---
Ficamos ali discutindo o que fazer. Bruno falou que o condomínio era seguro, que ali eles não entrariam, e era para a gente alertar o porteiro e a segurança sobre isso. Mas eu saía muito e Maria também saía para fazer compras. Rute disse que o certo era alertar a polícia. Eu disse que a gente tinha que manter a calma e pensar em algo para afastá-los de vez.
Maria estava calada, como sempre, só ouvindo. Aí, do nada, ela se levanta e fala que resolveria isso sozinha, que até hoje ficou quieta porque dependia dele para bancar os estudos de Rute e não tinha para onde ir, mas que agora não precisava mais dele e iria resolver o problema de uma vez por todas.
Acho que todo mundo ficou meio em choque com a determinação de Maria. Ela foi até o telefone fixo e discou um número. Logo alguém atendeu e ela disse que precisava resolver uma situação com a pessoa. Em seguida, afastou o telefone um pouco do ouvido; dava para ouvir alguns xingamentos mesmo de longe. Naquele momento, deduzi que ela tinha ligado para o meu tio.
Com a maior calma do mundo, ela perguntou se podia falar ou se a pessoa queria xingar mais um pouco. Logo, afastou o telefone do ouvido de novo, e mais uma sessão de xingamentos começou. Ela voltou o telefone e perguntou se agora podia falar. Pelo jeito, meu tio concordou.
Ela, com calma, disse que ia mandar o advogado no outro dia para a fazenda com os papéis do divórcio e que ele iria assinar porque ela estava abrindo mão de tudo, não queria nada dele. Mas, se ele não assinasse, ela voltaria atrás e iria à justiça pedir o divórcio e metade de tudo que era dele.
Ela também iria à polícia fazer uma denúncia contra ele, contando sobre todas as vezes que ele chegou bêbado e a agrediu, e sobre todas as ameaças que ele fez a ela, incluindo o fato de ter mantido sua própria sobrinha em cárcere privado, colocando-a em risco de morte devido aos ferimentos.
Disse que a polícia adoraria ver as marcas que a sobrinha tinha no corpo. Ela afirmou que tinha quatro testemunhas ali para depor contra ele e o filho, então era para ele assinar os papéis e deixar todos nós em paz, ou ela faria da vida dele um inferno. Depois de falar, desligou o telefone e olhou para nós, dizendo com a maior calma que achava que ele iria assinar os papéis.
Rute correu para abraçar a mãe, eu dei os parabéns para Maria pela atitude e ela disse que isso tudo era graças a mim, me dando um abraço muito apertado.
Depois de dois dias, o advogado ligou dizendo que tudo tinha dado certo e os papéis foram assinados. Eu nunca mais ouvi falar do meu tio ou do Tiago e até hoje não sei como eles voltaram para Portugal ou o que fizeram durante os dias que ficaram no Brasil.
Depois de alguns dias, resolvi ligar para o arquiteto, me identifiquei como secretária do novo dono da empresa e disse que tinha uma proposta para passar para ele. Conversamos bastante e, no fim, deu tudo certo; ele aceitou assumir a empresa como diretor-chefe. Dei carta branca para ele fazer uma limpa nos antigos funcionários envolvidos nos escândalos e procurar pessoas novas, com novas ideias e, principalmente, confiáveis.
Daniel já tinha me falado que o advogado disse que a tal diretoria da empresa era composta por apenas três pessoas, todas envolvidas nos escândalos. Falei para ele entrar em contato com esses diretores e dar férias remuneradas a eles até vencer o contrato. Se a multa fosse baixa, podia despedir; só não queria eles na minha empresa.
Bom, as coisas estavam indo bem: meus amigos estudando e trabalhando, eu focada nos estudos, Maria cuidando do apartamento e de todas as compras, sendo nossa mãezona. As coisas na empresa estavam se acertando, mas, depois que saí do colegial, parecia que nenhuma felicidade na minha vida durava muito tempo. Dessa vez, não foi diferente.
