Nosso beijo foi longo, carinhoso e cheio de amor. Quando faltou ar e nos separamos, eu mal podia acreditar que estávamos juntas novamente, depois de tanto tempo separadas.
O mais incrível é que nosso amor permaneceu vivo. Eu não tinha dúvidas de que a amava. Depois daquele beijo, ficou claro que ela também sentia o mesmo por mim. Nosso amor foi forte o suficiente para sobreviver a tudo que passamos.
Ceci— Eu mal posso acreditar que estamos aqui juntas de novo.
Clara— Nem eu, Ceci! Eu chorei várias vezes só de imaginar que nunca mais teria você nos meus braços.
Ceci— Sei bem do que você está falando! Bom, eu sei que a gente combinou de absorver tudo primeiro antes de decidir o que fazer. Sei que a ideia foi minha, mas eu queria voltar atrás nisso. Não quero perder tempo, Clara. Quero que você seja minha de novo, da mesma forma que quero ser sua.
Clara— Eu concordo plenamente com você, Ceci. Acho que ficou claro que só ficamos separadas porque mentiram para a gente. Não foi porque eu ou você fizemos algo errado. Não tenho dúvidas do que sinto por você. Quero você de volta já.
Ceci— Você já me tem, meu amor. Eu te amo muito.
Clara— Também te amo demais, amor meu.
Ficamos ali, agarradas. Eu resolvi não ler suas últimas cartas; não valia a pena ler palavras tristes, xingamentos e o que quer que houvesse de ruim nelas. Era hora de deixar o passado para trás e recomeçar juntas, felizes.
Dormimos juntas naquela noite, mas só dormimos. Apesar da saudade que eu estava de fazer amor com ela e da felicidade de estarmos novamente juntas, o clima não estava bom. Afinal, tínhamos perdido nossa mãe. Foi muito dolorido para mim; imagina para ela, que era filha de sangue e sempre viveu ao lado da mãe.
No outro dia, acordei cedo, tomei café e fui para o curral ajudar na ordenha. Tinha dois peões que eu não conhecia. Um deles fechou a cara assim que cheguei, mas não dei muita importância. Quando terminamos, falei para todos que queria ter um papo com eles na hora do almoço e que era para avisarem todos os funcionários da fazenda.
Quando deu 11 horas, fui para o curral e todos estavam lá. Pedi desculpas por atrapalhar a hora do almoço deles, mas era importante o que eu tinha para dizer. Disse que poderiam pegar no trabalho meia hora mais tarde ou parar meia hora mais cedo no final do dia para compensar o tempo que eu iria tomar do horário de almoço deles.
Quando terminei de falar, o peão que havia fechado a cara para mim de manhã perguntou com ordem de quem eu estava marcando a reunião e dizendo o horário que eles podiam parar. Com a maior educação do mundo, respondi que era com ordem da dona da fazenda. Aí ele perguntou se não seria mais fácil a filha da dona e herdeira vir falar ela mesma ou pedir para seu tio, que era o encarregado.
Provavelmente, o peão e mais quatro que estavam ao redor dele eram peões do Rodolfo e estavam trabalhando ali. Mantive a calma, mas só de lembrar do Rodolfo meu sangue já esquentou. Mais uma vez, fui educada e disse que, quando falei "dona da fazenda", não me referia à minha irmã, mas sim a mim mesma. E que, apesar da minha irmã também ser dona da metade de tudo, ela não tinha o menor interesse em gado. Então, eu é que iria tomar conta de tudo, e se alguém tivesse dúvida disso, poderia perguntar diretamente a ela.
Disse também que, a partir daquele dia, Rodolfo não era mais encarregado da fazenda e que Sebastião iria voltar a morar ali e seria meu encarregado. Informei que, se alguém não estivesse satisfeito, poderia sair, que eu ia acertar tudo direitinho, mas queria deixar claro que a fazenda iria voltar a funcionar como era antes de eu sair dali e que quem quisesse continuar trabalhando seria muito bem-vindo.
