Os dias foram se passando. Sebastião já tinha se instalado na fazenda novamente, e Jorge aceitou voltar, mas não podia sair de uma hora para outra da fazenda em que estava. Ele iria fechar o mês lá para não deixar o atual patrão na mão.
Depois de 15 dias, eu e Clara resolvemos viajar. Ela iria a BH buscar todas as suas coisas e já trazer os papéis da sua transferência. Eu ia buscar minhas coisas na fazenda onde trabalhava e também queria explicar para Roberto pessoalmente o que tinha acontecido, agradecer a ele por tudo e me despedir do pessoal.
Fiquei dois dias na casa de Roberto e voltei, mas não voltei sozinha. Cristina, a filha de Roberto, veio comigo. Ela era formada em contabilidade e se ofereceu para trabalhar comigo durante um mês de graça. Se eu gostasse do serviço dela, eu a contrataria para ficar. Como não gosto de mexer com essas coisas mais burocráticas, achei que valia a pena tentar. Poderia ser útil para colocar as contas da fazenda em dia. Cristina era de confiança, minha amiga, e ia ser de graça mesmo.
Quando voltei, Clara ainda não tinha chegado, mas Ana disse que ela tinha ligado e avisado que chegaria no sábado e que era para eu ligar assim que voltasse. E assim eu fiz. Conversamos durante um tempo e contei para ela sobre Cristina. Ela disse que poderia ser muito útil para nós.
As coisas estavam voltando ao normal, mas nem tudo era alegria. Consegui convencer a empresa de laticínios a voltar a comprar o leite. Voltei a comprar uma ração boa e conferimos todas as rezes de todas as fazendas, cada pessoa que trabalhava com a gente, o salário de cada um, os gastos e os prováveis lucros com as vendas do leite, queijos e rezes que eu poderia vender.
Tudo isso foi passado para Cristina. Ela fez as contas, e mesmo com o dinheiro que minha mãe deixou, não daria para manter as contas em dia. O Rodolfo fez um estrago grande durante o tempo em que esteve à frente dos negócios.
Eu teria que arrumar um jeito de fazer dinheiro rápido e diminuir os gastos, ou as dívidas iriam começar a aumentar. No sábado, quando Clara chegou, falei para ela sobre a situação. Resolvemos sentar e tentar encontrar uma solução. Nos reunimos no escritório; eu, Clara, Cristina, Ana, Sebastião e mais dois peões que estavam na fazenda há mais tempo.
Conversamos muito, e Cristina só via um jeito; diminuir a folha salarial e vender o gado solteiro. Infelizmente, parecia ser a única saída, mas eu não queria despedir ninguém. Ficamos mais de duas horas conversando, até que Clara, que passou a maior parte do tempo calada, perguntou por que precisávamos ter três fazendas, já que apenas a que estávamos era mais do que suficiente, visto que ela sempre via a metade dos pastos vazios.
Eu não soube responder a ela. Sebastião disse que, na verdade, ela tinha razão. Poderíamos vender a fazenda mais distante, usar o dinheiro para investir em mais gado, pagar as contas e ainda sobraria dinheiro.
Eu gostei da ideia. Assim, não precisaria despedir ninguém e ainda poderia dar uma modernizada na fazenda. Cristina perguntou quanto valeria essa fazenda em questão. Sebastião e os outros peões basearam o preço, e ela disse que, com certeza, o dinheiro daria para fazer muita coisa.
Não foi difícil achar comprador para a fazenda. Na verdade, dois fazendeiros vizinhos brigaram pela compra até o último momento, e eu vendi bem acima do preço que esperava. Vendi de porteiras fechadas, ou seja, não tirei nada de lá, e o novo dono prometeu que continuaria com os funcionários, já que ele iria mesmo precisar. Usei o dinheiro para pagar as contas, dar uma modernizada na fazenda, no antigo escritório da minha mãe, comprar mais gado, e Sebastião escolheu a dedo.
Sobrou a metade do dinheiro, e eu depositei o restante no banco. Falei para Clara que esse dinheiro seria para ela construir seu consultório e que iríamos guardar todo o lucro de agora em diante para isso. Ela ficou muito feliz por eu não pensar só na fazenda, mas também no sonho dela, o que era justo, já que a fazenda vendida era dela também.
Passou um mês, a transferência de Clara já estava acertada, e ela começou a praticar muito com o carro para poder tirar sua carteira. Assim, ela e Patrícia poderiam ir e voltar todos os dias sem ter que madrugar para pegar ônibus. Eu disse que elas deviam alugar uma casa na cidade vizinha onde ficava a faculdade, assim poderiam ficar lá e vir apenas nos finais de semana. Elas gostaram da ideia, mas disseram que viriam na quarta e nos finais de semana.
Eu e Clara estávamos muito bem. Dormimos juntas todas as noites na mesma cama, mas não passamos dos beijos. Por minha conta, já teríamos feito amor, mas Clara não parecia pronta. Ela ainda estava bem abalada com a morte da mãe. Chorou várias noites nos meus braços antes de dormir, e eu respeitava o luto dela. Não tentei nada, apesar de ser complicado ter ela ali do meu lado todas as noites.
