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(ATENÇÃO: SE VOCÊ TIVER GATILHOS COM CORTES, TORTURA, SUICÍDIO OU ALGO DO GÊNERO, EU RECOMENDO QUE NÃO LEIA ESSE CONTO)
Eu acordei novamente e estava sozinha no meu quarto. Estava tudo escuro e, ao tentar levantar para acender a luz, não consegui. Minhas costas doíam muito; na verdade, eu sentia dor no corpo todo, mas nas costas era pior. Eu não conseguia me mexer, pois a dor era insuportável.
Comecei a chorar e ouvi a porta se abrir. Era Lúcia, que veio e acendeu a luz do abajur. Perguntou se eu estava melhor e eu disse que minhas costas doíam muito. Ela me perguntou se eu lembrava do que tinha acontecido, e eu disse que sim, mas que desmaiei de dor. Então, ela disse que Daniel ouviu meus gritos, correu para me ajudar e conseguiu tirar meu pai da sala.
Infelizmente, eu estava muito machucada. Ele queria me levar para o hospital, mas meu pai não deixou, com medo de que eu o denunciasse. Daniel insistiu e tentou me tirar dali à força, mas meu pai chamou os seguranças e disse que eu não sairia. Então, Daniel pediu ao meu pai para pelo menos deixá-lo trazer alguém para ajudar. Meu pai só aceitou quando Daniel disse que era ela que ele iria trazer.
Lúcia disse que tinha feito enfermagem e começou a limpar e costurar meus ferimentos, fazendo curativos. Porém, ela me alertou que eu precisava ir para um hospital, pois havia perdido muito sangue e estava fraca. Meu pai não deixou, então Lúcia fez o que podia para me ajudar.
Eu a agradeci entre lágrimas que cobriam meu rosto. Se não fosse por ela e Daniel, provavelmente eu estaria morta naquele momento. Perguntei por Daniel e ela disse que ele estava em casa cuidando da filha deles, que não podia ficar sozinha.
Lúcia ficou comigo algumas noites. No início, ela cuidava dos meus ferimentos e trocava minhas fraldas, já que eu não conseguia me mexer e não conseguia ir ao banheiro. Tive que usar fraldas durante alguns dias. Quando achei que meu sofrimento estava acabando, porque já conseguia pelo menos levantar e dar alguns passos, meu pai entrou no quarto com mais dois homens. Ele disse para eu me levantar, pois iria viajar.
Fiquei com muito medo, mas me levantei com dificuldade e os segui. Um dos homens me ajudou a caminhar. Quando saí do quarto e desci as escadas até a copa, havia uma cadeira de rodas me esperando. Me sentaram nela e eu vi algumas malas na mão de um dos homens. Fui levada para fora e colocada no carro. Eu sentia muitas dores, mas, se fosse para ir longe do meu pai, iria para qualquer lugar.
Chegamos no aeroporto e o jatinho particular do meu pai estava à minha espera. Fui levada até ele e, quando comecei a subir as escadas, escutei alguém me chamando. Era Daniel, com algo na mão. Ele passou direto pelo meu pai; os dois homens o pararam, mas pedi para deixá-lo passar, pois só queria me despedir do meu amigo. Os homens olharam o que Daniel tinha nas mãos e perceberam que era apenas uma lembrança: um coração de pelúcia de tamanho médio.
Eles deixaram que ele se aproximasse. Ele me entregou o coração e eu agradeci. O abracei, mas ele não podia me abraçar por causa dos ferimentos. Ele disse algo bem baixinho: "Aconteça o que acontecer, não se afaste desse coração. Ele é para te dar muita sorte. Sempre que estiver triste, abrace-o com força, mas muita força mesmo, ok?"
Eu disse que faria isso. Ele pediu para eu me cuidar e se afastou, e eu o vi indo embora com os olhos cheios de lágrimas. Voltei a subir a escada, entrei e me sentei em uma das poltronas. Antes do avião decolar, vi uma das coisas que mais me trouxe felicidade: olhei pela pequena janela e vi Daniel socando meu pai. Os outros dois homens estavam deitados no chão; provavelmente Daniel os nocauteou primeiro e depois foi pra cima do meu pai. Pena que o avião começou a se mover e eu não pude ver até o final.
