Cicatrizes #30

Um conto erótico de Stella
Categoria: Homossexual
Contém 2193 palavras
Data: 04/10/2023 07:15:46
Última revisão: 17/12/2024 22:10:01

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Eu fiquei muito feliz quando ela me ofereceu o celular, mas eu não tinha o número de ninguém. O único que eu sabia de cor era o do meu pai, mas não tinha o menor interesse em ligar. Agradeci e expliquei para ela que não tinha o número de ninguém.

Ela ficou conversando comigo um bom tempo, disse que estava estudando administração, me mostrou fotos da sua amiga Liandra e do seu namorado Bruno, e me contou que os dois eram brasileiros, mas estavam morando em Portugal há dois anos, que vieram estudar e se conheceram na universidade.

Perguntei se ela sabia o porquê de meu pai ter me mandado para lá. Ela disse que o padrasto falou para a mãe dela que o irmão tinha ligado e pedido para ele ficar com a sobrinha por um tempo porque descobriu que ela era sapatão e deu uma surra nela. Falou que o irmão ofereceu uma boa grana para ele fazer isso e que nem ia dar muito trabalho, porque era só deixar ela trancada em algum lugar até ele resolver o que faria com ela.

Naquela hora, eu entendi o que tinha acontecido: meu pai ficou com medo que eu, de alguma forma, conseguisse fugir e denunciá-lo, então me mandou para longe e provavelmente pediu para meu tio me castigar. Apesar de achar que nem precisava pedir, meu tio, pelo jeito, era um idiota igual ao meu pai.

Ela disse que a mãe não queria fazer aquilo, mas morria de medo do padrasto e acabou fazendo. Mas quando soube de como eu estava, resolveu contar para ela, e as duas decidiram me ajudar.

Ela disse que o padrasto é um homem ruim e que já chegou a bater na mãe dela, além de traí-la direto. Ele sai todo final de semana e passa a noite em bordéis da região. Falou que o filho dele é outro idiota igual ao pai. Ela disse que, assim que se formar, vai arrumar um trabalho e tirar a mãe dali, mas que, por enquanto, não tem outra saída senão aguentar os dois, já que elas não têm para onde ir e também dependem do dinheiro dele para pagar os estudos.

Perguntei como a mãe dela foi casar com um cara assim. Ela disse que o pai dela trabalhava para o padrasto. Logo depois que ela nasceu, o pai ficou doente e morreu. Sua mãe ficou sozinha, sem dinheiro, sem ter para onde ir e com uma criança para criar. O padrasto dela era viúvo e se interessou pela mãe dela, então propôs se casar com ela e ajudar a cuidar da filha. Sem muita opção, a mãe aceitou. Ela disse que, no início, ele tratava a mãe bem, mas depois se cansou dela, começou a sair, passar a noite fora e a mostrar seu lado violento quando chegava bêbado. Mas como ele cumpriu a promessa de ajudar a cuidar da filha e pagava seus estudos, ela foi aguentando tudo e assim está até hoje.

Nossa, eu fiquei com muita pena da mãe dela. Ninguém merece viver uma vida assim. Rute disse que o Tiago era um idiota, do tipo que implica com todo mundo, se acha o fodão e pega muito no pé dela porque ela nunca quis nada com ele na adolescência, quando ele tentou ficar com ela. Mas como ele fica mais fora do que em casa, dá para aguentar.

Rute disse que geralmente fica na cidade de Braga, onde é a universidade, mas estava em casa aqueles dias porque iria ficar 15 dias sem aulas e, por isso, veio passar um tempo com a mãe, mas no final da outra semana teria que viajar.

Eu não sei por quê, mas senti bondade nela, senti que era confiável, e naquela noite eu contei praticamente tudo da minha vida para ela, e ela me contou a dela. Nem percebemos quando o dia começou a clarear. Ela se foi para poder dormir um pouco, e eu me sentia muito melhor. Consegui dormir rapidinho; só acordei com o barulho da porta quando meu tio veio trazer o almoço. Fiquei bem quietinha, ele saiu e eu comi toda a comida que ele trouxe.

Passei o dia todo sozinha. À tarde, a porta se abriu de novo, mas não era meu tio, era Maria. Ela me perguntou se eu estava melhor, eu disse que sim. Ela me levou ao banheiro e me ajudou a tomar banho, me disse que convenceu o marido a deixá-la fazer isso, já que eu era mulher e não conseguia tomar banho sozinha. Ela me levou de volta para o quarto, ajudou a me vestir e disse que já trazia minha janta.

