Clara estava ali do meu lado, algumas lágrimas ainda escorriam de seus olhos. Eu não podia acreditar que nossa mãe tinha feito aquilo. Como pode uma mãe causar tanto sofrimento às suas filhas? Mas aí eu parei para pensar que, provavelmente, na cabeça dela, ela estava fazendo o certo. Imagina duas mulheres namorando, ainda por cima duas irmãs. Mesmo que fôssemos irmãs apenas de criação, aos olhos dos outros éramos irmãs e ponto.
Ceci— Ela me pediu perdão hoje antes de morrer, Clara.
Clara— Como assim? Ela te contou tudo?
Ceci— Não, ela pediu perdão, e eu achei que era por causa da nossa briga no dia em que saí de casa. Mas ela tentou me explicar que não era por isso, mas eu a interrompi e ela morreu nos meus braços antes de poder explicar.
Clara— Eu sinto muito, Ceci! Na verdade, não sei o que estou sentindo agora em relação a isso tudo, mas não a odeio por isso. Quando eu estava vindo para cá, estava pensando, e acho que ela pensou que estava fazendo o certo.
Ceci— Eu pensei a mesma coisa, mas mesmo assim, ela se arrependeu e me pediu perdão. Uma pena que ela se foi.
Clara— Ceci, eu ainda não sei da história toda. Tem como você me contar o que aconteceu com você durante esse tempo? Sei mais ou menos do que houve, mas ainda tem algumas lacunas para serem preenchidas.
Comecei a contar tudo que tinha me acontecido. Não contei detalhadamente, mas não escondi nenhum fato relevante. Quando terminei, ela me olhou e perguntou se podia me abraçar. Eu nem respondi e me joguei nos braços dela; como eu estava com saudade daquele abraço!
Clara— E agora, Ceci, o que vamos fazer?
Ceci— Eu não sei. Passamos por muita coisa, é muita informação junta. Acho que precisamos absorver isso tudo.
Clara— Você tem razão.
Ceci— Você vai ficar quanto tempo aqui?
Clara— Eu não sei. Meus planos eram ir embora o mais rápido possível, mas agora eu não sei.
Ceci— Fica as férias todas. A gente coloca o papo em dia e temos que ir ao advogado assinar uns papéis também.
Clara— Quais papéis?
Ceci— A mãe passou tudo para o nosso nome ainda em vida para facilitar tudo, mas temos que assinar uns papéis. O advogado falou comigo no hospital.
Clara— Você vai ficar aqui agora?
Ceci— A mãe fez eu prometer que ia cuidar da fazenda, mas ela não é só minha, é sua também. Não sei o que você vai querer fazer.
Clara— Se tratando da fazenda, o que você resolver, eu assino embaixo, Ceci. Eu não entendo quase nada. Você pode tomar conta do seu jeito, tá?
Ceci— Pensei que talvez você quisesse vender sua parte para comprar uma casa para você na capital ou algo assim.
Clara— Eu não vou morar lá, nem quero, Ceci. Eu não entendo de gado e fazenda como você, mas amo esse lugar. Eu quero me formar e abrir um consultório médico aqui na nossa cidade. Nunca passou pela minha cabeça sair daqui.
Ceci— Tudo bem, eu entendi.
Clara— Mas ainda falta no mínimo três anos para eu me formar.
Ceci— Vai dar tudo certo, logo logo você vai estar aqui com seu tão sonhado diploma.
Ela sorriu, e eu amei ver de novo aquele sorriso. Eu queria ficar ali dentro daquele abraço por mais tempo, mas o dia estava acabando e a gente tinha que voltar para casa. Quando chegamos na árvore de óleo, vi que ela foi em um cavalo e levou a égua branca junto. Perguntei como ela pegou os dois e arriou, e ela disse que pediu ajuda a um dos peões que ela conhecia. Eu ri dela e a gente montou e foi em direção à casa.
Durante o percurso, vi algumas cabeças de gado no pasto e notei que estavam bem magras. Aí me lembrei que um dos peões disse que precisava falar comigo. Comentei com Clara, e ela disse que podia ser sobre o trabalho na fazenda, porque o peão que pegou os animais para ela disse que estava feliz com minha volta, que talvez assim as coisas voltariam ao normal.
Chegamos na fazenda e logo Igor veio encontrar Clara. Ele era um homem bonito. Sei que Clara disse que eram só amigos e que a gente não tinha nada mais uma com a outra, mas confesso que fiquei morrendo de ciúmes de ver os dois abraçados.