Primeiro, minha tia me contou sobre a gravidez de Ká. Nossa, doeu muito, mas nem tanto quanto o que aconteceu um mês depois. Meu tio me ligou e disse que precisava muito da minha ajuda, que pensou em ir a Portugal, mas não pôde, e me pediu, pelo amor de Deus, para eu ir ao Brasil vê-lo, mas tinha que ser segredo; ninguém poderia saber, nem a tia. Perguntei o motivo de todo aquele segredo e urgência, logo me arrependi de ter perguntado.
Ele me disse que estava morrendo e precisava muito de um favor meu, mas não podia adiantar por telefone. Fiquei em choque com o que ele me falou, não sabia o que dizer. Ele disse que estava tudo bem, que não era para eu ficar triste porque ele não estava.
Era impossível para mim não ficar triste; minhas lágrimas já corriam pelo meu rosto. Ele perguntou se eu podia ir no próximo sábado, disse que daria para resolver tudo no mesmo dia e eu poderia voltar para casa. Eu disse que iria sim, que ele podia me esperar que eu estaria lá.
Chorei muito depois que ele desligou. Rute me viu chorando e veio falar comigo. Eu contei para ela, e ela disse que não tinha passaporte, se não me acompanhava, mas iria pedir a Bruno ou Liandra para viajar comigo. Eu disse que aceitaria a companhia de um deles, porque com certeza enfrentaria uma barra na minha vida novamente.
Na sexta de manhã, reservei duas passagens para o Brasil, arrumei uma pequena mochila de roupas e falei para Liandra que iria comigo, que só precisava levar o básico porque voltaríamos no sábado ou no domingo.
À noite, pegamos o voo em destino ao Brasil. Iríamos nos encontrar no escritório da empresa. Quando cheguei, estava tudo um deserto; com certeza, o tio dispensou todos os funcionários naquele sábado. Ele me viu chegar no táxi e foi ao meu encontro, me deu um abraço e me chamou para entrar.
Liandra estava comigo, e falei para o tio que ela era minha amiga e que a chamei para não viajar sozinha, que ela sabia de toda a minha vida e era de confiança. Ele disse que não tinha problema e nós entramos.
Havia outras pessoas no escritório; ele disse que era seu melhor amigo e seu braço direito na empresa e na vida, seu nome era Pedro. Eu o cumprimentei, sentamos e o tio começou a me explicar tudo.
Ele disse que, mais ou menos um mês atrás, passou mal no escritório, sentiu uma dor de cabeça que chegou a cegá-lo de tanta dor. Pedro o levou ao médico, que passou alguns remédios para a dor e mandou-o para casa, mas pediu alguns exames. Ele foi para casa e não falou nada com a tia para não preocupá-la à toa, mas fez os exames como o médico pediu. O médico o chamou no consultório e disse que, infelizmente, ele tinha um tumor no cérebro e que o estado era muito avançado. Se ele quisesse tentar o tratamento, poderia, mas isso só traria mais sofrimento e aumentaria em alguns meses sua vida, provavelmente meses de dor.
Ele perguntou qual era a outra opção. O médico disse que era ele ir para casa e aproveitar o resto dos dias de vida com sua família, que daria remédios fortes para minimizar a dor, mas que, infelizmente, não havia mais nada que ele ou ninguém pudesse fazer.
Ele pediu ao médico um dia para pensar, pesquisou sobre seu problema e pediu a opinião de um médico amigo, mas não teve boas notícias; ele estava morrendo. A escolha era só uma: viver um ou dois meses a mais sofrendo com dores em uma cama ou viver menos, porém com menos sofrimento.
Ele escolheu viver menos, mas sem sofrer tanto e sem dar trabalho à família. Mas tinha um problema nisso tudo: sua herança. Ele disse que lutou muito para construir tudo e não queria deixar um safado como o Gustavo pegar nada. E era aí que eu entrava na história; ele queria passar tudo para o meu nome.