Quando ela voltou, eu a agradeci, e ela disse que estava tudo bem, que ia fazer o possível para me ajudar a recuperar da melhor maneira possível. Eu jantei e, depois de algum tempo, acabei dormindo. Acordei, nem sei que horas, mas provavelmente era cedo ainda, porque eu ouvia vozes na casa. Demorei a dormir de novo, não vi Rute naquela noite; provavelmente, ela não veio falar comigo porque meu tio estava em casa.

No outro dia, depois do almoço, a porta se abriu, era Rute. Ela disse que fez uma cópia da chave e, assim, quando meu tio e o Tiago saíssem para cuidar de alguma coisa na fazenda, ela viria ficar comigo. Ela trouxe uns chocolates para mim e uma TV portátil; era bem pequena, a imagem era meio ruim, mas era algo para eu me distrair quando estivesse sozinha.

Ela me contou que ficou sabendo por uma vizinha da fazenda que meus avós moravam ali, mas que minha avó se cansou de apanhar do meu avô, fugiu de casa e levou seu filho menor, que ainda era uma criança. Não sabe como, mas ela acabou indo parar no Brasil e nunca mais voltou para Portugal. Eu imaginei que o tal filho era meu pai. Acho que foi a primeira vez que soube algo sobre minha família, além de saber que eu tinha esse tio que vivia aqui.

Conversamos bastante, a gente se dava muito bem, mas ela teve que ir porque meu tio voltou para casa. À noite, ela voltou; era de madrugada já. Ela entrou e deitou ao meu lado, e ficamos conversando mais um bom tempo, e depois ela se foi.

Minha rotina ficou assim durante a semana, até que no domingo Rute viajou. Ela só voltaria no sábado de manhã. Fiquei triste por saber que minha nova amiga ficaria distante, mas agradecida por ter conhecido ela e Maria. Elas foram dois anjos da guarda que apareceram na minha vida quando eu mais precisei.

A semana foi passando. Eu me distraía vendo a pequena TV; eram só canais de Portugal, mas eu conseguia entender bem. O problema é que eu só podia ver quando meu tio não estava. Minha sorte é que a caminhonete fazia um barulho alto e eu sabia quando ele saía ou chegava. Maria continuou vindo todos os dias me dar banho e cuidar dos meus ferimentos, que já não doíam tanto. Eu já conseguia deitar de lado, e isso era ótimo; estava cansada de só poder deitar de barriga para baixo. O corte acima do olho praticamente tinha melhorado, só tinha uma pequena casca que eu ia tirando devagar.

Maria não falava muito, e quando falava, eram frases curtas. Mas só de ter alguém cuidando de mim, já era ótimo. Eu tinha esquecido do coração que Daniel tinha me dado; fui procurá-lo e estava debaixo da cama. Eu peguei e, dali em diante, ele iria ficar do meu lado o tempo todo.

O final de semana chegou, Rute veio me ver, trouxe chocolates de novo, mais remédios e um fone de ouvido para eu usar na TV. Também trouxe um caderno, caneta e um pequeno mini game. Eu fiquei muito agradecida. O tempo foi passando e meus machucados melhorando. Eu já não sentia dor e conseguia me mexer e tomar banho sozinha; também comecei a ganhar um pouco de peso.

Já fazia dois meses que eu estava ali. Meu tio liberou algumas saídas durante o dia. Eu já comia com eles na mesa, mas não gostava, porque o idiota do Tiago só me chamava de monstrinho. Eu não gostava, mas ignorava. Maria já conversava mais comigo, mas dava para ver que ela era uma pessoa triste.

Eu pensava muito em todos aqui no Brasil, principalmente na Ká. Eu a amava muito, e a distância ou o que aconteceu não mudou isso. Eu chorava algumas vezes com saudades dela, sentia falta do tio, da tia, do Daniel, mas a falta, a saudade da Ká, era a que mais doía.

Mas as coisas começaram a melhorar para mim quando chegou o fim do ano. Rute veio para a fazenda e trouxe Liandra e Bruno com ela. Nessa época, meu quarto já não ficava mais trancado. Eu já estava com meus machucados curados, pelo menos os físicos. Eu não podia sair, mas pelo menos na casa eu podia andar e tinha acesso a quase tudo.

Eu gostei muito de Bruno e Liandra. Além de serem brasileiros, eles se mostraram boas pessoas. Em um desses dias, estávamos no meu quarto conversando, e Bruno fez uma brincadeira com Rute, pegou meu coração de pelúcia e bateu na cabeça dele. Ele deu um grito de "ai" e ficou com a mão na cabeça, perguntando o que tinha dentro do coração. Eu achei estranho e disse que não tinha nada. Ele disse que tinha algo duro dentro porque doeu e fez um galo na cabeça dele. Aí eu peguei o coração da mão de Rute e fui apertando com toda a minha força; realmente tinha algo ali dentro.