Clara me apresentou a ele. O homem era um verdadeiro cavalheiro; pegou minha mão e deu um beijo. Eu achei bem bonito aquilo, fiquei até envergonhada.
Fui direto para a cozinha procurar algo para comer, estava com muita fome. O clima da casa estava bem triste; era só olhar na cara da cozinheira que dava para ver isso. Comi uns pães de queijo e tomei um copo de leite com café. Depois fui tomar banho. Quando terminei, fui para meu quarto. Logo Clara apareceu e perguntou se podia deitar comigo. Eu disse que sim, e ela veio deitar do meu lado. Assim que deitou, se agarrou em mim.
Clara— Eu senti tanta falta disso, Ceci.
Ceci— Eu também senti muita falta.
Clara— Você ficou com alguém durante esse tempo todo? Desculpe te perguntar isso, mas fiquei curiosa.
Ceci— Não fiquei, não. Não tive oportunidade e, mesmo se tivesse, eu não ficaria.
Clara— Por que, Ceci?
Ceci— Eu não sei, mas acho que lá no fundo eu tinha esperança de voltar com você algum dia. Não sei explicar direito...
Clara— Eu te entendo. Eu tentei ficar com outra pessoa há uns meses atrás, mas não consegui. Na hora H, eu simplesmente desisti; nem um beijo eu consegui dar em outra pessoa.
Ceci— Nem no Igor?
Clara— Kkkkkkkkkkkkk. Se eu beijar ele, a não ser no rosto, ele é capaz de me bater. Kkkkkkkk.
Ceci— Por quê? Não entendi.
Clara— Porque ele não gosta, Ceci.
Ceci— De beijo na boca?
Clara— Não, Ceci, de mulher. Kkkkkkkk.
Ceci— Ah tá. Kkkkkkkkkkkk.
Eu ri de mim mesma por ter ficado com ciúmes deles há pouco tempo atrás. Ficamos ali de papo, logo Igor se juntou a nós e me contaram como se conheceram na faculdade e algumas coisas que aprontaram. Por alguns minutos, o clima ficou bem leve.
A cozinheira chamou a gente para jantar e seguimos para a cozinha. Lá, o clima ficou pesado. Era complicado olhar para a mesa e não ver minha mãe sentada ali, jantando em seu lugar de sempre. Quando fomos dormir, Clara pediu para dormir comigo. Eu disse que tudo bem. Deitamos agarradinhas e dormimos assim.
Acordei no outro dia cedo. Quando cheguei no curral, vi Rodolfo conversando com um dos peões que eu não conhecia. Voltei para trás antes dele me ver, voltei para o meu quarto e Clara já tinha acordado. Perguntei se ela sabia dirigir e ela disse que um pouco, porque Igor estava ensinando, mas que ele dirigia bem e tinha até carteira.
Fui no escritório da minha mãe e procurei o número do advogado. Não foi difícil achar. Liguei para ele e acho que acordei o coitado. Eu não tinha me tocado que nem sete horas eram ainda. Me desculpei e ele disse que não tinha problema. Perguntei se ele poderia atender eu e Clara, e ele disse que a gente podia ir no escritório antes do almoço que ele falaria com a gente.
Agradeci e me despedi dele. Falei com Clara, e ela foi acordar o Igor. Nos arrumamos, pegamos o carro da nossa mãe e seguimos para a cidade. Era umas 8 horas e já estávamos no escritório. O advogado nos atendeu, explicou um monte de coisas, assinamos uns documentos, e ele me entregou um envelope lacrado, onde disse que tinha um papel com a senha do cofre do escritório e um cheque com o valor do dinheiro que minha mãe tinha na conta dela.
Ele disse que precisava registrar alguns documentos, mas que era coisa simples e que eu e Clara já poderíamos nos considerar donas de tudo que era da minha mãe. E, se uma ou a outra quisesse vender qualquer coisa, só seria possível com a assinatura da outra.
Clara perguntou se não tinha como ele redigir um documento dando poderes a mim para vender algo sem a assinatura dela. Eu falei que não precisava, mas ela disse que poderia acontecer uma emergência e que não ia estar ali o tempo todo do meu lado. Eu entendi.