Eu não fazia ideia de onde estava indo, mas naquele momento lembrei de tudo que me aconteceu e agradeci a Deus por estar deixando aquele lugar. Prometi a mim mesma que, algum dia, voltaria para rever Daniel, Lúcia, o tio, a tia e, quem sabe, minha amada Ká.
A viagem foi difícil para mim, pois não podia encostar minhas costas na poltrona. Já fazia horas que o avião estava no ar, e nada de pousar. Imaginei que estava indo para muito longe, provavelmente para outro país. Lembrei que meu pai tinha um irmão que morava em Portugal. Meu pai sempre falava mal dele, dizendo que era um aproveitador, que só ligava para pedir dinheiro, entre outras coisas. Então, imaginei que estava indo para lá.
Minhas desconfianças foram confirmadas quando pousamos e eu desci do avião. O piloto me ajudou a descer e trouxe minhas malas. Era um aeroporto bem pequeno, sem outros aviões, e só vi alguns galpões e uma casa ao lado. O piloto fez uma ligação e disse que eu deveria esperar ali, pois já estavam vindo me buscar. Perguntei quem e onde estava, e ele disse que era meu tio que me buscaria e que eu estava em Portugal.
Eu não fazia ideia de onde estava, mas pelo menos sabia o país. Ele voltou para o avião e partiu. Fiquei ali, no meio daquele aeroporto, sob o sol, com o corpo todo doendo. Pensei em ir em direção à pequena casa, mas vi uma caminhonete entrar no aeroporto e vir em minha direção. Quando parou, desceu um homem já meio velho, alto, mal vestido, com cabelos brancos, barba mal feita e uma cara fechada. Ele pegou minhas malas e praticamente as jogou na traseira da caminhonete, abriu a porta do lado do passageiro e mandou eu entrar rápido. Ele falava alto e dava para sentir que estava com raiva de alguma coisa.
Fui o mais rápido que pude. Com muita dificuldade, entrei e me sentei da melhor maneira possível. Ele bateu a porta com certa violência, deu a volta, ligou a caminhonete e saiu. As estradas eram até boas, mas ele dirigia de forma brusca. Eu sentia muita dor a cada solavanco e cheguei a chorar, mas ele parecia não dar a mínima para mim.
Depois de algum tempo, chegamos a um lugar que imaginei ser uma fazenda. Ele pegou uma mala minha e gritou por um tal de Tiago, que depois vim a saber que era seu filho. Um rapaz alto, loiro, até bonito, veio ajudar. Quando chegou, olhou para mim e disse ao pai que eu era muito feia, parecia um monstrinho. O pai falou que mesmo que eu fosse bonita, não adiantaria, pois eu era uma nojenta sapatão. Tiago riu e disse que, se eu fosse bonita, era só deixá-lo comigo por meia hora que ele me curava.
Eles falavam aquilo como se eu não estivesse ali. Percebi, naquela hora, que minha vida só iria piorar, e eu estava certa. Fui levada para um quarto, com minhas malas jogadas e a porta trancada à chave.
Deitei na cama e chorei, como uma criança. A noite chegou, a porta se abriu e meu tio deixou um prato de comida e um copo plástico de água em cima de uma mesinha e saiu novamente, trancando a porta. Fiquei assim por dois dias; meu tio deixava comida e água duas vezes e me levava ao banheiro de manhã e no início da noite. Eu não conseguia tomar banho sozinha, apenas molhava a toalha e limpava meu corpo onde conseguia. As pernas, os braços e a cabeça consegui lavar com alguma dificuldade. Na terceira noite que estive ali, resolvi desistir.
