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Eu tentei sentir alguma coisa com aquela notícia, mas não senti nada. Não fiquei triste, não fiquei feliz ou aliviada; eu simplesmente não senti qualquer tipo de sentimento. Era como se nada tivesse acontecido. Fiquei realmente preocupada com a minha falta de sentimentos, já que sempre fui muito sensível. Será que algo tinha se quebrado dentro de mim? Foi o que pensei naquele momento.
Liandra perguntou se eu estava bem, e eu disse que sim, que não fiquei triste nem feliz, só um pouco assustada com a notícia, já que não a esperava. Ela não insistiu no assunto e continuamos ali conversando sobre coisas aleatórias até Rute e Bruno chegarem.
Rute comprou o chip, já ativou tudo direitinho, registrou no seu nome e colocou créditos para mim. Disse que não iria durar muito se eu fosse fazer ligações internacionais, mas dava para conversar por uma hora, mais ou menos.
Rute perguntou se eu estava bem com a notícia da morte do meu pai, e eu disse que sim, mas estava preocupada com o que ia acontecer comigo, já que agora meu tio não iria mais me receber e eu não tinha para onde ir. Então, ela disse que eu podia ficar tranquila, que se ele me expulsasse para a rua, eu não iria, porque ela e os amigos dela nunca deixariam isso acontecer.
Fiquei bem mais tranquila depois das palavras de Rute. Dei um abraço nela e a agradeci por ser tão boa comigo. Agradeci Bruno e Liandra também. Ficamos ali conversando e zoando o resto da tarde. Na hora do jantar, notei que algo estava diferente: meu tio estava com uma cara melhor, conversou comigo e deu minhas condolências. Tiago não me chamou de "monstrinho"; pelo contrário, ele me elogiou e disse que eu estava mais bonita, com mais corpo e tal.
Sinceramente, achei aquilo muito estranho, mas não achei ruim, já que estavam sendo legais comigo. À noite, voltei para meu quarto e fiquei esperando Rute aparecer, mas logo ela mandou mensagem dizendo que ia chegar tarde porque ela, Bruno e Liandra iriam esticar a noite em um barzinho de música ao vivo. Ela disse que eu podia ligar ou mandar mensagem quando quisesse. Eu disse que tudo bem e falei para ela aproveitar a noite, que eu iria ficar bem.
Eu estava esperando ficar mais tarde para poder ligar para Daniel, mas ouvi o barulho da caminhonete saindo. Fui à cozinha e Maria estava lavando as louças. Fui até ela e ajudei a terminar de lavar e arrumar tudo. Perguntei se Tiago tinha saído com o pai, e ela disse que sim. Falei para ela que eu iria fazer uma ligação, e quando virei, ela me chamou e disse que precisava falar comigo.
Voltei, e ela disse que eu era uma boa garota e que não merecia ter passado pelo que passei. Ela disse que, se eu não ficasse esperta, provavelmente iria passar por coisas ruins no futuro. Perguntei por quê, e ela disse que ouviu o marido xingando e dizendo para Tiago que, com a morte do irmão, não ia receber mais o bom dinheiro que estava recebendo para cuidar de mim e que iria me expulsar de casa porque não queria mais despesas nem dor de cabeça comigo. Mas Tiago disse que o pai era muito bobo se mandasse eu embora, porque eu agora era muito rica, sendo a única herdeira da fortuna do meu pai.
Ela falou que, a partir dali, o marido dela se acalmou e os dois começaram a bolar um jeito de ficar com meu dinheiro ou pelo menos um pouco dele. Ela disse que era para eu ficar esperta, porque eles com certeza iriam tramar algo.
Agora eu tinha entendido o porquê de eles terem sido legais comigo: era puro interesse. Agradeci a Maria por me contar e disse que, agora que eu sabia, eu estaria um passo à frente deles e que não ia deixar eles pegarem um centavo da herança. Eu nem tinha pensado sobre isso, mas agora iria pensar e com certeza iria pegar minha herança e tirar ela e Rute daquela casa.