Cristina dormia na nossa casa, e Ana vivia ali dentro, só ia para casa à noite, fora as outras empregadas. Então, eu e Clara continuávamos da mesma forma que quando namoramos antes; só éramos namoradas dentro do quarto, só que agora Patrícia sabia e provavelmente Jorge também.
Uma noite, estávamos conversando, e Clara perguntou como Patrícia descobriu. Eu contei a ela e falei que, provavelmente, Ana, Jorge e Sebastião sabiam ou desconfiavam da gente. Clara disse que se não fôssemos irmãs no papel e morássemos em uma cidade grande, as coisas seriam mais fáceis. Eu concordei com ela.
Ela perguntou se eu sabia como a mãe tinha descoberto sobre nós, e eu disse que provavelmente foi no dia em que pensei ter visto alguém na porta, mas eu não tinha certeza e provavelmente nunca teria. Clara perguntou se Cristina era confiável a ponto de guardar nosso segredo, porque, se não fosse, seria melhor a gente arrumar uma casa para ela morar.
Eu disse que achava que ela era confiável, mas não tinha certeza absoluta. Clara falou que iria assuntar com Patrícia para saber se Ana e Sebastião sabiam da gente ou desconfiavam. Eu falei que tudo bem e que era para ela me contar depois.
No outro dia, pouco antes do almoço, eu estava indo do celeiro para o curral quando Clara me chamou da janela de casa. Eu fui, e ela me arrastou para o quarto e disse que conversou com Patrícia. Ela disse que a mãe e o pai já desconfiavam da gente há tempos, e a maioria do pessoal da fazenda também, mas ninguém tinha certeza. Eu quase caí de costas. Clara disse que Jorge também desconfiava e tinha até perguntado a ela algumas vezes, mas ela não confirmou nada, se fez de boba.
Aí Clara disse que tinha autorizado Patrícia a contar para Jorge, já que eram noivos. Não era legal ela ficar mentindo para ele, e Jorge era de confiança, mas que era só para confirmar para Jorge e mais ninguém.
Eu falei que concordava com ela. Jorge cresceu com a gente, era nosso amigo e de confiança, não vi problema nisso. Aí ela falou que era para eu resolver o que fazer com Cristina; ou a gente contava ou a mudava para uma casa, porque ter ela ali dentro de casa, sem saber, tirava nossa liberdade à noite, que era a hora que a gente podia aproveitar melhor. Eu falei que iria resolver no outro dia.
No dia seguinte, eu não sabia o que fazer; falar ou não para Cristina?
Poxa, eu confiava nela. Éramos amigas. Quando morei na fazenda onde os pais dela moram, a gente conversava muito, mas nunca falamos sobre assuntos mais íntimos, tipo relacionamentos e tal. Aí me toquei que Cristina era uma mulher bem bonita e era dois anos mais velha do que eu, porém ela nunca me falou de namorado nem nada.
Chamei Clara no quarto na hora do almoço e falei para ela sobre isso. Ela disse que Cristina poderia ser apenas discreta ou tímida. Eu disse que discreta talvez, mas tímida com certeza ela não era, porque conversava com todo mundo e fazia amizade fácil. Não tinha nada de tímida nela. Ou ela nunca tinha se apaixonado ou era muito discreta em relação a relacionamentos. Pedi a Clara mais dois dias para resolver o assunto.
Também pedi a Clara para ficar de olho em Cristina, já que ela ficava mais dentro de casa, para ver se ela não olhava diferente para algum dos peões ou se dava alguma escapada durante o dia, coisas assim. Clara falou que ia ficar de olho.
À noite, Clara disse que não viu nada de diferente, que Cristina ficou quase o tempo todo no escritório e que só saiu para ir ao banheiro e na cozinha pegar café. Ela só viu Cristina conversar com Ana e algumas outras empregadas da casa.
No dia seguinte, na hora do almoço, estávamos na cozinha almoçando. Cristina sempre almoçava na sala vendo TV, de preferência algum programa de notícias. Eu vi quando ela trouxe o prato e deixou na pia, voltou para a sala e, depois de alguns minutos, a TV parou de fazer barulho. Levantei e olhei pelo canto da porta. Cristina não estava lá. Olhei no corredor e vi ela saindo pela porta dos fundos. Chamei Clara e fiz sinal para ela me seguir.
Quando cheguei na porta dos fundos, vi Cristina indo para o fundo do pomar. Fomos atrás com cuidado para ela não ver. Vi ela passar por uma cerca e seguir para um pequeno barracão que tinha no fundo da queijeira. Esse barracão era onde ficava a queijeira antigamente; depois da construção da nova, ele ficou meio que abandonado.
Fiz sinal de silêncio para Clara, e fomos até o barracão pé por pé. Quando chegamos perto, fiquei tentando ouvir algo, mas estava muito silencioso, até que ouvi uma pessoa dizer para Cristina que ela tinha demorado muito. Cristina respondeu que não podia sair de qualquer jeito, senão ia dar muito na cara. Eu conhecia aquela voz, e pela cara de espanto de Clara, ela também. Fui pé por pé até a porta, empurrei de uma vez e disse;
Ceci— Muito bonito vocês duas, hein!!!
As duas mulheres ficaram brancas de susto. Eu queria rir, mas não podia. Clara encostou na parede do lado de fora e colocou a mão na boca para não rir.
Ceci— Eita, vocês duas não são primas?!? 😳
Continua...