Pedi para Rute pegar algo para a gente abrir sem estragar. Ela buscou um estilete e eu fui cortando a costura. Quando abri o suficiente, coloquei a mão lá dentro e senti algo dentro de um plástico. Quando tirei, vi um pequeno celular e um carregador. Daniel com certeza colocou ali e falou aquilo na esperança de que eu encontrasse, já que não podia explicar com os homens do meu pai ao meu lado.

Eu liguei o celular; ele ainda tinha mais da metade da bateria. Graças a Deus, não quebrou na cabeça de Bruno. Ele tinha chip, porém não funcionava. Rute falou que iria comprar um para mim, mas eu estava interessada em outra coisa. Olhei na agenda e tinha o número do Daniel salvo. Nossa, eu fiquei muito feliz!

Eu e Rute explicamos aos outros dois tudo que tinha me acontecido. Rute disse que confiava até sua vida neles, então eu confiei também. Rute foi com Bruno até uma cidade pequena que tinha perto da fazenda para comprar um chip para eu colocar no celular. Liandra ficou comigo e a gente costurou o coração de pelúcia novamente. Ela me ofereceu seu celular para eu ligar, se eu quisesse. Ela disse que, como falava direto com a família no Brasil, tinha feito um plano para as ligações internacionais saírem bem mais baratas.

Eu aceitei e disse que seria rápido. Olhei se tinha alguém por perto e não tinha ninguém. Liandra ficou na porta vigiando e eu liguei para Daniel. Ele atendeu rápido; nossa, como era bom ouvir a voz do meu amigo de novo! Agradeci a ele por ter escondido o celular, falei que estava bem, mas não poderia demorar na ligação e que aquele número não era meu, mas de alguém de confiança. Falei que à noite eu ligaria com outro número, e esse sim seria meu.

Eu pedi para ele conseguir o número da tia ou do tio, mas que fosse discreto com isso. Se fosse preciso, poderia falar com eles, mas pedir segredo sobre tudo, porque eu não queria que meu pai soubesse que eu já estava bem. Eu tinha medo dele me buscar e me levar para algum lugar pior. Como meu tio gostava de dinheiro, ele provavelmente iria me manter ali o máximo que pudesse para pegar mais dinheiro do meu pai.

Ele falou que iria conseguir os números e à noite me passava. Disse que não trabalhou mais para meu pai depois que eu viajei e que estava trabalhando como detetive particular com um amigo dele, ex-policial. Falou que Lúcia ficou muito preocupada comigo e que ficaria feliz em saber que liguei. Eu pedi para ele agradecer a ela por tudo que ela fez por mim, me despedi dele e encerrei a ligação.

Eu estava muito feliz; até que enfim as coisas estavam melhorando muito para mim, mas eu tinha medo do meu pai aparecer e estragar tudo. Entreguei o celular para Liandra, agradeci e ficamos conversando esperando Rute e Bruno voltarem.

Depois de uns minutos, escutei barulho de um carro, mas não era Rute, era o barulho da caminhonete do meu tio. Logo ouvi passos pesados no corredor e imaginei que era ele. Ouvi a porta se abrir e ele entrou com aquela cara feia de sempre e disse que meu pai tinha sofrido um acidente de carro e tinha falecido. Virou as costas e saiu.

Crl, meu pai tinha morrido.

Continua…

Criação: Forrest_gump

Revisão: Whisper

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Foto de perfil de Forrest_gumpForrest_gumpContos: 380Seguidores: 85Seguindo: 93Mensagem Sou um homem simples que escreve história simples. Estou longe de ser um escritor, escrevo por passa tempo, mas amo isso e faço de coração. ❤️Amo você Juh! ❤️

Comentários

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Puts mesmo que as coisas ruins foram acontecendo, até chegar lá em Portugal, ótima essa ideia do Daniel de esconder o celular, gostei da forma como ela conheceu Liandra e Bruno, mais esse final com a morte do pai, já vi que a lei do retorno visitou ele rápido.

Agora ver como fica a história da Lala daqui pra frente.

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Outro fato que eu esqueci de comentar que ótimo ela conheceu Rute e Maria pessoas boas que ajudaram ela lá, agora com essa morte pelo visto ela já vai assumir a empresa a distância, é começar a estudar.

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Você acha que vai ser fácil assim? É a Karla, nada para ela é fácil 🤷🏻‍♂️😅😅😅

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Lógico que não vai ser fácil, mais pra mim ao meu ver quem sofreu mais foi a Lala, a dor física já e horrível mais a dor espiritual é pior.

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Eu escrevi errado, eu pensei em uma e escrevi o nome da outra kkkkk a vida da Lala que é muito difícil kkkk

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