O peão voltou a abrir a boca e disse que tinha que falar com o Rodolfo. Perguntei se ele era registrado na fazenda, e ele respondeu que não, que era registrado na fazenda do Rodolfo, mas foi deslocado para trabalhar ali. Então, perguntei se mais alguém estava na mesma situação, e os quatro que estavam com ele levantaram o braço. Falei que, como os cinco eram registrados na fazenda do Rodolfo, o certo era trabalharem lá e que era para eles juntarem suas coisas e irem para a fazenda do patrão resolver com ele. O peão fechou a cara e saiu bufando do curral, três dos companheiros dele foram atrás. Um deles ficou, e perguntei por que ele não tinha ido com eles. Ele, meio sem graça, falou que queria continuar trabalhando na fazenda e que, se eu concordasse, ele pediria conta e traria a carteira dele para eu assinar.
Disse a ele que ele podia ficar se pedisse conta, mas que iria trabalhar um mês primeiro para eu ver como era seu serviço. Um dos peões que era meu amigo disse que eu podia dar uma chance a ele, que o homem era gente boa e honesto. Então, falei que tudo bem, que ele poderia ficar.
Aí, falei para todos que, assim que Sebastião se mudasse, as coisas iriam voltar a ser como antes e que eu estava muito animada por estar ali de novo junto com eles. Contava com eles para me ajudar a tocar a fazenda. Todos concordaram, e os peões mais antigos, que eram meus amigos, vieram me parabenizar. Aproveitei e disse que queria falar com eles em particular no escritório à tarde.
Despedindo-me deles, cada um foi procurar seu almoço. Entrei em casa e falei com a cozinheira que Ana iria voltar e ficaria responsável pela casa novamente, mas que ela poderia continuar na cozinha. Ela disse que seria muito bom ter a Ana de volta, porque, além de ser sua tia, foi Ana quem arrumou trabalho para ela na fazenda. Pedi para ela dar o recado às outras mulheres que trabalhavam ali.
Fui almoçar e falei com Clara sobre o que tinha acontecido no curral. Ela disse que, por conta dela, o Rodolfo nunca mais colocaria os pés ali. Eu disse que por mim também e que achava que ele aproveitou que fui embora e roubou o que pôde da nossa mãe.
À tarde, os peões me chamaram. Eram quatro dos mais antigos na fazenda, que trabalharam comigo e são meus amigos. Eles disseram que, depois que eu e Sebastião pedimos conta, Rodolfo assumiu a fazenda. No começo, eles sentiram falta de um ou outro rez, mas não falaram nada com minha mãe, com medo de perder o trabalho, porque minha mãe confiava cegamente no Rodolfo.
As coisas começaram a ficar piores nos últimos seis meses. Rodolfo começou a comprar uma ração muito ruim. Na época da seca, o gado sentiu muito, principalmente as vacas de leite. Como o leite diminuiu bastante, Rodolfo trouxe os peões dele para trabalhar no curral e começaram a misturar água no leite. A empresa de laticínios percebeu e parou de comprar o leite; então, ele começou a vender para uma queijeira da cidade, mas por um preço menor.
Eu e Clara só ficamos escutando tudo. Para mim, não era surpresa nenhuma o que estavam me contando.
Disseram que Rodolfo não comprava o que precisava, como, por exemplo, os remédios para o gado, provavelmente para minha mãe não notar que o dinheiro do leite estava diminuindo muito. Eles achavam que ele pegava dinheiro para comprar a ração mais cara, mas, em vez disso, comprava a mais barata que havia e embolsava o resto.
Perguntei como minha mãe não percebeu isso, e me disseram que ela não estava bem da cabeça nos últimos meses, que vivia doente e deixou tudo nas mãos do Rodolfo.
Nossa, eu fiquei muito puta com aquilo. Agradeci a eles por terem me contado e disse que ia dar um jeito e que logo as coisas entrariam nos eixos novamente.
Eles saíram e eu vi dois caminhões chegando na fazenda. Um dos peões me disse que eram os peões de Rodolfo que estavam de mudança. Perguntei em qual casa eles moravam, e o peão me explicou. Fiquei feliz em saber que uma das casas era a que Sebastião morou e que agora ele poderia voltar a morar no mesmo lugar.
Faltava um problema para eu resolver— Rodolfo!
Pensei em ir à fazenda dele, mas achei melhor não. Ir à terra de um homem para brigar com ele nunca é uma boa ideia. Conhecendo o jeito dele e pela raiva que eu estava, com certeza ia virar briga. Estava no quarto pensando em uma forma de vê-lo e avisar que eu não o queria mais na nossa fazenda quando escutei um bate-boca na sala. Era Clara e Rodolfo discutindo. Clara estava gritando, mandando ele sumir dali. Eu saí rápido do quarto, mas não fui para a sala; fui no quarto antigo da minha mãe, fui até o guarda-roupa e abri. No canto do lado direito, minha mãe deixava uma espingarda de dois canos.
Eu a peguei e conferi se estava carregada; estava. Peguei mais quatro cartuchos na gaveta e saí com ela pronta para atirar. Quando cheguei à sala, Igor estava segurando Clara, e Rodolfo falava que ela era muito burra por deixar eu pegar a metade do que era dela. Eu entrei e dei um tiro para o lado de Rodolfo, mas acima dele, para não acertá-lo. O tiro pegou na parede. Todos levaram o maior susto e me olharam com os olhos arregalados.
Rodolfo— Você ficou doida de vez?!?
Ceci— Eu estou doida para enfiar uma bala no meio da sua testa, seu ladrão safado! Se você não sair daqui agora, vou te mandar pro quinto dos infernos. Então some daqui e não volte nunca mais, porque se você voltar, vou te encher de chumbo, seu safado! Some daqui!
Rodolfo girou sobre o corpo e saiu dali igual uma bala. Eu fui atrás com a espingarda na mão. Os peões que estavam perto escutaram o tiro e vieram correndo. Rodolfo entrou na sua caminhonete velha, ligou e saiu dali sem olhar para trás.
Os peões me olharam com a espingarda na mão; uns riam e outros batiam palmas. Eu comecei a rir de nervoso e agradeci as palmas. Clara estava sentada no sofá, bebendo um copo d'água. Igor me olhou com uma cara assustada, e a cozinheira só colocou a cara na porta da cozinha para me olhar.
Eu sentei no sofá, e Clara perguntou se eu era maluca. Eu disse que só era quando precisava e comecei a rir. Ela riu também, e Igor perguntou onde eu tinha aprendido a atirar. Eu disse que minha mãe tinha ensinado eu e Clara quando éramos adolescentes.
Clara— Você ia mesmo atirar nele?
Ceci— Claro que não! Só queria assustá-lo mesmo, e funcionou! Kkk
Clara— Você estava com uma cara de ódio que até eu fiquei assustada.
Ceci— Kkk Você me conhece muito bem; sabe que eu só atiraria em alguém se fosse o último recurso. Com raiva dele eu estava, mas não a ponto de querer matá-lo.
Clara— Eu sei, mas levei o maior susto, sua maluca! Kkk
Ceci— Mas, afinal de contas, por que você ficou tão brava com ele?
Clara— Primeiro, porque você sabe que eu já não gostava dele. Segundo, que depois do que os peões falaram, fiquei com mais raiva ainda. Aí ele chega aqui do nada, com um sorriso no rosto, dizendo que queria me ajudar a tomar conta da fazenda, que você não tinha direito a nada porque era adotada, que era só eu arrumar um advogado bom que conseguiria ficar com tudo. Ele foi falando um monte de merda, e eu só escutando, com a raiva crescendo. Aí perdi a paciência e comecei a xingar ele de ladrão e mais um monte de coisas.
Ceci— Eu ouvi um pouco dos seus gritos. Kkk Ele é muito cara de pau mesmo, mas duvido que ele volte aqui agora.
Clara— Tomara que suma mesmo! Se eu ver ele aqui de novo, vou chamar é a polícia e denunciar ele por roubo, aquele safado!
Eu guardei a espingarda e fui ajudar os peões a fazer uma contagem do gado, mas antes me despedi de Igor. Ele iria voltar para BH. Falei para ele voltar quando pudesse e dei um belo abraço nele. Era um cara legal e, além disso, ajudou muito Clara quando ela precisou de um amigo. Clara foi à cidade levar Igor na rodoviária. Ela disse que conseguia voltar dirigindo e que era bom, porque queria se acostumar com o carro e andar nas estradas de chão.
Continua...