Eu empurrei o braço dela, tirando-o do meu ombro, e me sentei. Respirei fundo para tentar manter a calma, mas a raiva que sentia dela era tanta que minha vontade era de gritar, jogar na cara dela tudo que me fez passar. Contudo, me contive.
Ceci— Por favor, vai embora. Eu não tenho nada para falar com você e não quero ouvir nada que você tenha para dizer.
Clara— Por favor, Ceci, me escuta.
Ceci— Eu já disse que não quero te ouvir. Agora, some da minha frente, pelo amor de Deus!
Minha voz já estava um pouco alterada.
Clara— Você vai me ouvir, sim. E não adianta gritar; eu não saio daqui sem você me ouvir.
Perdi a paciência e gritei com toda a raiva que sentia.
Ceci— Some daqui! Eu não vou te ouvir! Volta lá pro seu namoradinho, ou melhor, vai pro meio dos infernos e me deixa em paz, sua falsa, mentirosa! Eu odeio você! Você não entendeu isso? Some da minha frente!
As lágrimas corriam pelo meu rosto enquanto eu gritava com Clara. Levantei-me para sair, mas ela, em um rápido movimento, abraçou minhas pernas e ficou ajoelhada na minha frente. Quando olhei para baixo, vi seu rosto todo coberto de lágrimas.
Clara— Eu não tenho namorado, Ceci. Eu nunca tive. Nunca houve ninguém na minha vida a não ser você. Por favor, acredite em mim.
Ela falou aquilo com uma voz de choro, e suas lágrimas já cobriam todo o seu rosto. Apesar da raiva, vi sinceridade nas palavras dela, e aquilo me deixou confusa.
Ceci— Como assim você nunca teve namorado? Nossa mãe me disse que você estava namorando. Eu não estou entendendo nada.
Clara— Ceci, até poucas horas atrás, eu pensava que você estava casada. Nossa mãe mentiu para nós, Ceci. Ela separou a gente. Por favor, senta e vamos conversar.
Ceci— Eu casada?! Como assim?
Clara— Sim! Minha mãe disse que você tinha fugido com Jorge e que vocês tinham se casado.
Ceci— Com o Jorge? Como você pode acreditar nisso?
Clara— Da mesma forma que você acreditou que eu não te escrevi, que não liguei para falar com você, que estava namorando. Como você pode acreditar nisso, depois de tudo que vivemos juntas?
Ceci— Bom, foi a mãe que me contou. Eu nunca duvidei dela, e eu fiquei com tanta raiva que acabei não pensando direito.
Clara— Foi o mesmo que aconteceu comigo. Agora, por favor, senta e me escuta. A gente precisa esclarecer tudo isso de uma vez.
Eu estava meio em choque com tudo que acabara de ouvir, então me sentei. Clara sentou ao meu lado e começou a falar.
Clara— Assim que cheguei de viagem e arrumei minhas coisas, comecei a escrever uma carta para você. Escrevi uma folha por dia durante três dias. Nas folhas, estava te contando tudo, falando do quanto eu te amava, que estava com saudades e mais algumas coisas.
No primeiro dia, liguei à noite. Minha mãe atendeu e eu contei para ela que tinha chegado bem. Pedi para ela te chamar porque queria falar com você rapidinho. Ela disse que você não estava em casa e não fazia ideia de onde você estava.
No meio da semana, escrevi uma carta para minha mãe e, na sexta, consegui ir ao correio e enviei a sua e a dela. No final de semana, liguei duas vezes. No sábado, minha mãe disse que você tinha saído com Sebastião e, no domingo à noite, ela disse que você estava na cidade com Jorge e que já estava até preocupada porque você tinha sumido e já era tarde.
Fiquei um pouco chateada porque a gente tinha combinado de se falar no domingo, mas deixei isso para lá. A semana passou e, como eu não podia usar o telefone o tempo todo porque era caro, deixei para ligar no final de semana de novo. Mais uma vez, você não estava em casa; tinha saído com Jorge. Minha mãe até comentou que vocês dois andavam muito grudados depois que eu fui embora. Aquilo me irritou; fiquei com ciúmes de você, mas pensei bem e vi que não fazia sentido você ter algo com Jorge, que era nosso amigo e um homem.
A semana se passou e chegou a carta da minha mãe, mas a sua, nada. Fiquei triste quando li que você só tinha me mandado um abraço. Eu pensei— como assim um abraço?! E cadê a carta dela? Ela prometeu que responderia, que ia esperar minha ligação no final de semana. Aquilo foi me deixando muito triste e com raiva.
Liguei no final de semana, mais uma vez você não estava em casa. Perguntei à minha mãe se ela tinha entregado a carta que mandei para você. Ela disse que sim e até perguntou se você não ia me mandar nada quando foi me responder. Você disse que era para ela me mandar um abraço, e assim ela fez. Eu quase chorei na hora.
Continuei te escrevendo e ligando, mas você nunca estava em casa. Nunca me respondia uma carta sequer. Assim foi até chegar minha última semana de aula. Eu mal podia esperar a hora de vir aqui te ver e saber o que estava realmente acontecendo com você. Mas fui surpreendida com a visita da minha mãe no final de semana. Fiquei feliz em vê-la, claro, mas eu queria era ver você. Ela disse que te convidou para ir, mas você não quis. Aí eu disse que estava com saudades da fazenda e de você e queria vir aqui. Ela disse que não tinha dinheiro para ficar pagando passagem e que eu era boba em querer te ver porque você nem perguntava por mim, que só vivia grudada no Jorge e achava que vocês estavam namorando, já que Ana tinha visto vocês dois aos beijos no fundo do pomar.
Nossa, meu mundo caiu ali. Nunca senti uma dor tão grande igual à que senti ao ouvir aquilo. Foi difícil segurar minhas lágrimas, mas mesmo assim queria vir e ouvir da sua boca que você não me amava mais e estava com outra pessoa. Mas minha mãe não queria me trazer, e isso acabou fazendo a gente ter uma briga feia. Na hora da raiva, ela fez algo que nunca tinha feito; me deu um tapa na cara. Eu chorei muito e mandei ela sumir da minha vida.
Ela veio embora e eu nunca mais liguei para ela. Te escrevi mais umas três cartas, mas nunca recebi respostas. No fim do ano, eu iria vir aqui; não aguentava mais sofrer tanto. Eu precisava falar com você. Mas no fim de novembro, minha mãe ligou. Eu resolvi falar com ela. Foi uma conversa muito difícil. Ela me pediu perdão pelo tapa e disse que tinha perdido suas filhas. Eu a perdoei e perguntei o porquê ela disse que tinha perdido a gente. Aí ela disse que tinha proibido seu namoro e que você acabou fugindo de casa com Jorge, que tinham ido para outra cidade, se casaram e estavam morando em uma fazenda da região.
Quando ouvi aquilo, eu queria morrer. Desisti de vir aqui. Não queria mais ter contato com nada que lembrasse você, então inventei que estava desanimada de viajar e minha mãe disse que viria me ver.
Dali pra frente, foquei nos estudos para não enlouquecer. Mesmo assim, era muito difícil. Eu pensava em você quase o tempo todo. Foi nessa época que conheci Igor, que você pensou que era meu namorado. A gente se deu bem de cara e nos tornamos grandes amigos.
Até que um dia eu desabafei com ele e contei nosso segredo. Ele foi quem me ajudou esse tempo todo, me emprestou o ombro para chorar, me deu forças quando eu precisava, foi meu porto seguro.
Eu não tive mais notícias suas e, na verdade, achava que era melhor assim. Resolvi me manter longe e, em todas as férias, arrumava uma desculpa para não vir aqui. Minha mãe fingia acreditar em todas elas e se dispunha a vir me ver. Bom, não foi fácil para mim. Sofri muito, chorei várias noites de saudade e, às vezes, de raiva de você. Nesse último ano, as coisas melhoraram um pouco. Aí, quando achei que tudo ia melhorar para mim, recebo a notícia da morte da minha mãe.
Eu nem sabia que ela estava internada. Não fazia ideia da sua doença no coração. Ela nunca me disse nada e eu ligava todo final de semana para ela. Bom, vim correndo para o velório. Fazia muito tempo que eu não chorava tanto. Perder minha mãe está sendo muito complicado, ainda mais depois que descobri tudo que ela fez.
Ceci— Como você descobriu tudo?
Clara— Hoje, quando cheguei, eu estava arrasada. Quando vi você sair da sala, dei graças a Deus. Eu não queria ter contado com você. Assim que entrei, vi Jorge sentado ao lado da Ana. Minha dor só aumentou naquele momento— ver você de novo, ver minha mãe ali dentro daquele caixão e ainda dar de cara com seu suposto marido.
Vi que Patrícia tinha ido atrás de você. Depois de um tempo, ela voltou, conversou com Ana e com Jorge, mas achei estranho o jeito que os dois se tratavam. Pareciam íntimos, mas não dei muita atenção porque eu não estava pensando direito.
Vi que Jorge saiu de carro com Ana e Sebastião. Patrícia voltou para o quarto. Imaginei que ela ficaria com você até seu esposo voltar, mas ele não voltou até hoje de manhã. Quando a gente foi para o enterro, vi que você não tinha aparecido. Falei com Ana e ela me contou que Patrícia tinha dito que você deixou um bilhete dizendo que não iria.
Eu agradeci em pensamentos na hora. Seria muita coisa para eu lidar. Não ter que te ver, para mim, era um alívio. No enterro, muita gente veio falar comigo, dar os pêsames e me dar força, inclusive Jorge, Sebastião e Ana não saíram do meu lado. Mesmo Igor ficando abraçado comigo o tempo todo, eles estavam ali comigo.
Aí, mesmo em um momento como aquele, não deixei de notar algumas coisas. Primeiro, que Patrícia não falou comigo. Segundo, que ela me olhava com uma cara meio que se tivesse raiva de mim por algum motivo. Ela era minha amiga, não entendia o motivo daquilo. Outra coisa que reparei é que ela e Jorge estavam sempre abraçados. Vi ele secar as lágrimas dela algumas vezes. Aquilo me pareceu estranho, até porque antes de ir embora, eu tinha quase certeza de que os dois estavam juntos.
Quando eu estava saindo do enterro, Ana veio se despedir. Junto com ela, vieram Sebastião e Jorge, mas Patrícia ficou de longe. Me despedi deles, mas não entrava na minha cabeça que Patrícia, por algum motivo, não queria falar comigo. Aí eu a chamei. Ela veio com uma cara meio fechada e, então, eu perguntei a ela se eu tinha feito algo de errado para ela não ter falado comigo. Com um tom ríspido, ela disse que, para ela, eu não tinha feito nada, mas que para você, eu tinha feito muita coisa errada. Eu fiquei sem entender. Ela virou as costas e foi saindo. Pedi para ela esperar, e ela disse que não podia porque o noivo dela estava esperando para ir para casa. Aí ela foi até Jorge, o abraçou e os dois saíram, e eu fiquei ali tentando entender o que estava acontecendo.
Se eu tinha entendido direito, Jorge, seu suposto marido, era o noivo de Patrícia. Eu precisava de respostas e fui atrás deles. Consegui alcançá-los antes de chegarem no carro.
Pareis eles e fui direta ao ponto. Perguntei se os dois eram noivos. Jorge disse que sim. Aí eu perguntei como ele podia ser casado com minha irmã e ser noivo da Patrícia. Ele se assustou com a pergunta e perguntou se eu estava doida, disse que nunca foi casado, e ainda mais com minha irmã. Patrícia parecia não entender direito o que estava acontecendo. Aí eu disse que precisava falar com eles urgente. Jorge disse que tinha que levar os sogros em casa, mas Patrícia parecia ter ficado curiosa com tudo aquilo. Ela disse que ficaria, falaria comigo e depois iria andando mesmo, já que não era muito longe.
A gente se sentou em um banco da praça em frente ao cemitério, e ela me perguntou de onde eu tirei aquilo de Jorge e você serem casados. Eu contei a ela que a mãe tinha me contado. Aí ela pensou um pouco e disse que queria conversar comigo em particular. Eu disse que Igor era meu melhor amigo e não tinha segredos com ele. Aí ela perguntou se eu e ele éramos só amigos mesmo, e eu disse que sim, só amigos. Ela ficou mais um momento pensativa e então perguntou se ele sabia do nosso segredo, porque ela sabia e iria falar sobre isso. Nessa hora, eu entendi que ela sabia da gente. Então, eu disse que sim, que Igor sabia.
Então, ela me disse que minha mãe tinha mentido para mim, que você e Jorge nunca tiveram nada. Que, na verdade, era eu que tinha um namorado; pelo menos foi isso que a mãe contou. Bom, depois disso, a gente foi conversando e contando uma para a outra tudo que sabíamos. Depois de um bom tempo conversando e esclarecendo as coisas, ela me contou que provavelmente você estaria em algum lugar escondida. Aí eu me despedi dela e vim te procurar para conversar com você.
Eu estava tentando entender tudo aquilo, mas, por mais absurdo que pareça, tudo fazia sentido. Minha mãe sabia da gente e fez tudo que pôde para nos separar.
Continua…