O advogado falou que tinha como sim e disse que, se a gente quisesse, ele poderia arrumar tudo naquele dia mesmo e à tarde Clara já poderia assinar o documento. Assim ficou combinado. Aproveitei e fui ao banco retirar um pouco de dinheiro da minha conta e depositar o cheque que minha mãe deixou. Era uma boa grana. Depois, a gente almoçou em um restaurante e resolveu visitar Sebastião e Ana.
Chamei eles para voltar para a fazenda. Falei para Sebastião que ele não precisava pegar no serviço pesado, nem Ana, mas queria eles lá comigo para me ajudar a tocar a fazenda. Ana ficou meio na dúvida, mas aceitou. Sebastião aceitou e ainda me agradeceu muito pelo convite. Ele não gostava de morar na cidade, ainda mais sem ter o que fazer.
Falei para ele que ia só ver se tinha uma casa livre e avisaria para eles poderem se mudar de volta. Clara amou a ideia; ela gostava muito deles, principalmente de Ana, que era sua segunda mãe.
Patrícia, que tinha saído cedo para comprar umas coisas, apareceu e abriu um sorriso de orelha a orelha quando viu eu e Clara ali sentadas lado a lado. Ela se juntou a nós e ficamos conversando. Falei para ela que, se Jorge quisesse voltar para a fazenda, as portas estavam abertas.
Ela disse que iria falar com ele sim e provavelmente ele aceitaria, já que ela voltaria a morar lá com os pais. O papo rendeu, principalmente entre Patrícia e Clara, que estavam conversando sobre os estudos. Aí Patrícia fez uma pergunta que iria mudar nossas vidas.
Patrícia— Por que você não vem estudar na faculdade que estou? A gente poderia ir e voltar juntas.
Clara— Eu adoraria, mas estou cursando medicina e não tem na sua faculdade.
Patrícia— Claro que tem! O curso de medicina foi inserido esse ano, ele é mais cinco cursos que não tinha antes.
Clara— Meu Deus, eu não sabia! Seria maravilhoso isso; vou poder estudar e ficar aqui perto de vocês!
Eu amei aquilo. Quem não gostou foi Igor, que reclamou que iria perder a melhor amiga. Clara fez questão de ir dar um abraço nele e disse para ele vir morar com a gente. Ele disse que seria ótimo, mas não tinha como por causa da família dele.
Saímos dali e voltamos ao escritório do advogado. Clara pediu desculpas a ele e disse que o documento não seria mais necessário. Dali, voltamos para casa, Igor fingindo estar emburrado e Clara brincando com ele. Eu só ria das palhaçadas dos dois.
Assim que cheguei, fui ao escritório junto com Clara. Abrimos o cofre; tinha algumas joias, um monte de documentos, três pilhas de notas de cem presas com um elástico, e lá no fundo vi uma pasta preta. Peguei e abri. Tinha um monte de fotos bem antigas e umas novas, algumas cartas abertas e outras fechadas. Quando olhei, eram as cartas que Clara enviou.
Minha mãe não teve coragem de abrir as que Clara mandou para mim. Mostrei para ela as cartas. Ela perguntou se eu ia ler, e eu disse que claro que iria. Aí ela disse para eu não esquecer que nas três últimas ela estava com muita raiva de mim.
Eu ri dela e falei para ela não se preocupar, que eu sabia bem o que ela tinha passado e que não iria levar para o coração o que ela tinha escrito nas últimas.
Fechamos o cofre e eu fui para meu quarto ler as cartas. Quando comecei a ler a segunda folha da primeira carta, já enchi os olhos de lágrimas. Clara escrevia tão bem, sabia como expressar o amor que sentia em palavras. O texto da carta era lindo; eu me emocionei na hora. Eu nem vi que ela estava parada encostada na porta me olhando.
Clara— Está tudo bem?
Ceci— Está sim, são lágrimas de felicidade.
Ela entrou, fechou a porta à chave e veio sentar do meu lado.
Clara— Por que está chorando de felicidade?
Ceci— Porque estava lendo sua primeira carta e, nossa, você realmente me amava muito!
Clara— Ceci, eu não amava, eu amo muito você. Sei que aconteceu um monte de coisa ruim, mas esse tempo junto com você só me fez perceber que eu ainda amo muito você e, provavelmente, vou te amar o resto da vida.
Eu olhei nos olhos dela, na sua boca, e não tinha como negar; eu também ainda a amava muito. Procurei pela sua boca e nos beijamos. Como eu senti falta daquela boca.
Continua...