Eu perguntei por que eu e não a tia, e ele disse que não queria contar nada a ela, não queria passar os últimos dias de vida ao lado do seu amor com ela triste e chorando.
Bom, eu não tive outra opção a não ser aceitar seu pedido. Não tinha como eu negar isso a ele; assinei todos os papéis. Ele disse que Pedro continuaria tomando conta da empresa para ele e que me mandaria todo o dinheiro do lucro. Perguntei o que ele diria para a tia sobre a empresa. Ele disse que diria que tinha se endividado e precisou vender, mas que tinha dinheiro para os dois viverem tranquilos o resto da vida. Ele não queria mentir para a tia, mas não tinha outra opção.
Ele pediu para eu ajudar caso houvesse alguma situação em que ela, Ká ou seu neto precisassem de ajuda financeira, mas sem me revelar. Eu prometi a ele que cuidaria delas e do neto, mas estava preocupada com a Ká, porque assim que Gustavo descobrisse que ela estava pobre, a deixaria. O tio falou que estava esperando por isso e que era melhor a filha sofrer agora do que depois, ainda perdendo tudo que tinha direito, porque com certeza Gustavo arrumaria um jeito de roubar tudo dela se ela pegasse a herança.
Ele disse que sentia muito por jogar toda aquela responsabilidade sobre mim, por pedir para eu esconder algo da tia, mas não confiava em mais ninguém além de mim e Pedro. Seria muito estranho ele vender para Pedro, já que ele era seu funcionário; isso poderia levantar suspeitas.
Eu disse que tudo bem; ficava feliz por poder ajudar e mais ainda por saber que ele confiava tanto em mim. Disse que teria que contar para Daniel, que era meu homem de confiança no Brasil e poderia ajudar muito em uma emergência no futuro. Ele disse que estava tudo bem.
Ficamos ali conversando por muito tempo, acertamos tudo e, na hora de eu me despedir, perguntei quanto tempo ele ainda tinha. Ele disse que não sabia, mas provavelmente não me veria de novo nesse plano. Nossa, eu não aguentei; o abracei e chorei muito. Liandra praticamente teve que me arrastar dali. Eu não podia acreditar que iria perdê-lo, um homem bom, trabalhador, honesto; não era justo.
Liandra me levou aos prantos até o táxi, disse que era melhor a gente ir para um hotel porque eu não tinha condições de viajar daquele jeito. Eu concordei; fomos para um hotel e dormimos ali. Liandra cuidou de mim a noite toda. No outro dia, viajamos cedo de volta. Nem vi Daniel, porque não estava em condições de conversar com ninguém. Quando chegamos, fui direto para meu quarto e chorei muito de novo. Foram dias difíceis aqueles.
Quando minha tia me ligou aos prantos, me contando do falecimento do tio, eu fiquei muito triste. Chorei também, mas não foi tão dolorido quanto aquele dia em que ele me contou tudo. Foi difícil demais perder o tio; ele e Daniel, para mim, são meus pais. Sempre vou considerar os dois assim.
Fui ao velório, fiquei o tempo todo junto com a tia, menos no momento em que vi Ká chegando. Saí por trás das pessoas e fiquei de longe até o final do enterro. Fui para o carro e estava esperando a tia quando Gustavo apareceu na minha frente. Falou que eu estava muito bonita e que devia ter insistido mais comigo, dando um sorriso cínico. Eu fui virar as costas para sair quando ele disse que eu tinha me metido com as pessoas erradas e tinha perdido.
Eu não aguentei; olhei para ele e falei que ele podia esperar, mas a hora dele iria chegar, e ele se arrependeria de ter cruzado meu caminho. Ele começou a rir e me provocar, mas a tia chegou e xingou ele. Eu achei melhor tirar ela de perto dele, fui para o carro abraçada com ela, morrendo de raiva daquele infeliz. Mas tudo bem; eu ainda iria rir por último. Mal ele sabia que tudo que ele queria estava no meu nome.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper
---