Eu não aguentava mais aquilo. Tinha perdido tudo, meu coração estava partido, estava sendo tratada como uma prisioneira, ou melhor, como um animal, pois acho que até as pessoas na prisão tinham uma vida melhor que a minha. Eu sentia muitas dores, estava com medo de que meus ferimentos tivessem pegado uma infecção, pois ninguém trocava os curativos. Às vezes, tinha febre. Eu estava no fundo do poço, sem ninguém para me ajudar. Não conseguia comer direito e estava cada dia mais fraca. Eu só iria adiantar o inevitável: minha morte.
Resolvi dar um fim no meu sofrimento de vez. Pensei em usar um lençol para me enforcar, mas não conseguiria fazer isso. Então, pensei em cortar meus pulsos. Vi que no guarda-roupa havia um pequeno espelho e tive uma ideia.
Levantei usando o resto de força que me restava, peguei minha toalha e pensei em usá-la para cobrir o espelho antes de quebrá-lo e usar os cacos para cortar meus pulsos. A toalha abafaria um pouco o barulho. Fui caminhando e, quando cheguei ao guarda-roupa, agradeci a Deus por ter conseguido. Meu sofrimento iria acabar ali; eu não queria e não tinha mais motivos para viver. Quando fui colocar a toalha sobre o espelho para tentar quebrá-lo com um soco, escutei a fechadura fazendo barulho. Putz, eu era mesmo azarada, nem para me matar eu tinha paz.
Ouvi a chave girando na fechadura. Fechei a porta do guarda-roupa e tentei voltar para a cama, mas no meio do caminho perdi as forças e caí. Senti muitas dores e, depois, alguém tocou em mim e ouvi uma voz feminina pedindo ajuda. Olhei e vi que havia uma mulher ao meu lado. Logo chegou outra. Elas me ajudaram a levantar e me levaram para a cama. Eu entendia quase tudo que elas falavam e ouvi a que entrou primeiro chamar a outra de mãe.
A luz foi acesa e vi uma garota mais ou menos da minha idade. Tinha a pele branca como leite, cabelos pretos, olhos azuis, altura mediana, corpo bem feito e um sorriso muito bonito. A outra parecia uma cópia dela, porém envelhecida, mas não muito; parecia ter uns 40 anos, mais ou menos.
A garota veio até mim e disse que elas iriam me ajudar, mas eu não podia falar para o padrasto dela nem para o idiota do Tiago. Eu concordei e deduzi que a mais velha era esposa do meu tio.
Elas me ajudaram a sentar na cama. A mais velha saiu e a outra perguntou meu nome. Eu disse e ela se apresentou como Rute, e a mãe, Maria. Rute disse que iria olhar meus ferimentos e que sabia o que tinha acontecido comigo. Disse que só não veio antes porque não teve como, com o padrasto e o Tiago na casa, mas que eles tinham saído e provavelmente só voltariam no outro dia.
Rute ajudou a tirar minha blusa, olhou meus ferimentos e disse que parecia que quase todos estavam cicatrizando, mas alguns ainda precisavam de cuidados. Ela perguntou se eu conseguia andar e eu disse que poderia tentar. Ela me ajudou e fomos para o banheiro. Ela me deu um banho; apesar de eu ficar com vergonha e de doer um pouco os ferimentos, me senti outra pessoa quando acabou. Ela me levou de volta para o quarto e ajudou a me vestir. Maria chegou com uma caixa de primeiros socorros e mais algumas coisas em uma sacola. Elas cuidaram dos meus ferimentos nas costas e acima do olho.
Rute conversava bastante, mas Maria mal falava. Elas me deram uns remédios e disseram para eu escondê-los: um era para dor e o outro, um anti-inflamatório. Depois que todos os curativos estavam prontos, Rute abaixou minha camiseta e falou que eu precisava me alimentar, ou demoraria muito a me recuperar. Eu disse que comeria direitinho a partir daquele dia. Maria foi à cozinha e me trouxe um prato de comida. Eu comi tudo; parecia que minha fome e minha vontade de viver haviam voltado. Elas me deram o melhor remédio do mundo: esperança.
Eu quase cometi uma besteira. Se elas não tivessem chegado naquela hora, provavelmente eu teria morrido. Rute perguntou se eu queria ligar para alguém no Brasil. Se fosse rápido, ela me emprestaria o celular.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper