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Daniel afastou o celular e saiu do quarto. Ele me contou que entraram normalmente no motel, como se fossem alugar um quarto, mas todos já usando máscara. Quando entraram, dois já desceram e foram direto para o cômodo separado dos quartos. Ele entrou e rendeu um casal que trabalhava ali. Disse que o motel era pequeno e sem segurança alguma; provavelmente nem câmera tinha, mas iria verificar depois. Se tivesse, apagaria a gravação.
Ele disse que falou para os dois funcionários que não iria fazer mal nenhum a eles e que logo seriam liberados. Então, perguntou onde estava o casal, pegou a chave reserva, e os três foram para o quarto, enquanto um ficou com o casal. Ele disse que revistou tudo: achou o cartão de crédito da Ká, um pouco de dinheiro, uma caixinha de joias, um notebook e as malas com várias roupas e objetos pessoais.
Perguntei a Daniel o que ele iria fazer com os dois. Ele disse que eu deveria resolver isso, que só não mataria eles, mas que o que eu decidisse, ele faria. Eu disse que matar nunca passou pela minha cabeça e que jamais concordaria com isso, mas que um susto eles mereciam. Ele concordou. Pedi a Daniel para voltar ao quarto novamente, colocar no viva-voz e me perguntar o que eu queria que fizesse com eles, seguindo minha dica.
Daniel entendeu e entrou no quarto, colocou a chamada de vídeo em viva-voz e perguntou o que ele deveria fazer com os dois. Eu respondi se haveria algum perigo de alguém descobrir se déssemos um fim neles. Daniel entendeu o que eu queria e disse que provavelmente não, que era só apagá-los e pôr fogo no local para queimar todas as provas.
Nessa hora, vi o desespero tomar conta dos dois. Telma foi a primeira a pedir, pelo amor de Deus, para não fazermos isso, que não queria morrer, que sentia muito pelo que tinha feito. Gustavo estava apavorado e começou a chorar. Eu nem entendia direito o que ele falava, mas ele se ajoelhou na cama olhando para o meu rosto no celular do Daniel. Queria rir daquele homem enorme chorando como um bebê, mas me contive.
Falei que tudo bem, que ia dar uma chance a eles. Eu deixaria que ficassem vivos para ir embora, mas se eu soubesse que eles se aproximaram da Ká ou tentaram ter qualquer tipo de contato com ela ou com o filho dela, eu mandaria meus amigos atrás deles de novo, mas dessa vez não seria para conversar. Os dois me agradeceram e disseram que eu nunca mais ouviria falar deles.
Daniel, só para por fogo no negócio, ainda perguntou se eu tinha certeza disso, que eles já estavam ali, e que era melhor cortar o mal pela raiz. Telma, chorando, disse que não queria morrer, que fariam tudo o que eu quisesse. Eu falei para Daniel que tinha certeza, que iria dar essa chance a eles, pelo menos dessa vez. Gustavo me agradeceu umas cinco vezes em sequência.
Daniel saiu do quarto novamente. Eu disse para ele pegar todo o dinheiro que estivesse com eles, a caixinha de joias e o cartão de crédito. O resto podia deixar para trás. Pedi para ele sair dali com seus amigos e irem descansar, porque eles mereciam e com certeza seriam muito bem recompensados. Também pedi para ele pagar o quarto para os funcionários, caso os dois não tivessem pago, dar uma boa gorjeta a eles e pedir desculpas pelo incômodo. Daniel disse que podia deixar com ele e comentou que eu era muito boazinha, rindo. Depois, se despediu e desligou.
Fiquei mais tranquila; pelo menos esse problema estava resolvido. Agora era só torcer para que a Ká ficasse bem logo. O tempo passou e a Tia ligou, dizendo que a Ká tinha acordado, se desculpado com ela, que iria voltar para casa, que estava tudo bem com sua gravidez, mas que não queria nem ouvir falar no meu nome, que a raiva de mim não tinha passado. Fiquei muito triste ao ouvir aquilo, mas disse para a Tia que estava tudo bem, que o importante era que ela estava bem. Conteis que tinha recuperado as coisas dela, mas que iria guardar por enquanto até achar uma desculpa ou uma forma de devolver a ela sem dizer que fui eu quem recuperou. A Tia pediu desculpas, eu disse que não era culpa dela e que estava tudo bem.
Mas não estava. Eu fiquei arrasada. Eu jurava que, depois de descobrir as coisas sobre Gustavo e Telma, a Ká iria perceber que ela errou comigo, que eu nunca a trairia, ou que, pelo menos, deixasse de me odiar. Mas, por algum motivo, isso não aconteceu. Eu devia ter feito Gustavo confessar que a conversa era mentira, que os dois não eram primos, mas sim amantes. Mas poxa, ela devia acreditar em mim sem eu ter que provar nada. A gente cresceu juntas; não era possível que ela não me conhecesse. Aqueles pensamentos só me deixaram mais triste ainda e, mais uma vez, eu chorei muito. Gustavo tinha razão quando disse que eu tinha perdido. Era verdade; ele venceu. Ele tirou o que eu mais amava nessa vida.
Resolvi focar nos estudos, mas tinha problemas para dormir à noite. Às vezes acordava chorando ou assustada. Aquilo estava me prejudicando. Achei que tinha algum problema mental ou que tudo o que me aconteceu tinha me causado algum trauma. Fui primeiro a um psiquiatra. Conteis tudo para ele. Ele disse que eu provavelmente tinha algum problema psicológico, que iria fazer alguns exames de rotina, mas que era melhor eu procurar um psicólogo. Ele disse que, pelo que falei, a Ká provavelmente tinha algum trauma, porque o ódio que tinha de mim não era normal e provavelmente esse ódio a estava deixando cega para perceber algo óbvio.
Fui a uma psicóloga e comecei a fazer sessões regulares com ela. Foi a melhor coisa que fiz. Me ajudou muito. Aos poucos, fui voltando a dormir melhor e, com isso, conseguia me concentrar melhor nos meus estudos. Minha vida começou a ficar mais tranquila. Meus amigos me ajudavam muito, principalmente Rute, que virou meu braço direito em tudo; era minha nova melhor amiga.
Minha vida seguia bem. A Tia sempre me ligava e era nítido o quanto ela ficou feliz com a volta da filha para casa. Ela estava trabalhando na minha empresa sem saber e era o braço direito do Pedro. Eu não me metia em decisões da empresa, mas Pedro me ligava uma vez por mês para me passar tudo o que tinha feito, mesmo sem eu pedir. Era um bom homem e muito honesto; depositava os lucros da empresa na conta que criei só para isso, me explicava de onde veio cada centavo e passava a planilha dos gastos. Na verdade, nunca olhei direito aquelas planilhas. O Tio confiava nele, então passei a confiar também.
Quando Sophia nasceu, a Tia me mandou fotos dela. Fiquei muito feliz de ver aquela princesinha; imaginei que ela traria muita alegria para aquela casa. O Daniel já tinha feito as compras que pedi e mandado entregar. A Tia me perguntou se eu tinha alguma coisa a ver com aquilo. Eu disse que não fazia ideia do que ela estava falando. Na época, achei que ela não tinha acreditado em mim nem um pouco, mas não quis me encher de perguntas. Adorei porque mentir para a Tia e esconder as coisas dela era difícil para mim. Mas, infelizmente, eu precisava, porque prometi ao Tio e iria cumprir até o último momento.
Minha empresa estava em fase de reconstrução. César estava fazendo um ótimo trabalho. Ele sempre me ligava ou eu ligava para ele para combinar os próximos passos, mas para ele eu só era a secretária e porta-voz da nova diretoria.
Meses foram passando. A Tia me disse que queria contratar uma babá porque a Ká queria voltar a estudar e ela estava trabalhando, não poderia ficar com a neta. Mas ela disse que não poderia pagar uma babá por muito tempo e tinha medo de deixar a neta com alguém que não conhecia.
Eu disse para ela que talvez tivesse a solução, mas teria que fazer umas ligações antes. Ela disse que não tinha pressa. À noite, liguei para Daniel e perguntei se Lúcia tinha conseguido trabalho. Ele tinha comentado comigo dias atrás que Lúcia queria voltar a trabalhar, mas estava difícil arrumar serviço na sua área. Ele disse que ela tinha feito algumas entrevistas, mas até o momento ninguém tinha ligado. Pedi para falar com ela.
Fiz a proposta para Lúcia e ela aceitou com a condição de só me falar sobre as coisas importantes relacionadas a Sophia. Eu disse que era isso mesmo que eu queria: alguém de confiança para cuidar de Sophia e me avisar se ela ou alguém da família precisasse de algo. Ela disse que, então, da parte dela, estava combinado.
Liguei para a Tia e falei que tinha uma pessoa para trabalhar de babá, porém essa pessoa era minha amiga e a Ká não poderia saber, senão ela não iria aceitar. A Tia perguntou quem era e expliquei que era Lúcia, a mulher do Daniel, que era meu melhor amigo e que cuidou de mim quando meu pai me machucou. A Tia disse que seria perfeito, já que era uma pessoa de confiança e ainda por cima era enfermeira. Pediu para passar o contato dela que iria falar com ela. Eu disse que iria pagar o salário dela, pelo menos no início, porque queria ajudar de alguma forma, e esse seria meu presente para Sophia. A Tia não queria aceitar, mas depois de algumas chantagens emocionais, acabei convencendo-a.
Bom, minha vida foi passando e resolvi que o amor que sentia por Ká só me fazia mal. Então, resolvi fazer de tudo para esquecê-la. Com o tempo, achei que tinha conseguido. No mais, não houve nenhuma surpresa na minha vida. Daí para frente, foi só paz.
Minha empresa estava indo bem, Lúcia estava adorando o trabalho. Me ligava ou me mandava mensagem quando precisava de algo ou tinha alguma notícia importante sobre Sophia. Eu estava indo muito bem nos estudos, meus amigos se tornavam cada vez mais meus amigos. Bruno e Rute ficaram noivos, Maria estava bem; até queríamos arrumar um namorado para ela, mas ela disse que não queria saber disso tão cedo.
Eu estava com o coração leve. Visitei Daniel, Lúcia e Ângela nas férias e, claro, a Tia foi me ver. Nos encontramos três vezes, conversamos muito. Todo ano eu ia ao Brasil ver eles. Eu continuava indo à psicóloga, que era algo que me fazia muito bem. A academia e as aulas de capoeira também deram resultado; eu não era mais aquela menina magrinha. Me tornei uma mulher com um corpo legal, já não era largada como antes, comprava roupas bonitas e cuidava do meu visual.
Saía alguns finais de semana com Liandra, dava uns beijos na boca às vezes, me divertia. Minha vida estava ótima há um bom tempo, mas recebi a lista de nomes de novos estagiários para minha empresa e, além de um nome com o mesmo sobrenome do meu diretor, que achei meio suspeito, tinha um nome que eu sabia de cor: o da Ká. Mais uma vez, o destino me pregava uma peça.
Dessa vez, resolvi não me estressar com aquilo. Fiz uma pesquisa e descobri que Ká era uma das melhores alunas da sua área e, junto dela, estava a filha do César. Então, resolvi não me meter, já que se eu falasse para o César não dar o estágio para a Ká, seria um motivo a mais para ela me odiar quando eu voltasse ao Brasil e assumisse a empresa. Além disso, ela merecia o estágio. Falei para o César que ele podia resolver isso, que a diretoria deixou por conta dele.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper