A conversa seguiu sobre assuntos amenos e, antes que começássemos a ser servidos, Lilly pediu que Hana trocasse de lugar com ela, pois queria ficar mais próxima da gente. “Da gente, uma ova!”, pensei, pois ela queria justamente ficar ao lado do Mark, era óbvio:
- Lilly, a mesa ficará desequilibrada. - Falou Callaghan, tentando evitar o inevitável.
- Eu… quero… querido! Estou adorando nossos novos amigos e assim poderei conversar mais intimamente com eles.
- Mas…
Ele sequer terminou de falar e ela já se levantou, indo até a Hana e a encarando como se desse uma ordem. Hana se levantou, baixando o olhar dela e sem encarar o próprio Callaghan, foi se sentar onde antes Lilly estava. Mark se levantou e a assentou novamente. Assim que ele voltou a se sentar, ela, sem charme ou etiqueta alguma, deu três boas bundadas para o seu lado, fazendo sua cadeira se aproximar dele e passou a encará-lo sem reserva alguma, mesmo comigo a encarando também:
- Não seria melhor você se sentar ao lado da Nanda, Lilly? - Mark perguntou.
- Não! Estou muito bem aqui. Consigo conversar e vê-la perfeitamente daqui, meu querido.
Ela começou a conversar amistosamente comigo e com ele, sempre arrumando algum jeito de tocá-lo, muito mais do que seria necessário. Pouco depois, começamos a ser servidos, iniciando-se com uma saladinha bonitinha, mas, como em todo restaurante chique, “inha” demais. Enquanto degustávamos aquelas folhinhas, um senhor muitíssimo bem vestido e classudo demais, por entre ou talvez com pouco mais de sessenta anos aproximou-se, cumprimentando-nos todos com um boa noite e foi recebido efusivamente pelo Callaghan que se levantou para cumprimentá-lo com um abraço. Seria nada mais que outro amigo do Callaghan e nada significaria se, pouco depois, outro homem não tivesse se aproximado, sendo também cumprimentado pelo Callaghan e apresentado para a Lilly:
- Querida, este é o Rick que comentei com você outro dia, filho do nosso grande amigo. Venha conhecê-lo.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
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