Ela me agradeceu, mas disse que não precisava e que não me contou por causa disso, mas sim porque achou muita covardia eles quererem me prejudicar depois de tudo que passei. Eu disse a ela que sabia que ela me ajudou por ter um bom coração, mas que era exatamente por isso que eu queria ajudar ela.
Voltei para meu quarto, liguei para Daniel, que logo perguntou se eu tinha ficado sabendo da morte do meu pai. Eu disse que sim e que queria a ajuda dele para me aconselhar com uns problemas. Conteia ele sobre meu tio, e ele disse que iria me ajudar sim e que daríamos um jeito de tirar ele da jogada. Pedi a Daniel para tentar descobrir quem era o advogado do meu pai, se era confiável ou não. Ele disse que iria fazer isso.
Conversamos mais um pouco, e eu perguntei se ele tinha conseguido o número dos meus tios. Ele disse que sim, que me mandaria por mensagem. Eu disse que então iria desligar porque queria falar com eles e não tinha muitos créditos para ligar. Ele disse que tudo bem, nos despedimos e, depois de um tempo, chegou a mensagem dele com os números. Liguei para minha tia.
Ela demorou a atender, provavelmente estava dormindo, porque era de madrugada no Brasil. Ela disse "alô" com uma voz de sono. Quando eu disse "Oi, tia", ela deu um grito no celular. Eu quase fiquei surda e escutei o tio perguntando ao fundo o que tinha acontecido; provavelmente ele acordou assustado com o grito dela.
Ela explicou para ele e falou comigo, perguntou onde eu estava, se eu estava bem e por que tinha sumido. Eu falei que estava bem, contei onde estava e por que fui parar ali. Conversamos um pouco e contei para ela, meio por alto, como tudo aconteceu. Ela disse que provavelmente meu pai escutou nossa conversa naquele dia no hospital. Eu disse que tinha certeza que era isso, porque só contei para ela e Daniel disse que ele tinha entrado no hospital e achou até estranho ele não ter ido ao meu quarto.
Contei o que estava acontecendo, e ela disse que, se precisasse, poderia contar com ela. Agradeci e perguntei pela Ká, e ela me contou o que tinha acontecido. Fiquei muito triste, mas não surpresa. Falei com o tio durante um tempo e me despedi, porque meu celular apitou avisando do fim dos créditos.
Eu tinha algumas mensagens de texto grátis, usei uma para avisar Daniel que poderia me ligar ou mandar mensagem quando quisesse, que meu celular ficava no silencioso. Mandei a mesma mensagem para a tia e fui dormir, triste por saber que Ká estava morando com Gustavo e Telma, mas feliz por ter ouvido a voz dos meus amigos, ou melhor, da minha família no Brasil.
Acordei no outro dia já pensando em uma maneira de me livrar do meu tio, mas eu tinha que ser esperta ou poderia me prejudicar, já que estava em um país estranho e meus documentos estavam todos com ele. Ou seja, eu tinha que pensar com cuidado e não fazer besteira.
A partir daquele dia, minha mente estava focada naquilo. Daniel e Rute me ajudando a bolar tudo. Liandra e Bruno já não estavam mais com a gente na casa, mas estavam dispostos a ajudar. Eu estava muito feliz porque não estava mais sozinha. Eu tinha novos amigos e agora contava com as pessoas que gostavam de mim no Brasil.
Eu falava com Daniel todos os dias e, pelo menos duas vezes por semana, falava com a tia e o tio. Pedi aos dois que não falassem nada com a Ká, porque ela com certeza não se importava por me odiar tanto, então era melhor ela nem saber da minha existência. Nessa época, a tia já tinha me contado o motivo dela ter ficado com ódio de mim.
Eu fiquei muito chateada com Gustavo e Telma; eles tinham tirado de mim a pessoa que eu mais amava. Fiquei também decepcionada com Ká por não ter confiado em mim, mas entendia que ela não seria nem a primeira nem a última a ficar cega de amor.
Daniel descobriu quem era o advogado do meu pai. Ele disse que ele não era nenhum exemplo de honestidade, mas conhecia um ótimo advogado que poderia ajudar muito. Eu pedi a Daniel para falar com ele, porque precisava de um advogado confiável para nos ajudar. Daniel disse que podia deixar por conta dele; ele iria falar com o advogado e tinha certeza de que ele iria ajudar em tudo.
Conversei com Rute e bolamos nosso plano para tirar ela e a mãe dela daquela casa. Agora só faltavam alguns ajustes e contar com a sorte para tudo dar certo. Depois de cinco dias, Daniel disse que o advogado já tinha levantado tudo que estava no nome do meu pai: dinheiro, bens, contas no exterior; estava tudo com ele. Mas, para passar tudo para o meu nome certinho, eu precisava vir ao Brasil para resolver. Não tinha como fazer isso comigo longe. Eu falei que era só jogar a isca que meu tio faria o resto.
Durante aqueles dias, meu tio e Tiago estavam uns amores comigo. Até na cidade eu fui; Tiago ficava me elogiando. Acho que a tática dele era tentar me conquistar com suas cantadas baratas. Eu ria muito com Rute contando sobre as cantadas dele. Eu não o dispensava, mas não deixava ele avançar; mantinha ele longe, porém com esperança.
Pedi a Daniel para falar com o advogado e ligar para o meu tio, dizendo que precisava de mim no Brasil e informar o montante da herança. E assim ele fez.
Eu estava no meu quarto conversando com Rute quando meu tio chegou. Disse que um advogado do Brasil tinha ligado e falou que eu precisava ir lá para receber minha herança. Eu disse que não ligava muito para isso, que sabia que meu pai tinha uma grande empresa, mas não entendia nada daquilo e, como não tinha ninguém para me ajudar, não sabia o que fazer.
Meu tio, claro, se ofereceu na hora para me ajudar. Eu falei que seria muito bom, mas como ele poderia me ajudar? Ele disse que podia tomar conta de tudo para mim até eu estudar, me formar e tomar conta sozinha. Agradeci muito a ele e disse que seria muito bom a ajuda dele. Ele disse que não seria nenhum problema, já que éramos família.
Aí eu falei que queria continuar ali em Portugal, na casa dele, e se ele poderia ir comigo ao Brasil. Assim, eu já poderia deixar tudo na responsabilidade dele e ele me traria de volta. Eu disse que, além de ter gostado de morar na casa dele, não queria viver no Brasil porque me trazia muitas lembranças ruins.
Ele falou que iria resolver tudo e que iríamos ao Brasil, que não se importaria de ir comigo. Eu disse que meu pai tinha um jatinho particular e talvez o advogado pudesse dar um jeito de mandar ele nos buscar. Também disse que gostaria que Tiago fosse com a gente, porque estava gostando muito da companhia dele ultimamente.
Ele disse que com certeza Tiago iria amar ir com a gente, que iria ver com o advogado sobre o jatinho, porque assim economizaríamos o dinheiro das passagens. Ele saiu e eu liguei para Daniel, disse para ele procurar o piloto do jatinho e falar que meu advogado iria procurá-lo para vir me buscar. Que era para ele vir, porque eu lembrava do dia em que ele me deixou abandonada no meio do nada, debaixo do sol quente, toda machucada. Se ele ainda quisesse trabalhar comigo quando eu assumisse tudo, era para ele vir na hora que combinássemos. Daniel falou que podia deixar que ele resolveria isso.
Bom, estava quase tudo certo para eu voltar ao Brasil e, se tudo desse certo, eu iria começar uma vida nova e dar uma nova vida para meus novos amigos.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper